MULTICULTURALIDADE E SUAS POSSIBILIDADES - Centro Paulo ...
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RESUMO<br />
V Colóquio Internacional <strong>Paulo</strong> Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005<br />
<strong>MULTICULTURALIDADE</strong> E <strong>SUAS</strong> <strong>POSSIBILIDADES</strong> (QUE PODE<br />
PRATICAR-SE ) NA PRÁXIS EDUCATIVA<br />
Hellen de Andrade Lira 1<br />
<strong>Paulo</strong> Freire, através de seus estudos, contribuiu para o repensar crítico sobre nossa prática<br />
pedagógica que deve ser construída em função das novas formas de convivência humana<br />
(multiculturalidade), baseadas na solidariedade, cooperação e união. Dessa forma, este trabalho<br />
pretende refletir e analisar, através de um estudo bibliográfico, as possibilidades e contribuições da<br />
multiculturalidade para a práxis educativa, constatando a relevância dos aspectos interculturais,<br />
instrumento de reinvenção, recognição e ressocialização dessa prática, necessários à construção de<br />
uma práxis multicultural.<br />
Palavras - chave: Multiculturalismo - práxis – homem.<br />
A EDUCAÇÃO E SOCIEDADE<br />
A educação está intimamente relacionada com a sociedade, adquirindo novos papéis a cada<br />
momento histórico. Pode atuar de forma restrita no direcionamento das mudanças sociais por<br />
isso, não deve ser encarada, ingenuamente, como heroína que modificará sozinha os rumos de<br />
nossa sociedade. No entanto, não se pode desconsiderar, mesmo de forma restrita, suas<br />
contribuições para a consolidação de uma sociedade aberta:<br />
A educação é um processo que acompanha permanentemente as mudanças da<br />
estrutura sócio-econômica, se bem que deve, por sua especificidade, adequar à<br />
política que sustenta a dialética de transformação social. Entretanto, apesar de seu<br />
nível ideológico superestrutural (basicamente como agente de reprodução social), a<br />
educação pode operar, limitadamente, como fator decisivo nos processos de<br />
mudança social junto com a mutação das estruturas e a dialética conflitiva da<br />
sociedade (NOVOA, 1979, p.31).<br />
Dessa forma, educação pode contribuir para restabelecer um modelo de sociedade fechada ou<br />
cooperar para a consolidação de uma nova época histórica, sociedade aberta. Dessa forma a<br />
educação torna-se um instrumento que adquire valores distintos para a sociedade: um valor<br />
assistencialista no momento em que contribui para restaurar uma condição de medo,<br />
acomodação, adaptação, típicos de uma sociedade “reflexa” ou um valor propriamente<br />
educativo por contribuir para a emersão humana, estimulando uma reflexão, para que possa se<br />
inserir nesse processo de mudança social. Como afirma Novoa, “o valor educativo resume-se<br />
no impulso que dá às pessoas para se incorporarem a essa transição” (NOVOA, 1979, p.12).<br />
A educação nesse sentido de promoção para uma sociedade reflexiva teria, portanto, a função<br />
de proporcionar a emersão destes indivíduos dessa condição alienada, fazendo-os refletir<br />
criticamente sobre ele mesmo, sobre a sociedade e seu papel diante dessa nova fase histórica.<br />
1 Aluna do V período do curso de pedagogia da UFPE (hellen_lira@yahoo.com.br).
Uma educação que permitisse a reconstrução,, de si mesmo em relação com seu tempo, como<br />
afirma Freire:<br />
Era ir ao encontro desse povo emerso nos centros urbanos e emergindo já nos rurais<br />
e ajudá-lo a inserir-se no processo, criticamente. E esta passagem, absolutamente<br />
indispensável à humanização do homem brasileiro, não poderia ser feita nem pelo<br />
engodo, nem pelo medo, nem pela força. Mas, por uma educação que, por ser<br />
educação, haveria de ser corajosa, propondo ao povo a reflexão sobre si mesmo,<br />
sobre seu tempo, sobre suas responsabilidades, sobre seu papel no novo clima<br />
cultural da época de transição. Uma educação que lhe propiciasse a reflexão sobre<br />
seu próprio poder de refletir e que tivesse sua instrumentalidade, por isso mesmo no<br />
desenvolvimento desse poder, na explicitação de suas potencialidades, de que<br />
decorreria sua capacidade de opção (1996, p.66-67).<br />
A educação nessa perspectiva deve considerar o educando em seu processo, percebendo-o<br />
como um ser que possui conhecimentos e que, portanto, deve participar ativamente,<br />
construindo junto com o educador. Nessa perspectiva, a prática pedagógica deve ser<br />
desenvolvida numa relação de troca entre professor e aluno, pois ninguém educa ninguém,<br />
todos se educam mutuamente.<br />
Emergindo dessa condição de oprimido, que o faz vivenciar uma realidade falsa, que cria “em<br />
si mesmo”, para fugir da realidade objetiva, como afirma Freire “ao qual fugindo da realidade<br />
objetiva, cria uma falsa realidade “em si mesmo”. E não é possível transformar a realidade<br />
concreta na realidade imaginária” (1987, p.39).<br />
Educação que possibilite uma reflexão crítica sobre a realidade, que deve ser assim desvelada<br />
pelo próprio indivíduo permanentemente, possibilitando ao educando agir, modificar seu<br />
tempo, sua cultura e sociedade no papel de sujeito. Numa prática que deve ser reconstruída<br />
constantemente, em consonância com a teoria, devido a “reflexão crítica sobre a prática se<br />
torna uma exigência da relação Teoria/Prática sem a qual a teoria pode ir virando blábláblá e a<br />
prática, ativismo” (FREIRE, 1996, p.24).<br />
A prática da educação popular partia da realidade, refletia sobre esta para tentar encontrar<br />
uma solução para a sua problemática social, ou seja, partia da realidade e voltava a ela. Todo<br />
esse processo era direcionado por diálogos, que foram denominados de método dialético.<br />
Educação alternativa que rompa com a alienação e a subordinação ao “especialista”, numa<br />
educação a serviço da libertação das massas subordinadas. Nesse processo, as dificuldades<br />
não eram vistas como inconvenientes, insuperáveis, pelo contrário, esses problemas seriam o<br />
ponto de partida e a partir deles iriam refletir no intuito de tentar resolvê-lo numa situação de<br />
diálogo e a converter-se, assim, em matéria do processo de aprendizagem.<br />
A escola tem contribuído para manter essa disparidade entre opressores e oprimidos,<br />
educando para a competição, para que essas diferenças sejam reforçadas. Legitimando essa<br />
condição desigual: dominantes/dominados, que já se inicia na sala de aula. Formando<br />
indivíduos que irão se espelhar nessa relação, admirando, imitando e aspirando igualar-se à<br />
classe dominante. Tornando-se mais opressores do que os que lhes impuseram esta condição.<br />
Freire afirma que não será assumindo a posição de opressores que conseguirão alcançar sua<br />
2
humanidade: “Se a finalidade dos oprimidos é chegar a ser plenamente humanos, não a<br />
alcançarão contentando-se com inverter os termos da contradição, mudando somente os<br />
pólos” (Freire, 1980, p.59).<br />
Os educandos são vistos como objetos vazios de conhecimento nesse processo<br />
ensino/aprendizagem. Dessa forma, por não possuírem conhecimentos, não saberem de nada o<br />
professor deve depositar, transmitir o conhecimento a seus alunos. O professor exerce o papel<br />
principal, é o orador e os alunos apenas escutam e repetem o que deve ser memorizado.<br />
Realizando atividades sem significado real que irão apenas confirmar sua posição no mundo,<br />
reforçar esta mistificação da realidade e a consciência vazia dos alunos com inúmeras frases e<br />
palavras alienantes, sem significação, onde não há diálogo entre o educador e o educando.<br />
Condenam, portanto, seus alunos a eterna condição de oprimidos, por não acreditarem em<br />
suas competências intelectuais, não confiarem que estes possam ter um futuro diferente, dessa<br />
forma repassam apenas conteúdos menos complexos, por acharem que são os únicos assuntos<br />
que conseguirão aprender, subestimando suas capacidades mentais.<br />
O homem é um sujeito histórico, no entanto só se tornará, no momento em que se perceber no<br />
seu tempo, emergindo de sua condição atemporal, que o tornar um ser passível ao tempo,<br />
transformando-o em um ser que age, decide e modifica seu tempo, que lhe permite não apenas<br />
estar nele, mas com ele, tornando-se assim fazedor de sua história, iniciando o processo de<br />
libertação:<br />
Só ao emergir de seu tempo pode adquirir seu caráter temporal, por isso diz-se que o<br />
homem está dentro do tempo e, também, fora dele; que se banha nele. Ao que<br />
parece, a descoberta da dimensionalidade do tempo e sua objetivação permite ao<br />
homem iniciar o caminho de sua libertação. (NOVOA, 1979, p. 12).<br />
O homem deve assumir uma postura crítica, integrando-se ao seu tempo para poder captar que<br />
suas funções não se restringem puramente às instintivas e emocionais, que revelam<br />
passividade e domesticação do homem, percebendo e realizando assim mais funções<br />
intelectuais, tipicamente humanas.<br />
Uma educação que possa propiciar essa reflexão crítica sobre seu papel frente às novas<br />
exigências do atual momento histórico, necessárias a uma percepção renovada de suas tarefas<br />
frente a sociedade que não se restringe às instintivas emocionais, impostas por um modelo de<br />
sociedade fechada, que pretende legitimar e disseminar essa condição de opressão.<br />
Estabelecendo um diálogo indispensável para que o educando possa iniciar seu processo<br />
permanente de reflexão e ação necessário à construção de uma práxis educativa que o<br />
ressignifique nesse processo de ressocialização. Uma práxis educativa baseada no respeito, na<br />
solidariedade, na união, que possa estabelecer novas formas de convivência humana. Uma<br />
prática que deve proporcionar o diálogo entre as diversas culturas (interculturalidade),<br />
promovendo o respeito às diferenças, na busca por uma unidade que possa responder pela<br />
desigualdade, num processo sadio em que não exista a justaposição de uma cultura à outra,<br />
necessário à construção de uma práxis multicultural, possibilitada por essas relações de<br />
cooperação, amor, solidariedade, respeito propiciadas pela multiculturalidade.<br />
Desta forma, este trabalho pretende analisar e refletir as possibilidades e as contribuições<br />
3
dessas novas formas de convivência (multiculturalidade) para a práxis multicultural.<br />
A EDUCAÇÃO FRENTE ÀS DIVERSIDADES CULTURAIS<br />
Os educandos atualmente vivem numa sociedade de diversidades de famílias, culturas, raças,<br />
línguas e níveis sócio-econômicos que têm exigido novos papéis à educação que tem que<br />
preparar o educando para essas novas necessidades da pós-modernidade/mundo.<br />
Essa problemática atual baseia-se na questão da diversidade cultural, “que freqüentemente nos<br />
força a viver uma existência cultural que não é nossa, uma existência que é culturalmente<br />
quase esquizofrênica” (MACLAREN, 2000, p.299). Tem levado os indivíduos a se imergir<br />
numa cultura da qual não fazem parte, portanto, não agem, não modificam, não transformam<br />
essa cultura por ser alheia a eles, possuindo uma dinâmica própria, que se movimenta<br />
independente deles. É como se existissem “dois mundos culturais coexistindo<br />
assimetricamente” (MACLAREN, 2000, p.299).<br />
O momento atual vivido – globalização – tem proporcionado o aparecimento de um novo<br />
problema: a transculturação, que homogeineniza e singulariza as culturas, num processo de<br />
justaposição, subordinação de umas às outra, provocada pela mídia. Como afirma Souza: “a<br />
globalização atual, provocadora das diversas transculturações que vm se verificando nos<br />
últimos quinhentos anos, especialmente, ao longo dos últimos 50, não provoca uma unidade<br />
na diversidade de culturas, mas configura uma diversidade cultural ou pluriculturalidade que<br />
tende, predominantemente, à fragmentação cultural” (2001, p. 162).<br />
Essa problemática tem exigido portanto, um novo modelo de educação, que encontra na<br />
multiculturalidade suas possibilidades a uma práxis multicultural que possa contribuir nesse<br />
processo de transformação social (frente). A multiculturalidade vem proporcionar novas<br />
formas de convivência humana baseada na tolerância, respeito e solidariedade que têm como<br />
base “uma pedagogia que rejeita a construção social das imagens que desumanizam o “outro”,<br />
uma pedagogia da esperança que aponta para o fato de que, em nossa construção do “outro”,<br />
tornamo-nos intimamente ligados a ele, uma pedagogia que nos ensina que através da<br />
desumanização do “outro”, desumanizamos a nós mesmos” (MACLAREN, 2000, p.300).<br />
Precisamos, portanto, modificar antigas formas de convivência, para que se possa assim<br />
resgatar a humanidade perdida, extinguindo a discriminação, a exclusão, que divide nossa<br />
sociedade em dois mundos.<br />
A questão da diversidade cultural como possibilidade de um diálogo inter e<br />
intracultural na construção de processos educativos com as camadas populares ou<br />
setores subalternizados das sociedades nacionais e da sociedade mundial que<br />
respondam aos desafios da pós-modernidade/ mundo. (SOUZA, 2001, p.27).<br />
A prática pedagógica em nosso país deve utilizar metodologias que considerem a essência do<br />
ser humano, sua integralidade, e seu papel sócio-cultural como sujeito na história, perdendo<br />
seu caráter humanizador, que educa baseado no respeito às diferenças físicas, intelectuais,<br />
psicológicas e emocionais.<br />
4
Devido à imersão “na realidade concreta, os oprimidos não percebem muitos dos desafios da<br />
realidade, ou percebe-os de uma maneira deturpada” (FREIRE, 1980, p.67).<br />
Não é o dominador que constrói uma cultura e a impõe aos dominados. Ela é o resultado de<br />
relações estruturais entre os dominados e o dominador. São as relações de dependência que<br />
dão origem às diferentes formas de ser, de pensar e de expressar-se. Assim, as classes<br />
dependentes absorvem os valores, o estilo e a vida da classe opressora, visto que estes<br />
manipulam a classe dominada. gerando uma atitude de atração e repulsa à classe opressora.<br />
“Não há outro caminho para a humanização – a sua própria e a dos outros - , a não ser uma<br />
autêntica transformação da estrutura desumanizante” (FREIRE, 1980, p.75). Assim, faz-se<br />
necessário a desconstrução de antigas formas de convivência, na construção de uma práxis<br />
educativa que compreendendo a multiculturalidade, possa aderir às contribuições<br />
transformando-se em práxis multicultural.<br />
A <strong>MULTICULTURALIDADE</strong> E <strong>SUAS</strong> CONTRIBUIÇÕES À PRÁXIS EDUCATIVA<br />
A multiculturalidade pode contribuir para que a práxis educativa possa utilizar a<br />
interculturalidade (diálogo entre as culturas) estabelecida na prática pedagógica para que<br />
possa assim contribuir para a busca dessa unidade na diversidade.<br />
Nesse sentido, a educação torna-se um instrumento que adquire valores distintos para a<br />
sociedade: o primeiro de valor assistencialista por contribuir para restaurar uma condição de<br />
medo, acomodação, adaptação e o segundo de valor educativo por contribuir para a emersão<br />
humana, estimulando uma reflexão, para que possa se inserir nesse processo de mudança<br />
social. Como afirma Novoa, “o valor educativo resume-se no impulso que dá as pessoas para<br />
incorporarem a essa transição” (NOVOA, 1979, p.12).<br />
A multiculturalidade por ser uma utopia social, ainda não está construída, mas seus ideais<br />
devem ser considerados pela práxis educativa nesse processo de reafirmar uma sociedade<br />
multicultural, na medida em que a educação pode contribuir nesse processo ou restabelecer<br />
uma condição social anterior.<br />
Segundo este autor, Freire considera que não existe uma pedagogia pronta com exceção da<br />
que é condicionada, continuadamente, pela história.<br />
Essas perspectivas implicam uma transformação Dessa forma a educação, deve basear-se no<br />
diálogo, que propiciará a ação e a reflexão sobre sua situação de opressão, utilizada pela<br />
classe dominante para manipular a consciência dos oprimidos, através da interiorização de<br />
seus valores por meio da classe oprimida, que vem repleto de um sentimento de inferioridade<br />
e impotência, favorecendo o isolamento e as posições artificiais entre cada grupo de<br />
oprimidos. É esse diálogo que possibilitará a busca pela unidade na diversidade.<br />
A pedagogia deve ser entendida como um processo problematizador, que se baseia no diálogo<br />
e na unidade entre ação e reflexão sobre a situação.<br />
5
A ação e a reflexão devem caminhar juntas na análise das palavras, pois a reflexão sem a ação<br />
transforma-se em verbalismo e a ação sem reflexão transforma-se em ativismo, negando a<br />
existência de um diálogo efetivo.<br />
A medida em que a práxis educativa passa a considerar a multiculturalidade, modifica-se, se<br />
transforma em práxis educativa multicultural, devido aos novos desafios posto por essa<br />
diversidade cultural, que vem exigindo novas responsabilidades da educação – práxis<br />
educativa.<br />
De acordo com Freire, a práxis “é a reflexão e ação dos homens sobre o mundo para<br />
transformá-lo. Sem ela, é impossível a superação da contradição opressor-oprimidos” (1987,<br />
p. 38).<br />
Dessa forma, a práxis educativa ao considerar a multiculturalidade, pode contribuir para o<br />
surgimento de uma sociedade multicultural.<br />
<strong>Paulo</strong> Freire trouxe grandes contribuições para a educação.<br />
A preocupação central de Freire é a educação, inclusive a escolar, como um<br />
problema cultural, como uma atividade cultural e um instrumento para o<br />
desenvolvimento da cultura, capaz de contribuir com a democratização fundamental<br />
da sociedade, da própria cultura, e com o enriquecimento cultural de seus diferentes<br />
sujeitos, especialmente dos sujeitos populares. (SOUZA, 2001, p. 28).<br />
Assume a questão cultural como problema central da educação social e escolar. A práxis<br />
educativa só se fará possível se houver uma prática pedagógica escolar, social que<br />
proporcione um enriquecimento cultural dos setores populares. Para que essa práxis educativa<br />
possa realmente existir, antes de tudo o medo da liberdade e do compromisso deve ser<br />
superado, para que possa tomar consciência de sua condição de oprimido, refletindo sobre si<br />
mesmo e sobre o mundo para que possa assim agir e transformar a sociedade.<br />
A práxis educativa face à diversidade cultural, neste começo de milênio na pósmodernidade/mundo,<br />
quer provar que os processos educativos podem contribuir para uma<br />
ressocialização dos indivíduos num ambiente de diversidade cultural.<br />
“Essa diversidade pode se transformar numa situação de multiculturalidade pela vivência da<br />
interculturalidade” (SOUZA, 2001, p. 32). Como será por meio da prática pedagógica que se<br />
pode vivenciar essa interculturalidade necessária à transformação da diversidade cultural em<br />
multiculturalidade, pode a práxis educativa se nutrir de seus ideais, tornando-se práxis<br />
educativa multicultural, contribuindo dessa forma para a construção de uma sociedade<br />
multicultural.<br />
<strong>Paulo</strong> Freire tem contribuído muito para a construção de um ser humano menos individualista,<br />
menos egoísta e mais coletivo, solidário nesse processo de reconstrução de si mesmo e do<br />
mundo, resignificando-se como sujeito histórico. Como afirma Souza sobre <strong>Paulo</strong> Freire:<br />
“aposta na capacidade humana de reinventar a si mesmo e a sociedade, de transcender a partir<br />
de sua imanência” (2001, p.32). Dessa forma, o ser humano tem a capacidade de<br />
6
essocialização, como afirma Souza, por ser a união dessas duas habilidades humanas de<br />
reconstruir (reinventar) e resignificar (recognição).<br />
Esse processo de ressocialização deve ser construído com base na cooperação, respeito,<br />
solidariedade, “capazes de ajudar os outros, de conviver nas diferenças, lutando e ajudando os<br />
outros a lutarem pela promoção da igualdade social e superação das exclusões entre os seres<br />
humanos, na convivência de suas diferenças culturais e psicológicas” (SOUZA, 2001, p.33).<br />
Dessa forma, a educação pode contribuir a essa construção. “Neles se incluem a aquisição, o<br />
domínio e o desenvolvimento da cultura escrita pelos seres humanos e sua<br />
comunicação/interação também mediante o código alfabético. A educação tem, assim uma<br />
contribuição a dar que, se não o fizer, nenhuma outra prática cultural o fará” (SOUZA, 2001,<br />
p.33).<br />
Dessa forma, observa-se que se faz necessário considerar esses aspectos na prática<br />
pedagógica, aspectos necessários na construção de uma práxis educativa multicultural. Mas<br />
para que possa existir a práxis educativa necessários alguns saberes são necessários à prática<br />
docente.<br />
Existem saberes indispensáveis à prática docente que independem de opção política,<br />
considerados por Freire como conteúdos obrigatórios no currículo essencial à formação<br />
docente. Estes dizem respeito a questões referentes a disciplinas escolares e também ao amor<br />
ao próximo, respeito aos outros e a si mesmo, dessa forma, devem ser contemplados vários<br />
fatores norteadores da práxis educativa.<br />
A formação docente pode corresponder a uma prática pedagógica conservadora ou<br />
progressiva. Essas concepções, portanto, contribuirão para o desenvolvimento de reprodutores<br />
de antigas práticas, ou educadores reflexivos.<br />
Caso a formação não permita aos formandos o reconhecimento de sua condição de oprimidos,<br />
para que assim assumam uma postura crítica de luta pela libertação, podem pelo contrário<br />
absorver valores opressores, assumindo uma identidade opressora. Estes terão um ideal de<br />
no momento em que formam os indivíduos para que possam se reconhecer, e não venham a<br />
assumir o papel de futuros opressores.<br />
Dessa forma se nessas formações não forem permitidos conscientizar sobre a existência de<br />
oprimidos e opressores. No intuito de fazê-los refletir sobre sua condição de oprimidos e lutar<br />
pela sua libertação, luta que não deve ter o caráter que ligar a teoria a prática (práxis<br />
educativa), levar os indivíduos à reflexão, de forma que os educandos possam ser educados<br />
para a liberdade, destruindo antigas concepções, ideais, caso contrário também se tornará<br />
opressor, não por não terem a consciência de que são pisados, mas esta condição de imersão<br />
impediu-os de ter uma reflexão clara sobre sua condição de oprimido, se identificam num<br />
nível contrário ao opressor, no entanto não se comprometem com a sua libertação, com uma<br />
luta para superar essa contradição.<br />
Essa reflexão só será possível se em todos os momentos a teoria estiver relacionada com a<br />
7
prática (práxis educativa), num processo construtivo em que ambos se unem em prol de uma<br />
prática educativo-crítica.<br />
A depender da concepção de educação, o professor assumirá posturas divergentes em sua<br />
prática pedagógica, na primeira se verá como sujeito transmissor do conhecimento e os<br />
educandos como objeto receptáculo de conhecimento, na segunda entenderá sua função de<br />
mediador nesse processo de construção do conhecimento e os alunos como sujeitos desse<br />
processo.<br />
A educação, portanto, se dá numa troca (proporcional) de saberes, em que o educador e o<br />
educando formam-se e ao mesmo tempo contribuem no processo de formação do outro,<br />
refazendo e recriando o ensinado. Educador e educando (estão no mesmo nível) assumindo o<br />
papel de sujeitos nesse processo. Desse modo, não existe docência sem discência.<br />
O educador deve oportunizar uma exploração ampla dos conteúdos, reforçar a capacidade<br />
crítica estimulando sua inquietação, investigação e curiosidade epistemológica (curiosidade<br />
crítica que perdeu seu caráter ingênuo, mudando de qualidade, mas não de essência), que é<br />
espelho pela igual busca do professor, através do hábito da pesquisa.<br />
A curiosidade ingênua está associada ao saber do senso comum.<br />
A capacidade crítica dos alunos será estimulada a partir do momento em que vê relevância<br />
nesses conteúdos, não os vendo como algo aleatório a ele, à medida que o professor faz<br />
relações dos conteúdos com suas experiências de vida.<br />
A prática do professor tem que ser condizente com o que diz, o professor tem que possuir<br />
“uma prática testemunhal que o re-diz em lugar de desdizê-lo” (FREIRE, p.38). Dessa forma,<br />
seu pensar certo (aquilo que diz) deve, portanto, estar aliado ao seu fazer certo (sua prática<br />
pedagógica), para que possa testemunhar o que realmente se vivencia. Este pensar certo é<br />
aquele que não é preconceituoso, autoritário, arrogante, insensato, esnobe, devendo ser<br />
ensinado nas escolas concomitantemente com o ensino dos conteúdos, “produzido pelo<br />
próprio aprendiz em comunhão com o professor formador” (FREIRE, p.43).<br />
Temos que ter a clareza de que foi o processo histórico e social do aprender que influenciou a<br />
descoberta do ensinar, dessa forma, não se pode desconsiderar a significação presente nas<br />
experiências de vida fora do ambiente escolar, para este processo ensino-aprendizagem.<br />
Os dominados assimilam os mitos culturais do dominador. Os dependentes absorvem os<br />
valores e o estilo de vida da sociedade da metrópole, posto que a estrutura desta última<br />
manipula a da sociedade dependente.<br />
Um dos problemas educativos gerados pela atual diversidade cultural são frutos das<br />
transculturações especialmente experimentadas nos últimos 50 anos.<br />
As possibilidades de convivência dos diferentes ou as probabilidades da fragmentação entre<br />
eles caracterizam o clima cultural do momento atual, ou constituem um dos temas e tarefas da<br />
8
época.<br />
O homem na concepção freiriana tem a capacidade criadora, transformadora que através da<br />
construção – desconstrução - construção de suas relações de diálogo estabelecidas consigo<br />
mesmo, com os outros e com o mundo constrói a própria cultura e transforma a sociedade, o<br />
mundo em que vive, dando as mais diversas direções, que podem ocasionar a humanização ou<br />
desumanização:<br />
<strong>Paulo</strong> Freire entende a cultura como uma produção especificamente humana que ao<br />
mesmo tempo pode contribuir à construção da humanidade do ser humano, ou, mais<br />
fundo ainda, garantir, na história da terra e da humanidade, a marca que nos<br />
distingue como humanos em meio aos outros seres. Mas, também, por outro lado,<br />
não deixam de perceber que essa criação, dependendo de sua direcionalidade e<br />
características, tanto pode humanizar-nos como desumanizar-nos! A cultura tem,<br />
portanto, também necessidade de transformações (SOUZA, 2001, p.56-57).<br />
Assim, percebemos que essas relações estabelecidas entre os povos e com a natureza, a<br />
sociedade ao longo dos tempos foram assumindo novas posturas e lançando novos desafios.<br />
As formas de convivência que se deve construir, na pós-modernidade/mundo é a questão da<br />
diversidade cultural.<br />
Possibilidades da convivência dos diferentes com suas diferenças num contexto que supere as<br />
violências, as hierarquias, os procedimentos, as inclusões perversas, as subordinações e as<br />
desigualdades econômico-sociais e as exclusões culturais.<br />
As possibilidades da multiculturalidade, busca pela unidade na diversidade, unidade que não<br />
significa homogeneização, pois esta destrói toda riqueza cultural, que implica numa<br />
fragmentação cultural, quer pelo contrário buscar uma identidade cultural, que não é algo<br />
simples.<br />
Essas perspectivas implicam uma transformação Dessa forma, a educação, deve basear-se no<br />
diálogo, que propiciará a ação e a reflexão sobre sua situação de opressão, utilizada pela<br />
classe dominante para manipular a consciência dos oprimidos, através da interiorização de<br />
seus valores por meio da classe oprimida, que vem repleto de um sentimento de inferioridade<br />
e impotência, favorecendo o isolamento e as posições artificiais entre cada grupo de<br />
oprimidos. É esse diálogo que possibilitará a busca pela unidade na diversidade.<br />
A educação na pós-modernidade tem exigido a problematização social, adquirindo nessa<br />
perspectiva a transformação radical da sociedade e das escolas.<br />
A pedagogia deve ser entendida como um processo problematizador, que se baseia no diálogo<br />
e na unidade entre ação e reflexão sobre a situação.<br />
Há duas dimensões constitutivas da palavra: ação e reflexão. A palavra verdadeira é práxis<br />
transformadora. Sem a dimensão da ação perde-se a reflexão e a palavra transforma-se em<br />
verbalismo. Por outro lado, a ação sem a reflexão transforma-se em ativismo, que também<br />
nega o diálogo. O educador bancário define o conteúdo antes mesmo do primeiro contato com<br />
os educandos. Para o educador libertador, esse conteúdo é a devolução organizada,<br />
9
sistematizada e acrescentada ao educando daqueles elementos que este lhe entregou de forma<br />
desestruturada. Esse conteúdo deve ser buscado na cultura do educando e na consciência que<br />
ele tenha da mesma.<br />
O momento da busca do conteúdo programático dá início ao processo de diálogo em que se<br />
produz a educação libertadora. Essa busca deve investigar o universo temático dos educandos,<br />
o conjunto dos temas geradores do conteúdo. Por ser dialógica já é problematizadora e<br />
permite que se obtenha a consciência dos indivíduos sobre esses temas; a participação na<br />
investigação do seu próprio universo temático leva o educando a admirar este universo, e,<br />
essa admiração possibilita a capacidade de criticá-lo e transformá-lo. O educador não deve<br />
discriminar os conteúdos a serem dados de acordo com sua intuição sobre a capacidade<br />
intelectual de seus alunos, mas deve oportunizar diferentes conteúdos e situações didáticas<br />
significativas.<br />
Emergir dessa situação alienante não é uma luta fácil, pois o homem tem sido dominado pela<br />
força dos mitos e comandado pela publicidade organizada, ideológica ou não, e por isso vem<br />
renunciando cada vez, sem o saber, à sua capacidade de decidir. Resgatando suas<br />
características essencialmente humanas, mas que lhes são negadas a descoberta e a percepção<br />
reconhecendo suas tarefas concretas delas.<br />
Educação necessária ao novo clima cultural. Novas responsabilidades da educação escolar<br />
frente aos desafios da diversidade cultural. Uma educação que contribuirá com a superação<br />
das diversas manifestações discriminatórias de raça, classe, gênero entre outras. A diversidade<br />
cultural da pós – modernidade. A minoria étnica tem que ser levada em consideração nesse<br />
repensar da práxis educativa.<br />
Modelo econômico neoliberal, concentrador, centralizador das riquezas e gerador de misérias<br />
busca se impor soberanamente por todos os meios e todos os cantos da terra. Impactos da<br />
globalização, a partir da mundialização da economia, que apontará suas contradições,<br />
diferentes configurações e implicações para a educação escolar.<br />
É fundamental para a qualidade das práticas pedagógicas realizadas com as diferentes<br />
camadas sociais que se interfira no debate sobre as possibilidades da interculturalidade e as<br />
probabilidades de multiculturalidade. Um diálogo inter e intracultural na construção de uma<br />
educação que conte com o apoio das camadas populares das sociedades nacionais e da<br />
sociedade mundial que respondam aos desafios da pós – modernidade/mundo.<br />
Tem-se que perceber as relações de gênero, de idades, de profissões, religiões, subjetivas e<br />
ideológicas, olhando especificamente para o interior das instituições educativas, inclusive da<br />
escola e, também, da sala de aula para perceber o tratamento dado à diversidade cultural e às<br />
formas de se trabalhar suas relações.<br />
A prática pedagógica deve ser construída possibilitando a convivência dos diferentes com<br />
suas diferenças, superando as violências, as hierarquias, os preconceitos, as desigualdades<br />
econômico-sociais.<br />
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Tem-se que identificar as novas responsabilidades das práticas pedagógicas que devem ser<br />
construídas com o desejo de contribuir com a construção de formas mais agradáveis de<br />
convivência humana tanto nas relações interpessoais, como econômicas, políticas e<br />
institucionais na pluriculturalidade em que nos encontramos.<br />
A multiculturalidade é um fenômeno que implica a convivência num mesmo espaço de<br />
diferentes culturas e isso não é algo natural e espontâneo. É uma criação histórica que implica<br />
decisão, vontade política, mobilização, organização de cada grupo cultural com vistas a fins<br />
comuns, que demanda, portanto, uma certa prática educativa coerente com esses objetivos. E<br />
uma nova ética fundada no respeito às diferenças.<br />
A multiculturalidade se caracteriza, segundo essa perspectiva, como formas de convivência<br />
conscientemente assumidas entre culturas ou traços culturais diferentes numa mesma cultura,<br />
através do diálogo crítico entre elas ou eles (interculturalidade), ao tempo em que as/os<br />
potencializa no seu desenvolvimento.<br />
A diversidade cultural tem exigido novos papéis da educação, uma prática educativa, que<br />
pudesse atender as novas necessidades da pós-modernidade/mundo, que modificasse as<br />
relações pluriculturais (justaposição) que vivenciamos, na construção de formas mais<br />
agradáveis de convivência humana (multiculturalidade), com respeito às diferenças.<br />
A partir disso se tem a necessidade de modificar a prática pedagógica escolar, principalmente<br />
pelo fato de ser a escola a mantenedora da hierarquia social, perdendo seu caráter<br />
democrático.<br />
Assim, esse trabalho tem a intenção de somar essas características multiculturais, como<br />
possibilidade a uma práxis educativa que possa por intermédio do diálogo entre as diversas<br />
culturas (interculturalidade) se transformar em práxis multicultural responsável pela<br />
ressocialização dos indivíduos nesse processo de transformação social.<br />
REFERÊNCIAS<br />
FREIRE, <strong>Paulo</strong>. 1921. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao<br />
pensamento de <strong>Paulo</strong> Freire/ <strong>Paulo</strong> Freire: [tradução de Kátia de Melo e Silva: revisão técnica<br />
de Benedito Eliseu Crintal] – 3.ed – São <strong>Paulo</strong>: Moraes. 1980.<br />
MCLAREN, Peter. Multiculturalismo revolucionário: Pedagogia do dissenso para o novo<br />
milênio/ Peter Mclaren. (tradução Márcia Moraes e Roberto Cataldo Costa) – Porto Alegre:<br />
Artes Médicas Sul, 2000.<br />
FREIRE, <strong>Paulo</strong>, 1921. Consciência e história: a práxis educativa de <strong>Paulo</strong> Freire: antologia<br />
(de textos selecionados)/ (de) <strong>Paulo</strong> Freire; Seleção, estudo preliminar e notas de Carlos<br />
Alberto Torres Novoa; (tradução Mônica Mattar Oliva) – São <strong>Paulo</strong>: Ed Loyola, 1979.<br />
FREIRE, <strong>Paulo</strong>. Pedagogia do oprimido. - 17.ed – Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987. (O<br />
mundo, hoje, V.21).<br />
FREIRE, <strong>Paulo</strong>. Educação como Prática da Libertação. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 150 p.<br />
ilust. Apêndice: p. 123 – 149.<br />
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FREIRE, <strong>Paulo</strong>. 1920. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa/<br />
<strong>Paulo</strong> Freire – São <strong>Paulo</strong>: Paz e Terra, 1996 – (Coleção Leitura).<br />
FREIRE, <strong>Paulo</strong>. Educação e Mudança/ <strong>Paulo</strong> Freire; tradução de Moacir Gadotti e Lílian<br />
Lopes Martin. – Rio de Janeiro; Paz e Terra. 1983. Coleção Educação e Mudança Vol.1.<br />
SOUZA, João Francisco de. Atualidade de <strong>Paulo</strong> Freire: contribuição ao debate sobre a<br />
educação na diversidade cultural. Recife: Bagaço; Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em<br />
Educação de Jovens e Adultos e em Educação Popular da UFPE (NUPEP) 2001.<br />
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