Educação de adultos na agenda - Cereja
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O ESTADO DE S. PAULO, 16 DE FEVEREIRO DE 2005<br />
ECONOMIA<br />
RESPONSABILIDADE SOCIAL<br />
<strong>Educação</strong> <strong>de</strong> <strong>adultos</strong> <strong>na</strong> <strong>agenda</strong><br />
Empresas começam a perceber importância dos programas <strong>de</strong> alfabetização, mas ainda investem<br />
pouco<br />
Andrea Vialli<br />
A alfabetização <strong>de</strong> jovens e <strong>adultos</strong> começa a ser percebida <strong>de</strong> modo estratégico pelas empresas, mas<br />
ainda recebe pouco investimento. De acordo com o último censo do Grupo <strong>de</strong> Institutos, Fundações e<br />
Empresas (Gife) sobre investimento social privado, 87% dos associados <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>m recursos para<br />
programas <strong>na</strong> área <strong>de</strong> educação. Desse universo, ape<strong>na</strong>s 27% são voltados à educação <strong>de</strong> <strong>adultos</strong>,<br />
enquanto o restante vai para o ensino fundamental e para outras iniciativas. No entanto, dados do último<br />
censo do IBGE, <strong>de</strong> 2000, mostram que 70 milhões <strong>de</strong> brasileiros maiores <strong>de</strong> 15 anos não concluíram o<br />
ensino fundamental (da primeira à oitava série), sendo 54 milhões acima <strong>de</strong> 24 anos.<br />
Mas já existem empresas que <strong>de</strong>scobriram que não é preciso investir muito para colher bons resultados.<br />
A fabricante <strong>de</strong> refrigeradores e freezers comerciais Metalfrio tem apostado <strong>na</strong> educação dos<br />
funcionários como diferencial competitivo. Após um diagnóstico realizado no início <strong>de</strong> 2002 com seus<br />
funcionários e quadro terceirizado, a empresa <strong>de</strong>scobriu que quase a meta<strong>de</strong> dos 600 prestadores <strong>de</strong><br />
serviços não haviam concluído os estudo.<br />
Com um investimento módico <strong>de</strong> R$ 31 mil, a empresa montou a estrutura para seu programa Educar:<br />
seis salas <strong>de</strong> aula, microcomputadores e aparato audiovisual. Os estudantes-funcionários são liberados<br />
do trabalho às 17 horas para assistir às aulas, que funcio<strong>na</strong>m em turmas <strong>de</strong> ensino supletivo, do<br />
fundamental ao médio. O apoio pedagógico - professores e material didático - vem <strong>de</strong> dois parceiros<br />
estratégicos, a Fundação Bra<strong>de</strong>sco e o Serviço Social da Indústria (Sesi). Des<strong>de</strong> o lançamento do<br />
programa, em 2002, já são 120 trabalhadores beneficiados.<br />
"Esse tipo <strong>de</strong> iniciativa não requer investimento alto, e sim <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ção para realizá-lo", afirma Luiz<br />
Eduardo Moreira Caio, presi<strong>de</strong>nte da Metalfrio. A empresa tem concentrado seus esforços em<br />
exportação e notou que a qualificação da mão-<strong>de</strong>-obra era um diferencial competitivo importante para<br />
ganhar mercado em países como EUA e Ca<strong>na</strong>dá. "Competimos nesses mercados com empresas que<br />
têm alto nível <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> e pessoal capacitado, por isso resolvemos dar mais ênfase em trei<strong>na</strong>mento",<br />
diz Caio. "Mas não adianta dar um trei<strong>na</strong>mento técnico avançado quando há problemas <strong>na</strong> base da<br />
educação", observa.<br />
O operador <strong>de</strong> empilha<strong>de</strong>ira A<strong>de</strong>lson Roberto da Silva, 32, havia interrompido os estudos <strong>na</strong> oitava série<br />
e <strong>de</strong>sejava retomá-los, mas esbarrava em problemas como falta <strong>de</strong> tempo e dinheiro. "Estudar <strong>de</strong>ntro da<br />
fábrica foi a saída", conta. Com a ajuda do programa Educar, ele concluiu o segundo grau em dois anos.<br />
Em seguida prestou vestibular e hoje cursa engenharia <strong>de</strong> processo e produção em uma universida<strong>de</strong><br />
privada. Silva afirma que a iniciativa fez <strong>de</strong>le um funcionário mais produtivo. "Quando a empresa investe<br />
em você, por que não fazer mais pela empresa?", diz.<br />
Quando a Fundação Abrinq e a Natura se tor<strong>na</strong>ram parceiras no programa Crer para Ver, em 1995, a<br />
proposta era concentrar esforços e investimentos em ações <strong>de</strong> melhoria da educação pública brasileira,<br />
com foco <strong>na</strong> premiação <strong>de</strong> projetos com esse viés. Após uma avaliação dos resultados em 2003, as<br />
organizações perceberam que era necessário abranger a educação <strong>de</strong> jovens e <strong>adultos</strong> e envolver a<br />
força <strong>de</strong> trabalho da Natura <strong>na</strong> questão - 392 mil consultoras que atuam no sistema <strong>de</strong> vendas diretas.
Esse trabalho já era fundamental para sustentar o programa, pois os recursos para sua manutenção<br />
vêm da venda <strong>de</strong> artigos da linha Crer para Ver, que constam nos catálogos <strong>de</strong> cosméticos da empresa.<br />
É a receita líquida da venda <strong>de</strong> camisetas, canecas, chaveiros e outros itens, com o logotipo do<br />
programa, que mantém as ações. Des<strong>de</strong> 1995, as vendas somaram perto <strong>de</strong> R$ 18 milhões, sendo R$ 3<br />
milhões só no ano passado.<br />
Agora, as consultoras têm ainda o papel <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar, <strong>na</strong>s comunida<strong>de</strong>s, pessoas acima <strong>de</strong> 15 anos<br />
que não tenham concluído o ensino fundamental e incentivá-las a se matricular em uma escola que<br />
ofereça essa oportunida<strong>de</strong>, com base em um banco <strong>de</strong> dados atualizado pela Fundação Abrinq, com 8,6<br />
mil escolas em todo o País. "Queremos ver o quanto as consultoras irão se envolver <strong>na</strong> causa e<br />
convencer pessoas a voltarem às escolas", afirma Nelmara Arbex, gerente <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong><br />
corporativa da Natura. "A mesma força <strong>de</strong> vendas que movimenta os negócios da Natura po<strong>de</strong> mobilizar<br />
para outros temas."<br />
Setor privado acompanha políticas públicas<br />
Pouca ênfase dos últimos governos ao ensino <strong>de</strong> jovens e <strong>adultos</strong> influenciou a postura<br />
das empresas<br />
Andrea Vialli<br />
Quando as empresas optam pelos projetos que serão foco <strong>de</strong> seus investimentos sociais, acabam se<br />
pautando pelas políticas públicas levadas pelo governo. Essa é uma das explicações para o fato <strong>de</strong> os<br />
programas focados em educação <strong>de</strong> jovens e <strong>adultos</strong> serem menos comuns do que aqueles voltados à<br />
educação infantil e ensino fundamental. Dados do Grupo <strong>de</strong> Institutos, Fundações e Empresas (Gife)<br />
mostram que 81% das empresas investem em ensino fundamental.<br />
A Constituição <strong>de</strong> 1988, a Lei <strong>de</strong> Diretrizes e Bases da <strong>Educação</strong> e as políticas educacio<strong>na</strong>is dos<br />
últimos governos têm priorizado o acesso das crianças (7-14 anos) à escola. "Quando a pauta do<br />
governo é muito marcada, acaba influenciando o restante da socieda<strong>de</strong>, inclusive a iniciativa privada",<br />
afirma Fer<strong>na</strong>ndo Rossetti, diretor-superinten<strong>de</strong>nte do Gife e comentarista <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> educação do<br />
ca<strong>na</strong>l Futura.<br />
Ele explica que a universalização do ensino fundamental é uma reinvindicação da socieda<strong>de</strong> que tomou<br />
força após a re<strong>de</strong>mocratização, ao mesmo tempo em que as tentativas <strong>de</strong> erradicar o a<strong>na</strong>lfabetismo<br />
adulto ficaram em segundo plano. E se tor<strong>na</strong>ram ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> pessoas e movimentos tradicio<strong>na</strong>lmente<br />
ligados à esquerda, como o educador Paulo Freire.<br />
"Há ainda esse fator no campo i<strong>de</strong>ológico, pois esses grupos são mais reticentes ao investimento<br />
privado", diz Rossetti. Com o "boom" do terceiro setor <strong>na</strong> última década, essa resistência vem caindo e<br />
ampliam-se as parcerias entre empresas, ONGs e governos.<br />
Hoje, os pensadores da educação <strong>de</strong> jovens e <strong>adultos</strong> têm dois <strong>de</strong>safios a enfrentar: ampliar o acesso<br />
ao sistema educacio<strong>na</strong>l para esse público e também criar mecanismos e políticas para oferecer<br />
educação para as novas tecnologias, como a informática. "O <strong>de</strong>safio agora é oferecer educação para<br />
toda a vida, e isso vai exigir muito investimento social privado", avalia Rossetti. E as empresas terão um<br />
vasto campo para investir, a julgar pelas estatísticas.<br />
Para Nelmara Arbex, gerente <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> corporativa da Natura e coor<strong>de</strong><strong>na</strong>dora do programa<br />
Crer para Ver, falta preparo e formação profissio<strong>na</strong>l para lidar com a educação <strong>de</strong> jovens e <strong>adultos</strong>. "A<br />
maior dificulda<strong>de</strong> que notamos é convencer uma pessoa a freqüentar uma escola que geralmente é<br />
precária e tem material didático <strong>de</strong>fasado, não adaptado para a realida<strong>de</strong> do aluno adulto", diz. Nilmara<br />
ressalta que há carência <strong>de</strong> cursos <strong>de</strong> especialização voltados para professores com esse perfil, e a<br />
remuneração <strong>na</strong> re<strong>de</strong> pública é menor.
Uma das frentes do programa Crer para Ver, da Fundação Abrinq e da Natura, é premiar projetos <strong>de</strong><br />
professores e escolas com foco <strong>na</strong> educação <strong>de</strong> jovens e <strong>adultos</strong>. A iniciativa também oferece apoio<br />
fi<strong>na</strong>nceiro a programas com esse perfil - só neste ano, foram quatro projetos beneficiados, <strong>na</strong> Bahia, Rio<br />
Gran<strong>de</strong> do Sul, Rio <strong>de</strong> Janeiro e interior <strong>de</strong> São Paulo, que receberam perto <strong>de</strong> R$ 500 mil em recursos.<br />
"A falta <strong>de</strong> acesso ao ensino fundamental para a população adulta é uma gran<strong>de</strong> barreira à inclusão<br />
social, pois hoje o mercado <strong>de</strong> trabalho exige esse conhecimento mínimo", diz Nelmara. "E a questão é<br />
muito pouco conhecida e discutida, é o calcanhar-<strong>de</strong>-aquiles da educação brasileira".<br />
VIALLI, Andréa. <strong>Educação</strong> <strong>de</strong> <strong>adultos</strong> <strong>na</strong> <strong>agenda</strong>. O Estado <strong>de</strong> S.Paulo, São Paulo, 16 fev. 2005.