Livro em PDF (679KB) - Valdir Aguilera
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Corpus Hermeticum – Hermes Trismegisto<br />
composta de fogo e de terra, de água e de ar, é mortal e permanece preso à terra, com medo que<br />
possa deixá-la vazia e abandonar as coisas confiadas à sua guarda. É desta forma que a natureza<br />
humana, <strong>em</strong> parte divina, foi criada também <strong>em</strong> parte mortal pois foi estabelecida <strong>em</strong> um corpo.<br />
11 A regra desse ser duplo, quero dizer, o ser humano, é antes de tudo a piedade, que t<strong>em</strong><br />
por conseqüência a bondade. Mas esta bondade não se mostra <strong>em</strong> sua perfeição, se não foi<br />
fortificada contra o desejo de tudo o que é estranho ao ser humano, pela virtude do desprezo. É<br />
necessário tomar por estrangeiras, e tudo no ser humano é parente do divino, as coisas terrestres<br />
que se possu<strong>em</strong> para satisfazer aos desejos do corpo, são chamadas, muito b<strong>em</strong>, possessões, pois<br />
não nasceram conosco, mas foram adquiridas por nós após o nascimento: e é daí que lhes advém<br />
o nome de possessões. As coisas deste tipo são estranhas ao ser humano, mesmo o corpo: por<br />
conseqüência, dev<strong>em</strong>os desprezar não somente os objetos de nossos apetites, mas a fonte de<br />
onde decorre <strong>em</strong> nós esse vício do apetite. Pois, segundo a direção mesmo que me faz seguir o<br />
rigor do raciocínio, o ser humano não deveria ser humano senão na medida <strong>em</strong> que, pela<br />
cont<strong>em</strong>plação da divindade, despreza e desdenha a parte mortal que lhe foi unida pela<br />
necessidade que t<strong>em</strong> de cuidar do mundo inferior.<br />
Com efeito, para que o ser humano seja completo <strong>em</strong> cada uma de suas partes, observa<br />
que foi dotado <strong>em</strong> cada uma delas quatro el<strong>em</strong>entos principais: as mãos e os pés que faz<strong>em</strong><br />
respectivamente dois pares e que, com os outros m<strong>em</strong>bros corporais, lhe permit<strong>em</strong> estar ao<br />
serviço da parte inferior, isto é, terrestre, do mundo; e da outra parte estas quatro faculdades, o<br />
espírito, o intelecto, a m<strong>em</strong>ória e a previdência, graças às quais conhece as coisas divinas e as<br />
cont<strong>em</strong>pla. Daí advém o fato do ser humano escrutar com uma inquieta curiosidade as diferenças<br />
das coisas, suas qualidades, suas operações e suas grandezas, e que todavia, entravado pelo peso<br />
e maligna influência de um corpo muito forte para ele, não possa penetrar as verdadeiras causas<br />
da natureza.<br />
Assim, este ser humano feito desta forma, que recebeu do Deus supr<strong>em</strong>o o encargo desse<br />
serviço a esse culto, se vela pela ord<strong>em</strong> do mundo através de um trabalho b<strong>em</strong> ordenado, se<br />
honra a Deus piedosamente, se obedece de maneira digna e conveniente à vontade de Deus nas<br />
tarefas que lhe foram confiadas, um humano assim, que recompensa deverá receber? - Pois, por<br />
ser o mundo obra de Deus, o que com diligência conserva e aumenta a beleza do mundo coopera<br />
com a vontade de Deus, posto que <strong>em</strong>prega seu corpo e consagra todo dia, seu trabalho e seus<br />
desvelos a adornar a beleza que Deus criou com uma intenção divina. - Oue recompensa deverá<br />
receber, à não ser aquela que receberam nossos pais maiores e que, <strong>em</strong> nossas mais ferventes<br />
súplicas, desejamos receber um dia de maneira análoga, se assim o quiser a vontade divina, isto<br />
é, uma vez concluído nosso serviço, exonerados da vigilância do mundo material e livres dos<br />
laços da natureza mortal, Deus nos reconduza, puros e santos, à condição normal da parte<br />
superior de nós mesmos que é divina?<br />
12 - O que dizes é justo e verdadeiro, ó Trismegistos!<br />
- Tal é com efeito a recompensa que aguarda aos que levam uma vida de piedade para<br />
com Deus e de atento cuidado com o mundo. Em contrapartida, os que tenham vivido no mal e<br />
na impiedade, além de sentir que o retorno ao céu lhes é negado são condenados a passar a<br />
corpos de outra espécie <strong>em</strong> virtude de uma migração vergonhosa, indigna da santidade do<br />
espírito.<br />
- Segundo a marcha que segue teu discurso, ó Trismegistos, relativamente à esperança da<br />
imortalidade futura, as almas corr<strong>em</strong> grande perigo nesta vida terrestre.<br />
- Certamente, porém isto para uns parece algo inacreditável, para outros algo fabuloso,<br />
para outros inclusive, algo ridículo. Pois, que coisa doce é com efeito, nesta vida corporal, o<br />
gozo proveniente dos bens possuídos! Este prazer, como se pode dizer, prende a alma pelo cólon<br />
para que o ser humano se prenda a esta parte dele pela que é mortal, e além do mais o vício,<br />
invejoso da imortalidade, não suporta que alguém reconheça a sua parte divina.<br />
Posso afirmar-te, como profecia: depois de nós, já não haverá amor sincero à filosofia, a<br />
qual consiste no único desejo de melhor conhecer a divindade por meio de uma cont<strong>em</strong>plação<br />
habitual e uma santa piedade. Pois muitos já a estão corrompendo de inúmeras maneiras.<br />
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