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O Lobo da Estepe - Christian Rocha

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des, às Feiras Mundiais, aos Corsos. Não entendo nem compartilho essas alegrias, embora<br />

estejam ao meu alcance, pelas quais milhares de outros tanto anseiam. Por outro lado, o que<br />

se passa comigo nos meus raros momentos de júbilo, aquilo que para mim é felici<strong>da</strong>de e vi<strong>da</strong><br />

e êxtase e exaltação, procura-o o mundo em geral nas obras de ficção; na vi<strong>da</strong> parece-lhe<br />

absurdo. E, de fato, se o mundo tem razão, se essa música dos cafés, essas diversões em<br />

massa e esses tipos americanizados que se satisfazem com tão pouco têm razão, então estou<br />

errado, estou louco. Sou, na ver<strong>da</strong>de, o <strong>Lobo</strong> <strong>da</strong> <strong>Estepe</strong>, como me digo tantas vezes — aquele<br />

animal extraviado que não encontra abrigo nem alegria nem alimento num mundo que lhe é<br />

estranho e incompreensível.<br />

Com esses pensamentos costumeiros fui an<strong>da</strong>ndo pela rua molha<strong>da</strong> de um dos mais tranquilos<br />

e antigos recantos <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Do lado oposto destacava-se na escuridão um velho muro de<br />

pedra que sempre tive prazer em olhar. Velho e sereno, situava-se entre uma igrejinha e um<br />

antigo hospital. Frequentemente, durante o dia, era em sua áspera superfície que meus olhos<br />

descansavam. Havia poucos locais assim tão quietos e aprazíveis no centro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, onde o<br />

usual era que em ca<strong>da</strong> canto houvesse algum comerciante, ou advogado, ou charlatão, ou<br />

médico, ou barbeiro, ou calista apregoando o seu nome. Desta vez, também, o muro era<br />

pacífico e sereno; entretanto, alguma coisa nele havia mu<strong>da</strong>do. Fiquei surpreso ao ver uma<br />

pequena e delica<strong>da</strong> porta ogival aberta em meio ao muro, pois não conseguia lembrar-me se<br />

aquela entra<strong>da</strong> já existia ali ou se tinha sido recentemente feita. Pareceu-me antiga,<br />

antiquíssima sem dúvi<strong>da</strong>; possivelmente aquela porta fecha<strong>da</strong>, com suas folhas de madeira<br />

escura, desse, desde há alguns séculos, para o interior de um pátio de convento. E possível<br />

que já tivesse visto aquela porta centenas de vezes e nunca reparasse nela; talvez a tivessem<br />

pintado recentemente e isto me atraísse agora a atenção para ela. Fiquei parado algum tempo,<br />

olhando para o outro lado <strong>da</strong> rua, mas sem atravessar, pois a rua estava cheia de lama;<br />

permaneci na calça<strong>da</strong>,<br />

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