19.04.2013 Views

Igreja de Nossa Senhora da Graça do Estreito - Universidade da ...

Igreja de Nossa Senhora da Graça do Estreito - Universidade da ...

Igreja de Nossa Senhora da Graça do Estreito - Universidade da ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

José Luís Rodrigues<br />

Pároco <strong>da</strong> paróquia <strong>de</strong> São Roque, Funchal<br />

Revista Girão 138<br />

A Pisa <strong>do</strong> Trigo e as Mãos <strong>da</strong> Minha Avó<br />

Coisas <strong>de</strong> outros tempos, no Jardim <strong>da</strong> Serra<br />

Pia <strong>de</strong> pisar o trigo e respectivo pisão <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> cabo <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira<br />

As mãos <strong>de</strong>slizam <strong>de</strong>baixo <strong>do</strong> pisão com<br />

mestria e agili<strong>da</strong><strong>de</strong> extraordinária. Neste quadro<br />

aparentemente dramático, só o trigo se<br />

contorce <strong>de</strong> <strong>do</strong>r, esteve <strong>de</strong> molho <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o dia<br />

<strong>de</strong> anterior, agora coloca<strong>do</strong> na pia <strong>de</strong> pisar,<br />

levará umas panca<strong>da</strong>s valentes com o pisão,<br />

pedra arre<strong>do</strong>n<strong>da</strong><strong>da</strong> enfia<strong>da</strong> na ponta <strong>de</strong> um<br />

pau <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira (o cabo) on<strong>de</strong> seguramos<br />

para ir a cima e abaixo, e, assim, cai o pisão,<br />

ora <strong>de</strong>vagar ora rápi<strong>do</strong>, para que o trigo não<br />

salte <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> pia para fora ou não fique<br />

esmaga<strong>do</strong>. As mãos que trabalham <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong><br />

pia vão or<strong>de</strong>nan<strong>do</strong> o ritmo. Este trabalho <strong>da</strong><br />

avó era brilhante e provocava-me o maior <strong>do</strong>s<br />

espantos.<br />

As suas mãos circulan<strong>do</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> pia a<br />

mexer o trigo <strong>de</strong> forma ritma<strong>da</strong> sem me<strong>do</strong> <strong>da</strong>s<br />

panca<strong>da</strong>s <strong>do</strong> pisão que cai sobre o trigo, mas<br />

que não toca nas mãos.<br />

Este trabalho <strong>da</strong> pisa <strong>do</strong> trigo era feito<br />

com muita frequência na casa <strong>da</strong> avó. Um<br />

trabalho extraordinário, muito longe <strong>do</strong>s<br />

tempos mo<strong>de</strong>rnos, que já nos ven<strong>de</strong> nos<br />

supermerca<strong>do</strong>s o trigo <strong>de</strong>bulha<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma<br />

mecânica. Face a estas facili<strong>da</strong><strong>de</strong>s actuais,<br />

sempre faz reminiscência aquele trabalho<br />

que em pouco tempo nos <strong>de</strong>bulhava<br />

em suor e arfava o peito <strong>de</strong> cansaço para<br />

conseguir <strong>de</strong>scascar o trigo. E que sopa<br />

maravilhosa vinha <strong>da</strong>li! As mãos <strong>da</strong> avó<br />

trabalhavam <strong>de</strong>baixo <strong>do</strong> pisão a virar e a<br />

revirar o trigo para que nenhum manhoso<br />

ficasse com a casca ou então, pior ain<strong>da</strong>,<br />

se esmagasse o melhor <strong>do</strong> trigo no fun<strong>do</strong><br />

<strong>da</strong> pia, que era duro e carcomi<strong>do</strong> pelo tempo<br />

e pelas panca<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s imensas pisagens<br />

que ali já foram feitas.<br />

Este ritual <strong>da</strong> <strong>de</strong>bulha <strong>do</strong> trigo era encanta<strong>do</strong>r.<br />

Normalmente, realizava-se durante<br />

as manhãs para ser cozinha<strong>do</strong> para<br />

a hora <strong>da</strong> ceia - ceia sim - porque nesse tempo<br />

jantávamos pão e café pelas quatro horas <strong>da</strong><br />

tar<strong>de</strong>. A ceia era traga<strong>da</strong> pela noite no fim <strong>da</strong><br />

jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho intenso na agricultura, <strong>de</strong>pois<br />

<strong>da</strong> terra revira<strong>da</strong> pela impie<strong>do</strong>sa enxa<strong>da</strong> e<br />

o ga<strong>do</strong> atesta<strong>do</strong> e aconchega<strong>do</strong> no palheiro.<br />

Esta vi<strong>da</strong> tinha o ritmo <strong>do</strong> sol e não se <strong>do</strong>minava<br />

com o stress <strong>da</strong>s agen<strong>da</strong>s e com a escravatura<br />

<strong>do</strong>s horários. Tu<strong>do</strong> tinha um sabor a tempo.<br />

Acaba<strong>do</strong> o momento <strong>da</strong> pisa <strong>do</strong> trigo, ficava<br />

esse néctar, espalha<strong>do</strong> a secar ao sol, <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> feita essa secagem as mulheres escolhiam o<br />

melhor sítio com a <strong>de</strong>vi<strong>da</strong> direcção <strong>do</strong> vento<br />

para ser joeira<strong>do</strong>, isto é, as mãos enchiam-se<br />

<strong>de</strong> trigo e eram levanta<strong>da</strong>s ao mais alto possível,<br />

as cascas <strong>do</strong> trigo, eram leva<strong>da</strong>s pela brisa<br />

para um canto, o alimento como era mais pesa<strong>do</strong><br />

caía no sítio certo. Já sabíamos qual seria<br />

o seu <strong>de</strong>stino.<br />

Técnicas rudimentares, mas cheias <strong>de</strong> sabe<strong>do</strong>ria,<br />

em nome <strong>da</strong> sobrevivência.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!