ESSE TREM CHAMADO DESEJO - Encontros de Dramaturgia
ESSE TREM CHAMADO DESEJO - Encontros de Dramaturgia
ESSE TREM CHAMADO DESEJO - Encontros de Dramaturgia
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
PRAXEDES Quando a gente não sabe o que dizer é porque não há nada a<br />
ser dito, seu Coisinha. Um dia as coisas acabam.<br />
COISINHA Mas o Teatro?<br />
PRAXEDES O mundo está mudando ligeiro e <strong>de</strong> vez! Não duvido <strong>de</strong> mais<br />
nada!<br />
COISINHA Que vai fazer?<br />
PRAXEDES Beber, beber muito. Parece que estou acordando <strong>de</strong> um sonho<br />
<strong>de</strong> muitos anos. No sonho eu estava vivo, tenho certeza. Acordo<br />
na ari<strong>de</strong>z <strong>de</strong> um dia comum e já não tenho certeza <strong>de</strong> nada.<br />
Po<strong>de</strong> parecer doido, mas eu amo essa arte ingrata.<br />
COISINHA Vamos fazer o que? Viver do que?<br />
PRAXEDES A gente acaba se arranjando. Posso voltar pra minha cida<strong>de</strong> no<br />
interior e ser tropeiro. Ou ficar por aqui e ser motorneiro <strong>de</strong><br />
bon<strong>de</strong>. Não é gran<strong>de</strong> coisa, mas pelo menos são profissões<br />
que nunca vão acabar! Até qualquer dia.<br />
(SAI COISINHA FICA SÓ OUVINDO A BULHA DOS ATORES DENTRO).<br />
LINDINHA Nem acredito, Fofinha, nós na fita! Qual será meu papel?<br />
FOFINHA No cinema eu vou ter fala, tenho certeza! Vou ser uma atriz!<br />
GRACINHA Milhões <strong>de</strong> pessoas vão me ver. Até na mais pequena cida<strong>de</strong>zinha.<br />
LOPES Uma vez, representava um drama num lugarejo nos confins da<br />
beirada do mundo, na curva do vento, quando uma mulher se<br />
levanta na platéia, sobe ao tablado, inva<strong>de</strong> a cena e me esten<strong>de</strong><br />
a mão num cumprimento: “A<strong>de</strong>scurpe ir embora in ante <strong>de</strong><br />
terminá, ela disse, mas careço <strong>de</strong> fazer janta p‟r‟um marido que<br />
tenho, mei doentado, num sabe? Gostei muito <strong>de</strong>ssas proeza<br />
<strong>de</strong> artista <strong>de</strong> ocês!” Olhou com raiva para o vilão e arrematou:<br />
“Fé em Deus, meu filho, que seu sofrimento há <strong>de</strong> acabar! Ele<br />
há <strong>de</strong> lhe ajudá na <strong>de</strong>manda contra aquele traste malino, sem<br />
alma, sem lei nem regra!” E, sem cerimônia, saiu <strong>de</strong> cena. É a<br />
melhor sauda<strong>de</strong> que conservo do teatro.<br />
ABIGAIL No filme eu podia ter uma cena <strong>de</strong> beijo com o Lopes! Esfria,<br />
Abigail, esfria! Esfria, nada, <strong>de</strong>ixa pegar fogo, criatura!<br />
40