Fernando Negrão - ANBP
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Alto Risco 8 Abril de 2011<br />
Jornal da Associação Nacional dos Bombeiros Profissionais<br />
Jornal da Associação Nacional dos Bombeiros Profissionais<br />
entrevista<br />
“O que conta é<br />
termos nos bombeiros<br />
profissionalizados<br />
uma referência para<br />
todo o sistema”<br />
<strong>Fernando</strong> <strong>Negrão</strong> é vice-presidente do Grupo Parlamentar do Partido Social<br />
Democrata e o interlocutor do partido com a Associação Nacional de Bombeiros<br />
Profissionais na abordagem dos problemas que afectam a protecção civil.<br />
Em relação ao sector, <strong>Fernando</strong> <strong>Negrão</strong> apela à necessidade de ouvir quem<br />
está no terreno e à contenção de meios e custos, em época de crise.<br />
Como encara o momento que o sector<br />
dos bombeiros e da protecção civil<br />
atravessa? Necessita de ser reestruturado?<br />
Este sector é caracterizado pela palavra<br />
“dispersão”. Senão, vejamos: seis<br />
corpos de bombeiros, dois corpos de<br />
protecção civil, três ramos das Forças<br />
Armadas que intervêm na protecção<br />
civil, três ramos das Forças Armadas<br />
que intervêm na protecção civil, seis<br />
redes distintas da prestação de cuidados<br />
médicos da emergência e quatro<br />
fornecedores de meios aéreos. A estes<br />
podemos acrescentar “actores” adjacentes<br />
como autarquias e governos civis,<br />
reboques da GNR, PSP, privados, INAC,<br />
Sistema da Autoridade Marítima, con-<br />
cessionários de auto-estradas, Estradas<br />
de Portugal e outras.<br />
O desafio na modernização deste sector<br />
passa, em primeiro lugar, por uma<br />
maior capacidade de ouvir quem está<br />
no “terreno”, colher a sua sensibilidade<br />
e opinião e, num segundo momento,<br />
introduzir s cultura de coordenação de<br />
modo a avançar para uma reorganização<br />
do sector que anule as duplicações<br />
e excessos e aumente a eficácia, sempre<br />
tendo em conta o momento difícil que<br />
atravessamos e a necessidade de uma<br />
contenção rigorosa de meios e custos.<br />
Como avalia o funcionamento dos<br />
planos de emergência municipais? E<br />
o trabalho dos serviços municipais de<br />
protecção civil?<br />
Estes planos são um instrumento<br />
da maior importância na definição do<br />
modo de actuação dos vários organismos<br />
e serviços e estruturas a empenhar<br />
em operações de protecção civil a nível<br />
local. Devem igualmente permitir antecipar<br />
cenários susceptíveis de desenvolver<br />
um acidente grave ou catástrofe,<br />
definindo a estrutura organizacional<br />
nos procedimentos para uma resposta<br />
adequada. Devem tender a ser considerados<br />
como a base do sistema. É prioritário<br />
um maior e melhor envolvimento<br />
de todos os municípios na elaboração<br />
dos seus planos numa perspectiva téc-<br />
nica sólida, exprimindo um conjunto<br />
de medidas, normas, procedimentos e<br />
missões, destinados a dar uma resposta<br />
cada vez mais adequada às populações.<br />
Considera que o modelo de socorro<br />
seguido até agora - que se baseia<br />
na resposta do voluntariado - poderá<br />
acabar a curto/médio prazo?<br />
O voluntariado nos bombeiros existe<br />
no nosso país há mais de seis séculos<br />
e espalhado por todo o território. Direi<br />
mesmo que tem sido, e é, um elemento<br />
congregador das populações e especialmente<br />
nos momentos mais difíceis, o<br />
que, levando ao aumento dos laços de<br />
solidariedade, contribui para a coesão<br />
<strong>Fernando</strong> Mimoso <strong>Negrão</strong> nasceu a 29 de<br />
Novembro de 1955, em Angola. É licenciado em Direito, pela<br />
Universidade de Lisboa. Foi oficial da Força Aérea Portuguesa,<br />
advogado, magistrado judicial, director-geral da Polícia<br />
Judiciária e presidente do Conselho de Administração do<br />
Instituto da Droga e da Toxicodependência. Foi Ministro da<br />
Segurança Social, da Família e da Criança do XVI Governo<br />
Constitucional, chefiado por Pedro Santana Lopes. Foi candidato<br />
do PSD nas eleições autárquicas de 2005, à Câmara<br />
Municipal de Setúbal, e nas eleições intercalares de 2007, à<br />
Câmara Municipal de Lisboa. É Deputado da Assembleia da<br />
República, desde 2009.<br />
social. Isto não exclui, de forma alguma,<br />
a componente profissional, que se deva<br />
constituir como uma “locomotiva” de<br />
todo o sistema e como um exemplo da<br />
grande qualidade técnica e dedicação e<br />
abnegação profissional como, aliás, assim<br />
o tem demonstrado.<br />
Como encara a profissionalização<br />
do sector dos bombeiros?<br />
O país não necessita da profissionalização<br />
dos seus bombeiros, o que acontece<br />
não só por razões de custos, como<br />
também por uma tradição de centenas<br />
de anos. Olhando para o mapa nacio-<br />
nal, tendo a dizer que será necessária<br />
uma maior profissionalização nos concelhos<br />
que comportam maiores riscos.<br />
Mas o que verdadeiramente conta é termos<br />
nos bombeiros profissionalizados<br />
uma referência e um exemplo para todo<br />
o sistema. Ou seja, deve constituir-se<br />
como uma espécie de “núcleo duro”<br />
da eficácia e que, melhor que ninguém,<br />
saberá como efectivar a tão necessária<br />
coordenação entre os demais intervenientes.<br />
Os níveis de formação ministrados<br />
aos bombeiros deverão ser reavaliados?<br />
A formação dos bombeiros deverá<br />
ser adequada ao desempenho das funções<br />
que são cada vez mais técnicas e<br />
com maior exigência, seja ao nível de<br />
combate aos incêndios florestais, seja<br />
no que respeita à emergência e transporte<br />
de doentes.<br />
É preciso dar à Escola Nacional de<br />
Bombeiros um papel mais activo, pondo-a<br />
o serviço do sector e das suas maiores<br />
necessidades. A esta Escola cabe a<br />
responsabilidade de termos bombeiros<br />
cada vez melhores. Por isso, a ela cabe<br />
igualmente um bom conhecimento do<br />
sector a nível nacional, a fim de intervir<br />
na respectiva formação devidamente<br />
fundamentada.<br />
Este ano vão haver cortes orçamentais<br />
no dispositivo de combate a<br />
incêndios. Que riscos é que esta contenção<br />
poderá trazer para o país?<br />
Estamos todos conscientes de que<br />
atravessamos uma situação calamitosa<br />
no que respeita às contas públicas e<br />
que, necessariamente, se reflecte em<br />
todas as áreas. No entanto, e embora<br />
não dispondo de toda a informação,<br />
espera-se obviamente que os cortes que<br />
incidem no dispositivo operacional, não<br />
coloquem em risco o sucesso no combate<br />
aos incêndios.<br />
Para além de falta de meios aéreos,<br />
há também falta de efectivos, e nas<br />
principais cidades do país. Essa foi<br />
uma das conclusões do Congresso dos<br />
Bombeiros Profissionais. De forma é<br />
que isso pode afectar o combate aos<br />
incêndios?<br />
Ouvi o presidente da Associação<br />
Nacional de Bombeiros Profissionais<br />
dizer que na totalidade, são 10 mil<br />
bombeiros e que faltam alguns elementos.<br />
Nós vivemos numa altura<br />
em que as restrições financeiras são<br />
terríveis. E nesse sentido, temos que<br />
ponderar onde podemos investir mais,<br />
com menos recursos e mais eficácia:<br />
se é na coordenação e maior gestão<br />
dos meios, ou num aumento de efectivos.<br />
Isto quase tem que ser estudado<br />
caso a caso. As contas públicas em<br />
Portugal estão escandalosamente mal<br />
e não há dinheiro.<br />
Uma das conclusões do 10º Congresso<br />
dos Bombeiros Profissionais,<br />
prendeu-se com uma certa falta de<br />
articulação entre o poder central e os<br />
municípios para reforçar os efectivos.<br />
Que alterações é que deveriam ser feitas?<br />
Há uma coisa de que se fala muito<br />
em bombeiros e que é o comando. E<br />
olhando para toda a estrutura da protecção<br />
civil, esquecemo-nos de uma<br />
outra palavra que é “coordenação”. Primeiro<br />
devemos pensar em coordenação,<br />
porque sem uma boa coordenação não<br />
há um bom comando. E apostar na coordenação<br />
até para reformular a cultura<br />
que existe nesta área.<br />
Alto Risco<br />
Abril de 2011 9<br />
Como tem sido lidar com o sector<br />
da protecção civil?<br />
Tem sido muito interessante e por<br />
duas razões: em primeiro, porque é um<br />
sector pouco conhecido da população.<br />
A forma como está organizado, como<br />
funciona e articula institucionalmente.<br />
Em segundo lugar, em termos de tutela<br />
não tem sido devidamente acarinhado.<br />
Não tem sido olhado com a importância<br />
que tem para a segurança dos portugueses.<br />
E aqui falo das acções de prevenção<br />
e intervenção. E não estamos só a falar<br />
de incêndios. As pessoas esquecem-se<br />
de um leque de competências imensas<br />
que estas estruturas têm. Temos que<br />
dar a conhecer as populações o trabalho<br />
que têm.<br />
A criação de uma secretaria de estado<br />
trouxe maior importância ao sector?<br />
Não lhe vou dizer se vai ou não haver<br />
uma Secretaria de Estado da Protecção<br />
Civil num governo PSD. O que lhe digo é<br />
que não noto que com a criação de uma<br />
secretaria de estado específica da protecção<br />
civil tenha havido alterações no funcionamento<br />
deste sector. Continuo a achar que<br />
não tem havido cuidado na articulação de<br />
todos os actores deste sistema. A continuar<br />
a existir uma secretaria de Estado, deveria<br />
ser muito mais pró-activa.<br />
E o que falhou?<br />
Deveriam ter sido ouvidos mais os<br />
actores deste sector e uma interacção<br />
maior entre a tutela e os actores do<br />
sector. Estamos a falar da questão da<br />
coordenação. Quando oiço os responsáveis<br />
políticos a falar só os oiço a falar<br />
de comando. E se insistirmos no termo<br />
Coordenação criamos uma cultura nova,<br />
de partilha, de não duplicarmos funções.<br />
O que poderia criar essa coordenação?<br />
A interacção e proximidade entre os<br />
a tutela e os actores do sector. Sentarmo-nos<br />
todos à mesa e procurarmos a<br />
solução.<br />
Para além da coordenação, que<br />
outras questões seriam importantes<br />
nesta área?<br />
A sensibilização das autarquias. São<br />
elas que tem a tutela directa dos bombeiros<br />
e por isso há aqui um trabalho<br />
de sensibilização que tem que ser feito.<br />
As autarquias têm a sua autonomia, é<br />
preciso respeitá-la, mas a persuasão é<br />
um trabalho que deve ser feito.<br />
Com que expectativa olha para o<br />
Verão que se avizinha?<br />
Com alguma preocupação. Houve<br />
um corte de 20%.Esperamos que (o<br />
dispositivo) seja constituído da melhor<br />
maneira possível e com o melhor critério<br />
de eficácia para evitar problemas<br />
graves como nos últimos anos. Apesar<br />
do corte, que se faça um esforço suplementar<br />
na eficácia.