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Cabo Frio: transformações urbanas e construção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s na virada da 1ª para a 2ª<br />

meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> século XX.<br />

RESUMO<br />

João Henrique <strong>de</strong> Oliveira Christovão ∗<br />

A cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cabo Frio apresenta uma transformação na sua estrutura urbana<br />

extremamente significativa no perío<strong>do</strong> compreendi<strong>do</strong> entre as décadas <strong>de</strong> 1930 e1970. A<br />

análise <strong>de</strong>stas transformações nos remete, entre outras possíveis, às mudanças ocorridas nas<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s locais que ali se <strong>de</strong>senvolveram ao longo <strong>de</strong>sse perío<strong>do</strong>. A transição entre a<br />

economia salineira e a economia baseada no turismo e as suas respectivas conseqüências é o<br />

que procuramos analisar aqui.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Cabo Frio, I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, Tradição.<br />

ABSTRACT<br />

The city of Cabo Frio presents a transformation in its urban structure extremely significant in<br />

the period from the 1930 to 1970. The analysis of these changes reminds us, among other<br />

possible changes in the local i<strong>de</strong>ntities that have evolved there over that period. The transition<br />

between the Salineira economy and the economy based on tourism and their associated<br />

consequences is what we try to analyze here.<br />

KEYWORDS: Cabo Frio, I<strong>de</strong>ntity, Tradition.<br />

...praia porém <strong>de</strong>serta. Incompreensivelmente aban<strong>do</strong>nada. Apenas <strong>do</strong>is ou três<br />

casebres e uma residência mo<strong>de</strong>rna atestam a presença humana. É que embora<br />

ótima estrada <strong>de</strong> rodagem ligue a cida<strong>de</strong> a Niterói, Cabo Frio não estimula o<br />

veraneio... (Lamego, 1946)<br />

A incredulida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Alberto Lamego <strong>de</strong>monstrada na epígrafe <strong>de</strong>ste trabalho sobre o<br />

porquê <strong>de</strong> Cabo Frio não estimular o veraneio duraria pouco. De fato Lamego se<br />

surpreen<strong>de</strong>ria com todas as mudanças que ocorreriam na cida<strong>de</strong> a partir <strong>do</strong> momento em que<br />

Cabo Frio passou a ‘estimular o veraneio’. Na simbiose que vai se estabelecer entre produto e<br />

produtor torna-se difícil dizer se foi a cida<strong>de</strong> que passou a estimular o veraneio ou se foi o<br />

veraneio que ao estimular a cida<strong>de</strong> transformou-a. A relação aí estabelecida possui muitas<br />

∗ Mestran<strong>do</strong> em <strong>História</strong> Social <strong>do</strong> Território, FFP/UERJ.


outras variáveis que exigem uma análise cuida<strong>do</strong>sa para enten<strong>de</strong>rmos os caminhos que<br />

levaram Cabo Frio e o turismo a trilhar uma mesma estrada.<br />

O turismo como “indústria”, como ativida<strong>de</strong> econômica relevante para o município só<br />

começa a se estabelecer a partir <strong>do</strong> final da década <strong>de</strong> 1950. Mesmo assim ele atravessaria<br />

toda a década <strong>de</strong> 1960 <strong>de</strong> uma forma ainda tímida e somente no final da década <strong>de</strong> 1970 é que<br />

assumiria <strong>de</strong>finitivamente o papel <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque como a principal ativida<strong>de</strong> econômica <strong>do</strong><br />

município. É nos imbrica<strong>do</strong>s caminhos das muitas ativida<strong>de</strong>s ali <strong>de</strong>senvolvidas que vamos<br />

conseguir compreen<strong>de</strong>r como o turismo vai pouco a pouco ganhan<strong>do</strong> o seu espaço,<br />

estimulan<strong>do</strong> e sen<strong>do</strong> estimula<strong>do</strong> pela cida<strong>de</strong> e como <strong>de</strong>ssa relação uma nova cida<strong>de</strong> vai<br />

surgin<strong>do</strong>.<br />

Há nesta nova ativida<strong>de</strong> que surge uma referência às antigas ativida<strong>de</strong>s – sal e pesca –<br />

no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> valorizá-las como sen<strong>do</strong> o que há <strong>de</strong> mais legítimo, A i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> local.<br />

Contu<strong>do</strong>, o que se vê é que esta nova ativida<strong>de</strong> só se estabelece efetivamente quan<strong>do</strong> tanto os<br />

personagens da velha cida<strong>de</strong>, seu mobiliário urbano e seus lugares <strong>de</strong> memória – que são<br />

apresenta<strong>do</strong>s como sen<strong>do</strong> a justificativa por ser aquele um <strong>de</strong>stino turístico – fenecem. O<br />

antigo precisa “morrer” para que a nova ativida<strong>de</strong> se estabeleça sob um novo signo – o da<br />

beleza natural.<br />

O que resta das múltiplas ativida<strong>de</strong>s anteriores que em Cabo Frio se <strong>de</strong>senvolveram ao<br />

longo <strong>de</strong> sua história e que durante muito tempo foram responsáveis por sua existência<br />

econômica e por sua auto-imagem são as suas diversas representações, elementos <strong>de</strong> uma<br />

memória 1 cantada por aqueles que buscam preservar um passa<strong>do</strong> e uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> que se<br />

quer estável <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um universo em profunda ebulição. É neste cenário que o turismo se<br />

estabelece.<br />

Entre as ativida<strong>de</strong>s aqui citadas e <strong>de</strong>senvolvidas na região o sal foi com certeza a <strong>de</strong><br />

maior relevância até a década <strong>de</strong> 1970.<br />

A indústria salineira assume um papel importantíssimo na economia <strong>do</strong> município<br />

fluminense <strong>de</strong> Cabo Frio, sen<strong>do</strong> mesmo gera<strong>do</strong>ra <strong>de</strong>, aproximadamente, sessenta<br />

por cento (60%) da receita municipal, concorren<strong>do</strong> com as rendas advindas da<br />

promissora indústria <strong>de</strong> turismo que praticamente completa o orçamento <strong>do</strong><br />

município. (B ARBIERI,1975: 7) (grifo meu)<br />

1 A produção memorialista <strong>de</strong> Cabo Frio e região é pródiga em ressaltar a beleza e a importância <strong>do</strong><br />

passa<strong>do</strong> local.


Já a partir <strong>de</strong> 1959 po<strong>de</strong>mos perceber a expressão <strong>de</strong> uma preocupação efetiva por<br />

parte <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r público com relação ao turismo. É neste momento que aparecem as primeiras<br />

resoluções 2 da Câmara <strong>de</strong> Verea<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Município no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> criar órgãos que se<br />

ocupassem diretamente <strong>de</strong>sta nova ativida<strong>de</strong> econômica. Os órgãos cria<strong>do</strong>s vão se ocupar<br />

tanto da ativida<strong>de</strong> turística, quanto <strong>do</strong> reor<strong>de</strong>namento urbano da cida<strong>de</strong>. Estas duas ativida<strong>de</strong>s<br />

fun<strong>de</strong>m-se numa só e o turismo passa a <strong>de</strong>sfrutar <strong>de</strong> um status que as <strong>de</strong>mais ativida<strong>de</strong>s<br />

econômicas existentes na cida<strong>de</strong>, até então, não possuíam. Tal reor<strong>de</strong>namento passa a ser, ao<br />

contrário <strong>do</strong> que ocorria antes, uma necessida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que a cida<strong>de</strong> se adapte a esta nova<br />

ativida<strong>de</strong> e não a ativida<strong>de</strong> à cida<strong>de</strong>. Inferimos daí que o que é leva<strong>do</strong> em consi<strong>de</strong>ração para a<br />

viabilização <strong>de</strong>sta nova ativida<strong>de</strong> econômica não são os aspectos culturais, o passa<strong>do</strong> colonial<br />

ou toda a história da cida<strong>de</strong>. O turismo se apresenta como algo novo, uma ativida<strong>de</strong> que<br />

rompe com o passa<strong>do</strong> e no qual o aspecto antigo da cida<strong>de</strong> seus espaços <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> e <strong>de</strong><br />

produção da riqueza, até então, não aten<strong>de</strong>m às suas novas necessida<strong>de</strong>s. O turismo representa<br />

o mo<strong>de</strong>rno, em oposição ao antigo representa<strong>do</strong> pela pesca e pelas salinas, se impon<strong>do</strong><br />

economicamente e se sobrepon<strong>do</strong> espacialmente na cida<strong>de</strong>.<br />

A resolução nº33 <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1959 criou a Comissão Municipal <strong>de</strong><br />

Planejamento e Turismo <strong>de</strong> Cabo Frio – COMUPLATUR – O artigo 8º <strong>de</strong>sta resolução afirma<br />

que “a COMUPLATUR será um órgão consultivo e coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>r po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> através <strong>de</strong> seus<br />

técnicos, (...), apreciar (...) trabalho sobre ante-projeto <strong>de</strong> leis, posturas, plano diretor, pedi<strong>do</strong>s<br />

<strong>de</strong> licenças <strong>de</strong> edificação, loteamentos, etc.”. Menos <strong>de</strong> um mês <strong>de</strong>pois, em 19 <strong>de</strong> novembro<br />

<strong>de</strong> 1959, a resolução <strong>de</strong> nº 39 criou o Departamento Municipal <strong>de</strong> Turismo. O curto espaço <strong>de</strong><br />

tempo entre as duas resoluções <strong>de</strong>monstra a preocupação que passou a existir com esta nova<br />

ativida<strong>de</strong>. Em 13 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1962 uma nova resolução é aprovada. Esta é a mais específica<br />

das três e a sua redação <strong>de</strong>ixa claro que o perío<strong>do</strong> <strong>do</strong> ‘ama<strong>do</strong>rismo’ 3 com relação ao turismo<br />

chegara ao fim. Esta resolução cria o Departamento <strong>de</strong> Turismo <strong>de</strong> Cabo Frio – DTCF – O<br />

art. 5º <strong>de</strong>sta resolução se esten<strong>de</strong> por sete parágrafos em que o po<strong>de</strong>r público coloca sob a<br />

responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste novo órgão toda a elaboração <strong>do</strong> Plano Diretor Municipal on<strong>de</strong> ele<br />

<strong>de</strong>veria:<br />

2 Ver as resoluções da Câmara <strong>de</strong> Cabo Frio <strong>de</strong> nº 33 e nº 39 <strong>de</strong> 1959 e a <strong>de</strong> nº 15 <strong>de</strong> 1962.<br />

3 As resoluções anteriores (23 e 39 <strong>de</strong> 1959) tratam o assunto <strong>de</strong> uma maneira muito vaga, não fica claro<br />

quem são as pessoas que irão atuar nos órgãos cria<strong>do</strong>s e nem tampouco que cargos elas ocupariam. No nosso<br />

enten<strong>de</strong>r elas, ao mesmo tempo em que representam uma preocupação efetiva, <strong>de</strong>monstram um imenso<br />

<strong>de</strong>sconhecimento <strong>de</strong>sta nova ativida<strong>de</strong> que estava se impon<strong>do</strong>.


(...) apreciar e opinar sobre to<strong>do</strong>s os projetos <strong>de</strong> urbanização loteamentos<br />

particulares e municipais, obras públicas, balneários, hotéis, parque ou qualquer<br />

realização que implique no embelezamento, <strong>de</strong>fesa paisagística da cida<strong>de</strong> e <strong>do</strong><br />

município <strong>de</strong> Cabo Frio, as quais <strong>de</strong>verão ser obrigatoriamente submetidas à<br />

aprovação <strong>do</strong> DTCF.<br />

A presença <strong>de</strong> representantes tanto da Associação Rural, quanto da Associação<br />

Comercial da cida<strong>de</strong> neste novo órgão <strong>de</strong>ixa claro a importância <strong>de</strong>sta nova ativida<strong>de</strong> para as<br />

<strong>de</strong>mais <strong>de</strong>senvolvidas no município até então. A partir daí, e ao longo das décadas <strong>de</strong> 1960 e<br />

1970, o turismo passou a conviver com a produção <strong>de</strong> sal e a dividir com esta o status <strong>de</strong><br />

principal ativida<strong>de</strong> econômica <strong>do</strong> município. Contu<strong>do</strong>, ainda que a produção <strong>de</strong> sal servisse<br />

como propaganda turística e que a imagem <strong>do</strong>s moinhos <strong>de</strong> vento e das pirâmi<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sal<br />

fossem utilizadas para seduzir o turista, po<strong>de</strong>mos perceber que estas duas ativida<strong>de</strong>s passaram<br />

a trilhar caminhos opostos. Enquanto o turismo foi se consolidan<strong>do</strong> como principal ativida<strong>de</strong><br />

econômica da região, o sal foi fazen<strong>do</strong> um percurso inverso e anuncian<strong>do</strong> o seu <strong>de</strong>clínio.<br />

Estas duas ativida<strong>de</strong>s iriam mostrar-se, por fim, incompatíveis <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> território<br />

cabofriense. As importantes áreas <strong>de</strong> salinas a beira da lagoa passaram a ser <strong>de</strong>sejadas e<br />

disputadas pela indústria <strong>do</strong> turismo que passou, então, a agir como ativida<strong>de</strong> predatória da<br />

indústria salineira.<br />

Até a década <strong>de</strong> 1950, foi possível a convivência <strong>de</strong> visitantes e poucos veranistas<br />

com as indústrias da Lagoa e o comércio local. (...) Posteriormente, o merca<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

terras e <strong>de</strong> construção civil, já agora em toda a orla da Lagoa e particularmente em<br />

Cabo Frio, passou a sofrer a influência das gran<strong>de</strong>s empresas <strong>de</strong> âmbito estadual.<br />

(...) O preço da terra torna menos vantajosa, a cada instante, a ativida<strong>de</strong> salineira.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, o interesse em impulsionar o processo <strong>de</strong> urbanização da orla da<br />

lagoa chocava-se, num certo senti<strong>do</strong> com a manutenção das salinas. A ativida<strong>de</strong><br />

extrativista <strong>do</strong> sal, mais <strong>do</strong> que a pesca, exige justamente terrenos amplos na<br />

própria margem. (...) O sal <strong>de</strong>clina sob o sol. Ao contrário <strong>do</strong> que ocorre com<br />

Macau, a estrutura urbana cerceia as salinas e o crescimento turístico e imobiliário<br />

envolve, irremediavelmente, a velha exploração <strong>do</strong> sal. (BEAUCLAIR, 1993).<br />

A indústria salineira, <strong>de</strong>ssa forma, sofreu diretamente os efeitos da ativida<strong>de</strong> turística.<br />

Contu<strong>do</strong>, para que possamos enten<strong>de</strong>r melhor como a relação entre estas duas ativida<strong>de</strong>s<br />

extrapola a dimensão econômica e age diretamente sobre a percepção que as pessoas <strong>do</strong> lugar<br />

tem sobre elas mesmas, é necessário que possamos compreen<strong>de</strong>r alguns aspectos peculiares<br />

da dinâmica populacional <strong>de</strong> Cabo Frio e o isolamento relativo a que o município estava<br />

exposto até o final da década <strong>de</strong> 1930.


Mesmo quan<strong>do</strong> ainda não respondia economicamente <strong>de</strong> forma significativa para as<br />

receitas <strong>do</strong> município o turismo já começava a influir diretamente na organização <strong>de</strong>ste e a<br />

interferir no <strong>de</strong>senvolvimento das <strong>de</strong>mais ativida<strong>de</strong>s na medida em que passava a ‘<strong>de</strong>senhar’<br />

uma cida<strong>de</strong> que viria a se adaptar às suas necessida<strong>de</strong>s e não o contrário. Num perío<strong>do</strong> em que<br />

a ativida<strong>de</strong> turística dava seus primeiros passos como ‘indústria’, tanto o po<strong>de</strong>r público como<br />

a iniciativa privada na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cabo Frio ressaltavam exatamente as condições climáticas e<br />

a beleza natural <strong>do</strong> lugar. Estes elementos viriam a ser a base <strong>de</strong> toda a ativida<strong>de</strong> turística da<br />

cida<strong>de</strong>, enquanto o sal e a cultura caiçara 4 iam paulatinamente <strong>de</strong>saparecen<strong>do</strong>. É essa<br />

‘maravilhosa natureza’ citada em um relatório <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> 5 que é apresentada pelo po<strong>de</strong>r<br />

público municipal para justificar uma suposta ‘vocação natural’ da cida<strong>de</strong> para o turismo.<br />

Nesse senti<strong>do</strong> o turismo passa a ser associa<strong>do</strong> à natureza local como se ele, ao contrário das<br />

<strong>de</strong>mais ativida<strong>de</strong>s econômicas, não fosse historicamente construí<strong>do</strong>. Mais que isso, as <strong>de</strong>mais<br />

ativida<strong>de</strong>s econômicas <strong>do</strong> município são por diversas vezes mencionadas, mas sub-<br />

valorizadas, as principais referências <strong>de</strong>sta nova ativida<strong>de</strong> econômica não são as tradições, os<br />

costumes ou a economia local, a principal marca da ativida<strong>de</strong> turística <strong>do</strong> município passa a<br />

ser a praia e o sol e estes, ao mesmo tempo que representam o novo, são apresenta<strong>do</strong>s como<br />

ten<strong>do</strong> sempre esta<strong>do</strong> ali.<br />

Um <strong>do</strong>s slogans turísticos da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cabo Frio encontra<strong>do</strong> em alguns folhetos <strong>de</strong><br />

propaganda era “Em Cabo Frio o forte é o sol”. O texto, bastante simples, parece querer<br />

construir num jogo <strong>de</strong> palavras uma idéia on<strong>de</strong> o ‘forte’ <strong>do</strong> texto é uma referência a um <strong>do</strong>s<br />

principais monumentos da cida<strong>de</strong> – o Forte <strong>de</strong> São Mateus – (presente inclusive no brasão <strong>do</strong><br />

município). Mais que um monumento o Forte é uma referência quase que obrigatória para os<br />

turistas (posto que fica localiza<strong>do</strong> na principal praia da cida<strong>de</strong>) e um ‘lugar <strong>de</strong> memória’ 6 <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong> importância para os cabofrienses. Contu<strong>do</strong>, ao mesmo tempo em que cita tão<br />

importante monumento, o texto <strong>de</strong>ixa claro que para a municipalida<strong>de</strong> e para o empresaria<strong>do</strong><br />

liga<strong>do</strong> ao turismo, o forte não é o Forte, mas sim o Sol. Ou seja, o forte não é a tradição, a<br />

4 O termo caiçara é aqui utiliza<strong>do</strong> no senti<strong>do</strong> emprega<strong>do</strong> por Maria Luiza Marcílio em – Caiçara, Terra e<br />

População: Estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Demografia Histórica e da <strong>História</strong> Social <strong>de</strong> Ubatuba – São Paulo:Edusp, 2006 (2ªed.).<br />

Tanto as entrevistas realizadas para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sta dissertação quanto a bibliografia da região apontam<br />

para uma gran<strong>de</strong> semelhança na forma <strong>de</strong> organização das comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pesca<strong>do</strong>res <strong>de</strong> Cabo Frio com aquelas<br />

<strong>de</strong>scritas no trabalho da autora.<br />

5 Ver (HANSSEN, 1988: 157)<br />

6 A categoria ‘lugar <strong>de</strong> memória’ é aqui utilizada no senti<strong>do</strong> emprega<strong>do</strong> por Pierre Nora. Ver NORA,<br />

Pierre. Entre memória e história: a problemática <strong>do</strong>s lugares. São Paulo, Projeto <strong>História</strong> – Revista <strong>do</strong> programa<br />

<strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s pós-gradua<strong>do</strong>s em <strong>História</strong> e <strong>do</strong> Departamento <strong>de</strong> <strong>História</strong>. V. 10, 1993.


história ou a cultura local, o forte é uma nova tradição que começa aí a ser construída e que<br />

ten<strong>de</strong> a legitimar tu<strong>do</strong> aquilo que se busca fazer a partir <strong>de</strong> então. Com esta propaganda, o<br />

turismo sintetiza o rompimento com um passa<strong>do</strong> e com uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> construída ao longo<br />

da <strong>História</strong> secular <strong>do</strong> município passan<strong>do</strong> a constituir uma nova i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>.<br />

Junte-se a isso o relativo isolamento a Cabo Frio esteve submeti<strong>do</strong> até o final da<br />

década <strong>de</strong> 1930 e iremos começar a ver um choque entre o velho e o novo <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> espaço<br />

urbano cabofriense.<br />

(...) Ia-se a Cabo Frio por mar. Barcos que tinham vin<strong>do</strong> ao Rio com sal ou com<br />

peixe, na volta <strong>de</strong> boa vonta<strong>de</strong> levavam passageiros. Não sei dizer, hoje, se tal<br />

prática era proibida pela Capitania <strong>do</strong> Porto, se a ativida<strong>de</strong> era clan<strong>de</strong>stina ou não.<br />

As embarcações entravam e saíam sistematicamente pelo canal recém aberto,<br />

abastecen<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> sal sobretu<strong>do</strong> as cida<strong>de</strong>s situadas mais ao sul <strong>do</strong> país. Mas nem a<br />

indústria salineira nem o que chamamos indústria <strong>do</strong> turismo progrediam como<br />

seria <strong>de</strong> se esperar e <strong>de</strong>sejar. (HANSSEN, 1988:207)<br />

Assim, ainda que a indústria salineira <strong>de</strong> Cabo Frio fosse vigorosa e <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

importância para o município, a região, o esta<strong>do</strong> e mesmo <strong>de</strong> fundamental importância para<br />

boa parte <strong>do</strong> Brasil (para on<strong>de</strong> o sal era vendi<strong>do</strong>) ela possuía limites claros, que apontavam<br />

para uma estagnação populacional e para o <strong>de</strong>crescimento da região.<br />

Como não havia outras alternativas econômicas que pu<strong>de</strong>ssem atrair as pessoas à Cabo<br />

Frio até então, e da<strong>do</strong> o isolamento físico que havia até o final da década <strong>de</strong> 1930, quan<strong>do</strong> o<br />

ramal da Estrada <strong>de</strong> Ferro Maricá finalmente chegou à cida<strong>de</strong> 7 , Cabo Frio mantinha suas<br />

características peculiares, sen<strong>do</strong> consi<strong>de</strong>rada como pouco mais que uma vila <strong>de</strong> pesca<strong>do</strong>res.<br />

Além da via marítima havia a lacustre, esta principalmente para o transporte <strong>do</strong> sal<br />

pela Lagoa <strong>de</strong> Araruama, mas utilizada também para o transporte <strong>de</strong> passageiros, ainda que as<br />

condições <strong>de</strong>ste transporte não fossem muito melhores <strong>do</strong> que a <strong>de</strong>scrita anteriormente. É<br />

novamente Hanssen quem nos dá uma idéia <strong>de</strong> como era penosa a viagem para a capital –<br />

Niterói – e, ao mesmo tempo, <strong>de</strong>ixa claro o quanto Cabo Frio encontrava-se isola<strong>do</strong> <strong>do</strong> resto<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.<br />

(...) Não se po<strong>de</strong> afirmar que no início a via férrea, alcançan<strong>do</strong> Iguaba Gran<strong>de</strong>,<br />

tenha proporciona<strong>do</strong> gran<strong>de</strong> facilida<strong>de</strong> aos mora<strong>do</strong>res [<strong>de</strong> Cabo Frio] quan<strong>do</strong><br />

tinham que ir a Niterói. Para chegar à estação faziam <strong>de</strong> barco o percurso <strong>de</strong> Cabo<br />

Frio a Iguaba [pelo canal <strong>do</strong> Itajuru até a Lagoa <strong>de</strong> Araruama]. Queren<strong>do</strong> tomar o<br />

7 Ten<strong>do</strong> chega<strong>do</strong> à Iguaba Gran<strong>de</strong> em 1913, o último trecho da Estrada <strong>de</strong> Ferro Maricá, ligan<strong>do</strong> Iguaba<br />

Gran<strong>de</strong>, distrito <strong>de</strong> São Pedro da Al<strong>de</strong>ia à Cabo Frio só foi inaugura<strong>do</strong> em 1936. Até esta data só se chegava ou<br />

saía <strong>de</strong> Cabo Frio <strong>de</strong> barco, pelo mar ou através da Lagoa <strong>de</strong> Araruama. A via marítima, única possível até então,<br />

aumentava o isolamento <strong>de</strong> seus mora<strong>do</strong>res.


trem que partiria às sete horas da manhã para Neves – e praticamente não havia<br />

outro em horário que conviesse – tinham que sair <strong>de</strong> casa às três horas da<br />

madrugada, pois o trecho por água era bem longo e não isento <strong>de</strong> perigo em dias <strong>de</strong><br />

forte ventania. (HANSSEN, 1988:180).<br />

Em função <strong>de</strong>ste isolamento relativo, a estrutura urbana <strong>de</strong> Cabo Frio pouco se<br />

modificara até a primeira meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> século XX e as características <strong>de</strong> uma pequena cida<strong>de</strong><br />

colonial se mantinham quase inalteradas. Em sua obra, Cabo Frio nossa terra, nossa<br />

gente..., Hilton Massa, assim a <strong>de</strong>screve:<br />

(...)Nos alvores <strong>do</strong> século XIX, Cabo Frio, planta<strong>do</strong> à margem <strong>do</strong> Itajuru, tinha seu<br />

aspecto pitoresco. Mais parecia uma cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> bonecas. Casas muito pequenas,<br />

cobertas <strong>de</strong> telhas, porém muito baixas, <strong>de</strong>bruçadas <strong>de</strong>ntro da lagoa, constituíam o<br />

que logo se chamou Rua da Praia, on<strong>de</strong> a água chegava quase à soleira das portas:<br />

Ainda hoje [1967], quem <strong>de</strong>sce pela ponte Feliciano Sodré assiste ao soberbo<br />

espetáculo daquelas casas pequeninas, caiadas, miran<strong>do</strong>-se <strong>de</strong>ntro das águas<br />

correntes <strong>do</strong> canal, se bem que violentadas pela presença ostensiva <strong>do</strong>s primeiros<br />

edifícios que contaminam a praça principal (MASSA, 1996: 93).<br />

A permanência das características urbanas eram acompanhadas também pela<br />

permanência <strong>do</strong>s costumes e características locais. A principal ativida<strong>de</strong> econômica – o sal –<br />

podia ser observada, ainda em 1967, em quase to<strong>do</strong> o município:<br />

As salinas que [Bento José Ribeiro] construíra [em 1930] multiplicaram-se<br />

extraordinariamente por toda parte. Se lhe fosse da<strong>do</strong> contemplar, hoje, <strong>do</strong> alto <strong>do</strong><br />

Morro da Guia, as sentinelas brancas <strong>de</strong> montículos <strong>de</strong> sal, postadas em todas as<br />

direções, a per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista, sentiria, por certo, a emoção in<strong>de</strong>scritível <strong>do</strong>s que<br />

concorrem, com uma parcela <strong>do</strong> seu trabalho, para o bem-estar da coletivida<strong>de</strong>.<br />

(MASSA, 1996)<br />

De acor<strong>do</strong> com os da<strong>do</strong>s <strong>de</strong>mográficos referentes ao município <strong>de</strong> Cabo Frio, po<strong>de</strong>mos<br />

perceber que a partir <strong>do</strong> fim <strong>do</strong> século XIX há uma variação bastante gran<strong>de</strong> no quantitativo<br />

populacional. Isso ocorre <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a virada <strong>do</strong> século XIX para o XX e nas primeiras décadas <strong>do</strong><br />

XX. Somente a partir da década <strong>de</strong> 1960 passa-se a registrar um crescimento sistemático e<br />

vigoroso da população.<br />

A variação irregular da população, apresentan<strong>do</strong> inclusive um <strong>de</strong>créscimo<br />

populacional na virada <strong>do</strong> século XIX para o século XX e na década <strong>de</strong> 1940, sugerem que a<br />

cida<strong>de</strong>, à época, não exercia um gran<strong>de</strong> atrativo às pessoas da região e nem mesmo a seus<br />

habitantes. Acreditamos que isso se <strong>de</strong>via, entre outros fatores, ao fato da sua principal<br />

ativida<strong>de</strong> econômica – o sal – ser extremamente restrita até este momento:


Em termos competitivos, quan<strong>do</strong> comparadas à região salineira <strong>do</strong> Nor<strong>de</strong>ste, as<br />

salinas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio apresentam uma redução <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong> tanto<br />

quantitativa quanto qualitativamente, não só em função das dimensões reduzidas da<br />

área <strong>do</strong> parque salineiro, mas, principalmente, em razão das condições climáticas<br />

menos favoráveis, as quais, além <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar menor produção por hectare, se<br />

responsabilizam pela qualida<strong>de</strong> algo inferior <strong>do</strong> produto. Enquanto no Nor<strong>de</strong>ste a<br />

área <strong>do</strong> parque salineiro atinge a 233.100.000 metros quadra<strong>do</strong>s, no Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio<br />

a área utilizada pelas salinas é <strong>de</strong> apenas 22.210.837 metros quadra<strong>do</strong>s, excluin<strong>do</strong><br />

as que funcionam como refinarias e que ocupam 15.192.081 metros quadra<strong>do</strong>s.<br />

(BARBIÉRI, 1975: 23-4).<br />

Os da<strong>do</strong>s apresenta<strong>do</strong>s por Barbiéri em 1975 se referem ao perío<strong>do</strong> entre 1961 e 1972,<br />

mas não há motivos para supor que esta situação fosse diferente e que o parque salineiro fosse<br />

maior nas primeiras décadas <strong>do</strong> século XX. Nos Estu<strong>do</strong>s sobre o Sal organiza<strong>do</strong> pela<br />

Comissão Executiva <strong>do</strong> Sal temos que “(...) posteriormente veio um perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência,<br />

quan<strong>do</strong> o Brasil começou a importar sal. Esta situação durou até a criação <strong>do</strong> Instituto<br />

Nacional <strong>do</strong> Sal em 1940.”<br />

As transformações ocorridas na cida<strong>de</strong> e as suas conseqüências sobre a população<br />

local são aspectos que ainda estão sen<strong>do</strong> vistos e analisa<strong>do</strong>s por nós, mas parece claro que o<br />

papel que o turismo assume na região é a chave para enten<strong>de</strong>rmos as mudanças físicas e<br />

i<strong>de</strong>ntitárias ocorridas em Cabo Frio.<br />

Referências bibliográficas:<br />

BARBIÉRI, Evandro Biassi. Ritmo climático e extração <strong>do</strong> sal em Cabo Frio –<br />

Separata da Revista Brasileira <strong>de</strong> Geografia: ano 37, nº 4 – IBGE<br />

BIDEGAIN, Paulo. Lagoa <strong>de</strong> Araruama – Perfil Ambiental <strong>do</strong> maior ecossistema<br />

lagunar hipersalino <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> – Rio <strong>de</strong> Janeiro: Semads, 2002.<br />

HANSSEN, Guttorm. Cabo Frio: <strong>do</strong>s Tamoios à Álcalis – Rio <strong>de</strong> Janeiro: Edições<br />

Achiamé Ltda., 1988.<br />

MASSA, Hilton. Cabo Frio: Nossa Terra, Nossa Gente... – Rio <strong>de</strong> janeiro:<br />

DINIGRAF, 2ª ed., 1996.

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