CP5_Ética-Princípios_1 - Rede Valorizar
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Distinção conceptual entre <strong>Ética</strong> e Moral<br />
Os conceitos de <strong>Ética</strong> e Moral são conceitos que, por vezes, se confundem. Apesar<br />
de relacionados, é comum referimo-nos a problemas éticos, que na verdade são morais e<br />
vice-versa. Analisemos a seguinte situação:<br />
SITUAÇÃO -PROBLEMA<br />
«Seja, por exemplo, o caso seguinte: alguém tem em seu poder um bem alheio que lhe foi confiado em<br />
depósito pelo seu dono, que entretanto faleceu sem que os seus herdeiros saibam nem possam vir a<br />
saber nunca desse depósito. (...) O possuidor desse depósito, exactamente nesta altura, caiu na ruína<br />
total, vendo a sua família, mulher e filhos aflitos e cheios de privações, e sabendo que podia livrá-los<br />
dessas privações num abrir e fechar de olhos apropriando-se do depósito. Além disso, suponhamos<br />
que o nosso homem é humano e caritativo, enquanto que os herdeiros são ricos e egoístas, e de tal<br />
modo petulantes e gastadores que acrescentar o depósito à sua fortuna seria como atirá-lo<br />
directamente ao mar. Se se pergunta agora se em tais circunstâncias estaria permitido o uso do<br />
depósito em benefício próprio, sem dúvida se devia responder: “Não!” E em vez de invocar todo o<br />
tipo de justificações, dirá tão somente: „é injusto”, isto é, opõe-se ao dever.»<br />
Kant, in curso de Filosofia, ed. Biblioteca Nova, Madrid<br />
poder?<br />
Nível Secundário X<br />
Área de competência chave Cidadania e Profissionalidade<br />
UFCD CP_ 5 Deontologia e princípios éticos<br />
TEMA <strong>Princípios</strong> fundamentais da <strong>Ética</strong> (1)<br />
Como se deveria actuar numa situação extrema como a colocada por Kant?<br />
Que está em jogo na tomada de decisão do indivíduo que tem o depósito em seu<br />
Se só ele (e o legítimo proprietário entretanto falecido) é conhecedor do dito depósito,<br />
porque não apropriar-se dele?<br />
A quem, se não a ele próprio (à sua consciência), terá de prestar contas?<br />
E vivendo a sua família um momento difícil de privações, não teria ele mais que<br />
razões para se apropriar do depósito e solucionar os seus problemas?<br />
Mas por que razão conclui Kant que seria injusto ele apropriar-se do depósito?<br />
Não haverá outras alternativas possíveis? E que consequências implicam elas?<br />
Organização Ana Paula Rodrigues 1
Esta é uma das múltiplas situações em que as decisões que tomamos implicam o que<br />
de mais fundamental caracteriza o ser humano: o agir de acordo com a própria consciência.<br />
O ser humano pode agir por orientações resultantes de códigos de conduta controlados e<br />
impostos do exterior, mas tem também de contar com a sua própria consciência, com uma<br />
vivência ditada por princípios auto-impostos pela nossa atitude interior que nos define como<br />
seres ético-morais. Podemos escolher agir por receio duma punição ou repressão social<br />
(condenação social, polícia, prisões), ou podemos escolher agir independentemente de<br />
todos esses julgamentos e pressões exteriores, apenas por respeito à nossa própria<br />
dignidade, por respeito à nossa própria concepção de bem e de mal, agindo em função do<br />
julgamento apenas da nossa consciência. Estas são as escolhas em que não interessa<br />
somente a conformidade ou o respeito pelas normas, mas fundamentalmente importa a<br />
intenção com que são realizadas; importa o julgamento íntimo que cada um faz de acordo<br />
com a sua concepção do permitido e do interdito.<br />
Não mentir ou não roubar, por exemplo, pode traduzir simplesmente o respeito por<br />
uma norma exterior. Neste caso, o indivíduo opta por não mentir apenas por ter medo de ser<br />
apanhado e de poder vir a perder a credibilidade perante os outros. Porém, não mentir<br />
também pode resultar de se considerar que tal acção é desonesta e imprópria de um ser<br />
humano. Neste caso, a decisão de não mentir resulta de uma opção interior, pois só o<br />
próprio autor conhece a intenção. A sua decisão de não mentir não resulta da imposição<br />
duma norma exterior, mas da obediência à sua própria consciência.<br />
É a este conjunto de exigências a que um indivíduo se obriga a si mesmo, o conjunto dos<br />
deveres ou dos imperativos que cada um reconhece como legítimos e que impõe a si<br />
mesmo independentemente do olhar do outro ou de qualquer recompensa, que chamamos<br />
Moral ou <strong>Ética</strong>.<br />
Texto 1<br />
Nada há, realmente, na etimologia ou na história do uso dos termos que imponha a<br />
distinção entre ética e moral. Um dos termos vem do grego, o outro do latim e ambos reenviam<br />
à ideia de costumes (ethos, mores); no entanto, podemos encontrar um traço distintivo entre<br />
eles, consoante acentuemos o que é «considerado bom» ou o que «se impõe como<br />
obrigatório». É por convenção que reservarei o termo ética pata o objectivo de uma vida<br />
realizada sob o signo das acções consideradas boas, e o termo moral para o lado obrigatório,<br />
marcado pelas normas, pelas obrigações, pelas interdições, caracterizadas, simultaneamente,<br />
por uma exigência de universalidade e por um efeito de coacção. [...] Definirei a finalidade ética<br />
pelos três termos seguintes: finalidade da vida boa, com e para os outros, nas instituições<br />
justas.<br />
Paul Ricoeur, «<strong>Ética</strong> e Moral», in Revista Portuguesa de Filosofia<br />
Organização Ana Paula Rodrigues 2
Assim, o conceito de Moral utiliza-se hoje para designar o âmbito da formação das<br />
normas obrigatórias, da sua hierarquização e aplicação a casos concretos no interior duma<br />
comunidade humana. Constitui, portanto, um conjunto de imperativos e de interditos,<br />
traduzindo o sentido de obrigatoriedade, o conjunto dos deveres do ser humano, isto é, uma<br />
deontologia, as normas válidas no interior dum grupo. Desenvolve-se na prática social, no<br />
contexto de uma cultura, no seio da qual os valores, os hábitos e costumes geram as leis ou<br />
códigos que definem o que é desejável e o que é permitido ou proibido, distinguindo o bem<br />
do mal. Apresenta-se, portanto, com uma função normativa, isto é, de institucionalização de<br />
normas que regulam a conduta. A Moral responde-nos, pois, às questões: Que devo fazer?<br />
Como é correcto agir em tal circunstância?<br />
A <strong>Ética</strong>, por sua vez, remete mais para uma reflexão acerca dos princípios que devem<br />
orientar a acção humana, para uma fundamentação das normas do agir, e também para a<br />
definição dos fins orientadores da existência de cada um, tendo em vista a auto-construção<br />
de si na prossecução duma vida boa e feliz. Interroga-se sobre o que dá sentido ou valor à<br />
existência humana. A <strong>Ética</strong> responde, assim, às questões: «Como devemos viver? O que é<br />
uma vida boa e uma existência realizada?». A <strong>Ética</strong> remete, portanto, para uma sabedoria<br />
de vida, algo que aponta já para uma certa espiritualidade e realização pessoal autónoma.<br />
Apesar desta distinção, quer a <strong>Ética</strong> quer a Moral são importantes guias da acção<br />
humana, no sentido em que se relacionam com uma vida com projectos e ideais a alcançar.<br />
Proposta de Actividades<br />
1. Explique por que razão, apesar de diferentes, ética e moral se<br />
relacionam.<br />
2. Das situações seguintes, indique as que são éticas e morais/imorais:<br />
- discutir o valor do ser humano;<br />
- confessar a autoria de um acto condenável;<br />
- reflectir sobre o direito à eutanásia;<br />
- aceitar um suborno<br />
Organização Ana Paula Rodrigues 3