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Defensor do Povo

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Novas medidas<br />

financeiras<br />

Propalam os jornaes affectos ao<br />

governo que o sr. José Dias Ferreira<br />

está completamente absorvi<strong>do</strong><br />

no trabalho das novas medidas de<br />

fazenda; e, para nos convencerem<br />

de que elle se entrega de alma e<br />

coração ao resurgimento <strong>do</strong> nosso<br />

paiz, noticiam que o sr. ministro da<br />

fazenda até se retirou de Lisboa, <strong>do</strong><br />

grande centro politico onde mais o<br />

podem perturbar no seu cuida<strong>do</strong><br />

salva<strong>do</strong>r, para trabalhar tranquilamente<br />

numa isolada thebaida.<br />

Não nos convencem comtu<strong>do</strong> as<br />

affirmações d'aquelles jornaes, porque<br />

os precedentes <strong>do</strong> sr. José Dias,<br />

desde que entrou ultimamente para<br />

o ministério, só podem garantir cuida<strong>do</strong>s<br />

muito differentes d'aquelles<br />

que agora se lhe attribuem. Quem<br />

calcou aos pés com o maior desprezo<br />

as tradições liberaes, que lhe custaram<br />

o labor de vinte annos de opposição<br />

a to<strong>do</strong>s os governos, combaten<strong>do</strong>,<br />

ainda que muitas vezes pro<br />

forma, os passos erra<strong>do</strong>s ou criminosos<br />

das administrações transactas;<br />

quem postergou com a maior desfaçatez<br />

as ideias affirmadas num espaço<br />

de tempo relativamente largo, e<br />

que fizeram que o povo o olhasse<br />

como alguém de quem alguma cousa<br />

de bom se pode esperar, lia<strong>do</strong> na sua<br />

boa vontade, no seu patriotismo e<br />

nas suas affirmações fementidas;<br />

quem se esquece vergonhosamente<br />

das promessas que, ao subir ao poder<br />

numa hora solemnissima, solemnemente<br />

fez a um povo inteiro;<br />

quem, apresentan<strong>do</strong>-se como um<br />

salva<strong>do</strong>r, como um messias predestina<strong>do</strong><br />

a estabelecer um novo reina<strong>do</strong><br />

de justiça e de rectidão, illude<br />

sem rubor a expectativa de milhares<br />

d'homens, não dá, por certo,<br />

garantia segura de que possa tomarse<br />

a serio e faz presuppor que quaesquer<br />

medidas que apresente, se algumas<br />

apresentar, terão antes em<br />

vista satisfazer interesses particulares<br />

<strong>do</strong> que os interesses <strong>do</strong> paiz,<br />

assim como o poder lhe tem servi<strong>do</strong><br />

só para satisfazer a sua vaidade pessoal.<br />

As antigas affirmações <strong>do</strong> sr.<br />

Dias Ferreira, apregoan<strong>do</strong> que antes<br />

queria o favor das praças que o favor<br />

<strong>do</strong>s Paços e que á opinião das camarilhas<br />

preferia a opinião <strong>do</strong> povo,<br />

teem cahi<strong>do</strong> ridiculamente perante a<br />

opinião sensata; poucos serão ainda<br />

os ingénuos que deponham as suas<br />

esperanças neste salva<strong>do</strong>r irrisorio.<br />

Mas' este illudir de esperanças,<br />

esta zombaria <strong>do</strong>s mais nobres sentimentos,<br />

esta suprema decepção <strong>do</strong><br />

nosso povo, náo podem deixar de<br />

produzir as consequências qué d'ellas<br />

naturalmente derivam. Descrente de<br />

to<strong>do</strong>sXaquelles, que antes da actual<br />

situação se sentaram nas cadeiras <strong>do</strong><br />

poder; descrente ainda d'estes, que<br />

se lhe apresentavam como o derradeiro<br />

recurso e que lhe acenavam<br />

com uma nova era de justiça, de<br />

seriedade e de honradez, o nosso<br />

povo ha- de conhecer, se d'isso não<br />

estiver convenci<strong>do</strong> ainda," que nada<br />

pode esperar d^ste esta<strong>do</strong> de coisas,<br />

que garantias nenhumas lhe dão estes<br />

homens e que uns valem os outros.<br />

E então, ou ha de cahir miseravelmente<br />

no precipicio, que to<strong>do</strong>s elles<br />

lhe teem cava<strong>do</strong> aos pés, ou ha de,<br />

num supremo esforço de virilidade<br />

e de sensatez, arrancar <strong>do</strong> poder os<br />

homens nefastos que teem produzi<strong>do</strong><br />

a sua ruina economica e a sua pobreza<br />

humilhante, arrastan<strong>do</strong> a«<br />

mesmo tempo pela lama o seu credito<br />

de povo honra<strong>do</strong>, para os substituir<br />

por outros homens, que lhe<br />

dêem um penhor seguro d'uma nova<br />

ordem de coisas, d'um novo regimen<br />

de moralidade e de honra. E.estes<br />

aprenda o paiz a conhecel-os e a dis-<br />

<strong>Defensor</strong><br />

BI-SEMANARIO REPUBLICANO<br />

tinguil os dentre a turba multa <strong>do</strong>s<br />

que o teem illudi<strong>do</strong>' e anniquila<strong>do</strong> ;<br />

repare nos homens que lhe arrancaram<br />

<strong>do</strong>s olhos a venda que lh'os<br />

cegava, que lhe apresentaram em<br />

toda a sua nudez os factos mais escandalosos<br />

das altas regiões <strong>do</strong> poder,<br />

que, pela sua opposição tenaz<br />

e constante a to<strong>do</strong>s os abusos e a<br />

todas as prevaricações, já obstaram<br />

em grande parte ás mais escandalosas<br />

acções.<br />

Dos outros só pode esperar tanto<br />

como tem obti<strong>do</strong> das promessas <strong>do</strong><br />

sr. presidente <strong>do</strong> conselho e como<br />

pode esperar das novas medidas financeiras<br />

<strong>do</strong> actual ministro da fazenda.<br />

Franco Ascot.<br />

E' preparar a bolça<br />

As medidas financeiras <strong>do</strong> sr. José<br />

Dias são, ao que dizem, de levar couro<br />

e cabello.<br />

Para exemplo cila-se a fei <strong>do</strong> sello<br />

em que o esta<strong>do</strong> lucra uns 200 contos<br />

de réis I<br />

Vamos emigrar.<br />

Como?<br />

se elles estão no fun<strong>do</strong>!<br />

Nas praças de Paris e Londres desceu<br />

o papel de to<strong>do</strong>s os paizes á excepção<br />

<strong>do</strong> de Portugal.<br />

Acorrem pressurosos os nossos monarchistas<br />

extrain<strong>do</strong> <strong>do</strong> facto a peregrina<br />

illação de que isso attesta o nosso bom<br />

esta<strong>do</strong> financeiro...<br />

Inútil o esforço. Toda a gente vê que<br />

as razões <strong>do</strong> nosso papel não descer mais<br />

é porque elle está no fun<strong>do</strong>. Até um<br />

cego vê isto.<br />

Os caloteiros<br />

Os operários que trabalharam na occasião<br />

das festas regias á chegada das<br />

magestades na ultima viagem á llespanha,<br />

ainda não foram pagos I '<br />

É assim que os serventuários da monarchia<br />

sorvem o throuo, não pagan<strong>do</strong><br />

aos pobres operários que talvez não tenham<br />

que comer 1<br />

Portugal e o celebre<br />

Cécil Rhodes<br />

Telegramma de Londres com data de<br />

20 diz que Cecil llhodes partiu de Londres<br />

para Paris de caminho para Monte<br />

Carlo, Egypto, Qíteliinane e Cidade <strong>do</strong><br />

Cabo. Antes de partir dirigiu ao ministro<br />

<strong>do</strong>s negocios estrangeiros um energico<br />

protesto conlra as objecções levantadas<br />

á ultima hora por Portugal a respeito<br />

da delimitação de fronteiras, feita<br />

pelos srs. Antonio Ennes e Leverson. O<br />

sr. Cecil Rhodes exprimiu a esperança<br />

de que o interesse na Africa Central <strong>do</strong><br />

governo inglez não permittirá queaobr-a<br />

executada pela commissão luso britannica<br />

seja inutilisada.<br />

O sr. Levérson partirá de Cape Teon<br />

ámanhã, 21, para Inglaterra, afim de<br />

conferenciar com o governo inglez.<br />

Helio<strong>do</strong>ro Salga<strong>do</strong><br />

Não se effectuou ainda o julgamento<br />

d'este nosso amigo, Helio<strong>do</strong>ro Salga<strong>do</strong>,<br />

accusa<strong>do</strong> de abuso de liberdade de imprensa.<br />

O advoga<strong>do</strong> de defeza, sr. dr.<br />

Alexandre Braga, aggravou para a relação<br />

<strong>do</strong> despacho <strong>do</strong> juiz <strong>do</strong> tribunal <strong>do</strong><br />

1.° districto criminal, que marcára o<br />

julgamento para terça feira.<br />

Sem commentarios<br />

Consta que o nacional governo <strong>do</strong> sr.<br />

D. Carlos concedeu que os médicos inglezes<br />

possam exercer a sua prolissão em<br />

terras portuguezas sem se sujeitarem<br />

aos exames a que são obriga<strong>do</strong>s os outros<br />

médicos estrangeiros que queiram estabelecer-se<br />

no paiz.<br />

PELOS JORNAES<br />

A Reforma de quinta feira abre assim<br />

o seu editorial :<br />

«Se ainda fosse discutível a hypothese<br />

de uma republica em Portugal<br />

nos tempos mais proximos, a derrocada<br />

<strong>do</strong> Panamá seria bastante para demonstrar<br />

aos ingénuos que o dia em<br />

que esse facto se realisasse entre nós,<br />

seria talvez o derradeiro da nossa independencia.»<br />

Abunda o dislate, como se vê O<br />

articulista começa pela peregrina Iheoria<br />

de não achar discutível a hypothese de<br />

uma republica em Portugal. .. nos tem<br />

pos mais proximos; e começa a discutir<br />

sob essa hypothese...<br />

Depois insinua a derrocada <strong>do</strong> Panamá<br />

como prova de que as instituições<br />

republicanas são immoraes. Qualquer<br />

Torgal que não seja o da Reforma veria<br />

sem esforço que o caso <strong>do</strong> Panamá, da<br />

forma austera como o governo republicano<br />

o vae conduzin<strong>do</strong>, prova a moralidade<br />

<strong>do</strong> regimen, que não hesita cahir<br />

a fun<strong>do</strong> sobre vultos eminentes da politica,<br />

ao contrario <strong>do</strong> que se faz em muitos<br />

paizes monarchicos, como o nosso,<br />

p. ex.<br />

A asserção de que no dia em que a<br />

republica entre nós fosse um facto seria<br />

talvez o derradeiro da liossa independencia,<br />

lica de molho por indiscutível.<br />

Ê tão insólita que só faz rir.<br />

*<br />

Para exemplificar a razão por que<br />

entende que o systema republicano se<br />

não adapta á raça latina, refere-se assim<br />

á França a mesma Reforma:<br />

«A imprensa, em vez de dirigir<br />

sincera e lealmente a opinião, põe a<br />

sua critica á mercê <strong>do</strong>s banqueiros. Os<br />

homeus públicos, ainda os que teem<br />

maiores responsabilidades perante a<br />

nação, deixam-se corromper e atacam<br />

eom o prestigio da sua auctoridade a<br />

acção da justiça. Um dia abate-se a<br />

cadciia presidencial ante a suspeita de<br />

que um membro da familia <strong>do</strong> primeiro<br />

magistra<strong>do</strong> da republica vende honras<br />

e mercês a quem as quer comprar;<br />

outro dia, constituem-se tribunaes d'exr<br />

cepção e fazem-se condetnnar ao exilio<br />

os que combatem o poder e os excessos<br />

<strong>do</strong> governo I»<br />

Que poderíamos nós dizer da imprensa<br />

monarchica de cá, subsidiada pelos<br />

cofres públicos para a defeza das diversas<br />

situações, politicas ? I<br />

Que poderíamos nós dizer <strong>do</strong>s nossos<br />

homens públicos que vergam ao pezo de<br />

infamantes accusações de delapida<strong>do</strong>res<br />

<strong>do</strong>s cofres públicos, feitas em norman<strong>do</strong>?!<br />

Que um dia se abateu a cadeira presidencial<br />

ante a suspeita de que um<br />

membro da familia <strong>do</strong> primeiro magistra<strong>do</strong><br />

da republica vendia honras e mercês a<br />

quem as queria comprar. Sim, muito<br />

bem. E que prova isso? A elevada<br />

conta em que é tida a honra das instituições.<br />

Em França um presidente da<br />

republica. demilte-se meramente por se<br />

suspeitar que um seu parente mercadejava<br />

com commendas, sen<strong>do</strong> esse parente<br />

condemna<strong>do</strong>; em Portugal, ministros que<br />

confessam em pleno parlamento que desviaram<br />

illegalmente dinheiro <strong>do</strong>s cofres<br />

públicos estão á espera da mercê regia<br />

para o pariato e talvez com esperança de<br />

voltar aos conselhos da coroa...<br />

Referin<strong>do</strong>-se ás improveitosas despezas<br />

que se teem feito com o luxo <strong>do</strong>s<br />

ministérios, escreve sensatamente o Commercio<br />

<strong>do</strong> Corto, cuja sisudéz é já clássica<br />

:<br />

«Se tivesse havi<strong>do</strong> o preciso respeito<br />

pelo contribuinte, não se haveria arrenda<strong>do</strong><br />

nem o sumptuoso palacio <strong>do</strong> Calhariz<br />

para os negecios estrangeiros, nem<br />

a casa <strong>do</strong> largo de S. Roque para o<br />

reinventa<strong>do</strong> ministério da instrucção<br />

publica. Estadistas de memoria honrada,<br />

como Loulé e Braamcamp, entre<br />

outros, vimos nós trabalhar no Terreiro<br />

<strong>do</strong> Paço em mesquinhos e desordena<strong>do</strong>s<br />

gabinetesde differentes secretarias<br />

de Esta<strong>do</strong>, sem que se julgassem rebaixa<strong>do</strong>s<br />

ua sua importancia; nem elles<br />

ousariam lembrar-se de onerar a triste<br />

fazenda com sacriticios pecuniários, para<br />

satisfação de caprichos luxuosos e de<br />

apparato.»<br />

ANNO I Coimbra., 25 de dezembro de 1892 N.° 46<br />

<strong>do</strong> <strong>Povo</strong><br />

Meu amigo: outros tempos, outras<br />

gentes. A sumptuosidade nas altas- regiões,<br />

a começar pelas mais altas, tem<br />

si<strong>do</strong> o maior factor da nossa ruina economica.<br />

*<br />

O Jornal de Noticias, <strong>do</strong> Porto, orgão<br />

<strong>do</strong>s manos Arroyos, abre também já a<br />

sua hrechasijiha nas lombadas ministeriaes<br />

:<br />

«O que estamos ven<strong>do</strong> é que os salva<strong>do</strong>res<br />

se succedem uns aos outros, e<br />

que to<strong>do</strong>s elles trazem debaixo <strong>do</strong> capote<br />

um monopolio e um imposto; e que<br />

o sr. José Dias, que tanto flagellou os<br />

monopolios—os nossos amigos!. • • —e<br />

que «batia nas algibeiras, declaman<strong>do</strong><br />

contra o augniento das contribuições»<br />

appareceu com essas duas bellas novidades,<br />

com canga<strong>do</strong>s recursos, cujo resulta<strong>do</strong><br />

s. ex. a está habilita<strong>do</strong> a provar<br />

pela própria crise que pretende debellar,<br />

e que se formou sobre monopolios<br />

e sobre addiccionaes renova<strong>do</strong>s uns após<br />

outros.»<br />

Salte o sr Arroyo para o ministério<br />

e acabará esle fadario ministerial 1 Vá,<br />

depressa, que estamos em vesperas de<br />

recomposição. Acudam-lhe !<br />

Têdebe.<br />

De João'Chagas<br />

(CONTINUAÇÃO)<br />

Mas o que vi está longe de ser o<br />

que ouvi.<br />

A Cova da Onça, onde duranle mezes<br />

vivem homens presos a gargalheiras<br />

dè ferro; o Segre<strong>do</strong>, onde durante semanas<br />

se asphyxiam mulheres algemadas,<br />

estão inferiores na escala <strong>do</strong> supplicio ás<br />

prisões supplemenlares da fortaleza de S.<br />

Pedro da Rarra.<br />

A fortaleza de S. Pedro da Barra fica<br />

situada á enlrada da bahia de Loanda.<br />

E' dependente <strong>do</strong> deposito da forlaleza<br />

de S. Miguel e recebe lambem turnos de<br />

condemna<strong>do</strong>s. Dirige a um alferes.<br />

Neste forte ha prisões sulilerraneas.<br />

A tres d'ellas dão se eslas tres denominações—<br />

o Segre<strong>do</strong>, a Prisão Escura<br />

e o Oratorio.<br />

Procurei fallar separadamente com<br />

seis condemna<strong>do</strong>s que alli estiveram. Recorri<br />

em seguida ao testemunho de <strong>do</strong>is<br />

officiaes inferiores, que alli serviram. Estes<br />

oito homens conlirmaram-se. Fui escrupuloso,<br />

formulei duvidas, apresentei<br />

objecções. Apurei isto:<br />

— O Segre<strong>do</strong> — dizem-me uns — é<br />

uma especie de estreitíssimo corre<strong>do</strong>r, fecha<strong>do</strong><br />

em um <strong>do</strong>s extremos e termina<strong>do</strong><br />

no outro por uma grade que diz para o<br />

mar. E' longo, mas muitíssimo estreito,<br />

tão estreito que não podem <strong>do</strong>rmir <strong>do</strong>is<br />

homens ao la<strong>do</strong> um <strong>do</strong> outro. Assim,<br />

deiiam-se, pés com pés. Não é mesmo um<br />

corre<strong>do</strong>r—é mais propriamente o intervallo<br />

entre duas paredes.<br />

—A Prisão Escura, chama-se-lhe assim<br />

porque nunca alli penetra a luz <strong>do</strong><br />

dia. Fica por baixo da esplanada da fortaleza<br />

e não tem grades: tem os muros e<br />

uma. porta. Ar, tem o que penetra pelo<br />

intervallo existente entre essa porta e o<br />

chão. Por cima, lica a cisterna da fortaleza,<br />

de forma que dentro da prisão, a<br />

agua infiltrada cahe em chuva, aqtíi e<br />

adi. «E' preciso andar sempre a mudar<br />

de logar», diz-me um coudemna<strong>do</strong>. Para<br />

me dar uma ideia justa <strong>do</strong> recinto, um<br />

outro conclue? «E' um tanque». Neste<br />

tanque, ratos e baratas disputam-lhes o<br />

rancho.<br />

Quan<strong>do</strong> é dia? Quan<strong>do</strong> é noite? —<br />

Só o sabem quan<strong>do</strong> veem de fóra dizerlh'o.<br />

Nesta prisão, neste subterrâneo,<br />

neste antro, estão muitos, que alli vivem,<br />

alli <strong>do</strong>rmem, alli comem, alli defecam,<br />

numa iuimunda, sinistra, tragica promiscuidade.<br />

— O que p o Oratorio ?<br />

O oratorio! Não o diz a palavra?<br />

Do oratorio sahe-se para a morte, para a<br />

paralysia, para a loucura. Não m'o descrevem<br />

bem. Faliam d'elle com terror,<br />

como de uma cousa horrível, de que<br />

nem se quizessem recordar. Um exclama;<br />

«Ah! ahi nunca estivei» Outro,<br />

que por la passou, limita-se a dizer:<br />

& Andei dias e dias a soluçar qnan<strong>do</strong> de<br />

lá sahi ! ».<br />

Angustia, ouvil-os.<br />

Não quiz ouvir mais.<br />

Estas penas monstruosas, estes inconcebíveis<br />

castigos dão-se — já o disse—<br />

a torto e a direito, a cada passo,<br />

por insignificantes faltas, por infracções<br />

ridículas: por motivo de rixas sem consequências,<br />

por uma palavra imprudentemente<br />

proferida, por um ligeiro movimento<br />

de protesto, por não querer comer<br />

o rancho, por ter rouba<strong>do</strong> a um companheiro<br />

um pacote de tabaco, e finalmente—<br />

delicto grave, supremo e imper<strong>do</strong>ável<br />

delicto ! — por fugir. F.ugir d'este inferno<br />

é um -crime. Fugir para o sertão,<br />

só, sem recursos, os pés muitas vezes<br />

descalços, sob o sol, á beira <strong>do</strong>s pantanos,<br />

pelo malto, noite e dia expon<strong>do</strong> a<br />

vida, a triste, a pobre, a miserável vida,<br />

para ir bater á porta de uma fazenda<br />

ou de uma feitoria e pedir o trabalho<br />

que aqui não proporcionam e o ar livre,<br />

que aqui roubam — isto é tão natural,<br />

tão comprehensivel, tão humano, isto é<br />

uin crime que só a Cova da Onça, o Segre<strong>do</strong>,<br />

a Prisão Escura, o Oratorio, a<br />

gargalheira, a manilha, a algema, podem<br />

rasoavelmente punir.<br />

Agora, accrescente-se a isto que estes<br />

desventura<strong>do</strong>s fogem porque os deixam<br />

fugir, porque lhes coilocam a liberdade<br />

ao alcance de um pulo, numa forlaleza,<br />

de cujas muralhas se pode saltar<br />

dia e noite, como das janellas de uma<br />

sobreloja; considere-se que muitos <strong>do</strong>s<br />

fugitivos veem apresentar-se voluntariamente,<br />

exhaustos, extenua<strong>do</strong>s, famintos,<br />

febris, ao cabo de inúteis esforços para<br />

viver lá fóra—e pense-se no abuso e na<br />

crueldade de semelhantes castigos.<br />

Ob-erve-se mais que estes criminosos,<br />

se são raramente reincidentes, pela<br />

natureza <strong>do</strong>s deliclos que os trouxeram<br />

aqui são já de si modestos como typos<br />

de delinquentes. Homicídios e tentativas<br />

de homicídios ruraes, por questiúnculas<br />

de aldeia, questões de bem, desordens<br />

em feiras e eleições; o estupro, origina<strong>do</strong><br />

numa superstição selvagem muito corrente<br />

nas nossas províncias ; o roubo de<br />

igreja, o roubo de relogios, o roubo superior<br />

a quarenta e inferior a cem mil<br />

réis e finalmente os crimes de falsificação<br />

e moeda falsa — lai é o quadro criminal<br />

d'este presidio.<br />

Dia de Natal<br />

(Conclúe).<br />

No seio das famílias estabeiecc-se hoje<br />

um lyrico mutualismo de affectos onde<br />

palpita ardentemente o sagra<strong>do</strong> amor <strong>do</strong>s<br />

que são queri<strong>do</strong>s.<br />

Por toda a parle, nos palacios opulentos<br />

<strong>do</strong>s predestina<strong>do</strong>s como na choupana<br />

humilde <strong>do</strong>s pobresinlios, habita-se<br />

hoje uma athmosphera de jubilo esfusiante<br />

d'onde irradia a meiga ternura <strong>do</strong>s corações<br />

que se encontram numa religiosa<br />

expansão de amor, numa confraternidade<br />

mystica de religião.<br />

Na longínqua rotação <strong>do</strong>s séculos ainda<br />

se alteia serenamente, na pie<strong>do</strong>sa<br />

idealisajão das crenças, o almeja<strong>do</strong> nascimento<br />

<strong>do</strong> Jesus de Nazarelh, cheio de<br />

piedade e de bonança, evangelisan<strong>do</strong> o<br />

Bem e o Amor, tal como o conceberam<br />

na sua rudeza santa as primeiras gerações<br />

humanas, límpidas da concupiscência torpe<br />

das nossas eras...<br />

Hoje, esta data, já não espelha lidimamente,<br />

no fun<strong>do</strong> das almas, a sagração<br />

amorosa <strong>do</strong> Christo : o pulso de Benan<br />

entrou-nos pelo coração, abriu sulcos<br />

profun<strong>do</strong>s, abalou crenças que eram<br />

mythos, massacrou ideaes que eram crenças<br />

!<br />

D'esse escalahro <strong>do</strong>loroso apenas<br />

nos resta--o que é muito, o que é lu<strong>do</strong><br />

— um culto religioso pela familia, uma<br />

a<strong>do</strong>ração grata pelos que nos são caros,<br />

que hoje se expande generosamente num<br />

aban<strong>do</strong>no jubiloso de almas possuídas,<br />

numa elevação de coração que vibra sonorosa<br />

ao de cima <strong>do</strong> nosso desalento melancólico.<br />

Natal! Natal I

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