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O Lobo da Estepe - Christian Rocha

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iosi<strong>da</strong>de; nelas pensei profun<strong>da</strong>mente durante longas horas. E a advertência <strong>da</strong>quela inscrição<br />

me falava ca<strong>da</strong> vez mais claramente: "Só para os raros!" "Só para loucos!'' Louco eu devia ser<br />

e sem dúvi<strong>da</strong> era um dos "raros", senão aquela voz não me teria alcançado, senão aquele<br />

mundo não me teria o que dizer. Meu Deus, não estava, há bastante tempo, afastado <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />

comum, <strong>da</strong> existência e do pensamento dos normais, não estava, há muito, mais do que<br />

suficientemente solitário e louco? E, no entanto, compreendi muito bem no íntimo do meu ser<br />

o chamado, o convite à loucura, o alijamento <strong>da</strong> razão, a escapa<strong>da</strong> aos estorvos <strong>da</strong> convenção<br />

para entregar-me a um mundo flutuante e anárquico, <strong>da</strong> alma e <strong>da</strong> fantasia.<br />

Uma tarde, após percorrer em vão as ruas e praças em busca do homem do cartaz e após haver<br />

passado e tornado a passar diante do muro <strong>da</strong> porta invisível, acabei <strong>da</strong>ndo com um cortejo<br />

fúnebre em São Martim. Enquanto examinava a face dos que acompanhavam o carro fúnebre,<br />

fiquei pensando: Em que parte <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, em que parte do mundo vive o homem cuja morte<br />

significará uma per<strong>da</strong> para mim? E onde estará o homem para quem minha morte há de<br />

significar algo? Havia Erika, é ver<strong>da</strong>de, mas há muito que vivíamos separados; raramente nos<br />

víamos sem que brigássemos, e por ora nem sequer sabia de seu paradeiro. Vinha às vezes<br />

ver-me ou ia ao seu encontro, e embora ambos fôssemos pessoas solitárias e difíceis,<br />

aparenta<strong>da</strong>s na alma e nas suas enfermi<strong>da</strong>des, havia entre nós certos laços que persistiam<br />

apesar de tudo. Mas, não haveria de respirar fundo e sentir-se um tanto alivia<strong>da</strong>, ao ter<br />

conhecimento de minha morte? Não sabia. Também na<strong>da</strong> sabia sobre a autentici<strong>da</strong>de de meus<br />

próprios sentimentos. É preciso que se viva no normal e no possível para que saiba algo<br />

destas coisas.<br />

Enquanto isso, seguindo meu capricho, juntei-me ao cortejo fúnebre e caminhei ao lado dos<br />

acompanhantes até o cemitério, uma necrópole moderna, de cimento, dota<strong>da</strong> de cernatório e<br />

de todos os requisitos imagináveis. Nosso defun-<br />

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