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o diálogo como superação da fala interditada na sociedade ...

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V Colóquio Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005<br />

O DIÁLOGO COMO SUPERAÇÃO DA FALA INTERDITADA NA<br />

SOCIEDADE MULTICULTURAL<br />

Agostinho Rosas 1 ; André Felipe de A. Fell; Antônio de Pádua Santos; Arlindo Via<strong>na</strong>;<br />

Argenti<strong>na</strong> Rosas; Letícia Rameh; Magadã Lira; Maria Lúcia Cavalcanti <strong>da</strong> Silva;<br />

Maria Nayde dos Santos Lima; Nilke Silvania Pizziolo; Rubem Eduardo <strong>da</strong> Silva.<br />

RESUMO<br />

Tem-se utilizado, nos últimos anos, uma diversi<strong>da</strong>de de denomi<strong>na</strong>ções para representar o<br />

momento histórico nomeado <strong>como</strong> “pós-industrial”, caracterizado pelo “novo paradigma<br />

técnico-econômico” e tendo <strong>como</strong> base as tecnologias de informação e comunicação:<br />

socie<strong>da</strong>de de redes, socie<strong>da</strong>de do conhecimento, socie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> informação, etc. É nesta<br />

socie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> informação em que “mu<strong>da</strong> a própria fonte <strong>da</strong> criação de riqueza e os fatores<br />

determi<strong>na</strong>ntes <strong>da</strong> produção. O capital e o trabalho, as variáveis básicas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />

industrial, são substituí<strong>da</strong>s pela informação e o conhecimento” (KUMAR, 1997 p. 24). Mas<br />

o autor adverte: “a socie<strong>da</strong>de de informação não evoluiu de maneira neutra, isenta de juízo<br />

de valor. A T.I., <strong>como</strong> to<strong>da</strong>s as tecnologias, foi escolhi<strong>da</strong> e mol<strong>da</strong><strong>da</strong>, de conformi<strong>da</strong>de com<br />

certos e determi<strong>na</strong>dos interesses sociais e políticos” (KUMAR, 1997 p. 47).<br />

INTRODUÇÃO<br />

Nesse contexto, nunca antes <strong>na</strong> história <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de se teve a possibili<strong>da</strong>de, sem<br />

precedentes, de expansão do conhecimento que proporcione condições mais favoráveis<br />

de desenvolvimento autônomo; paradoxalmente, entretanto, a um momento em que a<br />

educação parece perder seu compromisso histórico com a construção do conhecimento<br />

de interesse coletivo <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de, aprisio<strong>na</strong>ndo-se à seletivi<strong>da</strong>de de cursos<br />

utilitaristas, sistematicamente ditados / orde<strong>na</strong>dos segundo a deman<strong>da</strong> do mercado<br />

neoliberal. Demo (2000) completa: “Com efeito, o conhecimento mais inovador é<br />

provocado pelo mercado, que necessita do ímpeto desconstrutivo do conhecimento,<br />

particularmente do conhecimento dito pós-moderno, colocando a inovação<br />

mercantiliza<strong>da</strong> <strong>como</strong> razão maior de ser”.<br />

Além disso, muitos acreditam que a relativa facili<strong>da</strong>de de acesso a um universo de<br />

informações dos mais diversos campos do saber humano, hoje, é condição mais do que<br />

suficiente para a construção do sujeito histórico através de um conhecimento<br />

emancipatório e transformador. Enten<strong>da</strong>-se aqui, sujeito histórico, de um modo geral, o<br />

ser humano conhecedor <strong>da</strong>s resistências, conflitos e contradições <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />

contemporânea; consciente <strong>da</strong>s diversas formas de domi<strong>na</strong>ção social, cultural e política<br />

que constrangem a possibili<strong>da</strong>de de mu<strong>da</strong>nça; e que através de um esforço de<br />

emancipação e elimi<strong>na</strong>ção <strong>da</strong>s causas de alie<strong>na</strong>ção e domi<strong>na</strong>ção, traz à to<strong>na</strong> e denuncia<br />

as condições restritivas do status quo.<br />

1 (agrosas@uol.com.br); (highland@truenet.com.br); (antpad@hotmail.com); (arlindo.via<strong>na</strong>@ig.com.br);<br />

(gentarosas@uol.com.br); (giugoia<strong>na</strong>@ig.com.br); (leticiarameh@bol.com.br); (maga<strong>da</strong>lira@bol.com.br);<br />

(rubluc@torricelli.com.br); (shcic104@terra.com.br); (npizziolo@yahoo.com.br).


V Colóquio Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005<br />

A partir do exposto, o Grupo de Estudo Descobrindo Paulo Freire através de sua obra,<br />

<strong>na</strong>s suas reflexões sema<strong>na</strong>is, questio<strong>na</strong> o discurso histórico de que o determinismo<br />

tecnológico é a força modeladora <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, por conseguinte, o seu principal agente<br />

de transformação e progresso. Não negamos a contribuição <strong>da</strong> tecnologia <strong>da</strong> informação<br />

(T.I.) <strong>na</strong>s relações sociais, to<strong>da</strong>via, atribuímos ao <strong>diálogo</strong>, enquanto categoria necessária<br />

à educação libertadora e constituição do sujeito histórico, um papel de real possibili<strong>da</strong>de<br />

de transformação social em que o ser humano se encontra envolvido.<br />

T.I. NA EDUCAÇÃO: A RELAÇÃO HOMEM-MÁQUINA NO PROCESSO ENSINO-<br />

APRENDIZAGEM<br />

A informática só começou a ser utiliza<strong>da</strong> <strong>na</strong> educação <strong>na</strong> déca<strong>da</strong> de 70, a partir do<br />

microcomputador, o qual foi usado para fins administrativos, evoluindo gra<strong>da</strong>tivamente<br />

para fins pe<strong>da</strong>gógicos à medi<strong>da</strong> que a linguagem de computação se aproximava <strong>da</strong><br />

linguagem huma<strong>na</strong>. A partir dos anos 80, o tema informática <strong>na</strong> educação foi bastante<br />

debatido uma vez que questões graves foram levanta<strong>da</strong>s <strong>como</strong> a influência deletéria <strong>da</strong><br />

tecnologia sobre a cognição, ênfase no pensamento lógico-simbólico e algoritmo em<br />

detrimento <strong>da</strong> criativi<strong>da</strong>de, etc.<br />

Atualmente, há uma vasta possibili<strong>da</strong>de de aplicação <strong>da</strong>s novas tecnologias <strong>da</strong><br />

informação e comunicação ao campo <strong>da</strong> educação: educação à distância, os softwares<br />

educacio<strong>na</strong>is, as bibliotecas digitais, os Programas de TBT (Trei<strong>na</strong>mento Baseado em<br />

Tecnologia), grupos de “bate-papo”, etc. Mas será que to<strong>da</strong>s estas alter<strong>na</strong>tivas facilitam<br />

o processo de ensino-aprendizagem? Segundo Piaget, o aluno aprende quando elabora<br />

respostas compatíveis com o seu nível de desenvolvimento, relacio<strong>na</strong>ndo novos<br />

conceitos ou ações aos previamente assimilados. O aluno deve ser agente do seu próprio<br />

conhecimento, aprendendo por fazer, não receber instruções acaba<strong>da</strong>s que por vezes<br />

estabelecem a dicotomia entre o que o aluno já aprendeu e o novo conhecimento.<br />

Acontece, lamentavelmente, que os “produtos” educacio<strong>na</strong>is disponíveis no mercado<br />

atual, apresentam pouca interativi<strong>da</strong>de, irrisória inovação e escassa criativi<strong>da</strong>de,<br />

direcio<strong>na</strong>ndo o processo ensino-aprendizagem mais para a “domesticação” à<br />

determi<strong>na</strong><strong>da</strong> informação do que propriamente para a aprendizagem efetiva, e muito<br />

menos à construção do sujeito histórico crítico. Ressalta-se ain<strong>da</strong>, que a elaboração<br />

destas tecnologias educacio<strong>na</strong>is é feita, <strong>na</strong> maioria <strong>da</strong>s vezes, por técnicos que não<br />

entendem de educação, o que justifica a baixa quali<strong>da</strong>de didática dos pacotes<br />

pe<strong>da</strong>gógicos impostos pelas escolas e empresas <strong>como</strong> potencialmente revolucio<strong>na</strong>dores<br />

do ensino.<br />

Questio<strong>na</strong>-se até que ponto a tecnologia educacio<strong>na</strong>l não é mera reprodutora /<br />

mantenedora <strong>da</strong> educação bancária, ape<strong>na</strong>s com uma retórica e roupagem ditas<br />

moder<strong>na</strong>s que objetivam essencialmente camuflar ain<strong>da</strong> mais a opressão. Por exemplo,<br />

<strong>fala</strong>-se muito em “inclusão digital” <strong>da</strong>s cama<strong>da</strong>s populares margi<strong>na</strong>liza<strong>da</strong>s <strong>como</strong><br />

condição de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia <strong>na</strong> socie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> informação. Acontece que, segundo as palavras<br />

de Freire (1987, p.61): “[...] os chamados margi<strong>na</strong>lizados, que são os oprimidos, jamais<br />

estiveram fora de. Sempre estiveram dentro de. Dentro <strong>da</strong> estrutura que os transforma<br />

em “seres para os outros”. Sua solução, pois, não está em “integrar-se”, em “incorporarse”<br />

a esta estrutura que os oprime, mas em transformá-la para que possam fazer-se<br />

“seres para si””.<br />

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V Colóquio Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005<br />

Kerr (1996) aponta uma suscetibili<strong>da</strong>de <strong>na</strong> socie<strong>da</strong>de em aceitar a idéia de que a<br />

tecnologia é inerentemente boa, fruto de um conhecimento neutro, e que “se a<br />

tecnologia tor<strong>na</strong> possível de se fazer alguma coisa, então, esta coisa deve ser feita”. No<br />

contexto educacio<strong>na</strong>l, não é suficiente ape<strong>na</strong>s equipar as instituições de ensino com<br />

modernos recursos tecnológicos, e negligenciar a conscientização e trei<strong>na</strong>mento docente<br />

para a tecnologia educacio<strong>na</strong>l. Tal negligência pode levar a situações onde muitas<br />

escolas possuem entulhos empoeirados de equipamentos de informática em completa<br />

ociosi<strong>da</strong>de. Gomes (1999), em conferência, mencio<strong>na</strong> as dificul<strong>da</strong>des advin<strong>da</strong>s <strong>da</strong><br />

absorção <strong>da</strong>s novas tecnologias pelo modelo brasileiro, destacando a formação de<br />

recursos humanos <strong>na</strong> escola. São elas:<br />

Inexistência de um componente curricular tratando <strong>da</strong>s tecnologias de<br />

informação e de comunicação, nos cursos de formação de professores para as<br />

séries iniciais.<br />

Na educação continua<strong>da</strong>, uma visão equivoca<strong>da</strong> de que deve ser enfatiza<strong>da</strong><br />

uma preparação técnica, em detrimento <strong>da</strong> exploração pe<strong>da</strong>gógica <strong>da</strong>s<br />

tecnologias de informação e comunicação.<br />

Ausência de estímulos e orientação para atitudes de empreendedorismo .<br />

No panorama <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de de informação, apresenta-se um outro aspecto <strong>da</strong> influência<br />

tecnológica no processo ensino-aprendizagem que é de ordem espaço-temporal. De<br />

forma predomi<strong>na</strong>nte <strong>na</strong> socie<strong>da</strong>de industrial, a aquisição de conhecimentos teóricos<br />

acontecia gra<strong>da</strong>tivamente até um determi<strong>na</strong>do grau de escolarização do indivíduo,<br />

obrigado a se deslocar fisicamente até a instituição desig<strong>na</strong><strong>da</strong> para a tarefa de ensi<strong>na</strong>r e<br />

aprender. Era pressuposto aceito que completando o “tempo de escola”, a pessoa<br />

possuía conhecimentos e informações suficientes para iniciar-se em alguma profissão<br />

perene.<br />

“Na atuali<strong>da</strong>de, o que se desloca é a informação”, diz Virilio (1993). E este<br />

deslocamento acontece em dois sentidos: o primeiro, o <strong>da</strong> espaciali<strong>da</strong>de física, em<br />

tempo real, sendo acessa<strong>da</strong> através <strong>da</strong>s tecnologias de informação e comunicação de<br />

qualquer locali<strong>da</strong>de geográfica do mundo. O segundo, pela sua alteração constante e<br />

veloz, sua transformação temporal intensiva e fugaz. Daí se afirmar a impossibili<strong>da</strong>de<br />

de se considerar a pessoa totalmente forma<strong>da</strong>, independente do grau de escolarização<br />

alcançado.<br />

EFEITOS DA UTILIZAÇÃO DA T.I. NO DESENVOLVIMENTO SOCIAL DO INDIVÍDUO<br />

Na interação com uma tecnologia <strong>da</strong> informação <strong>como</strong> é o computador, estão em jogo<br />

diversos aspectos do funcio<strong>na</strong>mento cognitivo, <strong>como</strong> a criação de outras formas de<br />

relação espaço-temporal; o gerenciamento <strong>da</strong> memória; a forma de representação do<br />

conhecimento e sua capaci<strong>da</strong>de de modelar o real (BITTENCOURT, 1998). Por isso, o<br />

uso <strong>da</strong> T.I. <strong>na</strong> educação, de um modo geral, tem gerado dois grupos de discussão: o<br />

primeiro que a considera <strong>como</strong> instrumento de atuação pe<strong>da</strong>gógica, ou seja, mais uma<br />

ferramenta disponível ao processo ensino-aprendizagem, não necessariamente se<br />

apresentando <strong>como</strong> a única e a indispensável. O segundo grupo, a preconiza <strong>como</strong><br />

protagonista do ensino, o que significa dizer, a tecnologia educacio<strong>na</strong>l pode substituir a<br />

função do professor nos anos de formação do indivíduo. Antes de se considerar algumas<br />

questões sobre os efeitos do uso <strong>da</strong> T.I. no desenvolvimento social do indivíduo, vale o<br />

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V Colóquio Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005<br />

esforço de entender o que é a tecnologia educacio<strong>na</strong>l. Ely (1997) define tecnologia<br />

educacio<strong>na</strong>l <strong>como</strong> teoria e prática do projeto, desenvolvimento, utilização,<br />

administração e evolução dos processos e recursos para a aprendizagem. Não se pode<br />

confundir o uso <strong>da</strong> T.I. no processo educacio<strong>na</strong>l, com o ensino de computação,<br />

simplesmente. “O uso <strong>da</strong> informática é uma <strong>da</strong>s facetas do uso <strong>da</strong> T.I. <strong>na</strong> educação e<br />

esta deve ser percebi<strong>da</strong> no e para o ensino e, de modo geral, para a educação”<br />

(ARGENTA & BRITO, 1995, p.5).<br />

Há sérias questões a serem considera<strong>da</strong>s no que diz respeito ao desenvolvimento <strong>da</strong>s<br />

aptidões sociais e <strong>da</strong>s competências emocio<strong>na</strong>is do educando. Especialmente nos anos<br />

de formação do indivíduo, o inter-relacio<strong>na</strong>mento é decisivo para que as habili<strong>da</strong>des<br />

sociais e emocio<strong>na</strong>is sejam desenvolvi<strong>da</strong>s; entretanto, o incentivo à atuação<br />

individualiza<strong>da</strong> / isola<strong>da</strong> diante do computador, minimiza drasticamente qualquer<br />

possibili<strong>da</strong>de de estabelecer contato pessoal com outro. Acrescente-se a isso o poder<br />

deletério e incisivo <strong>da</strong> mídia em pregar o discurso de “moderno” ao uso indiscrimi<strong>na</strong>do<br />

<strong>da</strong> informática <strong>na</strong> educação, sem considerar os potenciais problemas de ordem sóciocognitivos.<br />

Como conseqüência, é imperativa uma avaliação crítica do quão nocivo ao<br />

desenvolvimento de competências emocio<strong>na</strong>is pode ser esta utilização indiscrimi<strong>na</strong><strong>da</strong><br />

<strong>da</strong> informática <strong>na</strong> educação; devendo a T.I. ser considera<strong>da</strong> <strong>como</strong> ferramenta a cumprir<br />

a tarefa de agregar valor ao trabalho docente e às relações pessoais, e não substituí-los<br />

por recursos impessoais e automatizados. Goleman (1998) completa: “O ensino com o<br />

auxílio de computador, um recurso muito em mo<strong>da</strong> no trei<strong>na</strong>mento hoje em dia, tem<br />

limitações quando se trata de proporcio<strong>na</strong>r prática e competência emocio<strong>na</strong>l. Embora<br />

essa mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de seja promissora em termos de ensino individualizado, fixação de ritmo<br />

próprio, oportuni<strong>da</strong>des em caráter privado de ensaio e prática, comentário imediato<br />

sobre o progresso obtido e aju<strong>da</strong> retificadora, e apresente outras vantagens análogas, as<br />

técnicas que usam o auxílio de computador geralmente são mais adequa<strong>da</strong>s para o<br />

trei<strong>na</strong>mento de habili<strong>da</strong>des técnicas do que para o desenvolvimento de capaci<strong>da</strong>des<br />

pessoais e interpessoais”.<br />

Adicio<strong>na</strong>lmente, é preciso considerar a faixa etária e o desenvolvimento cognitivo do<br />

indivíduo, objetivando estabelecer parâmetros para a introdução de recursos<br />

informatizados <strong>na</strong> educação. Setzer (1999), Professor Titular de Ciência <strong>da</strong> Computação<br />

do Instituto de Matemática e Estatística <strong>da</strong> USP, é contrário ao uso <strong>da</strong> informática <strong>na</strong><br />

infância, particularmente no processo educacio<strong>na</strong>l, porque esta utilização estaria<br />

precocemente estimulando um raciocínio puramente abstrato. O professor justifica:<br />

“Porque o computador força o pensamento lógico-simbólico e algoritmo. Esse é um<br />

pensamento muito particular que a gente até desejaria que todos os adultos tivessem a<br />

capaci<strong>da</strong>de de exercer – e eu acho que nem todos têm -, mas que é absolutamente<br />

i<strong>na</strong>propriado para crianças e jovens antes dos 15, 16 anos. Porque a gente espera que<br />

uma criança pense mais qualitativa do que formal e quantitativa, <strong>como</strong> o computador<br />

exige [...]”.<br />

NOVAS TECNOLOGIAS, MULTICULTURALIDADE E EDUCAÇÃO<br />

O mundo aparenta não ter mais fronteiras, pois vivemos todos num “caldeirão”<br />

multicultural. Conviver com a diversi<strong>da</strong>de parece ser um dos grandes desafios no século<br />

21. Num mundo tecnológico de hoje, as fronteiras que existiam entre os povos,<br />

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V Colóquio Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005<br />

tor<strong>na</strong>ram praticamente inexistentes por causa <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de de comunicação e<br />

interação entre os mesmos. Também a possibili<strong>da</strong>de de confrontos, conflitos, mais<br />

rápi<strong>da</strong> de atingir as pessoas e provocar debates sobre as diferenças cresceu<br />

significativamente. Se a Internet e outras T.I.s e comunicação podem aproximar as<br />

diversas <strong>na</strong>ções, qual então não seria a sua extraordinária capaci<strong>da</strong>de de difundir<br />

culturas e auxiliar <strong>na</strong> diminuição de preconceitos, promovendo o <strong>diálogo</strong> entre as<br />

mesmas?<br />

A possibili<strong>da</strong>de de comuni<strong>da</strong>des diferentes, que <strong>fala</strong>m línguas diferentes e que possuem<br />

religião, costumes e etnias diferentes, estarem se conhecendo e promovendo a<br />

desconstrução e construção de novos saberes, constitui a grande característica <strong>da</strong> pósmoderni<strong>da</strong>de<br />

e efeito <strong>da</strong> globalização.<br />

Existe, porém, em torno dessa dinâmica, a presença forte do poder político / social que<br />

exercem essas novas tecnologias sobre a população. Como retratamos <strong>na</strong> introdução<br />

desse artigo, as novas tecnologias não se apresentam neutras, estão sendo mol<strong>da</strong><strong>da</strong>s e<br />

construí<strong>da</strong>s de acordo com determi<strong>na</strong>dos interesses. É nessa perspectiva que Freire<br />

(2000, p.101) relata seus pensamentos em defesa <strong>da</strong> compreensão <strong>da</strong>s tecnologias: “É<br />

tão urgente, quanto necessária, a compreensão correta <strong>da</strong> tecnologia, a que recusa<br />

entendê-la <strong>como</strong> obra diabólica ameaçando sempre os seres humanos ou a que perfila<br />

<strong>como</strong> constantemente a serviço de seu bem-estar”.<br />

Para Freire, a compreensão crítica <strong>da</strong> tecnologia em fusão com a educação que<br />

precisamos deve estar a serviço <strong>da</strong> população <strong>como</strong> ferramenta para a vocação<br />

ontológica dos homens e mulheres. Pressupõe também uma rigorosa vigilância ética<br />

sobre ela.<br />

Pensar sobre essas possibili<strong>da</strong>des é um grande passo a <strong>da</strong>r no sentido de uma<br />

compreensão crítica que venha se fazer <strong>na</strong> mente de ca<strong>da</strong> um, principalmente para quem<br />

está envolvido com educação. O alongamento do pensar por quê, para quê, para quem<br />

as novas tecnologias estão a favor é exercício do filosofar que deve trazer em seu bojo a<br />

indig<strong>na</strong>ção, o espanto diante do mundo e dos valores perpetuados nele quando voltados<br />

ape<strong>na</strong>s para o mercado.<br />

Nessa perspectiva pe<strong>da</strong>gógica, não se deve pensar em educação ou formação técnicocientífica<br />

sem deixar de pensar para quê está sendo direcio<strong>na</strong><strong>da</strong>, com que objetivo, em<br />

favor ou contra quem está sendo dimensio<strong>na</strong><strong>da</strong>. Segundo Freire, estas seriam exigências<br />

fun<strong>da</strong>mentais para se pensar em uma educação democrática à altura dos desafios do<br />

nosso tempo, necessárias ao pensamento crítico dessa socie<strong>da</strong>de multicultural.<br />

EDUCAÇÃO LIBERTADORA-PROBLEMATIZADORA VERSUS EDUCAÇÃO BANCÁRIA<br />

A análise <strong>da</strong> evolução do processo educacio<strong>na</strong>l e a possibili<strong>da</strong>de de relação com a<br />

tecnologia <strong>da</strong> informação para a emancipação do sujeito histórico tor<strong>na</strong>-se mais<br />

compreensível quando se apresenta um referencial histórico <strong>da</strong>s principais perspectivas<br />

educacio<strong>na</strong>is facilitadoras ou não desta relação. O Quadro 1 apresenta as características<br />

<strong>da</strong>s três principais concepções no século vinte.<br />

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V Colóquio Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005<br />

Quadro 1 – As principais perspectivas educacio<strong>na</strong>is no século XX<br />

PERSPECTIVA<br />

PERSPECTIVA PERSPECTIVA<br />

CLÁSSICA<br />

HUMANISTA<br />

MODERNA<br />

* A<strong>da</strong>ptação dos alunos aos * A<strong>da</strong>ptação <strong>da</strong> escola às * Harmonização entre as<br />

objetivos <strong>da</strong> escola necessi<strong>da</strong>des dos alunos necessi<strong>da</strong>des dos alunos e<br />

os valores sociais<br />

* Certeza * Dúvi<strong>da</strong> * Probabili<strong>da</strong>de<br />

* Competição * Cooperação * Crescimento<br />

* Autocracia * Laissez-faire * Participação<br />

* Discipli<strong>na</strong> * Liber<strong>da</strong>de * Responsabili<strong>da</strong>de<br />

* Reprodução * Descoberta * Criativi<strong>da</strong>de<br />

* Orientação para o conteúdo * Orientação para o * Orientação para a<br />

método<br />

solução de problemas<br />

* Ênfase no ensino Ênfase <strong>na</strong> aprendizagem * Ênfase no processo<br />

ensino-aprendizagem<br />

Fonte: a<strong>da</strong>ptado de Gil (1994, p.27)<br />

A experiência tem mostrado a predominância ain<strong>da</strong> <strong>da</strong> perspectiva educacio<strong>na</strong>l clássica,<br />

mesmo diante <strong>da</strong>s potenciali<strong>da</strong>des <strong>da</strong> T.I. <strong>na</strong> construção de um saber crítico, base para a<br />

formação do sujeito histórico. E esta perspectiva volta<strong>da</strong> para a reprodução; o ‘<strong>como</strong>’,<br />

ao contrário do ‘por que’, garante o exercício continuado do poder mantenedor do status<br />

quo, o qual dispõe dos meios de comunicação de massa e um sistema educacio<strong>na</strong>l que<br />

perpetuando o pensamento domi<strong>na</strong>nte, fazem-no por um processo de condicio<strong>na</strong>mento<br />

social ca<strong>da</strong> vez mais implícito que explícito – mais aceito <strong>como</strong> “<strong>na</strong>tural” que aceito por<br />

convencimento, justamente para obter a submissão, ain<strong>da</strong> que diante <strong>da</strong> prevalência de<br />

desigual<strong>da</strong>des em suas diversas matizes. “Por isso, mais eficiente que impedir a<br />

educação formal do povo, privando-o inclusive do acesso mais elementar – a<br />

alfabetização -, é implantar um sistema de ensino e de domi<strong>na</strong>ção <strong>da</strong> mídia que seja<br />

capaz de reproduzir as estruturas sociais deseja<strong>da</strong>s” (SILVEIRA, 2000, p.82).<br />

Na educação bancária, presente <strong>na</strong> perspectiva educacio<strong>na</strong>l clássica, o educador é o<br />

único sujeito que sabe, que educa, que pensa, que diz a palavra, que discipli<strong>na</strong>, que opta<br />

e prescreve sua opção, que atua, que interfere <strong>na</strong> escolha de conteúdos programáticos,<br />

que identifica a autori<strong>da</strong>de do saber com sua autori<strong>da</strong>de funcio<strong>na</strong>l, portanto é único<br />

sujeito do processo. O educando, neste sentido, é objeto do processo que tem de<br />

a<strong>da</strong>ptar-se e a<strong>como</strong><strong>da</strong>r-se às determi<strong>na</strong>ções do educador; o que é educado; o que não<br />

sabe; o que não pensa; o que escuta docilmente; o discipli<strong>na</strong>do; o que segue as<br />

prescrições; o que tem a ilusão que atua. Com estas características <strong>da</strong> educação bancária<br />

é impraticável o <strong>diálogo</strong>. Freire (1987), a esse respeito, comenta: “Quanto mais se lhes<br />

imponha passivi<strong>da</strong>de, tanto mais ingenuamente, em lugar de transformar, tendem a<br />

a<strong>da</strong>ptar-se ao mundo, à reali<strong>da</strong>de parcializa<strong>da</strong> nos depósitos recebidos” (60). A palavra<br />

tor<strong>na</strong>-se verbosi<strong>da</strong>de, veículo de alie<strong>na</strong>ção. Transita numa esfera opressora que conduz<br />

o homem à condição de “ser menos”. Como suposto dono <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de (que já não é<br />

ver<strong>da</strong>deira, mas fanática), faz comunicados que informam a maneira de agir e pensar de<br />

outros homens.<br />

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V Colóquio Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005<br />

Numa perspectiva de educação libertadora, não faz parte <strong>da</strong> vocação ontológica huma<strong>na</strong><br />

repetir palavras comunica<strong>da</strong>s por outros (opressores), porque se assim o homem fizesse,<br />

perderia sua condição radical e histórica. De <strong>na</strong><strong>da</strong> se diferenciaria de outros animais. A<br />

pronúncia <strong>da</strong> palavra seria oca, desprovi<strong>da</strong> de significado próprio. Domesticado, o<br />

homem termi<strong>na</strong>ria por coisificar-se e coisificar outros homens. Para Freire, é através <strong>da</strong><br />

palavra que o homem se faz homem. Ao dizer a palavra, o homem assume<br />

conscientemente sua essencial condição huma<strong>na</strong>. Neste contexto, ao pronunciar a<br />

palavra, o homem comunica sua condição situacio<strong>na</strong>l, seu momento <strong>na</strong> história.<br />

Aprende a dizer a sua palavra, que é, para Freire, criadora de cultura, consciência<br />

reflexiva <strong>da</strong> cultura, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que se faz pela reconstrução crítica do mundo<br />

humano, pela abertura de novos caminhos.<br />

De acordo com Fiori (FREIRE, 1987, p. 20), a palavra, em Freire, “é entendi<strong>da</strong> <strong>como</strong><br />

palavra e ação; não é termo que assimila arbitrariamente um pensamento que, por sua<br />

vez, discorre separado <strong>da</strong> existência. É significação produzi<strong>da</strong> pela práxis, palavra cuja<br />

discursivi<strong>da</strong>de flui <strong>da</strong> história [...]. Palavra que diz e transforma o mundo”. Continua<br />

Fiori, “a palavra viva é <strong>diálogo</strong>” (Id.Ib). A palavra pronuncia<strong>da</strong> com autentici<strong>da</strong>de,<br />

significativamente contextualiza<strong>da</strong>, é condição diferenciadora do homem em libertação<br />

<strong>da</strong>quele que, noutro sentido, aprisio<strong>na</strong>-se, aprisio<strong>na</strong>ndo outros homens.<br />

Esta interpretação de Fiori pode ser reforça<strong>da</strong> pelas palavras de Freire quando, <strong>na</strong><br />

introdução de “A dialogici<strong>da</strong>de – essência <strong>da</strong> educação <strong>como</strong> prática <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de”,<br />

afirma que “não há palavra ver<strong>da</strong>deira que não seja práxis. Daí que dizer a palavra<br />

ver<strong>da</strong>deira seja transformar o mundo” (Ob. Cit., p. 77). Neste contexto, a palavra<br />

ver<strong>da</strong>deira, <strong>como</strong> elemento transformador do mundo, apresenta-se forma<strong>da</strong> por duas<br />

dimensões radicalmente solidárias, constitutivas <strong>da</strong> práxis: ação e reflexão. O ato de<br />

privilegiar a reflexão, em detrimento <strong>da</strong> ação, leva a palavrório, verbalismo, blablablá<br />

porque conforme explica Freire “[...] não há denúncia ver<strong>da</strong>deira sem compromisso de<br />

transformação, nem este sem ação” (Ob. Cit., p. 78). Já a ênfase exclusiva <strong>na</strong> ação,<br />

sacrificando a reflexão, converte a palavra em ativismo, ou seja, ação pela ação. Em<br />

qualquer uma <strong>da</strong>s duas possibili<strong>da</strong>des cita<strong>da</strong>s, geram-se formas i<strong>na</strong>utênticas de existir,<br />

de pensar; negando a práxis ver<strong>da</strong>deira e impedindo o <strong>diálogo</strong>.<br />

Diálogo que, <strong>na</strong> perspectiva freirea<strong>na</strong>, é uma exigência existencial, através dele os<br />

homens ganham significação enquanto homens; o <strong>diálogo</strong> é o encontro dos homens para<br />

o “ser mais”, mediatizados pelo mundo por meio <strong>da</strong> ação–reflexão. Freire (1987)<br />

confirma que dialogo é palavra ver<strong>da</strong>deira, é amor, é compromisso com a libertação do<br />

homem e do mundo. Para que exista realmente <strong>diálogo</strong> é fun<strong>da</strong>mental amor, humil<strong>da</strong>de,<br />

confiança, critici<strong>da</strong>de, esperança, soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de, fé, comunicação, e este só será possível<br />

<strong>na</strong> educação libertadora ou problematizadora.<br />

Nesta concepção de educação libertadora-problematizadora o homem é “ser de<br />

relações”, por isso mesmo criativo, disponível ao <strong>diálogo</strong>; um ser que, pela sua vocação<br />

ontológica, busca sempre humanizar-se, tendo consciência de que é um ser i<strong>na</strong>cabado,<br />

portanto inconcluso. A concepção freirea<strong>na</strong> de educação dialógica, problematizadora,<br />

conscientizadora e libertadora, é manifesta através <strong>da</strong>s citações: “Não há <strong>diálogo</strong>,<br />

porém, se não há um profundo amor ao mundo e aos homens” (FREIRE, 1987, p. 79)...<br />

“Sendo fun<strong>da</strong>mento do <strong>diálogo</strong>, o amor é, também, <strong>diálogo</strong>” (80)... “Onde quer que<br />

estejam estes, oprimidos, o ato de amor está em comprometer-se com a sua causa. A<br />

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V Colóquio Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005<br />

causa de libertação. Mas, este compromisso, porque é amoroso, é dialógico” (80).<br />

Acrescentando: “ao fun<strong>da</strong>r-se no amor, <strong>na</strong> humil<strong>da</strong>de, <strong>na</strong> fé dos homens, o <strong>diálogo</strong> se<br />

faz uma relação horizontal, em que ‘confiança’ de um pólo no outro é conseqüência<br />

óbvia” (81)... “Não existe, tampouco, <strong>diálogo</strong> sem esperança” (82). A esperança está <strong>na</strong><br />

raiz <strong>da</strong> inconclusão dos homens <strong>da</strong> qual se movem em permanente busca. Concluindose<br />

que os valores afetivos do amor, <strong>da</strong> humil<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> fé, <strong>da</strong> confiança, do<br />

comportamento e <strong>da</strong> esperança são componentes imprescindíveis à educação dialógica.<br />

CONFRONTOS CULTURAIS COMO DESAFIO AO DIÁLOGO<br />

Esquecendo do que é humano, deixando de ser humanizado, os homens e as mulheres<br />

não acolhem as diferenças, não conseguem equilibrar seus pontos de vista uma vez que<br />

estes estão de acordo com a lógica perpetua<strong>da</strong> pelo neoliberalismo. “O começo do caos,<br />

o princípio <strong>da</strong> desordem no mundo, é a falta de compreensão sobre o diferente”, afirma<br />

a filósofa Anita Novinsky, chefe do Laboratório de Estudos sobre a Intolerância <strong>da</strong><br />

Universi<strong>da</strong>de de São Paulo. Portanto, a multiculturali<strong>da</strong>de, enquanto possibili<strong>da</strong>de de<br />

ca<strong>da</strong> um exercer livremente as suas diferenças (lingüísticas, políticas, culturais,<br />

econômicas, religiosas, etc.), pressupõe a presença <strong>da</strong> tolerância.<br />

Para to<strong>da</strong> tolerância, há uma significação <strong>da</strong>quilo que é tolerável para ca<strong>da</strong> um. Freire<br />

não nega que nessa dinâmica do <strong>diálogo</strong> com o diferente, <strong>na</strong> tentativa de compreensão<br />

do outro, possa vir a existir negativi<strong>da</strong>des, conflitos, contradições e tensões. Ele não<br />

desconhece que seu sonho de uma relação dialógica entre as diferentes culturas não<br />

consegue elimi<strong>na</strong>r essas tensões tão presentes <strong>na</strong>s relações. Ele considera que essas<br />

tensões são de <strong>na</strong>tureza divergentes, podem surgir de acordo com a forma que se encara<br />

os conflitos; dessa forma, encontrando o “i<strong>na</strong>cabamento” que nos explica Freire (1992:<br />

156):<br />

A tensão necessária, permanente, entre as culturas <strong>na</strong> multiculturali<strong>da</strong>de é de <strong>na</strong>tureza<br />

diferente. É a tensão a que se expõe por ser diferentes, <strong>na</strong>s relações democráticas em<br />

que se promovem. É a tensão de que não podem fugir por se acharem construindo,<br />

criando, produzindo a ca<strong>da</strong> passo a própria multiculturali<strong>da</strong>de que jamais estará pronta e<br />

acaba<strong>da</strong>. A tensão, neste caso, portanto, é a do i<strong>na</strong>cabamento que se assume <strong>como</strong> razão<br />

de ser <strong>da</strong> própria procura e de conflitos não antagônicos e não a cria<strong>da</strong> pelo medo, pela<br />

prepotência, pelo “cansaço existencial”, pela “anestesia histórica” ou pela vingança que<br />

explode, pela desesperação ante a injustiça que parece perpetuar-se.<br />

Dessa forma, duas idéias de Freire aparecem <strong>na</strong> sua teoria de multiculturali<strong>da</strong>de,<br />

segundo Souza (2002): “a de i<strong>na</strong>cabamento de sua construção e a de tensão não<br />

antagônica entre as culturas”. Percebe-se que a dificul<strong>da</strong>de <strong>da</strong> construção do <strong>diálogo</strong><br />

não se dá ape<strong>na</strong>s pela justaposição, domi<strong>na</strong>ção de uma cultura sobre a outra, de uma<br />

socie<strong>da</strong>de sobre a outra, que vence pelo medo. Freire retrata uma situação diferente<br />

desta, em que essa possibili<strong>da</strong>de de confronto, que ele considera necessário <strong>na</strong>s<br />

relações, e que para nós aparenta ser uma dificul<strong>da</strong>de, acontece porque está relacio<strong>na</strong><strong>da</strong><br />

com situações de construção, de criação, de produção entre os homens e mulheres e por<br />

isso mesmo i<strong>na</strong>caba<strong>da</strong>, é geradora de tensões.<br />

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V Colóquio Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005<br />

Nessa perspectiva, Freire anuncia a necessi<strong>da</strong>de de uma educação volta<strong>da</strong> para a não<br />

“domesticação”, <strong>como</strong> aconteceu com nossos índios brasileiros pelos jesuítas, exemplo<br />

de justaposição de culturas. Fala <strong>da</strong> tentativa de instalação de atitudes favoráveis ao<br />

<strong>diálogo</strong>, através de “um clima educativo” (SOUZA, 2002). O <strong>diálogo</strong>, por sua função,<br />

não pode encerrar a vontade de um sobre o outro, a <strong>fala</strong> de outrem sobre alguém,<br />

sobrepor a sua cultura sobre qualquer outra.<br />

No exercício dessa atitude dialogal, através do clima educativo, estaríamos promovendo<br />

a democracia autêntica, pois “exigem a reflexão, o debate, a critici<strong>da</strong>de, o<br />

discernimento, a toma<strong>da</strong> de decisões” (SOUZA, 2002), que são formas construtivas em<br />

busca do avanço do processo democrático.<br />

Portanto, lutar sim por essas atitudes, leva a um clima mais agradável de convivência,<br />

de tolerância racioci<strong>na</strong><strong>da</strong>. Ao contrário, lutar contra o <strong>diálogo</strong>, que é o mesmo que lutar<br />

contra a democracia, “é fazê-la irracio<strong>na</strong>l”.<br />

Freire então nos sugere sermos mais corajosos, que é o que o contexto <strong>da</strong> pósmoderni<strong>da</strong>de<br />

nos exige, principalmente em termos educacio<strong>na</strong>is. A exigência está para<br />

o trabalho que devemos colocar <strong>como</strong> maior importância e não deve ser esquecido: criar<br />

novas situações que venham perpetuar as atitudes de <strong>diálogo</strong>.<br />

AÇÃO DIALÓGICA E AS CONOTAÇÕES DE PLURALIDADE, TRANSCENDÊNCIA,<br />

CRITICIDADE, CONSEQÜÊNCIA E TEMPORALIDADE<br />

A análise e discussão acerca <strong>da</strong> ação dialógica, em Paulo Freire, nos conduz a um<br />

retorno à Educação Como Prática <strong>da</strong> Liber<strong>da</strong>de (1967), <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que delimita,<br />

nesta obra, o conceito de homem e mundo. Para Freire, numa perspectiva<br />

antropológico-filosófica, o homem é ser de relações que ultrapassa a esfera dos<br />

contatos; relações estas que se encontram influencia<strong>da</strong>s pelas conotações de plurali<strong>da</strong>de,<br />

transcendência, critici<strong>da</strong>de, conseqüência e temporali<strong>da</strong>de com as quais diferencia-se<br />

dos outros animais. Deste modo, não basta estar no mundo, o que o levaria a esfera dos<br />

contatos, mas que esteja também com o mundo 2 , <strong>como</strong> sujeito ativo.<br />

Por plurali<strong>da</strong>de, Freire (1967) compreende a ampla varie<strong>da</strong>de de desafios com os quais<br />

o homem responde ao mundo. Estando no e com o mundo, o homem estabelece relações<br />

situa<strong>da</strong>s pela diversi<strong>da</strong>de de desafios emergentes do próprio homem, assim <strong>como</strong> dos<br />

próprios desafios. Como ser de relações elabora e re-elabora suas respostas. Ao<br />

responder, organiza-se as testando e agindo conscientemente. Neste contexto, a ação<br />

dialógica deve ser compreendi<strong>da</strong> sob a condição de processo que se faz pelo<br />

reconhecimento consciente dos homens sobre a diversi<strong>da</strong>de de características dos<br />

desafios emergentes, <strong>na</strong> e com a relação que criam e recriam. Deve-se ain<strong>da</strong>, ao<br />

reconhecimento de que “<strong>na</strong>s relações que o homem estabelece com o mundo há, por<br />

isso mesmo, uma plurali<strong>da</strong>de <strong>na</strong> própria singulari<strong>da</strong>de” (FREIRE, 1967, p. 40).<br />

2 “[...] entendemos que, para o homem, o mundo é uma reali<strong>da</strong>de objetiva, independente dele, possível de ser<br />

conheci<strong>da</strong>” (FREIRE, 1967, p. 39).<br />

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V Colóquio Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005<br />

Este processo, numa perspectiva libertadora, a que pretende Freire, não se <strong>da</strong>ndo <strong>na</strong><br />

esfera dos contatos 3, vai exigir dos homens reflexão <strong>na</strong> direção do que denominou tipo<br />

de “consciência transitiva crítica”. Uma consciência que ressalta a “educação dialogal e<br />

ativa, volta<strong>da</strong> para a responsabili<strong>da</strong>de social e política, se caracterizando pela<br />

profundi<strong>da</strong>de <strong>na</strong> interpretação dos problemas” (FREIRE, 1967, p. 61). Neste sentido, a<br />

conotação de critici<strong>da</strong>de 4 nos coloca diante <strong>da</strong> reflexão sobre a necessi<strong>da</strong>de política e<br />

social de fazermos emergir atitudes contrárias ao sectarismo, agindo <strong>como</strong> homens<br />

radicais que optam crítica e amorosamente, sem impor sua opção. Homens críticos que<br />

dialogam sobre as diversi<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s opções. A ação dialógica, neste contexto, é atitude<br />

que se contrapõe à domesticação / coisificação e que se faz pela educação entre homens<br />

em libertação. Entre homens que, assumindo sua condição crítica, transcende.<br />

Com a conotação de transcendência, Freire identifica duas dimensões: a transitivi<strong>da</strong>de<br />

de sua consciência e a consciência que tem de sua condição de ser i<strong>na</strong>cabado. Quanto à<br />

primeira, permite ao homem “auto-objetivar-se e, a partir <strong>da</strong>í, reconhecer órbitas<br />

existenciais diferentes, distinguir um eu de um não eu” (Ob.cit., p. 40). A segun<strong>da</strong>,<br />

perceber que a relação que os homens constroem “jamais será de domi<strong>na</strong>ção,<br />

domesticação, mas sempre de libertação” (Ibid), uma vez que o conceito de homem<br />

<strong>como</strong> ser de relação ultrapassa a esfera dos contatos, <strong>da</strong> domesticação. O homem existe<br />

<strong>como</strong> indivíduo em relação. Transcende, opta <strong>na</strong> interação com outros homens situados<br />

num contexto objetivo. Assim, comunica-se dialogando. Concernente a este paradigma<br />

pode-se dizer que a ação dialógica seja o meio pelo qual os homens emergem com<br />

atitudes ética, íntegra, amorosa, politicamente comprometi<strong>da</strong> com o social. Existindo, o<br />

homem toma consciência <strong>da</strong>s conseqüências de sua transcendência. Não age contra a<br />

humanização dos homens, pois isto levaria a sua própria destruição. Tomando<br />

consciência <strong>da</strong>s conseqüências de suas ações, em <strong>diálogo</strong>, age criando e re-criando<br />

respostas aos desafios que elabora, ou aos que capta no mundo.<br />

Com a conotação de temporali<strong>da</strong>de, Freire nos conduz à reflexão sobre o significado do<br />

tempo histórico humano. Diferentemente dos outros animais, o homem é o único que<br />

existe em um tempo multidimensio<strong>na</strong>l. Por esta mesma razão, tendo consciência de seu<br />

tempo (passado, presente e futuro) “lança-se o homem num domínio que lhe é exclusivo<br />

– o <strong>da</strong> História e o <strong>da</strong> Cultura”. Com isto, a ação dialógica só se <strong>da</strong>rá entre homens<br />

radicais, entre sujeitos enraizados que interagem situados num tempo que constitui sua<br />

reali<strong>da</strong>de consciente.<br />

Dialogar, assim, é atitude que se define e delimita <strong>na</strong> e com a relação entre o homem e o<br />

mundo, o homem com outros homens. Exige autentici<strong>da</strong>de ao pronunciar a palavra.<br />

Neste sentido, comunica-se através dos contatos que faz. O homem, assim, relacio<strong>na</strong>-se<br />

conscientemente crítico através <strong>da</strong> elaboração de argumentos que lhes sejam<br />

3 Na esfera dos contatos os homens tor<strong>na</strong>m-se fanáticos <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que vive <strong>como</strong> sectário, uma consciência<br />

transitiva ingênua. Este tipo de consciência “se caracteriza pela sua simplici<strong>da</strong>de <strong>na</strong> interpretação dos problemas. Pela<br />

tendência a julgar que o tempo melhor foi o tempo passado. Pela subestimação do homem comum. Por uma forte<br />

incli<strong>na</strong>ção ao gregarismo, característico <strong>da</strong> massificação. Pela impermeabili<strong>da</strong>de à investigação, a que corresponde a<br />

um gosto acentuado pelas explicações fabulosas. Pela fragili<strong>da</strong>de <strong>na</strong> argumentação. Por forte teor de emocio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de.<br />

Pela prática não propriamente do <strong>diálogo</strong>, mas <strong>da</strong> polêmica” (Ob.cit., p. 60-61).<br />

4 “implica <strong>na</strong> apropriação crescente pelo homem de sua posição no contexto. Implica <strong>na</strong> sua inserção, <strong>na</strong> sua<br />

integração, <strong>na</strong> representação objetiva <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de” (Ob.cit., p. 61).<br />

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V Colóquio Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005<br />

ver<strong>da</strong>deiros, contudo, disponível à leitura interpretativa, por isso mesmo própria, <strong>da</strong><br />

pronúncia de outros homens e mulheres.<br />

AÇÃO DIALÓGICA E CONSCIENTIZAÇÃO<br />

O homem <strong>como</strong> ser de relações é lançado à tarefa de criar e recriar o seu contexto<br />

histórico. Tal tarefa apresenta, <strong>como</strong> um dos elementos significativos de realização, o<br />

<strong>diálogo</strong>.<br />

Este, <strong>como</strong> fenômeno humano e ato de criação, é o “encontro dos homens, mediatizados<br />

pelo mundo para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, <strong>na</strong> relação eu-tu” (FREIRE,<br />

1987, p. 78). Assim, para Freire (1987), “o <strong>diálogo</strong> se impõe <strong>como</strong> caminho pelo qual os<br />

homens ganham significado enquanto homens”, (p. 79). O esforço dos sujeitos, pelo<br />

<strong>diálogo</strong>, por soli<strong>da</strong>rizar o refletir e o agir de ca<strong>da</strong> um, direcio<strong>na</strong>-os ao mundo a ser<br />

transformado e humanizado.<br />

A construção do conhecimento decorrente <strong>da</strong> criação, recriação dos homens e mulheres,<br />

dá-se pela ação dialógica e exige conscientização. Freire (1987), quando comenta acerca<br />

dos temas geradores e conteúdos programáticos no contexto <strong>da</strong> educação libertadora,<br />

faz referência a este processo dialético entre ação política e conscientização. Para ele, o<br />

papel do professor “não é <strong>fala</strong>r ao povo sobre a nossa visão do mundo ou tentar impô-la<br />

a ele, mas dialogar com ele sobre a sua e a nossa”. Neste sentido, continua sua reflexão<br />

afirmando <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de estarmos “convencidos de que a sua visão do mundo, que<br />

se manifesta <strong>na</strong>s várias formas de sua ação, reflete a sua situação no mundo, em que se<br />

constitui. A ação educativa e política não pode prescindir do conhecimento crítico dessa<br />

situação, sob pe<strong>na</strong> de se fazer ‘bancária’ ou de pregar no deserto” (p. 87). Com isto,<br />

remete-nos à compreensão de que as atitudes de professor e alunos estejam integra<strong>da</strong>s<br />

num contexto comum de aprendizagem. Através do <strong>diálogo</strong>, professor e alunos<br />

compartilham noções de mundo. Tomam consciência do mundo, de si e dos outros, em<br />

<strong>diálogo</strong>.<br />

No entanto, Freire ao abor<strong>da</strong>r a temática conscientização, a<strong>na</strong>lisa os vários tipos de<br />

consciências referindo-se ao estado de intransitivi<strong>da</strong>de e transitivi<strong>da</strong>de. Para ele, a<br />

consciência intransitiva consiste numa limitação que o homem apresenta em sua esfera<br />

de apreensão, ou seja, aquilo que foge ou transcende a sua esfera biologicamente vital<br />

ou de necessi<strong>da</strong>des fisiológicas é de difícil apreensão e compreensão. O plano <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> é<br />

mais vegetativo que histórico. Para Freire (1980, p. 60), “[...] a intransitivi<strong>da</strong>de<br />

representa um quase incompromisso do homem com a existência. O discernimento se<br />

dificulta. Confundem-se as notas dos objetos e dos desafios do contorno e o homem se<br />

faz mágico, pela não-captação <strong>da</strong> causali<strong>da</strong>de autêntica”.<br />

Noutra direção, ultrapassando a esfera do vital, o homem “se transitiva”. À medi<strong>da</strong> que<br />

o homem consegue aumentar a sua habili<strong>da</strong>de de captação e de respostas aos desafios<br />

circun<strong>da</strong>ntes, ampliando o seu poder de <strong>diálogo</strong> não só com outro homem, mas também<br />

com o mundo, ele supera a esfera <strong>da</strong> intransitivi<strong>da</strong>de em direção à transitivi<strong>da</strong>de. De<br />

início, “predomi<strong>na</strong>ntemente ingênuo”. Na consciência transitiva ingênua há uma<br />

simplificação <strong>na</strong> interpretação dos problemas; uma fragili<strong>da</strong>de <strong>na</strong> argumentação (fruto<br />

<strong>da</strong> tendência a explicações fabulosas e impermeabili<strong>da</strong>de à investigação). Há um forte<br />

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V Colóquio Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005<br />

teor de emocio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de que pode levar à polêmica, mais adiante ao fa<strong>na</strong>tismo.<br />

Contudo, é ape<strong>na</strong>s <strong>na</strong> esfera <strong>da</strong> consciência transitiva crítica que homens e mulheres<br />

conseguem agir com autentici<strong>da</strong>de e amorosi<strong>da</strong>de. De acordo com Freire (1967, p. 61):<br />

A transitivi<strong>da</strong>de crítica por outro lado, a que chegaríamos com uma educação<br />

dialogal e ativa, volta<strong>da</strong> para a responsabili<strong>da</strong>de social e política, se<br />

caracteriza pela profundi<strong>da</strong>de <strong>na</strong> interpretação dos problemas. Pela<br />

substituição de explicações mágicas por princípios causais. Por procurar<br />

testar os “achados” e se dispor sempre a revisões. Por despir-se ao máximo<br />

de preconceitos <strong>na</strong> análise dos problemas e, <strong>na</strong> sua apreensão, esforçar-se por<br />

evitar deformações. Por negar a transferência de responsabili<strong>da</strong>de. Pela<br />

recusa a posições quietistas. Por segurança <strong>na</strong> argumentação. Pela prática do<br />

<strong>diálogo</strong> e não <strong>da</strong> polêmica.<br />

Para nós, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que nos adentramos nestas reflexões, vamos nos convencendo<br />

<strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de nos disponibilizarmos ao <strong>diálogo</strong> cujo emprego <strong>da</strong> palavra ultrapasse<br />

a esfera biológica <strong>da</strong> educação. Compreendemos que a conscientização, pela ação<br />

dialógica, passa não somente pelo processo de captação dos <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, mas<br />

também pela captação do seu significado causal autêntico. Seja no mundo <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza,<br />

seja no mundo cultural. Com isto, vamos concor<strong>da</strong>r com Freire (1967, p. 105), de que<br />

<strong>na</strong> “consciência crítica a própria causali<strong>da</strong>de autêntica está sempre submeti<strong>da</strong> à sua<br />

análise – o que é autêntico hoje pode não ser amanhã – para a consciência ingênua, o<br />

que lhe parece causali<strong>da</strong>de autêntica já não é, uma vez que lhe atribui caráter estático,<br />

de algo já feito e estabelecido”.<br />

Enquanto <strong>na</strong> consciência crítica há uma integração com a reali<strong>da</strong>de, <strong>na</strong> consciência<br />

ingênua há uma superposição à reali<strong>da</strong>de. Na primeira, o homem reflete sobre a sua<br />

situacio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de, isto é, as condições tempo-espaciais em que vive (o <strong>da</strong> história e o <strong>da</strong><br />

cultura), sendo desafiado por ela. Na segun<strong>da</strong>, a reali<strong>da</strong>de apresenta-se <strong>como</strong> uma<br />

incógnita, tal quando se está diante de uma nebli<strong>na</strong> espessa que reduz a sua ação à mera<br />

a<strong>como</strong><strong>da</strong>ção, ajustamento. Por conseguinte, entendemos o papel <strong>da</strong> educação crítica e<br />

conscientizadora, <strong>como</strong> prática <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de, no sentido de permitir ao sujeito histórico a<br />

saí<strong>da</strong> de sua imersão secular numa reali<strong>da</strong>de que não entende, para o esforço<br />

capacitador de emergir para se inserir <strong>na</strong> reali<strong>da</strong>de que se vai descobrindo ou, <strong>na</strong>s<br />

palavras de Paulo Freire (1987, p. 102), “[...] a inserção é um estado maior que a<br />

emersão e resulta <strong>da</strong> conscientização <strong>da</strong> situação. É a própria consciência histórica. [...]<br />

Daí que seja a conscientização o aprofun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> toma<strong>da</strong> de consciência,<br />

característica, por sua vez, de to<strong>da</strong> emersão”.<br />

Deste modo, compreendemos a justifica<strong>da</strong> crítica à prática <strong>da</strong> educação bancária, uma<br />

vez que a mesma, não só inibe a habili<strong>da</strong>de criativa e crítica do educando, inexistindo o<br />

caráter reflexivo, mas enche-o de falso saber, de conteúdos impostos e distantes de sua<br />

reali<strong>da</strong>de sócio-cultural. A ação dialógica e conscientização, neste contexto, leva-nos a<br />

pensar sobre a importância do processo de comunicação dialógico, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que,<br />

reconhecendo um e outro e o mundo, valoriza-se as relações dos homens e mulheres<br />

pela práxis. Não podemos separar o emprego <strong>da</strong> “palavra ver<strong>da</strong>deira”, do compromisso<br />

com a transformação social; assim <strong>como</strong> não separamos a ação dialógica do contexto de<br />

uma educação problematizadora, de uma educação <strong>como</strong> prática <strong>da</strong> libertação huma<strong>na</strong>.<br />

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V Colóquio Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005<br />

DIÁLOGO ENQUANTO FENÔMENO DA LIBERTAÇÃO<br />

Diante do exposto até aqui e retor<strong>na</strong>ndo ao trabalho desenvolvido por Bastos (Formação<br />

de professores e prática educacio<strong>na</strong>l dialógica-problematizadora), vamos nos associar a<br />

Paulo Freire no que se refere à educação libertadora. Uma educação que não cria<br />

barreiras, em seu lugar propõe desafios sob a maneira de “situações limites”, desafios<br />

que levam homens e mulheres ao contexto do e com o “inédito viável”. Vamos<br />

concor<strong>da</strong>r, também, que “a libertação desafia, de forma dialeticamente antagônica,<br />

oprimidos e opressores. Assim, enquanto é, para os primeiros, seu ‘inédito viável’, que<br />

precisam concretizar, se constitui, para os segundos, <strong>como</strong> ‘situações-limite’, que<br />

necessitam evitar” (FREIRE, 1987, p. 94).<br />

Neste sentido, a educação libertadora, independentemente do uso <strong>da</strong>s tecnologias de<br />

informação e comunicação, far-se-á entre homens e mulheres que se reconheçam <strong>como</strong><br />

sujeitos de sua ação. Que pronunciando a palavra ver<strong>da</strong>deira tomam decisões<br />

conscientemente críticas. Decisões desenvolvi<strong>da</strong>s pelo desejo de “ser mais”, de juntar-se<br />

aos que buscam, <strong>como</strong> homens e mulheres em libertação, a transformação social.<br />

Ora, este processo de transformação só se <strong>da</strong>rá <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que o <strong>diálogo</strong> se faça<br />

autêntico. Desta maneira, o <strong>diálogo</strong> tor<strong>na</strong>-se fenômeno <strong>da</strong> libertação destes homens e<br />

mulheres que ousam estar reflexivamente criativos no e com o mundo. Diálogo<br />

autêntico que também permite a ação dialógica entre os homens e mulheres<br />

historicamente participantes de uma reali<strong>da</strong>de social com desigual<strong>da</strong>des e diversi<strong>da</strong>des<br />

lingüísticas, políticas, culturais, econômicas e religiosas; isto é, uma reali<strong>da</strong>de social<br />

multicultural.<br />

A educação problematizadora, em Freire, traduz esta perspectiva desafiadora e<br />

dialógica. Através dos desafios, histórica e culturalmente situados, emergem ações<br />

movi<strong>da</strong>s pela reflexão. Emergem homens e mulheres que se disponibilizam dialogar.<br />

Para tanto, envolvem-se numa educação, <strong>como</strong> afirma Bastos, “que pode possibilitar...a<br />

discussão ‘rigorosa’ de sua problemática, exigindo a inserção dos mesmos em sua<br />

reali<strong>da</strong>de local”.<br />

Através <strong>da</strong> educação problematizadora, dialógica, pronunciam a palavra que resulta <strong>da</strong><br />

práxis pe<strong>da</strong>gógica influencia<strong>da</strong> por atitudes huma<strong>na</strong>s de amorosi<strong>da</strong>de, humil<strong>da</strong>de, ética;<br />

de esperança, fé, soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de..., por isso mesmo, política.<br />

Por fim, tecendo nossas considerações fi<strong>na</strong>is, pelo momento, ao que nos propuzemos,<br />

entendemos que a ação dialógica, no contexto <strong>da</strong> educação problematizadora numa<br />

reali<strong>da</strong>de de multiculturali<strong>da</strong>de, é pressuposto necessário à libertação ontológica<br />

huma<strong>na</strong>. Concor<strong>da</strong>mos que a libertação dos homens e mulheres sectários, opressores em<br />

seu fa<strong>na</strong>tismo, exige <strong>da</strong>queles e <strong>da</strong>quelas que, oprimidos pela ação dos primeiros,<br />

emergem <strong>na</strong> práxis esperançosa de “ser mais”. Assim sendo, a libertação dos oprimidos<br />

e oprimi<strong>da</strong>s depende, antes, <strong>da</strong> libertação dos seus opressores.<br />

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REFERÊNCIAS<br />

V Colóquio Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005<br />

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