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Ainda que criada para teatro e pressupondo portanto recursos de encenação, Morte e<br />

vida severina se sustenta especialmente na palavra, no ritmo de cadência popular 8 e na força dos<br />

monólogos e diálogos. Nessa fala sonora, rigorosa e econômica, 9 os versos do poeta criam um<br />

espetáculo que emociona não pelo sentimentalismo fácil, 10 mas pela capacidade de comunicar a<br />

verdade da vida definida pelas "coisas de não", isto é, pela miséria e privação.<br />

O título da obra é representativo dessa capacidade de síntese e de força de<br />

comunicação. O adjetivo "severina", criado a partir do nome "Severino" 11 , condensa o sentido de<br />

"severo", "rude", "áspero", que é transferido do nome do qual se originou. Com economia de palavras,<br />

o poeta esclarece como é a morte e a vida de todos que são iguais a Severino, o protagonista da peça.<br />

"Certos poemas não podem ser lidos em voz baixa, em silêncio..." 12<br />

É assim, em voz alta e límpida que Severino retirante revela para o público o seu destino<br />

tão igual a outros tantos Severinos, que migram para o litoral em busca de menos privação.<br />

Nas 18 cenas do auto, narra-se em meio a esperanças e decepções a viagem desse sertanejo que teima<br />

em viver. Desde a primeira fala, Severino manifesta o desejo de distinguir-se, de perceber-se como um<br />

indivíduo, mas frustra-se, pois se reconhece idêntico a todos os de igual sina.<br />

"Somos muitos Severninos<br />

iguais em tudo na vida<br />

morremos de morte igual,<br />

mesma morte severina"<br />

O retirante inicia a viagem e, para não se perder, orienta-se pelas margens do rio<br />

Capibaribe que, como Severino, vai em direção a Recife. Desde os primeiros passos, Severino se<br />

depara com a morte: dois homens conduzem um lavrador assassinado por ter ousado expandir o seu<br />

miserável roçado. Nesse contato, amargamente se revela a irônica idéia de que a morte é mais<br />

sedutora do que a vida:<br />

"Mais sorte tem o defunto,<br />

irmãos das almas,<br />

pois já não fará na volta<br />

a caminhada"<br />

Mais adiante, Severino ouve rezadeiras aconselharem um defunto a escapar do encontro<br />

com o demônio: "Dize que levas somente / coisas de não: / fome, sede, privação." Esses versos<br />

especialmente destacam a vida tão minguada do sertanejo que, ao menos, pode ter o alento de<br />

espantar interesses do demônio.<br />

8. Predomina em Morte e vida severina o verso redondilho maior ou heptassílabo, originado na literatura medieval<br />

portuguesa e considerado o verso de melodia mais popular.<br />

9. A linguagem de João Cabral de Melo Neto, de modo semelhante à de Graciliano Ramos, caracteriza-se pelo poder de<br />

síntese e precisão.<br />

10. A expressão seca, densa, incisiva denuncia sem disfarces a realidade nordestina.<br />

11. Estabelece-se aqui um permanente retorno aos mesmos sentidos: o substantivo próprio originou-se do adjetivo "severo" e<br />

carrega, portanto, o sentido de "rude", "rígido", "áspero", como se o nome próprio fosse a materialização da noção que o<br />

adjetivo lhe empresta. A criação do adjetivo “severina” ressalta uma qualificação de maior concretude, pois é como se<br />

refletisse o que é intrínseco ao substantivo (ser) de que se derivou e que, por sua vez, já tem em si o sentido de “severo”,<br />

“rude”, “rígido”, “áspero”.<br />

12. Declaração de João Cabral.

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