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Industrialização dependente e teorias do desenvolvimento na ...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA<br />

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS<br />

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO<br />

Captura Críptica:<br />

direito, política, atualidade<br />

______________________________<br />

Revista Discente <strong>do</strong> Curso de Pós-Graduação em Direito<br />

da Universidade Federal de Santa Catari<strong>na</strong><br />

Captura Críptica: direito, política, atualidade.<br />

Revista Discente <strong>do</strong> CPGD/UFSC<br />

Universidade Federal de Santa Catari<strong>na</strong> (UFSC)<br />

Centro de Ciências Jurídicas (CCJ)<br />

Curso de Pós-Graduação em Direito (CPGD)<br />

Campus Universitário Trindade<br />

CEP: 88040-900. Caixa Postal n. 476.<br />

Florianópolis, Santa Catari<strong>na</strong> – Brasil.


Expediente<br />

Conselho Científico<br />

Prof. Dr. Jesús Antonio de la Torre Rangel (Universidad de Aguascalientes - México)<br />

Prof. Dr. Edgar Ardila Amaya (Universidad Nacio<strong>na</strong>l de Colombia)<br />

Prof. Dr. Antonio Carlos Wolkmer (UFSC)<br />

Profª Drª Jeanine Nicolazzi Phillippi (UFSC)<br />

Prof. Dr. José Antônio Peres Gediel (UFPR)<br />

Prof. Dr. José Roberto Vieira (UFPR)<br />

Profª Drª Deisy de Freitas Lima Ventura (IRI-USP)<br />

Prof. Dr. José Carlos Moreira da Silva Filho (UNISINOS)<br />

Conselho Editorial<br />

Ademar Pozzatti Júnior (CPGD-UFSC)<br />

Camila Bibia<strong>na</strong> Freitas Baraldi (CPGD-UFSC)<br />

Carla Andrade Maricato (CPGD-UFSC)<br />

Danilo <strong>do</strong>s Santos Almeida (CPGD-UFSC)<br />

Felipe Heringer Roxo da Motta (CPGD-UFSC)<br />

Francisco Pizzette Nunes (CPGD-UFSC)<br />

Liliam Litsuko Huzioka (CPGD/UFSC)<br />

Lucas da Silva Tasquetto (CPGD-UFSC)<br />

Luzia<strong>na</strong> Roesener (CPGD-UFSC)<br />

Marcia Cristi<strong>na</strong> Puydinger De Fázio (CPGD-UFSC)<br />

Matheus Almeida Caetano (CPGD-UFSC)<br />

Moisés Alves Soares (CPGD-UFSC)<br />

Re<strong>na</strong>ta Rodrigues Ramos (CPGD-UFSC)<br />

Ricar<strong>do</strong> Prestes Pazello (CPGD-UFSC)<br />

Vinícius Fialho Reis (CPGD-UFSC)<br />

Vivian Caroline Koerbel Dombrowski (CPGD-UFSC)<br />

Captura Críptica: direito política, atualidade. Revista Discente <strong>do</strong> Curso de Pós-Graduação<br />

em Direito. – n.2., v.1. (jul/dez. 2009) – Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catari<strong>na</strong>,<br />

2009 –<br />

Periodicidade Semestral<br />

ISSN 1984-6096<br />

1. Ciências Huma<strong>na</strong>s – Periódicos. 2. Direito – Periódicos. Universidade Federal de Santa<br />

Catari<strong>na</strong>. Centro de Ciências Jurídicas. Curso de Pós-Graduação em Direito.


C<br />

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aptura<br />

Revista Discente <strong>do</strong> Curso de Pós-Graduação em Direito<br />

ríptica Universidade Federal de Santa Catari<strong>na</strong><br />

<strong>Industrialização</strong> <strong>dependente</strong> e <strong>teorias</strong> <strong>do</strong><br />

<strong>desenvolvimento</strong> <strong>na</strong> América Lati<strong>na</strong><br />

Resumo: O capitalismo em escala global<br />

reproduz-se através <strong>do</strong> <strong>desenvolvimento</strong><br />

desigual de suas partes constituintes e dele<br />

indissociáveis. São os mecanismos de extração<br />

e transferência de mais-valia que garantem os<br />

níveis de acumulação deste capitalismo e suas<br />

particularidades <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is <strong>do</strong> ponto de vista <strong>do</strong><br />

<strong>desenvolvimento</strong> desigual e da circulação de<br />

capitais. É essencial que se avalie quais as<br />

relações que este capitalismo global empreende<br />

em escala <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e como ele se reproduz <strong>na</strong><br />

periferia <strong>do</strong> sistema. Também é de vital<br />

importância que esta análise compreenda os<br />

movimentos de modernização capitalista como<br />

projetos re-coloniza<strong>do</strong>res, dada sua orientação<br />

desde afora e a vocação inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l mesma<br />

<strong>do</strong> capital. Uma vez manti<strong>do</strong>s os<br />

condicio<strong>na</strong>mentos objetivos que caracterizam o<br />

capitalismo <strong>dependente</strong>, a modernização e o<br />

crescimento impulsio<strong>na</strong><strong>do</strong>s desde fora<br />

representam, em essência, o <strong>desenvolvimento</strong><br />

<strong>do</strong> sub<strong>desenvolvimento</strong> <strong>na</strong> periferia. Estes<br />

condicio<strong>na</strong>mentos são expressos <strong>na</strong><br />

incorporação subordi<strong>na</strong>da aos países centrais,<br />

<strong>na</strong> utilização de uma super-exploração da força<br />

de trabalho como alter<strong>na</strong>tiva à estrutura<br />

desigual <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e, por<br />

extensão, <strong>na</strong> deterioração <strong>do</strong>s termos de troca.<br />

Não se trata, no entanto, a dependência de algo<br />

que esteja somente <strong>na</strong> <strong>na</strong>tureza <strong>do</strong>s produtos<br />

CAPTURA CRÍPTICA: direito, política, atualidade. Florianópolis, n.2., v.1., jul./dez. 2009<br />

Luís Felipe Aires Magalhães <br />

Resumem: El capitalismo en escala global<br />

desarrollase por medio de lo desarrollo<br />

desigual de sus partes constituyentes y de él no<br />

disociables. Són los mecanismos de extracción<br />

y transferencia de plus-valia los que garantizan<br />

los niveles de acumulación de este capitalismo<br />

y sus particularidades <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>les desde el<br />

desarrollo desigual y de la circulación de<br />

capitales. És esencial que se investigue cuales<br />

són las relaciones que este capitalismo global<br />

emprende en escala <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l y como él se<br />

desarrolla en la periferia de lo sistema.<br />

También és de vital importancia que este<br />

análisis comprenda los movimientos de<br />

modernización capitalista como proyectos<br />

recoloniza<strong>do</strong>res, en razón de su orientación<br />

desde afuera y la vocación inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l de lo<br />

capital. U<strong>na</strong> vez manteni<strong>do</strong>s los<br />

condicio<strong>na</strong>mientos objetivos que caracterizan<br />

el capitalismo dependiente, la modernización y<br />

el crecimiento empuja<strong>do</strong>s desde fuera<br />

representan, en esencia, el desarrollo de lo<br />

subdesarrollo en la periferia. Estos<br />

condicio<strong>na</strong>mientos són expresos en la<br />

incorporación subordi<strong>na</strong>da a los países<br />

centrales, en la utilización de la superexplotación<br />

de la fuerza de trabajo como<br />

alter<strong>na</strong>tiva a la estructura desigual de lo<br />

merca<strong>do</strong> inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l y, por extensión, en la<br />

deterioración de los términos de intercambio.<br />

Forma<strong>do</strong> em Economia pela Universidade Federal de Santa Catari<strong>na</strong>, integra o Instituto de<br />

Estu<strong>do</strong>s Latino-Americanos da UFSC. Neste Instituto, desenvolve atividades de leitura, discussão<br />

e pesquisa no Observatório Latino-Americano (OLA), coletivo de estudantes que se reúne<br />

quinze<strong>na</strong>lmente para a análise e discussão <strong>do</strong>s clássicos da ciência social crítica da América<br />

Lati<strong>na</strong>. O OLA também apresenta mini-cursos de economia da América Lati<strong>na</strong> e de Teoria<br />

Marxista da Dependência. Promove seminários internos com as pesquisas de seus integrantes e<br />

frequentemente faz participações em aulas a convite de professores e estudantes. Mais<br />

informações sobre o grupo e sua fecunda atividade, acesse www.iela.ufsc.br.<br />

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Revista Discente <strong>do</strong> Curso de Pós-Graduação em Direito<br />

ríptica Universidade Federal de Santa Catari<strong>na</strong><br />

comercializa<strong>do</strong>s inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lmente, mas é sim<br />

produto objetivo da <strong>na</strong>tureza das relações de<br />

produção e sua reprodução no continente.<br />

Expressa-se, por isso, também <strong>na</strong> inexistência<br />

de <strong>do</strong>mínio tecnológico, autonomia intelectual<br />

e consciência <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l de si nos países<br />

<strong>dependente</strong>s. A centralidade da dependência<br />

reside, então, não em alguma determi<strong>na</strong>da<br />

esfera da produção ou setor da economia que<br />

não responde à altura às exigências <strong>do</strong><br />

<strong>desenvolvimento</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, mas sim à dinâmica<br />

própria <strong>do</strong> <strong>desenvolvimento</strong> capitalista <strong>na</strong><br />

periferia <strong>do</strong> sistema, que apresenta<br />

particularidades que fazem deste capitalismo<br />

um capitalismo sui-generis e, deste estu<strong>do</strong>,<br />

uma tentativa de interpretá-lo em conformidade<br />

com suas condições objetivas. Somente por<br />

isso é possível uma industrialização<br />

<strong>dependente</strong> e somente em razão da superação<br />

desta dependência é que se escreve estas<br />

linhas.<br />

Palavras-chave: <strong>Industrialização</strong> Dependente;<br />

Teorias <strong>do</strong> Desenvolvimento; América Lati<strong>na</strong><br />

56<br />

No se trata, por supuesto, la dependencia de<br />

algo que se esteja solamente en la <strong>na</strong>turaleza de<br />

las mercancías cambiadas inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lmente,<br />

pero és si producto objetivo de las relaciones<br />

de producción y su reproducción en lo<br />

subcontinente. Reflexio<strong>na</strong>se, por lo expuesto,<br />

también en la no existencia de lo controle<br />

tecnológico, de la autonomía intelectual y de la<br />

consciencia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l que no responde en lo<br />

necesario a las exigencias de lo desarrollo<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, pero si a la dinámica propria de lo<br />

desarrollo capitalista en la periferia de lo<br />

sistema que presenta particularidades que<br />

hacen de esto capitalismo un capitalismo suigeneris,<br />

y deste estu<strong>do</strong>, un intento de<br />

interpretarlo en conformidad con sus<br />

condiciones objetivas. Solamente por lo<br />

expuesto és posible u<strong>na</strong> industrialización<br />

dependiente y solamente en la razón de la<br />

superación de esta dependencia se escribió<br />

estas lineas.<br />

Palabras-clave: Industrialización Dependente;<br />

Teorías del Desarrollo; America Lati<strong>na</strong><br />

CAPTURA CRÍPTICA: direito, política, atualidade. Florianópolis, n.2., v.1., jul./dez. 2009


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Revista Discente <strong>do</strong> Curso de Pós-Graduação em Direito<br />

ríptica Universidade Federal de Santa Catari<strong>na</strong><br />

1) Introdução<br />

O capitalismo tem por uma de suas principais características seu caráter<br />

universal. Suas contradições inter<strong>na</strong>s não podem restringir-se a um determi<strong>na</strong><strong>do</strong><br />

espaço geográfico identifica<strong>do</strong> com um Esta<strong>do</strong> Nacio<strong>na</strong>l, senão que precisa<br />

nevralgicamente deste para viabilizar sua expansão mundial e, a partir de sua<br />

reprodução em escala ampliada, formar uma estrutura totalizante à sua imagem<br />

e semelhança. Tal tarefa histórica cabe à burguesia <strong>do</strong>s países centrais cumprir,<br />

em razão da impossibilidade de realizar seu capital sob determi<strong>na</strong><strong>do</strong>s limites<br />

geográficos.<br />

“A necessidade de um merca<strong>do</strong> em expansão constante para seus produtos<br />

persegue a burguesia por toda a superfície <strong>do</strong> globo. Precisa instalar-se em to<strong>do</strong>s<br />

os lugares, acomodar-se em to<strong>do</strong>s os lugares, estabelecer conexões em to<strong>do</strong>s os<br />

lugares. A burguesia, por meio de sua exploração <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> mundial, deu um<br />

caráter cosmopolita para a produção e o consumo em to<strong>do</strong>s os países. Para grande<br />

desgosto <strong>do</strong>s reacionários, rebaixou a base <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l da indústria até o rés <strong>do</strong> chão.<br />

As indústrias <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is antigas foram destruídas ou seguem sen<strong>do</strong> destruídas dia<br />

após dia. Elas são desalojadas por novas indústrias, cuja introdução tor<strong>na</strong>-se<br />

questão de vida e morte para todas as <strong>na</strong>ções civilizadas; por indústrias que não<br />

mais trabalham com matéria-prima <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, mas matéria-prima extraída de zo<strong>na</strong>s<br />

remotas; cujos produtos são consumi<strong>do</strong>s não só no próprio país, mas em to<strong>do</strong>s os<br />

cantos <strong>do</strong> globo” (MARX e ENGELS, 2006, p. 14).<br />

Dentro desta estrutura totalizante, é <strong>na</strong>tural que as distintas configurações<br />

materiais de tempo, espaço, classe e Esta<strong>do</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l levem a <strong>desenvolvimento</strong>s<br />

também desiguais das forças produtivas, visto que aquelas são as bases<br />

concretas destas. Todavia, antes de um suposto caráter pré-capitalista, protocapitalista,<br />

feudal ou arcaico de suas economias, os países em que as forças<br />

produtivas estão menos desenvolvidas, ou seja, aqueles que são incorpora<strong>do</strong>s<br />

pelas burguesias centrais como fontes de matéria-prima e, posteriormente,<br />

merca<strong>do</strong>s consumi<strong>do</strong>res, assim o são justamente em razão <strong>do</strong> caráter de sua<br />

colocação <strong>na</strong> estrutura desigual. Não significa que não estão inseri<strong>do</strong>s nela, mas<br />

muito pelo contrário: significa que sua inserção se dá <strong>na</strong> posição de economias<br />

<strong>dependente</strong>s. O to<strong>do</strong>, neste senti<strong>do</strong>, não exclui estas áreas, mas as incorpora<br />

subordi<strong>na</strong>damente. E é <strong>do</strong> <strong>desenvolvimento</strong> desigual de suas partes constituintes<br />

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ríptica Universidade Federal de Santa Catari<strong>na</strong><br />

que se origi<strong>na</strong> o <strong>desenvolvimento</strong> da estrutura global, o <strong>desenvolvimento</strong> <strong>do</strong><br />

capitalismo mundial.<br />

É sobre estas economias <strong>dependente</strong>s, em especial a <strong>do</strong> Brasil, que nos<br />

debruçaremos neste trabalho. Esta economia, pois inserida no capitalismo<br />

mundial, reúne uma unidade de características particulares que no âmbito de<br />

uma heterogeneidade estrutural (conceito cunha<strong>do</strong> pelo historia<strong>do</strong>r Agustín<br />

Cueva e que denota as características específicas de cada país da América<br />

Lati<strong>na</strong> como frutos de uma base estrutural em comum, qual seja, a economia<br />

colonial) são identificadas também com as realidades de outros países latinoamericanos.<br />

Estas características condicio<strong>na</strong>m o caráter sui generis desta<br />

formação material, e ampliam a necessidade de construções teóricas próprias<br />

que expliquem seu <strong>desenvolvimento</strong> capitalista. Precisamente, tais<br />

características particulares evidenciam a limitação <strong>do</strong>s conceitos e <strong>teorias</strong><br />

convencio<strong>na</strong>is em explicar nossa realidade “estranha” e a necessidade de<br />

superação da concepção linear de história, da idéia de que estamos em uma<br />

etapa de <strong>desenvolvimento</strong> já galgada pelos países ditos avança<strong>do</strong>s e de que,<br />

portanto, o capitalismo mundial é uma estrutura dual. Da negação destas<br />

condições chega-se ao caráter dialético <strong>do</strong> capitalismo mundial, tão necessário à<br />

compreensão de nossas particularidades. Assim,<br />

“o que deveria ser dito é que, ainda quan<strong>do</strong> se trate realmente de um<br />

<strong>desenvolvimento</strong> insuficiente das relações capitalistas, essa noção se refere a<br />

aspectos de uma realidade que, por sua estrutura global e seu funcio<strong>na</strong>mento, não<br />

poderá desenvolver-se jamais da mesma forma como se desenvolvem as<br />

economias capitalistas chamadas de avançadas. É por isso que, mais <strong>do</strong> que um<br />

pré-capitalismo, o que se tem é um capitalismo sui generis, que só adquire senti<strong>do</strong><br />

se o contemplamos <strong>na</strong> perspectiva <strong>do</strong> sistema em seu conjunto, tanto em nível<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, quanto, e principalmente, em nível inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l” (MARINI, 2005, p.<br />

138).<br />

É justamente nesta perspectiva, sob um enfoque teórico mais amplo para<br />

explicar as origens, a dinâmica e a função sistêmica <strong>do</strong> processo de<br />

industrialização brasileiro, que trabalharemos nesta análise. Objetivamente,<br />

cumpriremos, feita esta breve introdução e aporte meto<strong>do</strong>lógico, o seguinte<br />

caminho teórico: a) estu<strong>do</strong> das condições materiais inter<strong>na</strong>s e exter<strong>na</strong>s ao<br />

capitalismo brasileiro a partir da segunda metade <strong>do</strong> século XX, com especial<br />

CAPTURA CRÍPTICA: direito, política, atualidade. Florianópolis, n.2., v.1., jul./dez. 2009


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Revista Discente <strong>do</strong> Curso de Pós-Graduação em Direito<br />

ríptica Universidade Federal de Santa Catari<strong>na</strong><br />

ênfase no estu<strong>do</strong> da circulação mundial de capital e suas manifestações inter<strong>na</strong>s<br />

sob a forma de uma acumulação <strong>dependente</strong>; b) análise <strong>do</strong>s enfoques teóricos<br />

<strong>do</strong> Parti<strong>do</strong> Comunista Brasileiro (PCB), da Comissão Econômica para América<br />

Lati<strong>na</strong> e Caribe (CEPAL) e da Teoria Marxista da Dependência (TMD) sobre o<br />

tema da industrialização e c) análise das transformações econômicas e sociais<br />

decorrentes da industrialização, sobretu<strong>do</strong> no que se refere à inserção exter<strong>na</strong> da<br />

economia brasileira.<br />

2) Desenvolvimento<br />

2.1) Capitalismo mundial e industrialização <strong>dependente</strong><br />

É inegável a gradativa recomposição, <strong>na</strong>s economias periféricas e no<br />

Brasil, em especial, da pauta de importações e da estrutura inter<strong>na</strong> de produção<br />

que se dá de maneira geral com a crise da década de 1930 e seus efeitos<br />

estrangula<strong>do</strong>res. De maneira específica, no entanto, a economia brasileira<br />

implementa desde o fim <strong>do</strong> século XIX um processo de modernização via<br />

industrialização substitutiva de importações. Ten<strong>do</strong> em vista, no entanto, a<br />

posição já subordi<strong>na</strong>da de nossa economia no capitalismo mundial, o padrão de<br />

fi<strong>na</strong>nciamento identificou-se desde o início com os empréstimos externos, de<br />

maneira que ape<strong>na</strong>s uma peque<strong>na</strong> parcela da expansão industrial deveu-se à<br />

ocupação de capacidade ociosa e capital <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Desta forma, as raízes de<br />

nossa economia industrial e de nosso padrão de fi<strong>na</strong>nciamento localizam-se no<br />

próprio movimento inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>do</strong> capital: “Seja como for, no momento em<br />

que as economias industriais <strong>dependente</strong>s vão buscar no exterior o instrumental<br />

tecnológico que lhes permita acelerar seu crescimento, elevan<strong>do</strong> a produtividade<br />

<strong>do</strong> trabalho, é aquele também em que, a partir <strong>do</strong>s países centrais, têm origem<br />

importantes fluxos de capital que se direcio<strong>na</strong>m para elas, fluxos que lhes<br />

trazem a tecnologia requerida” (TRASPADINI e STEDILE, 2005, p. 175). É<br />

claro que estes fluxos não se constituem “ajuda inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l desinteressada”,<br />

senão que, conforme André Gunder Frank argumenta, responde à lógica de<br />

reprodução <strong>do</strong> capital e, portanto, leva a movimentos de dre<strong>na</strong>gem de recursos<br />

(remessas de lucros, royalties, pagamento de juros e amortizações de dívidas,<br />

etc) maiores, em volume, que os capitais aporta<strong>do</strong>s à economia <strong>dependente</strong>, de<br />

maneira que a quantia total destes fluxos “não é peque<strong>na</strong> nem grande: é<br />

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negativa”. Discorren<strong>do</strong> sobre os da<strong>do</strong>s de Investimento Estrangeiro Direto <strong>na</strong><br />

América Lati<strong>na</strong>, André Gunder Frank argumenta a respeito de sua i<strong>na</strong>dequação<br />

ao real:<br />

“el único problema que se confronta com estos datos es que ellos no reflejan<br />

adecuadamente el verdadero flujo de capital de los pobres países subdesarrolla<strong>do</strong>s<br />

hacia los ricos países desarrolla<strong>do</strong>s. En primer lugar, no reflejan exactamente el<br />

flujo de capital basa<strong>do</strong> em la inversión que va del pobre al rico. En segun<strong>do</strong> lugar,<br />

oscurecen el hecho de que la mayor parte del capital que los países desarrolla<strong>do</strong>s<br />

possen en los desarrolla<strong>do</strong>s no fue em ningún momento enviada por los primeros<br />

hacia los segun<strong>do</strong>s, sino que, por el contrario, fue adquiri<strong>do</strong> por los países<br />

desarrolla<strong>do</strong>s em los actuales países subdesarrollos” (FRANK, 1973, p. 65).<br />

Ten<strong>do</strong> em vista as debilidades estruturais da economia brasileira, que a<br />

impulsio<strong>na</strong>va a tomar os recursos externos como principal fonte de<br />

fi<strong>na</strong>nciamento à sua expansão industrial, e a própria conservação, no seio da<br />

sociedade brasileira, de condições econômicas e sociais típicas a uma economia<br />

<strong>dependente</strong> (estrutura agrária centrada no latifúndio, limitação <strong>do</strong> merca<strong>do</strong><br />

interno, dramática concentração de renda, elites locais subservientes ao capital<br />

estrangeiro, economia essencialmente exporta<strong>do</strong>ra e enorme concentração<br />

espacial da indústria), os sensíveis instrumentos cambial e fiscal de política<br />

monetária foram os eixos <strong>do</strong> processo de modernização via substituição de<br />

importações alicerçada no capital estrangeiro. Este, por sua vez, tendeu a lucrar<br />

não ape<strong>na</strong>s com um regime de exploração <strong>do</strong> trabalho sem paralelos ao<br />

politiza<strong>do</strong> sindicalismo europeu e as ofertas abundantes de mão-de-obra e<br />

recursos <strong>na</strong>turais, como também com o acesso privilegia<strong>do</strong> a estes por meio de<br />

políticas fiscais, cambiais, trabalhistas e mesmo ambientais extremamente<br />

flexíveis. Estes capitais atraí<strong>do</strong>s eram direcio<strong>na</strong><strong>do</strong>s via de regra à<br />

industrialização, como forma de modernização tecnológica <strong>do</strong> aparato produtivo<br />

brasileiro. Mas é claro que o processo de industrialização não foi somente<br />

deriva<strong>do</strong> destas reformas inter<strong>na</strong>s, mas também, e principalmente, foi produto<br />

da circulação <strong>do</strong> capital em busca de reprodução:<br />

“Para isso concorre o fato de que, enquanto durou a desorganização da economia<br />

mundial, desenvolveram-se bases industriais periféricas, que ofereciam – graças à<br />

super-exploração <strong>do</strong> trabalho – possibilidades atrativas de lucro. Mas não será o<br />

único fato, e talvez não seja o mais decisivo. No curso <strong>do</strong> mesmo perío<strong>do</strong>,<br />

CAPTURA CRÍPTICA: direito, política, atualidade. Florianópolis, n.2., v.1., jul./dez. 2009


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ríptica Universidade Federal de Santa Catari<strong>na</strong><br />

verificara-se um grande <strong>desenvolvimento</strong> <strong>do</strong> setor de bens de capital <strong>na</strong>s<br />

economias centrais. Isso levou, por um la<strong>do</strong>, a que os equipamentos ali<br />

produzi<strong>do</strong>s, sempre mais sofistica<strong>do</strong>s, tivessem de ser aplica<strong>do</strong>s no setor<br />

secundário <strong>do</strong>s países periféricos; surge então, por parte das economias centrais, o<br />

interesse de impulsio<strong>na</strong>r nestes o processo de industrialização, com o propósito de<br />

criar merca<strong>do</strong>s para sua indústria pesada. Por outro la<strong>do</strong>, <strong>na</strong> medida em que o<br />

ritmo <strong>do</strong> progresso técnico reduziu nos países centrais o prazo de reposição <strong>do</strong><br />

capital fixo praticamente à metade, colocou-se para esses países a necessidade de<br />

exportar para a periferia equipamentos e maquinário que já eram obsoletos antes<br />

de que tivessem si<strong>do</strong> amortiza<strong>do</strong>s totalmente” (MARINI, 2005, p. 174).<br />

Expressões <strong>do</strong> quanto foi necessário privilegiar o capital estrangeiro para<br />

atrair capacidade de importar estes bens de capital obsoletos e impulsio<strong>na</strong>r a<br />

modernização produtiva <strong>dependente</strong> foram a Reforma Cambial de 1953, a<br />

Instrução 70 da SUMOC, a continuidade da Reforma Cambial em 1957 e a Lei<br />

<strong>do</strong> Merca<strong>do</strong> Livre. Com a mesma fi<strong>na</strong>lidade de atração de recursos estrangeiros,<br />

a Instrução 113 da SUMOC, aprovada por Getúlio Vargas em 1954,<br />

diferenciava as coberturas cambiais de empresas <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is e multi<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is<br />

aqui instaladas. Sobre isso, escreve Ruy Mauro Marini:<br />

“Esta Instrução, sem alterar o sistema cambial vigente, dava facilidades<br />

excepcio<strong>na</strong>is ao ingresso de capitais estrangeiros, <strong>na</strong> medida em que permitia que<br />

as máqui<strong>na</strong>s e equipamentos introduzi<strong>do</strong>s no país por empresas estrangeiras não<br />

tivessem cobertura cambial, exigência que se mantinha para as empresas<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is. Sob vigência desta norma, combi<strong>na</strong>da com a lei 2.145/54, isto é, de<br />

1955 a 1961, o montante total de capitais estrangeiros, que sob a forma de<br />

fi<strong>na</strong>nciamentos ou investimentos diretos entraram no país, foi cerca de 2.300<br />

milhões de dólares” (MARINI, 2000, pág. 56).<br />

Foi com essa dupla fi<strong>na</strong>lidade (austeridade inter<strong>na</strong> e atração de IDE) que<br />

a reforma cambial, <strong>na</strong> realidade um processo, da<strong>do</strong> que desenvolvida em<br />

resposta à estímulos externos de estrangulamento da capacidade de importar,<br />

logrou seu êxito e representou, em última instância, a ideologia de uma fração<br />

inter<strong>na</strong> da sociedade brasileira comprometida com o capital estrangeiro e ciente<br />

de sua insuficiência para realizar sua função histórica enquanto classe burguesa:<br />

a revolução capitalista de caráter anti-imperialista e anti-latifundiária aqui foi<br />

ape<strong>na</strong>s uma reforma tendente a conciliar interesses internos divergentes sob a<br />

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aptura<br />

rípptica<br />

tutela <strong>do</strong> capital estranngeiro.<br />

Desta forrma,<br />

a economiaa<br />

brasileira se appropria<br />

de<br />

parte da d liquidez inteer<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l<br />

e a ddirecio<strong>na</strong><br />

rumo a um projeto <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l-<br />

desenv volvimentista dee<br />

industrialização.<br />

Mas o faz ccom<br />

excessivas <strong>do</strong>ses de<br />

atrativos<br />

e concessões:<br />

ao aporte destees<br />

recursos, alémm<br />

das garantias já<br />

citadas,<br />

ofereci ia-se ainda umaa<br />

extrema liberrdade<br />

de saída, de remessas dde<br />

lucros,<br />

eviden ncian<strong>do</strong>, <strong>na</strong>s preessões<br />

sobre o BBalanço<br />

de Paggamentos,<br />

as paalavras<br />

de<br />

André Gunder Frankk<br />

e, à medida em que tais rremessas<br />

e amoortizações<br />

sobrep punham-se em vaalor<br />

aos IDEs attraí<strong>do</strong>s,<br />

a industtrialização<br />

funcionou,<br />

em<br />

essência,<br />

como uma noova<br />

etapa <strong>do</strong> proocesso<br />

colonial dde<br />

dre<strong>na</strong>gem e exxtração<br />

de<br />

recurso os.<br />

Podemos expresssar<br />

graficamentee<br />

a dimensão da dre<strong>na</strong>gem de reecursos<br />

<strong>na</strong><br />

América<br />

Lati<strong>na</strong> nos<br />

últimos anoos:<br />

selecio<strong>na</strong>nd<strong>do</strong><br />

o país dde<br />

maior<br />

desenv volvimento capiitalista<br />

<strong>na</strong> região,<br />

o Brasil, traçaremos a sseguir<br />

as<br />

trajetór rias de espoliação<br />

pela via das remessas de luucros<br />

e <strong>do</strong> pagammento<br />

de<br />

royalti ies.<br />

Fonte e: Base de Da<strong>do</strong>s da UNCTAD.<br />

Revissta<br />

Discente <strong>do</strong> Currso<br />

de Pós-Graduaçção<br />

em Direito<br />

Universidaade<br />

Federal de Sannta<br />

Catari<strong>na</strong><br />

Gráffico<br />

1 – IED e Remmessas<br />

de Lucros noo<br />

Brasil:<br />

A superioridadee<br />

<strong>do</strong> IED entre 1995 e 2003 emm<br />

relação às remmessas<br />

de<br />

lucros pode dar a falssa<br />

impressão de ajuda exter<strong>na</strong>. No entanto, o ffato<br />

deste<br />

capital l ter-se concentrra<strong>do</strong><br />

no setor dee<br />

serviços, e deentro<br />

deste sob a face de<br />

CAPTURA CRÍÍPTICA:<br />

direito, políticaa,<br />

atualidade. Florianóópolis,<br />

n.2., v.1., jul./ddez.<br />

2009


C<br />

C<br />

aptura<br />

Revista Discente <strong>do</strong> Curso de Pós-Graduação em Direito<br />

ríptica Universidade Federal de Santa Catari<strong>na</strong><br />

fusões e aquisições, portanto privatização <strong>do</strong> aparato estatal, expressa<br />

sobremaneira a real intenção destes investimentos: lucrar com a<br />

des<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lização das empresas estatais latino-america<strong>na</strong>s. Foi em 1999, ano de<br />

pico da entrada de IED, que se deu também o auge das privatizações. Em<br />

paralelo, empresas <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is destes países latino-americanos vão à ruí<strong>na</strong> diante<br />

de condições adversas no merca<strong>do</strong> cada vez mais aberto e desregulamenta<strong>do</strong>,<br />

ten<strong>do</strong> que competir com grandes conglomera<strong>do</strong>s empresariais, ou seja,<br />

sujeitan<strong>do</strong>-se com maior ênfase aos grupos determi<strong>na</strong>ntes <strong>do</strong>s preços<br />

inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is das merca<strong>do</strong>rias, os oligopólios globais. Esta fase de vendas de<br />

empresas estatais ao capital estrangeiro – vendas muitas vezes utilizadas com<br />

moedas podres, fi<strong>na</strong>nciadas pelo próprio Esta<strong>do</strong> e, em alguns casos, ainda não<br />

pagas – atingem o seu auge em 1999. Por esta razão, as remessas de lucros neste<br />

ano são mínimas em relação ao IED: a euforia <strong>do</strong> capital imperialista se explica<br />

pela possibilidade de lucros fáceis e aquisição barata de ativos. Não por outro<br />

motivo, nesse ano deu-se no Brasil a crise cambial que se convencionou chamar<br />

de “sexta-feira negra”, ao dia 29 de janeiro. A combi<strong>na</strong>ção entre valorização <strong>do</strong><br />

Real e câmbio flutuante eclodiu no vertiginoso aumento da dívida pública<br />

brasileira, a qual saltou de R$388 bilhões no último mês de 1998 para R$500<br />

bilhões no mês da referida crise.<br />

Podemos, com base em uma taxa de lucratividade <strong>do</strong> capital de 16% (a<br />

média para os países da América Lati<strong>na</strong>), construir um esquema de reprodução<br />

<strong>do</strong> capital investi<strong>do</strong> e de explosão das remessas de lucros em nosso continente.<br />

Tabela I – Reinvestimento e Prazo de Retorno <strong>do</strong> Capital Estrangeiro <strong>na</strong> América Lati<strong>na</strong><br />

(Simulação com TIR de 16%)<br />

Ano Capital Registra<strong>do</strong> Lucro Reinvestimento Remessas Remessas Acumuladas<br />

1 100 16 6 10 10<br />

2 106 17 7 10 20<br />

3 123 19 7 12 32<br />

4 130 21 8 13 45<br />

5 138 22 8 14 59<br />

6 146 23 8 15 74<br />

7 154 25 10 15 89<br />

8 164 26 10 16 105<br />

CAPTURA CRÍPTICA: direito, política, atualidade. Florianópolis, n.2., v.1., jul./dez. 2009<br />

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aptura<br />

Revista Discente <strong>do</strong> Curso de Pós-Graduação em Direito<br />

ríptica Universidade Federal de Santa Catari<strong>na</strong><br />

Total 164 169 64 105 105<br />

Fonte: KUCINSKI & BRANFORD.<br />

Com base nesta tabela, hipótese que se aplica a qualquer momento<br />

histórico, respeitada a taxa de lucros de 16%, fica evidente, pois, a importância<br />

<strong>do</strong>s re-investimentos <strong>na</strong> ocultação <strong>do</strong> quanto é restrito o capital novo aporta<strong>do</strong> à<br />

América Lati<strong>na</strong>. Sua função é não ape<strong>na</strong>s o de propiciar, com base sua<br />

catalogação como capital registra<strong>do</strong>, uma maior magnitude <strong>na</strong> remessas de<br />

lucros como também, por meio da transformação de remessas em novo IED,<br />

lubrificar a bomba da dre<strong>na</strong>gem de recursos. Na tabela acima, supon<strong>do</strong> uma<br />

taxa de lucro de 16% sobre um capital registra<strong>do</strong> de, por exemplo, US$100<br />

milhões, tem-se um perío<strong>do</strong> de 8 anos de recuperação <strong>do</strong> capital inicial e, ainda,<br />

um crescimento de 64% no capital registra<strong>do</strong> total, unicamente em razão das<br />

remessas, sem ter si<strong>do</strong> acresci<strong>do</strong> um centavo de capital estrangeiro ao capital<br />

registra<strong>do</strong> inicial. A função <strong>do</strong>s re-investimentos foi executada com sucesso:<br />

elevou o capital registra<strong>do</strong> e permitiu que, em um perío<strong>do</strong> de 8 anos, to<strong>do</strong> este<br />

capital registra<strong>do</strong> já fosse recupera<strong>do</strong> sob a forma de remessas de lucros. O<br />

quadro é ainda mais dramático se tivermos em mente que a parte substancial<br />

destes investimentos é arrecadada <strong>na</strong>s economias <strong>dependente</strong>s mesmo, em<br />

operações de isenções e benefícios fiscais e tomada de empréstimos no exterior<br />

através <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Mais uma vez está claro que não se trata de um montante de<br />

recursos nem grande nem pequeno, mas inferior.<br />

Quem a<strong>na</strong>lisa somente remessa de lucros ainda não se apropria da<br />

dramaticidade da dependência estrutural da economia brasileira e latinoamerica<strong>na</strong>:<br />

em um contexto mundial marca<strong>do</strong> cada vez mais pela importância<br />

<strong>do</strong>s bens de capital e da tecnologia, esta dependência tem se concentra<strong>do</strong> nos<br />

últimos anos sob uma esfera científico-tecnológica. Neste tema,<br />

particularmente, é indispensável a análise <strong>do</strong>s pagamentos de royalties, forma<br />

específica com que se paga <strong>na</strong> América Lati<strong>na</strong> pela dependência da tecnologia<br />

estrangeira:<br />

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Milhões de US$<br />

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Revista Discente <strong>do</strong> Curso de Pós-Graduação em Direito<br />

ríptica Universidade Federal de Santa Catari<strong>na</strong><br />

2750<br />

2500<br />

2250<br />

2000<br />

1750<br />

1500<br />

1250<br />

1000<br />

750<br />

500<br />

250<br />

0<br />

1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008<br />

Fonte: IPEAData.<br />

Gráfico 2 – Pagamento de Royalties de Tecnologia Estrangeira no Brasil:<br />

Pagamento de Royalties<br />

Percebe-se claramente como as reformas liberalizantes implementadas<br />

desde mea<strong>do</strong>s da década de 1980 têm contribuí<strong>do</strong> para, além de aumentar a<br />

fragilidade fi<strong>na</strong>nceira <strong>na</strong> América Lati<strong>na</strong>, também aprofundar a dependência<br />

tecnológica e sua forma específica de dre<strong>na</strong>gem de recursos, o pagamento de<br />

royalties. A dependência é uma totalidade, não poderia em momento algum ser<br />

reduzida a um momento determi<strong>na</strong><strong>do</strong> de sua dinâmica de atuação: às remessas<br />

de lucros somam-se os pagamentos de royalties, os pagamentos <strong>do</strong>s serviços das<br />

dívidas, as fraudes nos preços <strong>do</strong>s produtos comercializa<strong>do</strong>s (em comércio<br />

intra-firmas, é bastante comum transferir-se valor da periferia para o centro<br />

através da superfaturação <strong>do</strong>s preços das merca<strong>do</strong>rias que a periferia importa e<br />

da subfaturação <strong>do</strong>s preços das merca<strong>do</strong>rias que a periferia exporta), a fuga de<br />

cérebros, a especulação com a moeda <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e os vultuosos gastos com<br />

“assistência técnica” estrangeira, ape<strong>na</strong>s para citar as formas mais conhecidas<br />

de dre<strong>na</strong>gem de recursos.<br />

É exatamente por se inserir nesta totalidade e não alterar seus<br />

condicio<strong>na</strong>mentos objetivos que a industrialização <strong>na</strong> periferia é também<br />

<strong>dependente</strong>, ten<strong>do</strong> em vista não recompor material e socialmente as bases<br />

produtivas de riqueza e, também, não redefinir os eixos coloniais de distribuição<br />

e apropriação desta riqueza por países centrais:<br />

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Revista Discente <strong>do</strong> Curso de Pós-Graduação em Direito<br />

ríptica Universidade Federal de Santa Catari<strong>na</strong><br />

“Partin<strong>do</strong> então <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> de circulação que caracteriza a economia exporta<strong>do</strong>ra, a<br />

economia industrial <strong>dependente</strong> reproduz, de forma específica, a acumulação de<br />

capital baseada <strong>na</strong> super-exploração <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r. Em consequência, reproduz<br />

também o mo<strong>do</strong> de circulação que corresponde a esse tipo de acumulação, ainda<br />

que de maneira modificada: já não é a dissociação entre a produção e a circulação<br />

de merca<strong>do</strong>rias em função <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> mundial o que opera, mas a separação<br />

entre a esfera alta e a esfera baixa da circulação no interior mesmo da economia,<br />

separação que, ao não ser contraposta pelos fatores que atuam <strong>na</strong> economia<br />

capitalista clássica, adquire um caráter muito mais radical” (MARINI, 2005, p.<br />

171).<br />

Feita esta brevíssima descrição <strong>do</strong> movimento inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l de capital<br />

que impulsio<strong>na</strong> <strong>na</strong> economia brasileira o processo de industrialização, veremos,<br />

a seguir, como este processo se relacio<strong>na</strong>, em três enfoques teóricos muito<br />

particulares, com a questão <strong>do</strong> <strong>desenvolvimento</strong> econômico no Brasil enquanto<br />

país subordi<strong>na</strong><strong>do</strong>.<br />

2.2) <strong>Industrialização</strong> e <strong>teorias</strong> <strong>do</strong> <strong>desenvolvimento</strong> econômico<br />

Para além das <strong>teorias</strong> de <strong>desenvolvimento</strong> baseadas em uma visão<br />

etapista e linear da história, como a de Rostow e a da orto<strong>do</strong>xia<br />

macroeconômica, trabalharemos nesta seção com três enfoques sobre o papel da<br />

industrialização no <strong>desenvolvimento</strong> econômico brasileiro. O terceiro enfoque<br />

(teoria da dependência) será estuda<strong>do</strong> como superação histórica <strong>do</strong>s enfoques<br />

anteriores. A crítica a estes se dará sempre a partir das condições concretas da<br />

economia brasileira.<br />

O primeiro enfoque é aqueles representa<strong>do</strong>, <strong>na</strong> América Lati<strong>na</strong>, pelos<br />

Parti<strong>do</strong>s Comunistas vincula<strong>do</strong>s à Terceira Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l Socialista e, no Brasil<br />

em especial, pelo Parti<strong>do</strong> Comunista Brasileiro, funda<strong>do</strong> em 1922. Para este<br />

enfoque teórico (e prático, já que o chama<strong>do</strong> Partidão tinha um programa de luta<br />

política deriva<strong>do</strong> de sua concepção teórica), a industrialização teria uma função<br />

nevrálgica <strong>na</strong> construção de uma sociedade comunista no senti<strong>do</strong> em que<br />

permitira o <strong>desenvolvimento</strong> das forças produtivas e a superação <strong>do</strong> atraso<br />

econômico, identifica<strong>do</strong> este como a manutenção de restos feudais <strong>na</strong> economia<br />

brasileira e a existência de uma burguesia comercial comprometida com o<br />

imperialismo. Para este enfoque teórico, a industrialização modernizaria a<br />

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Revista Discente <strong>do</strong> Curso de Pós-Graduação em Direito<br />

ríptica Universidade Federal de Santa Catari<strong>na</strong><br />

sociedade brasileira, destruin<strong>do</strong> os restos feudais e a burguesia comercial e<br />

fortalecen<strong>do</strong> o capitalismo como etapa necessária para a construção <strong>do</strong><br />

comunismo. Através <strong>do</strong> aprofundamento das contradições capitalistas e de um<br />

programa de aliança de classes para uma revolução democrático-burguesa (idéia<br />

comum <strong>na</strong> América Lati<strong>na</strong> entre os anos 1930 e 1940, assumin<strong>do</strong>, com o<br />

mesmo intento, manifestações particulares como a Frente Popular, no Chile, e a<br />

Aliança Liberal, no Brasil), o PCB previa a inevitabilidade histórica das<br />

revoluções socialistas e da sociedade comunista. À industrialização caberia ser<br />

o motor deste processo, ou seja, o elemento de ruptura com o atraso e o fator<br />

dinâmico de <strong>desenvolvimento</strong> e superação <strong>do</strong> capitalismo.<br />

O intelectual brasileiro Caio Pra<strong>do</strong> Jr, então integrante <strong>do</strong> Parti<strong>do</strong><br />

Comunista Brasileiro, escreve, ao ano de 1966, o livro A Revolução Brasileira,<br />

em que faz uma análise da história contemporânea brasileira e como ela<br />

produziu o regime militar. Por sua postura crítica às concepções teóricas e<br />

programáticas <strong>do</strong> PCB, o autor é margi<strong>na</strong>liza<strong>do</strong> dentro <strong>do</strong> Partidão, que já<br />

retor<strong>na</strong>ra à ilegalidade com o golpe militar de 1964. Caio Pra<strong>do</strong> Jr. criticara os<br />

postula<strong>do</strong>s <strong>do</strong> PCB em sua essência, ou seja, não ape<strong>na</strong>s se posicionou<br />

criticamente em relação às premissas teóricas, mas também, e principalmente,<br />

em relação ao méto<strong>do</strong> que dera origem a tais considerações. Denuncian<strong>do</strong> que a<br />

vinculação à Terceira Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l fazia <strong>do</strong> programa político <strong>do</strong> PCB um<br />

conjunto de interpretações <strong>do</strong>gmáticas e apriorísticas sem muita relação com a<br />

realidade concreta brasileira, Caio Pra<strong>do</strong> Jr. define o enfoque teórico <strong>do</strong><br />

Partidão como uma mera importação de conceitos e categorias próprios à uma<br />

realidade estranha à brasileira. Isto é, a teorização às avessas (a teoria ia <strong>do</strong><br />

conceito ao fato concreto, e não ao contrário) resultava em uma profunda falha<br />

teórica, conferin<strong>do</strong> à industrialização <strong>na</strong> periferia a mesma função que ela<br />

assumiu no centro, em contextos históricos e espaciais profundamente distintos.<br />

Esta falha teórica origi<strong>na</strong>va, portanto, uma limitação prático-revolucionária no<br />

parti<strong>do</strong> e um desrespeito às categorias de tempo, espaço e realidade concreta.<br />

Partin<strong>do</strong> então da crítica ao méto<strong>do</strong> coloniza<strong>do</strong> <strong>do</strong> PCB, Caio Pra<strong>do</strong> critica<br />

também a tese de restos feudais, argumentan<strong>do</strong> que tais eram ape<strong>na</strong>s a<br />

roupagem de um sistema volta<strong>do</strong> ao merca<strong>do</strong> e, em especial, ao merca<strong>do</strong><br />

estrangeiro. Isto é, não se pode definir como feudal um sistema que, embora<br />

tenha características como o trabalho escravo, o apresenta em paralelo ao<br />

assalaria<strong>do</strong>, e mesmo ten<strong>do</strong> sua dimensão agrária identificada com o latifúndio e<br />

a monocultura, o apresenta precisamente como instrumentos econômicos para<br />

uma maior produção voltada ao merca<strong>do</strong>, ou seja, uma função capitalista. A<br />

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C<br />

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aptura<br />

Revista Discente <strong>do</strong> Curso de Pós-Graduação em Direito<br />

ríptica Universidade Federal de Santa Catari<strong>na</strong><br />

outra tese, de uma burguesia comercial em contraponto a uma burguesia<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, Caio Pra<strong>do</strong> Jr. critica com a evidenciação de que ambas, e não<br />

somente a primeira, se associam com o capital estrangeiro pois somente desta<br />

forma encontram possibilidades de expansão e realização da mais-valia criada<br />

inter<strong>na</strong>mente, da<strong>do</strong> que o merca<strong>do</strong> interno é limita<strong>do</strong>.<br />

Ou seja, o enfoque coloniza<strong>do</strong> <strong>do</strong> PCB não corresponde ao real, pois<br />

parte de premissas meto<strong>do</strong>lógicas i<strong>na</strong>dequadas (teorização às avessas), procura<br />

<strong>na</strong> sociedade brasileira restos feudais e classes sociais tais como haviam no<br />

capitalismo europeu e, por fim, preconiza um programa de aliança de classes e<br />

de revolução democrático-burguesa absolutamente incondizente com a<br />

realidade de um país <strong>dependente</strong>, em que suas elites <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is são sócias <strong>do</strong><br />

capital estrangeiro e, portanto, lucram com o imperialismo, além de não se<br />

contraporem às oligarquias rurais em razão <strong>do</strong> modelo econômico exporta<strong>do</strong>r.<br />

Com a criação da CEPAL (Comissão Econômica para América Lati<strong>na</strong> e<br />

Caribe) se i<strong>na</strong>ugura, <strong>na</strong> América Lati<strong>na</strong>, aquilo que podemos chamar de sua<br />

Economia Clássica, ou seja, sua primeira interpretação particular sobre suas<br />

economias. Partin<strong>do</strong> de uma profunda crítica à Economia Clássica européia, em<br />

especial à Teoria das Vantagens Comparativas de David Ricar<strong>do</strong>, a CEPAL,<br />

através de seus principais expoentes (como o argentino Raul Prebisch e o<br />

brasileiro Celso Furta<strong>do</strong>), começa a pensar o <strong>desenvolvimento</strong> capitalista da<br />

América Lati<strong>na</strong> como limita<strong>do</strong> em razão de uma inserção exter<strong>na</strong> desfavorável e<br />

de uma timidez <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> em estabelecer programas de expansão da demanda<br />

agregada através da modernização produtiva. Para este enfoque teórico,<br />

portanto, a função da industrialização como instrumento de modernização seria<br />

extremamente necessária, pois permitiria um novo modelo de inserção da<br />

economia brasileira no merca<strong>do</strong> mundial. Exportan<strong>do</strong> bens industrializa<strong>do</strong>s, a<br />

economia brasileira poderia reverter o processo de deterioração <strong>do</strong>s termos de<br />

troca. Raul Prebisch, aliás, ao a<strong>na</strong>lisar 65 anos <strong>do</strong> comércio exterior da América<br />

Lati<strong>na</strong>, chega ao seguinte resulta<strong>do</strong>, no livro “A Dinâmica <strong>do</strong> Capitalismo <strong>na</strong><br />

América Lati<strong>na</strong>”:<br />

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Valor Relativo<br />

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Revista Discente <strong>do</strong> Curso de Pós-Graduação em Direito<br />

ríptica Universidade Federal de Santa Catari<strong>na</strong><br />

1,400<br />

1,200<br />

1,000<br />

0,800<br />

0,600<br />

0,400<br />

0,200<br />

Gráfico 3 – Evolução <strong>do</strong>s Termos de Troca <strong>na</strong> América Lati<strong>na</strong>.<br />

Evolução <strong>do</strong>s Termos de Troca <strong>na</strong> América Lati<strong>na</strong><br />

0,000<br />

1880 1895 1905 1915 1925 1935 1945<br />

Valor Relativo das<br />

Exportações<br />

Valor Relativo das<br />

Importações<br />

Fonte: Da<strong>do</strong>s reuni<strong>do</strong>s a partir da leitura da obra.<br />

Termos de Troca<br />

Ou seja, dada a concentração de nossa pauta exporta<strong>do</strong>ra em bens<br />

primários e de nossa pauta importa<strong>do</strong>ra em bens industrializa<strong>do</strong>s, a economia<br />

brasileira e a latino-america<strong>na</strong> auferem constantes perdas no merca<strong>do</strong><br />

inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l: os termos de troca passam de 1,000 no ano base de 1880 para<br />

0,687 no ano de 1945. Tal processo poderia, segun<strong>do</strong> o enfoque cepalino, ser<br />

reverti<strong>do</strong> através de um processo de industrialização a partir <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e de<br />

modernização produtiva via substituição de importações. Tais alter<strong>na</strong>tivas<br />

seriam suficientes para levar ao <strong>desenvolvimento</strong> econômico, mediante<br />

alteração da <strong>na</strong>tureza <strong>do</strong>s produtos envolvi<strong>do</strong>s <strong>na</strong>s trocas inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is.<br />

Foi, entretanto, o próprio caráter desta industrialização que mostrou a<br />

limitação histórica da CEPAL e sua insuficiência em apontar uma alter<strong>na</strong>tiva<br />

efetiva ao sub<strong>desenvolvimento</strong>. Como vimos, a industrialização não representou<br />

o fim da dependência, mas sua qualificação sob outros contornos, como a<br />

fragilidade fi<strong>na</strong>nceira que o processo de abertura econômica engendrou. Da<br />

mesma forma, o processo de modernização deu-se em concomitância à<br />

manutenção da concentração de renda e, da<strong>do</strong> o padrão de fi<strong>na</strong>nciamento<br />

centra<strong>do</strong> no capital estrangeiro, à transferência de valor.<br />

É neste contexto que a Teoria Marxista da Dependência (TMD) se coloca<br />

como síntese histórica e superação a<strong>na</strong>lítica <strong>do</strong>s enfoques anteriores. Um de<br />

seus principais expoentes, o brasileiro Ruy Mauro Marini, começa, em Dialética<br />

da Dependência (1973), <strong>do</strong> ponto onde termi<strong>na</strong>ra Prebisch: as trocas desiguais.<br />

Para Ruy Mauro Marini, a continuidade histórica da dependência mesmo após a<br />

Ano<br />

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modernização produtiva é a conclusão de que o sub<strong>desenvolvimento</strong> não<br />

provém da <strong>na</strong>tureza <strong>do</strong>s produtos envolvi<strong>do</strong>s <strong>na</strong>s trocas inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, mas sim<br />

das relações de produção destas merca<strong>do</strong>rias <strong>na</strong> periferia. Para o autor, a<br />

crescente diferença entre os valores relativos <strong>do</strong>s produtos importa<strong>do</strong>s e<br />

exporta<strong>do</strong>s (deterioração <strong>do</strong>s termos de troca) leva a burguesia brasileira a<br />

implantar um regime de super-exploração da força de trabalho, concebida como<br />

o pagamento de um salário aquém das necessidades básicas para a sua<br />

reprodução. Isto é, a super-exploração da força de trabalho é, além <strong>do</strong> subimperialismo,<br />

uma tentativa de reversão das perdas de lucro das burguesias<br />

anexas em sua relação com os países centrais. Em outras palavras, a<br />

industrialização deu-se ten<strong>do</strong> em vista o atendimento de demandas exter<strong>na</strong>s, não<br />

se identifican<strong>do</strong> muito, portanto, com o merca<strong>do</strong> interno:<br />

“Dedicada à produção de bens que não entram, ou entram muito escassamente, <strong>na</strong><br />

composição <strong>do</strong> consumo popular, a produção industrial latino-america<strong>na</strong> é<br />

in<strong>dependente</strong> das condições de salário próprias <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res; isso em <strong>do</strong>is<br />

senti<strong>do</strong>s. Em primeiro lugar, porque, ao não ser um elemento essencial <strong>do</strong><br />

consumo individual <strong>do</strong> operário, o valor das manufaturas não determi<strong>na</strong> o valor da<br />

força de trabalho; não será, portanto, a desvalorização das manufaturas o que<br />

influirá <strong>na</strong> taxa de mais-valia. Isso dispensa o industrial de se preocupar em<br />

aumentar a produtividade <strong>do</strong> trabalho para, fazen<strong>do</strong> baixar o valor da unidade <strong>do</strong><br />

produto, depreciar a força de trabalho, e o leva, inversamente, a buscar o aumento<br />

da mais-valia por meio da maior exploração – intensiva e extensiva – <strong>do</strong><br />

trabalha<strong>do</strong>r, assim como a redução de salários mais além de seu limite normal.<br />

Em segun<strong>do</strong> lugar, porque a relação inversa que daí se deriva para a evolução da<br />

oferta de merca<strong>do</strong>rias e <strong>do</strong> poder de compra <strong>do</strong>s operários, isto é, o fato de que a<br />

primeira cresça à custa da redução <strong>do</strong> segun<strong>do</strong>, não cria problemas para o<br />

capitalista <strong>na</strong> esfera da circulação, uma vez que, como deixamos claro, as<br />

manufaturas não são elementos essenciais no consumo individual <strong>do</strong> operário”<br />

(TRASPADINI e STEDILE, 2005, p. 172).<br />

Com o processo de abertura econômica, por sua vez, se observa uma<br />

centralização <strong>do</strong> poder econômico e político <strong>na</strong>s empresas estrangeiras aqui<br />

instaladas, origi<strong>na</strong>n<strong>do</strong> uma categoria extraordinária de mais-valia, decorrente<br />

das disputas inter-capitalistas por apropriação de riqueza. “Assim essa maisvalia<br />

extraordinária altera a repartição geral da mais-valia entre os diversos<br />

capitalistas, ao traduzir-se em lucro extraordinário, mas não modifica o grau de<br />

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exploração <strong>do</strong> trabalho <strong>na</strong> economia ou no ramo considera<strong>do</strong>, isto é, não incide<br />

<strong>na</strong> cota de mais-valia” (MARINI, 2000, p. 114). Esta mais-valia é transferida ao<br />

centro <strong>do</strong> sistema sob a forma de merca<strong>do</strong>rias necessárias à reprodução da força<br />

de trabalho a um preço inferior, levan<strong>do</strong> à diminuição <strong>do</strong> tempo de trabalho<br />

necessário para a reprodução da classe trabalha<strong>do</strong>ra, aumentan<strong>do</strong> com isso a<br />

mais-valia relativa sem diminuir a qualidade de vida das classes trabalha<strong>do</strong>ras<br />

nos países centrais. A dependência é, portanto, um mecanismo de apropriação<br />

<strong>do</strong> excedente econômico em escala mundial. A industrialização <strong>na</strong>da mais<br />

representou que sua reprodução não ape<strong>na</strong>s sob bases comerciais, mas também<br />

fi<strong>na</strong>nceiras e creditícias. Identificou-se mais com um movimento inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l<br />

de circulação <strong>do</strong> capital que com um esforço particular da economia brasileira.<br />

3) Conclusão<br />

A maioria <strong>do</strong>s estudiosos da economia brasileira concordam que o<br />

ascenso <strong>do</strong> neo-liberalismo e a abertura econômica das últimas décadas levou<br />

não ape<strong>na</strong>s ao desmonte <strong>do</strong> aparato estatal mas também à derrocada de setores<br />

industriais brasileiros sem condições de concorrer com economias mais ricas em<br />

mão-de-obra e de profunda inexistência de legislações de defesa <strong>do</strong> trabalho e<br />

<strong>do</strong> meio ambiente, como a Chi<strong>na</strong> e a Índia, por exemplo. Como resulta<strong>do</strong><br />

imediato, parte da sociedade brasileira tem passa<strong>do</strong> por um profun<strong>do</strong> processo<br />

de margi<strong>na</strong>lização, ten<strong>do</strong> que observar antigos direitos e garantias sociais<br />

transformadas em merca<strong>do</strong>rias por meio <strong>do</strong> processo de privatização.<br />

Também a indústria brasileira e latino-america<strong>na</strong> perdeu <strong>na</strong> concorrência<br />

com as indústrias <strong>do</strong>s países centrais em razão de uma monopolização<br />

tecnológica garantida pelas leis de proteção à inovação e às patentes, reduzin<strong>do</strong><br />

sempre a esfera <strong>do</strong>s produtores de tecnologia e levan<strong>do</strong> a uma monopolização e<br />

des<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lização da economia brasileira. “Além das privatizações, temos ti<strong>do</strong><br />

um grande volume de fusões e aquisições no próprio setor priva<strong>do</strong>. Essa<br />

des<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lização da economia, ainda que possa representar ganhos de<br />

produtividade e aumento da capacidade de investimentos <strong>na</strong>s referidas<br />

empresas, também representam direitos contra o país para a remessa futura de<br />

divisas, pressio<strong>na</strong>n<strong>do</strong> o déficit <strong>na</strong> conta de serviços” (MERCADANTE, 1998, p.<br />

152). Sobre a tese de Rei<strong>na</strong>l<strong>do</strong> Gonçalves, de uma re-primarização da economia<br />

brasileira, o gráfico abaixo revela que nossa pauta exporta<strong>do</strong>ra, para além <strong>do</strong><br />

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<strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>s produtos primários agrega<strong>do</strong>s, tem se expandi<strong>do</strong> em um<br />

movimento de absoluta entrega de reservas <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, de uso da nossa economia<br />

por empresas estrangeiras como plataforma exporta<strong>do</strong>ras e da exportação de<br />

bens necessários à reprodução da força de trabalho nos países centrais, ou seja,<br />

tem se desenvolvi<strong>do</strong> conforme os supostos teóricos e meto<strong>do</strong>lógicos da<br />

dependência:<br />

Gráfico 4 – Evolução das Exportações Brasileiras por Tipo de Produto (1995 a 2006).<br />

Valor (em US$)<br />

Evolução das Exportações Brasileiras<br />

por Tipo de Produto<br />

80000000<br />

70000000<br />

60000000<br />

50000000<br />

40000000<br />

30000000<br />

20000000<br />

10000000<br />

0<br />

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006<br />

Bens Manuf atura<strong>do</strong>s Ferro e Aço Commodities Primárias<br />

Commodities Primárias<br />

menos Combustív eis<br />

Alimentos Combustíveis<br />

Fonte: Base de da<strong>do</strong>s da UNCTAD.<br />

Isto é, a estratégia recoloniza<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Plano Real não se expressa<br />

unicamente em uma re-primarização, da<strong>do</strong> que, como vimos, industrialização<br />

em uma economia <strong>dependente</strong> não significa superação <strong>do</strong> sub<strong>desenvolvimento</strong>,<br />

senão, conforme argumentara Gunder Frank, o <strong>desenvolvimento</strong> <strong>do</strong><br />

sub<strong>desenvolvimento</strong>, sua reprodução sobre outras bases. No entanto, confirmar<br />

ou não a tese de Gonçalves seria, meio século depois, cair <strong>na</strong> mesma armadilha<br />

em que a CEPAL caíra, qual seja, apontar a <strong>na</strong>tureza <strong>do</strong>s produtos envolvi<strong>do</strong>s<br />

<strong>na</strong>s trocas inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is como determi<strong>na</strong>ntes de nossa dependência. Não o são.<br />

Precisamente, são as relações de classe e a <strong>na</strong>tureza das relações de produção<br />

que definem o capitalismo brasileiro, de formação histórica sui generis, como<br />

<strong>dependente</strong>. Exatamente por esta razão que foi necessária a introdução<br />

apontan<strong>do</strong> a função da industrialização brasileira no capitalismo mundial. Não<br />

há uma história pura da indústria brasileira, tampouco podemos estudá-la como<br />

coisa em si. E justamente quan<strong>do</strong> a a<strong>na</strong>lisamos em relação com o to<strong>do</strong> é que<br />

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percebemos que, estruturalmente, não apresenta um novo caráter <strong>na</strong>s relações de<br />

produção, razão pela qual antes de significar uma superação <strong>do</strong><br />

sub<strong>desenvolvimento</strong>, é justamente a sua reprodução.<br />

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IPEAData, Base de Da<strong>do</strong>s On Line.<br />

MARINI, Ruy Mauro. Dialética da Dependência. Petrópolis: Vozes, 2000.<br />

MERCADANTE, Aloísio (org). O Brasil Pós-Real: A Política Econômica em<br />

Debate. São Paulo: Unicamp, 1998. 314 p.<br />

PREBISCH, Raul. A Dinâmica <strong>do</strong> Capitalismo <strong>na</strong> América Lati<strong>na</strong>. Buenos<br />

Aires: Era, 1957.<br />

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Marini. Vida e Obra. 1ª. Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2005.<br />

UNCTAD, Base de Da<strong>do</strong>s On Line.<br />

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