30.04.2013 Views

Kléos, Revista de Filosofia Antiga - Programa de Estudos em ...

Kléos, Revista de Filosofia Antiga - Programa de Estudos em ...

Kléos, Revista de Filosofia Antiga - Programa de Estudos em ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

É POSSÍVEL SER CORAJOSO E JUSTO SEM SER SÁBIO?<br />

“daquilo que lhe concerne” (434c). O que será da corag<strong>em</strong> (a “virilida<strong>de</strong>”, na<br />

tradução <strong>de</strong> P. Pachet)? A questão é saber qual é “o el<strong>em</strong>ento da cida<strong>de</strong>” que<br />

lhe propicia a <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> corajosa (429a). Será a classe dos guardiões<br />

auxiliares “que guerreia e milita por ela”. Quer dizer que os outros “el<strong>em</strong>entos”<br />

são <strong>de</strong>sprovidos <strong>de</strong> corag<strong>em</strong>? Não é absolutamente isso o que escreve<br />

Platão, que se contenta <strong>em</strong> <strong>de</strong>stacar que a corag<strong>em</strong> ou a covardia dos “outros<br />

homens que estão nela” não têm o “po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> torná-la covar<strong>de</strong> ou corajosa”<br />

(429b). Em outras palavras, a corag<strong>em</strong> individual, “idiótica”, não é levada <strong>em</strong><br />

consi<strong>de</strong>ração porque se exerce na esfera privada. Claramente falando, a oposição<br />

aqui não se dá entre indivíduos <strong>de</strong>ntre os quais uns seriam bravos e outros<br />

não, mas entre classes cujas funções se difer<strong>em</strong>, isto é, entre o privado e o<br />

público. Velha oposição, que atravessa toda a cultura grega 36 . Platão lhe dá<br />

aqui um outro sentido. Tal como Péricles enten<strong>de</strong> a coisa, os interesses particulares<br />

(tà idía) po<strong>de</strong>m muito b<strong>em</strong> coexistir com o b<strong>em</strong> comum (tà koiná), com<br />

a condição <strong>de</strong> s<strong>em</strong>pre se apagar<strong>em</strong> diante <strong>de</strong>ste. Com essa condição satisfeita,<br />

o cidadão não é obrigado a nada, n<strong>em</strong> proibido <strong>de</strong> nada. Na cida<strong>de</strong> platônica,<br />

o cidadão, qualquer que seja a classe a que pertence, <strong>de</strong>ve ser t<strong>em</strong>perante e<br />

justo, tanto <strong>em</strong> particular como no exercício da cidadania. Não há distinção<br />

aqui entre privado e público, visto que a t<strong>em</strong>perança e a justiça condicionam a<br />

existência da homonoía, da concórdia que o Sócrates <strong>de</strong> Xenofonte dirá que é<br />

“o maior <strong>de</strong> todos os bens”: s<strong>em</strong> ela, acrescentará ele, “nenhuma cida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>ria<br />

ser b<strong>em</strong> governada” 37 . A t<strong>em</strong>perança, porque é ela que, por trás das diferenças<br />

<strong>de</strong> natureza (força, número, inteligência) ou <strong>de</strong> condição (riqueza, pobreza),<br />

faz os cidadãos cantar<strong>em</strong> a uma só voz (xynai<strong>de</strong>în, xymphoneîn), “<strong>em</strong> harmonia”<br />

(dià pasôn) 38 . Nada <strong>de</strong> guerra civil, nada <strong>de</strong> stásis, <strong>em</strong> uma tal cida<strong>de</strong>,<br />

mas a amiza<strong>de</strong>, a philía, on<strong>de</strong> a unida<strong>de</strong> da pólis encontra sua orig<strong>em</strong> uma vez<br />

que ela permite a harmonização dos “el<strong>em</strong>entos”, para retomar a terminologia<br />

platônica, que, s<strong>em</strong> ela, ficariam marcados pela multiplicida<strong>de</strong>, pela diversida<strong>de</strong>,<br />

pela <strong>de</strong>ss<strong>em</strong>elhança, até mesmo pela oposição. É o que, ainda por cima,<br />

significa a imag<strong>em</strong> aqui utilizada: dià pasôn [khordôn symphonía], fazendo consoar<br />

todas as notas <strong>de</strong> uma escala musical. A justiça, porque ela espalha largamente<br />

o exercício habitual da cidadania e envolve a cida<strong>de</strong> <strong>em</strong> seu conjunto na medi-<br />

36<br />

Sobre o público e o privado na cultura grega, ver POLIGNAC, F.; SCHMITT-PANTEL, P. (Org.). Public et<br />

privé <strong>em</strong> Grèce ancienne: lieux, conduites, pratiques. Ktéma, Strasbourg, n. 23, 1998.<br />

37<br />

XENOFONTE. M<strong>em</strong>oráveis, IV, 4, 16.<br />

38<br />

PLATÃO. República, 432a.<br />

K LÉOS N.5/6: 9-22, 2001/2<br />

18

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!