mito e tradição em mia couto: sobre o resgate da função do ... - Cielli
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Universi<strong>da</strong>de Estadual de Maringá – UEM<br />
Maringá-PR, 9, 10 e 11 de junho de 2010 – ANAIS - ISSN 2177-6350<br />
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suscitar de um páthos específico no leitor, <strong>do</strong> ponto de vista estrutural há a necessi<strong>da</strong>de<br />
constituir discursivamente um duplo específico que explicita um posicionamento na<br />
composição <strong>do</strong> <strong>mito</strong>: o lugar <strong>da</strong>quele que, ao falar, ensina e o lugar <strong>da</strong>quele que, ao<br />
ouvir/ler, aprende.<br />
Em Um Rio Chama<strong>do</strong> T<strong>em</strong>po, Uma Casa Chama<strong>da</strong> Terra, diversos el<strong>em</strong>entos<br />
romanescos são convoca<strong>do</strong>s para representar esse lugar discursivo reserva<strong>do</strong> àquele que<br />
fala, que ensina e que é preenchi<strong>do</strong> pela ideia de ‘<strong>tradição</strong>’. O primeiro el<strong>em</strong>ento que<br />
assume esse tópos é a ‘terra’ simboliza<strong>da</strong> no romance inicialmente por ‘Luar <strong>do</strong> chão’, a<br />
ilha na qual se desenrola a ação, é metoní<strong>mia</strong> <strong>da</strong> família, <strong>da</strong> infância e <strong>da</strong> felici<strong>da</strong>de<br />
passa<strong>da</strong>. O segun<strong>do</strong> é o próprio el<strong>em</strong>ento ‘terra’, a expansão espacial de ‘luar <strong>do</strong> chão’<br />
que no decurso <strong>do</strong> desenvolvimento <strong>do</strong> enre<strong>do</strong> se fecha para o sepultamento <strong>do</strong>s mortos,<br />
impedin<strong>do</strong> que esses sejam enterra<strong>do</strong>s até que volte a equilibrar a relação entre a<br />
‘<strong>tradição</strong>’ desrespeita<strong>da</strong> e a ‘moderni<strong>da</strong>de’ invasora. O terceiro e último é o defunto-<br />
personag<strong>em</strong> Dito Mariano que <strong>do</strong> além se comunica por meio <strong>do</strong> transe, <strong>do</strong> sonho e <strong>do</strong><br />
devaneio, metáforas <strong>da</strong> interiori<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> m<strong>em</strong>ória, com seu neto/filho, o narra<strong>do</strong>rpersonag<strong>em</strong><br />
Mariano, a qu<strong>em</strong> é <strong>da</strong><strong>da</strong> a tarefa de restabelecer o equilíbrio familiar e<br />
resgatar por meio <strong>do</strong> aquiescer às palavras de seu pai/avô, os valores <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>. É o<br />
ato de escutar e aquiescer o dizer dessa voz interior <strong>do</strong> pai/avô, que <strong>em</strong>erge no romance<br />
como representante de uma <strong>tradição</strong> esqueci<strong>da</strong>, que se abre para o narra<strong>do</strong>r-personag<strong>em</strong><br />
a possibili<strong>da</strong>de <strong>do</strong> conhecimento acerca de sua identi<strong>da</strong>de na cont<strong>em</strong>poranei<strong>da</strong>de. É<br />
portanto no tom de Homero <strong>mito</strong>logicamente que Couto institui a possibili<strong>da</strong>de de<br />
resgatar a <strong>tradição</strong> perdi<strong>da</strong>. Essa estrutura é repeti<strong>da</strong> <strong>em</strong> outros romances coutianos.<br />
Em A Varan<strong>da</strong> de Frangipani essa estratégia se repete, no entanto, de forma<br />
diferencia<strong>da</strong>. A alma <strong>do</strong> sol<strong>da</strong><strong>do</strong> Ermelin<strong>do</strong> Mucanga, morto s<strong>em</strong> honrarias, encarna no<br />
corpo <strong>do</strong> inspetor de polícia Izidine Naíta, que busca desven<strong>da</strong>r a morte de Vasto<br />
Excelêncio, diretor de um asilo de velhos. O tópos <strong>da</strong> <strong>tradição</strong> é preenchi<strong>do</strong> pelos<br />
<strong>sobre</strong>viventes <strong>do</strong> asilo, “as vozes antigas” (COUTO, 2007, p. 23) <strong>do</strong> lugar que um <strong>do</strong>s<br />
personagens indica ser a sua “varan<strong>da</strong>”, o resquício <strong>do</strong> Moçambique de outrora. É nessa<br />
varan<strong>da</strong>, diz o personag<strong>em</strong>, “que me abasteço de infinito” (COUTO, 2007, p.48), que<br />
ele se revigora no contato como o el<strong>em</strong>ento que, junto com as vozes antigas, comparece<br />
no romance para resgatar a <strong>função</strong> de veículo <strong>da</strong> <strong>tradição</strong> perdi<strong>da</strong>: o ‘mar’ fons et origo