Dossier | Atelier 200 - Teatro Nacional São João no Porto
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(Pausa.)<br />
Vi seu corpo, saí do carro<br />
para o cobrir com o meu véu negro.<br />
hécuba<br />
Degolada sobre um túmulo,<br />
como uma cabra,<br />
como um boi.<br />
Morte infame!<br />
andrómaca<br />
Infame, não.<br />
Morreu, é tudo.<br />
Eu sou mais infeliz porque estou viva.<br />
hécuba<br />
Que dizes, minha filha?<br />
A morte é o vazio – tu bem o sabes.<br />
Na vida mais miserável<br />
há pelo me<strong>no</strong>s a esperança.<br />
andrómaca<br />
Que raiva de viver!<br />
E sabes que perdeste tudo:<br />
os teus filhos morreram<br />
e o teu ventre é demasiado velho<br />
para gerar outros.<br />
Não. Não há mais esperança. Melhor assim.<br />
Não te agarres às tábuas podres.<br />
Abandona‑te; sofrerás me<strong>no</strong>s.<br />
A morte é o vazio, é verdade.<br />
E o vazio: a calma eterna.<br />
Eu sofro e sei.<br />
Vivia apenas para bem desempenhar<br />
o meu papel de mulher e de mãe.<br />
Eu sabia oferecer ao meu Heitor<br />
uns olhos calmos<br />
e uma presença silenciosa.<br />
Apenas desejava<br />
para ele a felicidade<br />
e, para mim, o <strong>no</strong>me de esposa perfeita.<br />
Foi a minha glória que me perdeu!<br />
A fama da minha virtude chegou aos Gregos;<br />
o assassi<strong>no</strong> de Heitor tem um filho, Neoptólemo,<br />
que me exige para o seu leito.<br />
Não quero. Não suporto<br />
que a face amada se apague da minha memória.<br />
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