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Literatura<br />

Morte e vida severina, João Cabral de Melo Neto<br />

A realidade expressa na concretude da palavra<br />

João Cabral reserva para si um espaço inteiramente próprio e original dentre os poetas de<br />

45. A particularidade da sua obra manifesta-se sobretudo pela linguagem precisa, econômica, que é<br />

responsável por uma poesia de apelo cerebral, intelectual. Não se encontra em João Cabral a<br />

confissão, o enlevo ou mesmo o encantamento musical que caracterizam o lirismo nacional. 1 Os<br />

versos de João Cabral solicitam a consciência desperta, o compromisso da leitura atenta e oferecem<br />

em troca a imagem luminosamente clara da vida que se desnuda exatamente como ela é. 2<br />

Essa ausência de véus sobre a realidade e o interesse por temas da vida nordestina<br />

aproximam João Cabral de Graciliano Ramos 3 que, em seus romances, também combina o uso da<br />

palavra "dura", de sentido concreto, densa e rigorosa à reflexão sobre a condição humana.<br />

Em Morte e vida severina, uma das obras mais conhecidas de João Cabral, a inspiração<br />

vem do conhecimento da realidade pernambucana 4 e a propensão natural do poeta por pintar<br />

nitidamente imagens do real está presente nas cenas que contam a história de Severino retirante.<br />

"Coisas de não: fome, sede, privação"<br />

Morte e vida severina é um poema dramático que reafirma o compromisso do autor com<br />

a verdade de um Brasil distante do poder, maltratado pela seca, condenado à miséria que se renova<br />

em cada Severino que nasce.<br />

Por ser um auto, 5 incluir assuntos do folclore pernambucano 6 e revitalizar a temática<br />

comum aos romances regionalistas, Morte e vida severina é um exemplo particular de poema<br />

dramático que mescla a antiga tradição, consagrada desde o período colonial, às expressões mais<br />

genuínas da cultura popular do local, sem ser popularesco 7 .<br />

1. A poesia lírica brasileira caracteriza-se especialmente pelo caráter melódico da linguagem e pelo extravasamento<br />

emocional. São exemplos Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu, Álvares de Azevedo, Cruz e Sousa, assim como os<br />

modernistas Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Vinícius de Morais e vários outros.<br />

2. João Cabral manifesta propensão natural para a criação de imagens claras, plasticamente definidas. O poeta confessa ser<br />

essa de fato uma necessidade: "Eu quero apenas dar a ver com a minha poesia. Você não vê um poema meu que seja<br />

pura reflexão. Minha poesia é tópica, porque sempre o poema é sobre um assunto, que eu procuro dar a ver da maneira<br />

mais viva possível."<br />

3. Quer pela temática da seca, das injustiças sociais perpetuadas por um sistema econômico opressor, quer pela capacidade<br />

de síntese, Morte e vida severina lembra Vidas secas, de Graciliano Ramos.<br />

4. O próprio poeta afirma, em 1981, numa entrevista à revista "Manchete": "...todos os meus temas, os temas tratados na<br />

minha poesia, são nordestinos, motivos tirados de lá. Eu faço questão de valorizar a minha origem. E luto para que as<br />

suas diferenças em relação aos demais lugares jamais desapareçam. (...) Eu não reconheço nenhum brasileiro. Você<br />

conhece? Eu conheço, sim, um pernambucano, um paulista, um carioca."<br />

5. Auto é uma composição para teatro, organizada por cenas sucessivas, que desenvolvem um só assunto, em um só ato. É<br />

uma forma cultivada na Península Ibérica, durante a Idade Média. Muitos dos autos tinham objetivo didático-religioso e<br />

comumente constituíam representações natalinas de Presépios.<br />

6. O poeta conta que pesquisou histórias do folclore pernambucano num livro de Pereira da Costa, estudioso do início do<br />

século. De lá transpôs a cena do nascimento da criança, as homenagens feitas ao recém-nascido e as profecias das<br />

ciganas.<br />

7. Não há em Morte e vida severina registros de modismos ou trejeitos da fala sertaneja, o que poderia resultar em visão<br />

estereotipada, caricatural, ao sabor do popularesco.

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