19.04.2013 Views

Dossier | Atelier 200 - Teatro Nacional São João no Porto

Dossier | Atelier 200 - Teatro Nacional São João no Porto

Dossier | Atelier 200 - Teatro Nacional São João no Porto

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

O Coro<br />

Patrice Pavis*<br />

1. Evolução do Coro<br />

A origem do teatro grego – e, com ele, da tradição do teatro ocidental –<br />

confunde ‑se com as celebrações ritualísticas de um grupo <strong>no</strong> qual dançari<strong>no</strong>s<br />

e cantores formam, ao mesmo tempo, público e cerimónia. A forma dramática<br />

mais antiga seria a recitação do corista principal (corifeu) interrompida pelo<br />

coro. A partir do momento em que as respostas ao coro passam a ser dadas por<br />

um, depois por vários protagonistas, a forma dramática (diálogo) passa a ser a<br />

<strong>no</strong>rma, e o coro não é mais senão uma instância que comenta (advertências,<br />

conselhos, súplica).<br />

Na comédia aristofânica, o coro se integra amplamente à ação, intervindo<br />

nas parábases. Depois, tende a desaparecer ou a restringir ‑se apenas à função<br />

de entreato lírico (como na comédia romana).<br />

Na Idade Média, assume formas mais pessoais e didáticas e atua como<br />

coordenador épico dos episódios apresentados, e se subdivide, <strong>no</strong> interior da<br />

ação, em subcoros que participam da fábula.<br />

No século XVI, em particular <strong>no</strong> drama humanista, o coro separa os<br />

atos (ex.: o Fausto, de Marlowe), torna ‑se entreato musical. Shakespeare o<br />

personaliza e o encarna num ator encarregado do prólogo e do epílogo.<br />

O clown e o bobo, que prenunciam o confidente do teatro clássico francês,<br />

são sua forma paródica.<br />

O classicismo francês, em ampla escala, renuncia ao coro, preferindo a<br />

iluminação intimista do confidente e do solilóquio (exceções marcantes: Ester<br />

e Athalie de Racine). Foi usado pela última vez na forma clássica por Goethe e<br />

Schiller. Para este último, o coro deve provocar a catarse e “despsicologizar” o<br />

conflito dramático, elevando ‑o de seu ambiente banal a uma esfera altamente<br />

trágica da “força cega das paixões”, e “desdenhar a produção de ilusão”.<br />

No século XIX realista e naturalista, o emprego do coro entra nitidamente<br />

em declínio para não chocar a verosimilhança; ou, então, se encarna<br />

em personagens coletivas: o povo (Büchner, Hugo, Musset). Uma vez<br />

ultrapassada a dramaturgia ilusionista, o coro faz, hoje, sua reaparição como<br />

fator de distanciamento (Brecht, A<strong>no</strong>uilh e sua Antígona), como desesperadas<br />

tentativas de encontrar uma força comum a todos (T.S. Eliot, Giraudoux,<br />

Toller) ou na comédia musical (função mistificadora e unanimista do grupo<br />

soldado pela expressão artística: dança, canto, texto).<br />

2. Poderes do Coro<br />

A) Função estética desrealizante<br />

Apesar de sua importância fundante na tragédia grega, o coro logo parece<br />

elemento artificial e estranho à discussão dramática entre as personagens.<br />

Torna ‑se uma técnica épica, muitas vezes distanciadora, pois concretiza<br />

diante do espectador um outro espectador ‑juiz da ação, habilitado a<br />

comentá ‑la, um “espectador idealizado” (Schlegel). Fundamentalmente, este<br />

comentário épico equivale a encarnar em cena o público e seu olhar. Schiller<br />

fala, sobre o coro, exatamente o que mais tarde dirá Brecht a respeito do<br />

narrador épico e do distanciamento: “Separando as partes umas das outras<br />

e interferindo em meio às paixões com seu ponto de vista pacificador, o coro<br />

devolve a <strong>no</strong>ssa liberdade, que de outra forma desapareceria <strong>no</strong> furacão das<br />

paixões” (“Do Emprego do Coro na Tragédia”).<br />

B) Idealização e generalização<br />

Elevando ‑se acima da ação “terra a terra” das personagens, o coro substitui<br />

o discurso “profundo” do autor; garante a passagem do particular para o<br />

geral. Seu estilo lírico eleva o discurso realista das personagens a um nível<br />

inexcedível, o poder de generalização e de descoberta da arte nele se encontra<br />

multiplicado por dez. “O coro deixa o estreito círculo da ação para estender ‑se<br />

34

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!