a prática do educador - Centro Paulo Freire - Estudos e Pesquisas
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V Colóquio Internacional <strong>Paulo</strong> <strong>Freire</strong> – Recife, 19 a 22-setembro 2005<br />
ENTRE MUROS E PONTES - A PRÁTICA DO EDUCADOR NO<br />
COTIDIANO DE UMA ESCOLA PÚBLICA MINEIRA: MEDIAÇÃO,<br />
EMBATES E ENFRENTAMENTOS<br />
RESUMO<br />
Gilcia Maria Salomon Bezerra Mouallem 1<br />
O artigo descreve resulta<strong>do</strong>s de uma pesquisa realizada no ano de 2002 em uma Escola Estadual<br />
de Ensino Fundamental e Médio que busca descrever o cotidiano escolar contan<strong>do</strong> como<br />
elementos principais de análise a <strong>prática</strong> <strong>do</strong> educa<strong>do</strong>r e o motivo pelo qual alguns alunos são<br />
resistentes às atividades escolares e à autoridade no interior da escola. São abordadas também as<br />
formas pelas quais a escola pode superar as resistências: embates e enfrentamentos <strong>do</strong>s alunos<br />
transforman<strong>do</strong>-se em um espaço e tempo pedagógico e favorável a um trabalho coletivo entre<br />
professores, alunos e demais profissionais não <strong>do</strong>centes da escola. A mesma pesquisa apontou os<br />
princípios de participação e de dialogicidade, através da criação de oficinas artísticas na escola<br />
como via da criação de elementos que propiciam à transformação da escola.<br />
Palavras-Chave: Dialogicidade - participação – criticidade – ética – estética.<br />
INTRODUÇÃO<br />
Incorporan<strong>do</strong> o desafio de desvelar o cotidiano como observa<strong>do</strong>ra e também personagem, a<br />
pesquisa que norteia o presente artigo pretende descrever o cotidiano na tentativa de fazer<br />
perceber a complexidade e multiplicidade em que se faz, assim como suas possibilidades.<br />
Para tanto, trabalharei com: os aspectos potencialmente conflituosos da relação pedagógica, a<br />
recusa de alguns grupos de alunos em aceitar a autoridade pedagógica <strong>do</strong> professor, ou seja,<br />
as resistências que ocorrem no interior da escola; as definições instáveis que os profissionais<br />
da escola atribuem a estas resistências; e as possibilidades de atuação <strong>do</strong> educa<strong>do</strong>r como<br />
media<strong>do</strong>r no processo educativo <strong>do</strong> cotidiano escolar, no senti<strong>do</strong> da criação de espaços e<br />
tempos escolares, eticamente, ressignifica<strong>do</strong>s à coletividade.<br />
Os embates e enfrentamentos, ou seja, a indisciplina, se tornou um <strong>do</strong>s maiores problemas a<br />
ser enfrenta<strong>do</strong> pelas escolas hoje, entre aqueles que, claramente, elas não conseguem resolver.<br />
O senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> termo “indisciplina”, da<strong>do</strong> como desordem e desobediência, comum nas falas<br />
preocupadas e atitudes desesperadas <strong>do</strong>s profissionais da educação - tema de discussões em<br />
reuniões e cursos - nos remete à idéia de como o espaço escolar está socialmente organiza<strong>do</strong> e<br />
como sua normatização reflete, ainda nos dias de hoje, uma educação autoritária, calcada em<br />
bases da obediência, resquício <strong>do</strong> pensamento positivista, que defende uma única ordem: a<br />
imposta.<br />
Pelo seu próprio significa<strong>do</strong> ou pela conotação autoritária que se dá à palavra “indisciplina”,<br />
usada como fruto de uma educação arcaica, optei, junto aos estudiosos que falam sobre a<br />
1 Doutoranda em Educação-Currículo pela Pontifícia Universidade Católica de São <strong>Paulo</strong>. Mestre em Educação-Currículo<br />
pela PUC. Professora Assistente da Universidade Federal de Engenharia de Itajubá/MG e Coordena<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Curso Normal<br />
Superior da Universidade Presidente Antônio Carlos/Piranguinho/MG. (gilcia@projesom.com.br).
V Colóquio Internacional <strong>Paulo</strong> <strong>Freire</strong> – Recife, 19 a 22-setembro 2005<br />
Teoria da Resistência, por usar o termo “alunos que apresentam resistências” para, a partir de<br />
uma visão crítica, lançar um novo olhar sobre as atitudes <strong>do</strong>s alunos.<br />
Falar sobre "resistência", nesta pesquisa, é descrever o inconformismo <strong>do</strong>s alunos, a ousadia;<br />
a tempestade que atravessa a calmaria e provoca e movimenta as salas de aula, os corre<strong>do</strong>res,<br />
o pátio, a cantina, a sala da direção, a sala da orientação educacional, enfim, to<strong>do</strong> o espaço<br />
escolar.<br />
Não se trata aqui de algum tipo de apologia à revolta ou à rebelião, embora estas em alguns<br />
casos sejam legítimas. A lógica da presente exposição é que, partin<strong>do</strong> da premissa da<br />
existência de tais resistências, faz-se urgente entendê-las. Por compreender que o modelo<br />
sociológico, que privilegia as grandes estruturas sociais, não consegue responder a to<strong>do</strong>s os<br />
significa<strong>do</strong>s da realidade em questão, a principal preocupação deste estu<strong>do</strong> está em entender o<br />
porquê destas resistências, que aparecem, fundamentalmente, em embates e enfrentamentos<br />
<strong>do</strong>s alunos em relação à escola, e como estas podem ser entendidas e mediadas pelo educa<strong>do</strong>r<br />
no cotidiano escolar.<br />
A NÃO NEUTRALIDADE DA EDUCAÇÃO E A DESNATURALIZAÇÃO DAS RESISTÊNCIAS<br />
O pensar crítico e dialético sobre a educação - movimento de reflexão-ação-reflexão, e a<br />
proposição de uma escola que paute seu cotidiano pela ética da vida e que promova educan<strong>do</strong><br />
e educa<strong>do</strong>res à conscientização de como - sujeitos da história-podem nela interferir são<br />
aspectos que envolvem a reorganização da escola, como espaço e tempo favoráveis ao<br />
aprender e ensinar. Isto inclui to<strong>do</strong>s os agentes nela inseri<strong>do</strong>s, principalmente os alunos que<br />
apresentam resistências à escola. Então, des<strong>do</strong>bra-se em uma nova forma de relação entre o<br />
educan<strong>do</strong> e o educa<strong>do</strong>r, o educan<strong>do</strong> e a escola, a escola e a comunidade.<br />
Quan<strong>do</strong> tratamos <strong>do</strong>s alunos resistentes, a primeira reflexão que se faz necessária é o pensar<br />
sobre o conceito crítico de como acontece a transmissão cultural no interior de nossas escolas.<br />
Esta transmissão não obedece a padrões rígi<strong>do</strong>s e sem interferências, de forma incontestável e<br />
idêntica para to<strong>do</strong>s, ela se dá num campo de relações de forças simbólicas, de conflitos, e é<br />
vulnerável aos contextos históricos econômicos e políticos de cada época.<br />
Portanto, desta forma a tradição sofre algumas reestruturações, reavaliações, quan<strong>do</strong> há<br />
significação da experiência de uma coletividade. Sen<strong>do</strong> assim, levar em consideração o que<br />
acontece no interior das escolas, torna-se extremamente necessário.<br />
A não-neutralidade da educação se imprime no espaço e no tempo escolar cotidiano, e é<br />
justamente neste universo que as contradições aparecem e dão evidências das necessidades<br />
reais da escola:<br />
[...] existe um acúmulo crescente de provas de que a instituição de ensino não é<br />
neutra... uma reivindicação de neutralidade tem pouco fundamento. Essa<br />
reivindicação ignora o fato de que o conhecimento que se traduz nas escolas já é<br />
uma escolha de um universo muito mais vasto de conhecimentos e princípios sociais<br />
possíveis. (FORQUIN, 1993, p.19).<br />
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A escola é um espaço onde se imbricam histórias de vida e se encontram seres <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s de<br />
gosto, sentimentos, desejos e tendências. Isso reafirma a intencionalidade <strong>do</strong> ato educativo. A<br />
ação educativa reconhece-se dialética na medida em que todas as relações no interior da<br />
escola são dinâmicas. É neste vasto campo, contraditório, que se encontra a práxis <strong>do</strong><br />
educa<strong>do</strong>r, seja ele <strong>do</strong>cente ou não, é aí, em seu cotidiano, que ele tem oportunidade de<br />
conhecer e valorizar as histórias de vida <strong>do</strong>s alunos.<br />
A materialização da dialeticidade no cotidiano se dá na apatia, na ausência, no enfrentamento,<br />
ou seja, nas resistências, nas atividades rotineiras da escola, onde alunos e profissionais <strong>do</strong><br />
ensino compõem o cenário <strong>do</strong> processo educativo.<br />
Compreender, portanto, a resistência apresentada pelos alunos, torna-se extremamente<br />
importante para ressignificar às funções sociais da escola, e ainda redimensionar a<br />
contribuição <strong>do</strong> educa<strong>do</strong>r como media<strong>do</strong>r desta ressignificação. “Análises dessa rejeição<br />
podem nos fornecer pistas que nos ajudem a avançar na compreensão tanto das funções<br />
sociais da escola quanto <strong>do</strong>s valores por ela promovi<strong>do</strong>s. “(APPLE, 1989, p.113).<br />
Ao tratarmos a resistência como importante pista para se entender os meandros de nossas<br />
instituições de ensino, procuramos os porquês da sua existência, e desnaturalizamos préconceitos<br />
e <strong>prática</strong>s repetitivas <strong>do</strong> nosso cotidiano. Aí, parece estar a possibilidade de que,<br />
uma análise crítica sobre as resistências <strong>do</strong>s alunos em relação à escola, pode ser ponto de<br />
partida para se repensar e se recriar a escola que aí está. Para verificar como estamos e para<br />
onde podemos caminhar.<br />
Uma leitura cuida<strong>do</strong>sa das situações de resistências nos remete a Forquin (1993, p. 45): “[...] a<br />
escola, é em grande parte responsável, pela situação de crise cultural na qual se encontra<br />
atualmente mergulhada”.<br />
Já é sabi<strong>do</strong> que a crise pela qual as instituições escolares passam não é só cultural. A crise da<br />
escola é estrutural, em última instância, é produto da vida econômica e social (MCLAREN,<br />
1997).<br />
A própria estrutura e os valores vigentes na sociedade capitalista, atual, tentam acabar com o<br />
sonho de uma sociedade igualitária, contribuin<strong>do</strong> para a perda <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> <strong>do</strong>s movimentos<br />
sociais e da utopia das grandes transformações. O individualismo exacerba<strong>do</strong> é incentiva<strong>do</strong> e<br />
as desigualdades sociais fazem com que a exclusão aumente a cada dia.<br />
Uma das manifestações desta crise política, econômica, social e conseqüentemente,<br />
pedagógica que a educação atravessa, é percebida no cotidiano da escola através <strong>do</strong> desânimo<br />
encontra<strong>do</strong> no rosto de muitos profissionais; na fala conformista de outros, que dizem que as<br />
coisas são assim mesmo e que nunca mudam; ou ainda, nas resistências apresentadas pelos<br />
alunos às atividades escolares.<br />
Sem a desnaturalização destas resistências podemos correr o risco de contribuir com o<br />
afastamento definitivo <strong>do</strong> aluno <strong>do</strong>s bancos escolares, através da evasão escolar, a que <strong>Freire</strong><br />
(1998, p.46) chama de expulsão:<br />
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[...] os alarmantes índices de reprovação nas turmas de alfabetização relacionam-se<br />
ao despreparo científico <strong>do</strong>s educa<strong>do</strong>res e também, à ideologia elitista que<br />
discrimina meninas e meninos populares. Daí se explica, em parte, o descaso da<br />
escola pela identidade cultural <strong>do</strong>s educan<strong>do</strong>s.<br />
POSSIBILIDADES DE UMA ESCOLA QUE PROMOVA A DIGNIFICAÇÃO 2 DE EDUCANDOS E<br />
EDUCADORES<br />
As possibilidades de uma escola que promova a dignificação de educan<strong>do</strong>s e educa<strong>do</strong>res são<br />
engendradas a partir <strong>do</strong>s movimentos de lutas, que, laboriosa e cotidianamente, são travadas<br />
sob os fundamentos da "ética da vida", a favor da humanização e libertação crescentes de<br />
to<strong>do</strong>s que nela estão inseri<strong>do</strong>s. (DUSSEL, 2002):<br />
A ética de libertação é uma ética possível acerca de toda ação de cada dia. No<br />
entanto, o próprio desta ética, ou seu referente privilegia<strong>do</strong>, é a vítima ou<br />
comunidade de vítimas que operará com o/s 'sujeito/s' em última instância.<br />
(DUSSEL, 2002, p.519):<br />
Em sintonia com Giroux (1988), afirmo que é essencial que a escola seja vista como local de<br />
lutas e possibilidades. E que professores, trata<strong>do</strong>s como “intelectuais orgânicos”, sejam<br />
apoia<strong>do</strong>s em seus esforços para compreender as escolas como instituições de empenho<br />
democrático e, também, como processo de educação não neutro e, assim, atuarem na sua<br />
transformação:<br />
As escolas deveriam desenvolver jovens para adaptarem-se à sociedade atual assim<br />
como está, ou a escola tem uma missão revolucionária de desenvolver jovens que<br />
procurarão aperfeiçoar a sociedade? (GIROUX, 1997, p.97).<br />
A escola que se diz promotora da dignificação <strong>do</strong>s agentes nela inseri<strong>do</strong>s, e que para tanto tem<br />
como pressuposto a ética da vida, responde positivamente à segunda parte da indagação de<br />
Giroux.<br />
Assim, importante é que ela dê atenção, criticamente, às diversas formas e suposições<br />
ideológicas, para que não atue, apenas, de forma simplista ou conformista, mas como agente<br />
de transformação social, redefinin<strong>do</strong>-se com base em uma <strong>prática</strong> pedagógica educativocrítica<br />
e portanto não excludente.<br />
Segun<strong>do</strong> Bernstein (1988), a relação básica da reprodução ou transformação cultural é<br />
essencialmente a relação pedagógica, seja visível ou invisível.<br />
Fazer articulação entre a cultura e luta política - como propõe Gramsci (SCHELESENER,<br />
1992)-, e contar a história sob a ótica <strong>do</strong>s oprimi<strong>do</strong>s - como na proposta de <strong>Paulo</strong> <strong>Freire</strong> -, se<br />
torna exercício ético cotidiano.<br />
2 Dignificação: ato de dignificar (<strong>do</strong> latim dignificare), elevar a uma dignidade (autoridade moral, respeitabilidade); honrar,<br />
nobilitar; atingir o maior grau de dignidade; nobilitar-se. (DICIONÁRIO BRASILEIRO GLOBO, 1993).<br />
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Algumas formas de organização escolar, surgidas nas últimas décadas, tendem a propiciar a<br />
estruturação de tempos e espaços favoráveis à educação liberta<strong>do</strong>ra voltada à promoção de<br />
uma relação pedagógica que respeite as possibilidades de educan<strong>do</strong>s e educa<strong>do</strong>res; que<br />
promova o desenvolvimento de suas potencialidades no processo de ensinar e aprender, uma<br />
vez que ao ensinar o educa<strong>do</strong>r também aprende.<br />
Destaco aqui, como exemplo, a forma de estruturação <strong>do</strong>s espaços e tempos escolares em<br />
ciclos 3 (PCN, 1998).<br />
Esta forma de estruturação, pelo menos no que diz respeito a seus fundamentos, trabalha com<br />
o respeito às possibilidades e limitações, de cada aluno, dan<strong>do</strong> ao educa<strong>do</strong>r o direito de<br />
proporcionar a evolução perseverante <strong>do</strong> ensino-aprendizagem, de maneira a desenvolver o<br />
sentimento de confiança em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética, de<br />
inter-relação pessoal e de inserção social. Capacidades estas, totalmente prejudicadas, nas<br />
situações de repetência e evasão. (PCNs, 1998).<br />
Não se trata aqui de provocar discussão sobre a implantação ou a eficácia <strong>do</strong>s ciclos, ou ainda,<br />
sobre problemas e polêmicas que sua efetivação tem gera<strong>do</strong>. Trata-se tão somente, de pontuar<br />
uma experiência inova<strong>do</strong>ra de ensino que, em seus fundamentos, vai ao encontro <strong>do</strong>s<br />
fundamentos de uma pedagogia que se arrisca a um novo jeito de aprender e ensinar.<br />
Porém, o que vai, definitivamente, determinar o sucesso de experiências inova<strong>do</strong>ras que<br />
recriem a escola como um espaço e um tempo de aprender e ensinar significativamente, é o<br />
assumir a educação enquanto politicidade, com diretividade em seus objetivos e coragem para<br />
assumi-lo:<br />
É na diretividade da educação, esta vocação que ela tem, como ação especificamente<br />
humana, de "endereçar-se" até sonhos, ideais, utopias e objetivos, que se acha o que<br />
venho chaman<strong>do</strong> politicidade da educação. A qualidade de ser política, inerente à<br />
natureza. É impossível, na verdade, a neutralidade da educação. (FREIRE, 1998,<br />
124).<br />
POR UM COTIDIANO ESCOLAR ETICAMENTE VIVIDO<br />
Uma escola que se pretenda promove<strong>do</strong>ra da formação ética de alunos, professores, e<br />
profissionais que nela atuam, deve dar oportunidade à reflexão: O que realmente gera as<br />
atitudes de resistências <strong>do</strong>s alunos? Quem ou o que as inaugura? Como os alunos que<br />
apresentam resistência à escola são, realmente, trata<strong>do</strong>s? Consideran<strong>do</strong> as resistências, muitas<br />
vezes como atitudes de violência e rebeldia <strong>do</strong>s alunos, lembremo-nos que para <strong>Freire</strong> (2003,<br />
p.42 ):<br />
3 Em Minas Gerais, poucas escolas a<strong>do</strong>tam o sistema de ciclo, embora proposto no Documento "Lições de Minas - Idéias e<br />
Debates - Escola Sagarana - Educação para a vida com dignidade e esperança" (MINAS GERAIS, 1999). A decisão ficou a<br />
cargo de cada unidade de ensino estadual, e a maioria, como é o caso da escola estudada, continua a a<strong>do</strong>tar o sistema de<br />
séries para organizar os tempos e espaços escolares.<br />
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[...] Como poderiam os oprimi<strong>do</strong>s dar início à violência?<br />
[...] Inauguram a violência os que oprimem, os que exploram, os que não se<br />
reconhecem nos outros; não os oprimi<strong>do</strong>s, os explora<strong>do</strong>s, os que não são<br />
reconheci<strong>do</strong>s pelos que os oprimem como "outro.<br />
O direito de ser <strong>do</strong> outro, exige de mim que eu o trate como eu gostaria de ser trata<strong>do</strong>. Esta<br />
atitude de consideração ao outro, é um princípio ético fundamental. "O outro é um sujeito de<br />
direitos e sua vida deve ser digna tanto quanto a minha deve ser". (CASALI, 2001, p.121).<br />
Um olhar crítico sobre as situações de opressão que ocorrem na escola, nos tenciona à questão<br />
da ética na educação. Uma ética como atitude, incorporada pelo educa<strong>do</strong>r no cotidiano<br />
escolar. Tomamos aqui a ética como nos indica Casali (2000, p.119):<br />
[...] ética é um conjunto de princípios e disposições volta<strong>do</strong>s para a ação,<br />
historicamente produzi<strong>do</strong>s, cujo objetivo é balizar as ações humanas. [...] pode e<br />
deve ser incorporada pelos indivíduos, sob a forma de uma atitude <strong>prática</strong> diante da<br />
vida cotidiana [...].<br />
Uma escola, que trate da educação como libertação, não se furta à reflexão. "A intenção é<br />
propiciar uma interação reflexiva que incorpore uma sensibilidade antropológica e estimule a<br />
entrada no mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> ‘outro’”. (MOREIRA e CANDAU, 2003, p.156).<br />
Desnaturalizar a invisibilidade <strong>do</strong> “outro” é indignar-se com as formas de negação <strong>do</strong> “outro”,<br />
dentro da escola.<br />
É este aluno o outro que resiste irreverentemente, que move em mim, educa<strong>do</strong>ra, a raiva; a<br />
capacidade de me indignar diante das situações opressoras, dentro da escola.<br />
A manifestação desta indignação me diz que posso fazer diferente. Esta raiva inaugura em<br />
mim o devir histórico, o não determinismo, a possibilidade de transformar o que está posto.<br />
Segun<strong>do</strong> <strong>Freire</strong> (1998, p.84):<br />
Tenho direito de ter raiva, de manifestá-la, de tê-la como motivação para minha<br />
briga tal qual tenho o direito de amar, de expressar meu amor ao mun<strong>do</strong>, de tê-lo<br />
como motivação de minha briga porque, histórico, vivo a história como tempo de<br />
possibilidade e não de determinação.<br />
A manifestação da indignação é o início da ação consciente de educa<strong>do</strong>res que não querem<br />
compactuar com a opressão, marginalização e exclusão:<br />
Falo da resistência, da indignação da 'justa ira', <strong>do</strong>s traí<strong>do</strong>s e <strong>do</strong>s engana<strong>do</strong>s. Do seu<br />
direito e <strong>do</strong> seu dever de rebelar-se contra as transgressões éticas de que são vítimas<br />
cada vez mais sofridas. (FREIRE, 1998, p.114).<br />
Porém, importante ressalva é a de que não podemos nos deixar contaminar pela raiva por si<br />
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só, aquela que somente nos leva a reclamar das situações ou a desanimar da luta. Aquela raiva<br />
rançosa, amarga, que não leva a nenhuma ação para superação das dificuldades, ao contrário,<br />
somente alimenta a "cultura da reclamação" que tanto vemos em nossas escolas públicas. Esta<br />
raiva faz com que as experiências passadas sejam lembradas não como aprendiza<strong>do</strong>, mas,<br />
como far<strong>do</strong> a ser carrega<strong>do</strong>. Esta raiva compromete o nosso olhar diante <strong>do</strong> novo, impregna as<br />
atitudes e impede a aceitação de proposições:<br />
[...] o que a raiva não pode é, perden<strong>do</strong> os limites que a confirmam, perder-se em<br />
raivosidade que ocorre sempre o risco de se alongar em odiosidade. (FREIRE, 1998,<br />
p.45).<br />
Não há embate sem esperança. "A esperança é uma espécie de ímpeto natural e necessário, a<br />
desesperança é o aborto deste ímpeto”. (FEIRE, 1998, p.81). Não há como a escola<br />
promover a dignificação sem ser criticamente esperançosa:<br />
[...] me parece uma contradição que uma pessoa progressista, que não teme a<br />
novidade, que se sente mal com as injustiças, que se ofende com as discriminações,<br />
que se bate pela decência, que luta contra a impunidade, que recusa o fatalismo<br />
cínico e imobilizante, não seja criticamente esperançosa. (FREIRE, 1998, p. 81).<br />
A esperança, portanto, promove o que <strong>Freire</strong> chama de "justa ira".<br />
A "justa ira" lança-nos à ação, leva-nos a uma tomada de posição, a uma ruptura e uma<br />
decisão. A favor de quem estou? A quem eu, como educa<strong>do</strong>r ou educa<strong>do</strong>ra sirvo? Estas<br />
questões nos fazem refletir sobre nossa <strong>prática</strong>. E assim, a consciência ingênua ao voltar-se<br />
sobre si, vai se tornan<strong>do</strong> cada vez mais crítica. É tarefa educativa, e como tal, é um processo<br />
cuida<strong>do</strong>so:<br />
[...] a promoção da ingenuidade para a criticidade não se dá automaticamente, uma<br />
das tarefas precípuas da <strong>prática</strong> educativo-progessista é exatamente o<br />
desenvolvimento da curiosidade crítica, insatisfeita, indócil. (FREIRE, 1998, p.36).<br />
A criticidade instiga ao questionamento: quem é o excluí<strong>do</strong>; quem é o oprimi<strong>do</strong>; quem é em<br />
última instância, a vítima no processo educativo que se dá no cotidiano escolar? Quem é a<br />
vítima na escola? Poderíamos enumerar aqui muitas vítimas dentro <strong>do</strong> sistema educacional<br />
escolar. Os diretores sofrem com tantos problemas imediatos a serem resolvi<strong>do</strong>s e com tantas<br />
burocracias pertinentes a seu cargo. Os supervisores e orienta<strong>do</strong>res sofrem porque são vistos<br />
como controla<strong>do</strong>res ou como faze<strong>do</strong>res de nada. Os professores sofrem com sua<br />
desvalorização econômica e social, com turmas despreparadas e salas superlotadas e também<br />
com os alunos agressivos.<br />
Porém, em última instância as principais vítimas dentro da escola são, afirmativamente, os<br />
alunos.<br />
Analisemos em um primeiro momento, que os alunos são vítimas, principalmente, porque<br />
estão em condição de formação intelectual e emocional; física e espiritual. O fato de estarem<br />
em processo de formação cognitva, afetiva, motora e psicológica, já os coloca em posição de<br />
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fragilidade. E também, por serem mais frágeis <strong>do</strong> que as outras vítimas, às influências<br />
negativas ou positivas de atitudes; de acontecimentos ou de relações estabelecidas no interior<br />
das escolas.<br />
Se alongarmos nossa reflexão, perceberemos em um segun<strong>do</strong> momento, que o aluno é vítima<br />
quan<strong>do</strong> lhe é nega<strong>do</strong> o conteú<strong>do</strong> em uma aula mal preparada. Quan<strong>do</strong> é mal trata<strong>do</strong> com<br />
gritos e xingamentos. Quan<strong>do</strong> é rotula<strong>do</strong>, por exemplo, de "preguiçoso", "burro", "ler<strong>do</strong>" ou<br />
"atrasa<strong>do</strong>". Quan<strong>do</strong> não lhe é da<strong>do</strong> condições mínimas de higiene na escola. Quan<strong>do</strong> lhe<br />
negam informações a que têm direito. Quan<strong>do</strong> não se dá a ele a oportunidade de participação.<br />
Quan<strong>do</strong> lhe é nega<strong>do</strong> um espaço físico propício ao estu<strong>do</strong>. Quan<strong>do</strong> lhe é negada condição de<br />
educan<strong>do</strong>; ou quan<strong>do</strong>, antes de tu<strong>do</strong>, lhe é negada a condição de ser humano, e porque<br />
humano tem direito à dignidade.<br />
O direito à vida digna inclui uma educação voltada à dignidade e à liberdade.<br />
É preciso, portanto, que educa<strong>do</strong>res, alunos e profissionais da escola forjem em parceria uma<br />
escola que, cotidianamente, viva uma educação que tenha como princípio o diálogo, a<br />
participação, a criação de espaços e tempos favoráveis e propícios ao ensinar e aprender. Que<br />
paute pela ética e pela estética. Uma escola que promova a dignificação de to<strong>do</strong>s que nela se<br />
inserem.<br />
Uma escola assim, parte da compreensão da realidade <strong>do</strong> aluno e de uma educação dialógica:<br />
[...] quan<strong>do</strong> insisto em que a educação dialógica parte da compreensão que os alunos<br />
têm de suas experiências diárias, quer sejam alunos da universidade, ou crianças <strong>do</strong><br />
primeiro grau, ou operários de um bairro urbano, ou camponeses <strong>do</strong> interior, minha<br />
insistência de começar a partir de sua descrição sobre suas experiências da vida<br />
diária baseia-se na possibilidade de se começar a partir <strong>do</strong> concreto, <strong>do</strong> senso<br />
comum, para chegar a uma compreensão rigorosa da realidade. (FREIRE e SHOR,<br />
1987, p. 131).<br />
Esta interação entre educa<strong>do</strong>res e educan<strong>do</strong>s que se dá no diálogo, inaugura a educação como<br />
experiência liberta<strong>do</strong>ra e emancipa<strong>do</strong>ra. O diálogo não pode ser considera<strong>do</strong>, apenas, como<br />
uma técnica ou como uma tática para se conseguir resulta<strong>do</strong>s. O diálogo "[...] é parte de nosso<br />
progresso histórico <strong>do</strong> caminho para nos tornarmos seres humanos".(FREIRE e SHOR,1987,<br />
p. 122).<br />
É através <strong>do</strong> diálogo que nos conhecemos e nos reconhecemos. Tornamo-nos mais críticos e<br />
seguimos rumo à transformação da nossa realidade. Uma educação baseada no diálogo leva a<br />
verdadeira participação.<br />
Segun<strong>do</strong> <strong>Freire</strong>:<br />
[...] constitui contradição gritante, incoerência clamorosa uma <strong>prática</strong> educativa que<br />
se pretende progressista, mas que se realiza dentro de modelos de tal maneira<br />
rígi<strong>do</strong>s, verticais, em que não há lugar para a mínima posição de dúvida, de<br />
curiosidade, de crítica, de sugestão, de presença viva, com voz [...] (1993, p.73).<br />
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A relação pedagógica como ato dialógico, se dá quan<strong>do</strong> duas pessoas se ouvem e se fazem<br />
entender. É uma relação simétrica.<br />
O homem é sujeito, não apenas porque vive, mas existe no mun<strong>do</strong> e esta existência não é<br />
muda. Portanto o diálogo é uma mediação ética, é um "[...] encontro <strong>do</strong>s homens para<br />
pronúncia <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, é uma condição fundamental para sua real humanização". (FREIRE,<br />
2003, p.134).<br />
A escola que se diz promotora da dignidade deve contar com a participação de to<strong>do</strong>s os<br />
agentes que nela convivem cotidianamente, incluin<strong>do</strong> os alunos que apresentam resistências a<br />
sua forma de organização. Esta participação somente acontece a partir de um excercício diário<br />
da liberdade, e em um contexto de respeito e acolhimento às diferenças.<br />
Dar oportunidade à participação é mais <strong>do</strong> que somente respeitar o outro. Na concepção de<br />
participação, aqui proposta está implícita a idéia de que: respeitar pode significar<br />
simplesmente tolerar, enquanto que acolher (<strong>do</strong> latim accolligere) significa hospedar, dar<br />
acolhida. É receber e aceitar o outro como ele é.<br />
Promover a participação é fazer-se coerente com uma <strong>prática</strong> educativa crítica e, portanto,<br />
voltada para a dignificação <strong>do</strong>s educan<strong>do</strong>s e <strong>do</strong>s educa<strong>do</strong>res:<br />
[...] fazen<strong>do</strong> educação numa perspectiva crítica, progressista, nos obrigamos, por<br />
coerência, a engendrar, a estimular, a favorecer, na própria <strong>prática</strong> educativa, o<br />
exercício <strong>do</strong> direito à participação por parte de quem esteja direta ou indiretamente<br />
liga<strong>do</strong> ao que fazer educativo. (FREIRE, 2001, p. 64).<br />
A escola que promove a <strong>prática</strong> da participação entre seus agentes é fundamentada na noção<br />
de que a educação liberta<strong>do</strong>ra somente se faz num contexto coletivo. O individualismo<br />
exacerba<strong>do</strong>, conti<strong>do</strong> no discurso <strong>do</strong> neoliberalismo, não gera situações de transformação<br />
social:<br />
[...] mesmo quan<strong>do</strong> você se sente, individualmente, mais livre, se esse sentimento<br />
não é um sentimento social, se você não é capaz de usar sua liberdade recente para<br />
ajudar os outros a se libertarem através da transformação global da sociedade,<br />
então você só está exercitan<strong>do</strong> uma atitude individualista no senti<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
empowerment 4 ou da liberdade. (FREIRE e SHOR, 1987, p.135).<br />
A participação efetiva da coletividade na <strong>prática</strong> curricular da escola, como sujeito <strong>do</strong><br />
processo educacional, é a possibilidade de intervenção no processo educativo. "Ensinar exige<br />
compreender que a educação é uma forma de intervenção no mun<strong>do</strong>”. (FREIRE, 1998,<br />
p.110).<br />
4 <strong>Paulo</strong> <strong>Freire</strong> e Ira Shor dão ênfase a esta palavra e a mantêm no original e em grifo, no livro "Me<strong>do</strong> e Ousadia", devi<strong>do</strong> à<br />
sua riqueza de significa<strong>do</strong>. “Empowerment” significa: a) dar poder a; b) ativar a potencialidade criativa <strong>do</strong> sujeito; c)<br />
desenvolver a potencialidade criativa <strong>do</strong> sujeito; d) dinamizar a potencialidade <strong>do</strong> sujeito. (FREIRE e SHOR, 1987).<br />
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Portanto, há a necessidade em rever os pressupostos que embasam suas <strong>prática</strong>s no ensinar e<br />
aprender, seus conteú<strong>do</strong>s, seus méto<strong>do</strong>s e sua forma de avaliar o aluno, promoven<strong>do</strong> a<br />
participação crítica de educa<strong>do</strong>res, educan<strong>do</strong>s, e comunidade escolar na elaboração de um<br />
plano político-pedagógico que venha a atender as necessidades reais das atividades<br />
pedagógicas. É a busca <strong>do</strong>s envolvi<strong>do</strong>s de uma cultura construída por eles mesmos. "A cultura<br />
como resulta<strong>do</strong> de seu trabalho". (FREIRE 1999, p. 117).<br />
A ARTE COMO COLETIVIDADE, VIA DE PARTICIPAÇÃO E DIÁLOGO<br />
Durante o ano de pesquisa, tive a oportunidade de acompanhar uma participação de<br />
professores, diretores, funcionários, pais e, principalmente, alunos na vida da escola.<br />
A participação na escola ganhou força crescente através <strong>do</strong>s diálogos e se multiplicou através<br />
de uma presença, cada vez mais forte, mais atuante e mais ativa, de to<strong>do</strong>s nós; mesmo não<br />
ten<strong>do</strong> ocorri<strong>do</strong> mudanças estruturais na escola. Tais mudanças não acontecem de forma<br />
imediata, demandam decisões políticas sobre os encaminhamentos práticos que repercutem no<br />
processo educativo.<br />
Para tal intento, foram criadas oficinas de artes como uma estratégia promotora da<br />
participação e, principalmente, como uma atividade significativa para os alunos resistentes<br />
aos processos de ensino aprendizagem.<br />
A escola, assim, tornava-se, então, capaz de concorrer com a falta de lazer, com os problemas<br />
familiares diários, com os entraves que se dão na vida diária <strong>do</strong>s alunos e que, associa<strong>do</strong>s a<br />
múltiplos determinantes podem vir a contribuir para manifestações de resistência.<br />
Os efeitos <strong>do</strong> trabalho com as mais variadas expressões artísticas são o redirecionamento das<br />
tensões; o alívio <strong>do</strong> dia a dia sofri<strong>do</strong> de um menino ou menina de periferia; a proposição de<br />
momentos de ocupação <strong>do</strong> tempo de maneira saudável; e os momentos de prazer em aprender<br />
e ensinar.<br />
A escola como espaço e tempo de dignificação, de educan<strong>do</strong>s e educa<strong>do</strong>res, pode, portanto,<br />
[...] operar uma ação qualitativa ao uso <strong>do</strong> tempo, para que o tempo livre seja um tempo de<br />
realização, de prazer, de criação <strong>do</strong> belo e <strong>do</strong> permanente na provisoriedade <strong>do</strong>s espaços<br />
plenos de cidadania. (STANO, 2001, p.51).<br />
Muito além de o tempo ser ocupa<strong>do</strong> de forma saudável, ele se torna significativo na<br />
construção de conhecimento. Assim, a escola proporciona experiências em que o tempo pode<br />
se tornar possibilidade: "Assim, o tempo, como possibilidade de Ser, engendrar o espaço para<br />
o existir. Não apenas se vive num tempo Kairós, mas se constrói um mun<strong>do</strong> e um estar-aí num<br />
certo espaço existencial”. (STANO, 2001, p.52).<br />
É importante e necessário, também, que a escola dê oportunidade à participação <strong>do</strong>s pais na<br />
vida escolar de seus filhos; trazer os pais para junto da escola. Estar presente na escola é um<br />
dever mas, além disso, é um direito <strong>do</strong>s pais ou responsáveis. Direito este <strong>do</strong> qual ainda não<br />
se apropriaram:<br />
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[...] os educa<strong>do</strong>res profissionais, assim como os pais, os ativistas comunitários e<br />
outros cidadãos têm direito de estar bem informa<strong>do</strong>s e de ter uma participação crítica<br />
na criação das políticas e programas escolares para si e para os jovens. (APPLE,<br />
2000, p. 98).<br />
O vínculo família-escola-comunidade precisa ser cultiva<strong>do</strong> através de um trabalho conjunto,<br />
numa crescente participação nas decisões a serem tomadas:<br />
[...] Os pais começaram a falar uns com os outros, e lentamente uma visão mais<br />
organizada começou a emergir entre os membros da comunidade, na medida em que<br />
freqüentavam reuniões com a direção das escolas [...] (APPLE, 2000, p.99).<br />
A riqueza de significa<strong>do</strong>s <strong>do</strong> cotidiano escolar, vivi<strong>do</strong> através das oficinas, reflete a<br />
capacidade de homens e mulheres de realização de sonhos, desejos, e a necessidade de<br />
experiências saudáveis, necessárias para uma vida melhor; para um mun<strong>do</strong> mais gostoso de<br />
ser vivi<strong>do</strong>.<br />
A escola que promove a dignificação pauta-se em uma educação estética, porque oportuniza o<br />
ato de conhecimento, tanto de educan<strong>do</strong>s como de educa<strong>do</strong>res; de si própria; <strong>do</strong>s outros e <strong>do</strong><br />
mun<strong>do</strong>, como processo de formação permanente.<br />
Enquanto educa<strong>do</strong>res, nós estamos necessariamente envolvi<strong>do</strong>s em um projeto naturalmente<br />
estético. O ato de conhecimento é um momento artístico:<br />
[...] Conhecer, para mim, é algo de belo! Na medida em que conhecer<br />
é desvendar um objeto, o desvendamento dá 'vida' ao objeto, chama-o<br />
para a 'vida', e até mesmo lhe confere uma nova 'vida'. Isto é uma<br />
tarefa artística, porque nosso conhecimento tem qualidade de dar vida,<br />
crian<strong>do</strong> e animan<strong>do</strong> os objetos enquanto estudamos. (FREIRE, 1987,<br />
p.145).<br />
A opção por novas formas de organizar a escola para transformar espaços e tempos escolares<br />
em momentos de participação e diálogo, trabalha sob os fundamentos da ética que não pode<br />
se dissociar da estética, (<strong>do</strong> grego aesthesis) que significa conhecimento sensorial,<br />
sensibilidade, experiência. (CHAUI, 2002).<br />
Trabalhar a atividade artística na escola é promover as expressões de desejos, aspirações e<br />
emoções, e também, aguçar a criticidade diante da realidade social em que se vive. A arte<br />
provoca o "deslocar-se", o "ver de outro mo<strong>do</strong>", o "olhar com outros olhos". Partin<strong>do</strong> de um<br />
contexto provoca, transgride, desnaturaliza o que é costumeiro. Desequilibra a ordem<br />
estabelecida:<br />
Como expressão, as artes transfiguram a realidade para que tenhamos acesso<br />
verdadeiro a ela. Desequilibra o instituí<strong>do</strong> e o estabeleci<strong>do</strong>, descentra formas e<br />
palavras, retiran<strong>do</strong>-as <strong>do</strong> contexto costumeiro para fazer-nos conhecê-las numa outra<br />
dimensão, instituinte ou cria<strong>do</strong>ra. A arte inventa um mun<strong>do</strong> de cores, formas,<br />
volumes, massas, sons, gestos, texturas, rítmos, palavras, para nos dar a conhecer<br />
nosso próprio mun<strong>do</strong>. (CHAUÍ, 2002, p.152).<br />
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Portanto, é necessário que educan<strong>do</strong>s e educa<strong>do</strong>res, na escola, socializem seus conhecimentos<br />
através da arte em suas diferentes expressões (música, pintura, plástica, cênicas, etc):<br />
Desde o início <strong>do</strong> século XX, [...] as artes deixaram de ser pensadas exclusivamente<br />
<strong>do</strong> ponto de vista da apreciação da beleza para serem vistas sob outras perspectivas,<br />
tais como expressão de emoções e desejos, interpretação e crítica da realidade social,<br />
atividade cria<strong>do</strong>ra de procedimentos inéditos para a invenção de objetos artísticos,<br />
etc. (CHAUÍ, 2002, p.149).<br />
A escola que luta pela libertação <strong>do</strong> ser humano vê-se engajada num processo ético e estético,<br />
trabalhan<strong>do</strong> com a arte como afirmação da vida: "[...] Fantasia, jogo, sabe<strong>do</strong>ria oculta, desejo,<br />
explosão vital, afirmação da vida, acesso ao verdadeiro: eis algumas maneiras pelas quais a<br />
estética concebe a atividade artística". (CHAUÍ, 2002, p.151).<br />
Nesta lógica, trabalhar a atividade artística na escola é manter-se coerente com o pensamento<br />
da educação como <strong>prática</strong> de liberdade (FREIRE, 1996). Prática pela qual homens e mulheres<br />
através <strong>do</strong> processo pedagógico ao qual se submetem, interferem na sociedade, no mun<strong>do</strong>, na<br />
história. É a finalidade pedagógica da arte:<br />
Por estabelecer uma relação intrínseca entre arte e sociedade, o pensamento estético<br />
de esquerda também atribui finalidade pedagógica às artes, dan<strong>do</strong>-lhe a tarefa de<br />
crítica social e política, interpretação <strong>do</strong> presente e imaginação da sociedade futura.<br />
A arte deve estar engajada ou comprometida, isto é, a serviço da emancipação <strong>do</strong><br />
gênero humano, oferecen<strong>do</strong>-se como instrumento <strong>do</strong> esforço de libertação. (CHAUÍ,<br />
2002, p.151).<br />
A consideração da "boniteza" se evidencia na forma de tratamento <strong>do</strong> ser humano, como<br />
verdade e beleza. E é perceptível na comunhão de nossas idéias de educa<strong>do</strong>res, de que a vida<br />
<strong>do</strong>s alunos merece ser digna tanto quanto à nossa. Como diria <strong>Paulo</strong> <strong>Freire</strong>, é a boniteza de<br />
mãos dadas com a decência:<br />
A arte como expressão, não é apenas alegoria e símbolo. É algo mais profun<strong>do</strong>, pois<br />
procura exprimir o mun<strong>do</strong> através <strong>do</strong> artista. Ao fazê-lo, leva-nos a descobrir o<br />
senti<strong>do</strong> da cultura e da história. (CHAUÍ, 2002, p.152).<br />
É importante salientar que a atual massificação da indústria cultural, cada vez mais, voltada<br />
para o interesse <strong>do</strong> consumo de "produtos culturais", trabalhan<strong>do</strong> com a ética de merca<strong>do</strong>,<br />
reduz a arte em algo para ser consumi<strong>do</strong> e não conheci<strong>do</strong>, usufruí<strong>do</strong> e pratica<strong>do</strong>.<br />
É necessária a devida atenção para o fato que, atualmente, to<strong>do</strong>s nós recebemos uma enorme<br />
influência desta "indústria cultural". Isto favorece a banalização da expressão artística e<br />
cultural. As artes correm o risco de perder suas principais características:<br />
[...] de expressivas, tornarem-se reprodutivas e repetitivas; de trabalho de criação,<br />
tornarem-se eventos para consumo; de experimentação <strong>do</strong> novo, tornarem-se<br />
consagração <strong>do</strong> consagra<strong>do</strong> pela moda e pelo consumo.<br />
(CHAUI, 2002, 156).<br />
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O trabalho artístico na escola, como o da experiência nas oficinas de arte, trouxe benefícios<br />
cotidianos além de nossas expectativas.<br />
A possibilidade da experiência coletiva, de acreditar que é capaz de romper as barreiras, é a<br />
possibilidade "[...] de apropriação <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> concreto em que vive e se constrói em<br />
intersubjetividade". (CASALI, 2001, p.124).<br />
O educa<strong>do</strong>r que busca, através da sua leitura de mun<strong>do</strong> e a leitura de mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s educan<strong>do</strong>s, o<br />
ponto de partida para sua participação ativa no processo educativo, na sala de aula ou fora<br />
dela, é um profissional capaz de indignar-se diante das situações de injustiça e lutar para<br />
superá-las. É um educa<strong>do</strong>r, que através de sua atuação, estu<strong>do</strong> e saber de experiência feito,<br />
busca, a transformação, da consciência ingênua em consciência crítica, tanto a sua como a <strong>do</strong>s<br />
educan<strong>do</strong>s.<br />
A escola que se propõe a elevação <strong>do</strong> homem à dignidade valoriza e expõe as potencialidades<br />
<strong>do</strong>s educan<strong>do</strong>s; os faz participar; oportuniza situações de construção de sua autonomia; tem<br />
como <strong>prática</strong>, a relação dialógica, e alicerça seus fundamentos na ética e na estética.<br />
A construção desta escola não pode estar baseada somente em um desejo solitário ou na<br />
prescrição legal, não bastam leis e normas. A construção desta escola pressupõe vontade<br />
política, <strong>prática</strong> comunitária, e a construção coletiva de um projeto político-pedagógico com<br />
base na construção de um ethos crítico.<br />
Para experiência de um cotidiano escolar eticamente vivi<strong>do</strong>, dentre tantos outros cotidianos, é<br />
necessário a recriação da escola, onde a <strong>prática</strong> pedagógica "escove" a escola ao contrário. A<br />
escola tem si<strong>do</strong> "escovada" no senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> currículo formal, é preciso pensar no currículo que a<br />
leve à problematização <strong>do</strong> que é da<strong>do</strong> a partir de baixo. A partir das vítimas.<br />
Uma escola da estética e da factibilidade ética, em direção à manutenção da vida e da<br />
igualdade entre os seres humanos. Uma escola da utopia <strong>do</strong> possível.<br />
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