Camille Claudel, a suplicante. Reflexões sobre um ... - Saúde Mental
Camille Claudel, a suplicante. Reflexões sobre um ... - Saúde Mental
Camille Claudel, a suplicante. Reflexões sobre um ... - Saúde Mental
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Vol<strong>um</strong>e X Nº1 Janeiro/Fevereiro 2008 Leituras / Readings<br />
seu atelier: coloca correntes nas portas, entaipa com tábuas<br />
o interior das janelas e põe armadilhas no chão. Em fins de<br />
1912 escreve: “Mal ponho o pé na rua, Rodin e o seu bando<br />
entram para me assaltar a casa. Todo o Quai de Bourbon está<br />
infestado deles.” [10]<br />
N<strong>um</strong>a das suas cartas chega a afirmar que pessoas enviadas<br />
por Rodin colocam veneno na sua comida: “Continuo doente<br />
por causa do veneno que tenho no sangue, tenho o corpo em<br />
brasas, é o hugonote Rodin que manda distribuir as doses<br />
porque espera herdar o meu atelier.” [11] Quando a mãe deixa<br />
de lhe enviar dinheiro, também é Rodin o culpado: “Sem qualquer<br />
pretexto, deixaram de repente de me mandar dinheiro,<br />
encontro-me de <strong>um</strong> dia para outro sem recursos, é a banda<br />
de Rodin que fez <strong>um</strong>a lavagem ao cérebro à minha mãe.” [12]<br />
No fim, o seu desespero atinge o clímax e, para evitar que lhe<br />
continuem a roubar e copiar as suas esculturas, acaba por<br />
destruir todas as obras e recusa-se a sair do atelier, recebendo<br />
os alimentos pela janela.<br />
3- Uma vida dedicada à escultura<br />
A figura de <strong>Camille</strong> <strong>Claudel</strong> foi recuperada a partir dos anos<br />
80, graças à retrospectiva organizada no início da década pelo<br />
Musée Rodin, e que coincidiu com o aparecimento do primeiro<br />
catálogo completo da obra da escultora.<br />
Neste processo de recuperação também ajudaram a realização<br />
do filme “<strong>Camille</strong> <strong>Claudel</strong>”, protagonizado por Isabelle Adjani<br />
e Gerard Depardieu, e a publicação da biografia romanceada<br />
“Une femme” [13] de Anne Delbée. Daí em diante, foram-se<br />
multiplicando as exposições, a última das quais decorreu no<br />
Outono do ano passado n<strong>um</strong>a pequena sala da Fundación<br />
Mapfre de Madrid, onde foi exibida, quase na sua totalidade, a<br />
sua obra. A primeira coisa que impressionava o visitante, para<br />
além da óbvia qualidade das obras, era o número reduzido<br />
de esculturas, que não devia ultrapassar as sessenta peças,<br />
muitas das quais eram subtis variações da mesma ideia.<br />
A mulher que nos deixou tão reduzida, embora apaixonante,<br />
herança nasceu em 1864 em Fère-en-Tardenois, na região da<br />
Picardie, perto de Paris.<br />
Filha de <strong>um</strong> funcionário público e da conservadora filha de <strong>um</strong><br />
rico médico rural, sentiu desde a infância <strong>um</strong> forte impulso<br />
natural para a escultura, o que a levou a usar os irmãos e as<br />
empregadas domésticas como primeiros modelos para as suas<br />
esculturas de barro. Assim foi surgindo <strong>um</strong>a galeria de retratos<br />
familiares: “A velha Helena” (busto de <strong>um</strong>a velha empregada da<br />
família, que suportou com infinita paciência horas intermináveis<br />
de pose); o busto da mãe, da irmã, e vários bustos do irmão,<br />
Paul <strong>Claudel</strong>, em diferentes fases da vida.<br />
A família <strong>Claudel</strong> apercebeu-se do autêntico valor dos trabalhos<br />
de <strong>Camille</strong>, quando recebeu a visita de Paul Dubois, Director<br />
da Escola Nacional de Belas Artes, que ficou impressionado<br />
pelo talento natural que demonstravam as obras esculpidas<br />
por aquela miúda promissora, que não tinha recebido nenh<strong>um</strong>a<br />
lição de modelagem ou desenho.<br />
As suas palavras, “Você recebeu aulas do Senhor Rodin!”,<br />
encontraram como única resposta o olhar interrogante de<br />
<strong>Camille</strong>, que desconhecia totalmente quem era o famoso<br />
“mestre Rodin” que tinha sido o inspirador das suas esculturas.<br />
Este comentário inocente acabaria, no entanto, por ter valor<br />
profético <strong>sobre</strong> o trágico destino que para ela iria ser, no futuro,<br />
tentar <strong>sobre</strong>viver na qualidade de “aluna de Rodin”, sem ser<br />
esmagada pela sombra do génio.<br />
Graças ao apoio incondicional do pai, e com a forte oposição<br />
da mãe, que via na inclinação da filha pela escultura, <strong>um</strong>a forma<br />
bizarra de rebeldia, consegue continuar a sua dedicação à arte<br />
do barro, da pedra e do metal.<br />
A história demonstra que a escultura, na sua concepção mais<br />
clássica (trabalho com pedra e barro), foi <strong>um</strong>a profissão de homens.<br />
Basta folhear o livro “Amazonas com pincel” [14] , escrito<br />
pela professora de Arte Contemporânea da Universidade de<br />
Barcelona Victoria Combalia, o qual tenta reconstruir, partindo<br />
de <strong>um</strong>a perspectiva feminista, o catálogo das grandes artistas<br />
existentes desde o século XVI até ao século XXI, e no qual<br />
apenas encontramos, junto ao nome de <strong>Camille</strong> <strong>Claudel</strong>, mais<br />
cinco nomes de escultoras praticamente desconhecidos para<br />
o público não especializado: Kathe Kollwitz, Germaine Richier,<br />
Barbara Hepworth, Louise Bourgeois e Niki de Saint Phalle.<br />
Na altura em que <strong>Camille</strong> <strong>Claudel</strong> começava a estudar em<br />
França, a entrada das mulheres estava proibida nas Escolas de<br />
Belas Artes, situação que obrigou a escultora a enveredar por<br />
<strong>um</strong> caminho alternativo, que implicava a aprendizagem n<strong>um</strong><br />
atelier compartilhado com outras duas mulheres, sob a supervisão<br />
de <strong>um</strong> professor de escultura de reconhecido prestígio.<br />
Foi desta forma que <strong>Camille</strong> conheceu Rodin, o qual, após ter<br />
sido o seu supervisor durante alg<strong>um</strong> tempo, a convidou para<br />
trabalhar no seu próprio atelier, para participar na realização<br />
da encomenda de “A porta do Inferno” e posteriormente de<br />
“Os burgueses de Calais”.<br />
47