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Kléos, Revista de Filosofia Antiga - Programa de Estudos em ...

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PRAZER, SENSAÇÃO E ERRÂNCIA EM PLATÃO<br />

contramos nenhum indício claro <strong>de</strong> recusa da sensação n<strong>em</strong> do prazer. Não<br />

há, nos ditos diálogos da juventu<strong>de</strong>, nada que indique, com segurança, qualquer<br />

suspeita ontológica <strong>em</strong> relação à natureza do prazer ou da sensação. Para<br />

não <strong>de</strong>ixar dúvidas, é preciso insistir: n<strong>em</strong> o prazer n<strong>em</strong> a sensação são objetos<br />

<strong>de</strong> reflexão, atenção ou interesse especiais nesses diálogos.<br />

Num contexto <strong>em</strong> que predomina o t<strong>em</strong>a da i<strong>de</strong>ntificação da virtu<strong>de</strong><br />

com o conhecimento, é compreensível que o prazer não se imponha à<br />

análise. Pois, nessa i<strong>de</strong>ntificação, como apenas o el<strong>em</strong>ento “cognitivo” é reconhecido,<br />

torna-se absolutamente dispensável a probl<strong>em</strong>atização <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos<br />

<strong>de</strong>sviantes <strong>em</strong> relação à tendência unitária da alma para o B<strong>em</strong>. Tal cenário,<br />

além <strong>de</strong> não fornecer as condições para a t<strong>em</strong>atização da sensação ou do prazer,<br />

não pressupõe nenhuma <strong>de</strong>limitação precisa entre a alma e o corpo, ou<br />

entre o sensível e o inteligível, ou mesmo entre a epistéme e a dóxa. Essas<br />

dualida<strong>de</strong>s diz<strong>em</strong> respeito a um conjunto <strong>de</strong> probl<strong>em</strong>as b<strong>em</strong> diferentes e, como<br />

espero <strong>de</strong>monstrar na seqüência <strong>de</strong>ste trabalho, constitu<strong>em</strong>, na solidarieda<strong>de</strong><br />

entre essas mesmas dualida<strong>de</strong>s, um outro campo <strong>de</strong> investigação, criado, como<br />

acredito, a partir da crítica do prazer e da sensação.<br />

Uma protocrítica do prazer e da sensação surge, pela primeira vez,<br />

no Protágoras – ainda que <strong>de</strong> modo secundário <strong>em</strong> relação ao t<strong>em</strong>a central da<br />

unida<strong>de</strong> das virtu<strong>de</strong>s. Visando a levar ao absurdo a crença tradicional na akrasía,<br />

ou seja, na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alguém agir contra o que sabe ser o melhor, Sócrates<br />

constrói um argumento a partir <strong>de</strong> uma analogia da perspectiva t<strong>em</strong>poral dos<br />

prazeres e dores com a visão <strong>de</strong> objetos dispostos no espaço. D<strong>em</strong>onstra, <strong>em</strong><br />

termos hedonísticos, que a boa <strong>de</strong>liberação não <strong>de</strong>ve levar <strong>em</strong> conta n<strong>em</strong> a<br />

quantida<strong>de</strong> aparente <strong>de</strong> prazeres e dores envolvidos no ato da escolha, n<strong>em</strong> a<br />

aparência dos prazeres e dores futuros que tal ação ocasiona. Pois, se a boa<br />

<strong>de</strong>liberação <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>sse da escolha do maior objeto disposto entre objetos no<br />

espaço, seria preciso reconhecer a distorção que as distâncias espaciais produz<strong>em</strong><br />

nas dimensões <strong>de</strong>sses objetos. Assim, no caso <strong>de</strong> se querer obter a maior<br />

quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prazer e a menor <strong>de</strong> dor, <strong>de</strong>ve-se corrigir essa distorção com<br />

uma tékhne similar à metretiké, a tékhne <strong>de</strong> medição, que dá conta das reais dimensões<br />

dos objetos observados à distância. A constatação da atuação <strong>de</strong> um<br />

modo <strong>de</strong> distorção da avaliação dos prazeres, analógico à da sensação – e à sua<br />

correção – anulam a justificativa da akrasía e revelam a falha no modo espontâneo<br />

da <strong>de</strong>liberação prática. Se não se consegue resistir ao prazer que se está<br />

a ponto <strong>de</strong> experimentar, isso não se <strong>de</strong>ve ao fato <strong>de</strong> se agir contra o próprio<br />

K LÉOS N.5/6: 23-34, 2001/2<br />

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