06.05.2013 Views

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

No final do mês, em um dia <strong>que</strong> a memória apagou para sempre, saímos, Clara e eu, da<br />

pousada onde estávamos hospedadas, no centro da capital pernambucana, para ir a<br />

Socorro, bairro de Jaboatão. Yara e Lúcia tinham ficado arrumando as malas, pois íamos<br />

a Natal e já estávamos com as passagens compradas, mas eu não <strong>que</strong>ria partir de volta<br />

para São Paulo sem antes rever a vila militar, onde passei minha infância. Convidei Clara<br />

e ela aceitou.<br />

Quando o ônibus estava próximo de Socorro, comecei a sentir uma opressão no peito,<br />

uma angústia muito grande. Contei à minha amiga e ela justificou: “o <strong>que</strong> você está<br />

sentindo é a emoção de rever o lugar onde morou”. Concordei e seguimos. Descemos em<br />

frente ao 14º RI, o quartel em <strong>que</strong> meu pai serviu até ser transferido para o 4º RI, em<br />

Quitaúna, Osasco. O mesmo local em <strong>que</strong> alguns anos depois Paulo Freire ficou preso.<br />

Descendo do ônibus, percebi <strong>que</strong> tudo permanecera do mesmo jeito: a igreja, o Grupo<br />

Escolar e o cinema.<br />

Dirigi-me à guarita da sentinela e expli<strong>que</strong>i <strong>que</strong> havia morado ali, na vila militar, e <strong>que</strong><br />

<strong>que</strong>ria revê-la. O soldado me informou <strong>que</strong> lá já não morava mais ninguém, <strong>que</strong> a Vila se<br />

tornara área de segurança; só o oficial de dia poderia autorizar minha visita e, por isso,<br />

deveríamos nos dirigir ao outro portão, <strong>que</strong> ficava a uns trezentos metros de distância<br />

da<strong>que</strong>le.<br />

Para lá nos dirigimos e aproveitei para fotografar a igreja onde era uma das escolhidas<br />

para oferecer flores a Nossa Senhora, nos terços de maio; o Grupo escolar Benjamim<br />

Constant e o cinema <strong>que</strong> ficavam em frente ao quartel. De repente, no meio do caminho,<br />

começou a chover. Uma chuva forte, <strong>que</strong> não dava para continuar, por isso paramos<br />

embaixo da marquise do cinema, bem em frente ao comando do quartel. Não fosse<br />

a<strong>que</strong>la chuva, talvez hoje eu não estivesse narrando esta história.<br />

De onde estávamos, via-se todo o prédio do quartel bem no alto e, em frente, uma<br />

espécie de paredão de terra, com um imenso gramado muito bem cuidado, onde se<br />

destacavam enormes letras em cimento, pintadas de branco; “Aqui se Aprende a Amar e<br />

a Defender a Pátria”.<br />

Não vou escrever aqui o pensamento <strong>que</strong> me ocorreu na<strong>que</strong>le momento, embora o<br />

relembre muito bem. Virei-me para minha amiga e disse: “Vou tirar uma foto dessa frase,<br />

para levar para meu pai”. Fotografei e ficamos esperando a chuva passar para irmos pedir<br />

autorização ao oficial. Passados alguns minutos, vimos um soldado com uniforme<br />

<strong>68</strong> a geraçao <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria mudar o mundo: <strong>relatos</strong> relaToS - PriSõeS / ViolÊNCia iNSTiTUCioNal / Terror De eSTaDo 433

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!