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A contribuição dos grupos amadores de teatro para a ... - ECA - USP

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO<br />

ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES<br />

Relatório final CNPQ/PIBIC<br />

Projeto<br />

TEATRO AMADOR<br />

–<br />

A <strong>contribuição</strong> <strong>dos</strong> <strong>grupos</strong> <strong>amadores</strong> <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> <strong>para</strong> a<br />

vida cultural da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo apesar da censura<br />

e o controle do Estado.<br />

São Paulo, agosto <strong>de</strong> 2011<br />

Luciana Penas da Silva<br />

Bolsista<br />

Profa. Dra. Roseli Fígaro<br />

Orientadora<br />

1


Sumário<br />

1 - Introdução ................................................................................................................. 3<br />

Apresentação ............................................................................................................. 3<br />

Descrição do grupo <strong>de</strong> pesquisa ............................................................................. 3<br />

Descrição do eixo <strong>de</strong> pesquisa ....................................................................... 4<br />

Recorte do objeto ........................................................................................... 4<br />

2- Ativida<strong>de</strong>s Desenvolvidas ........................................................................... 5<br />

Participação em Seminários e Simpósios ....................................................... 5<br />

Seminário Internacional Comunicação e censura ....................................... 5<br />

SIIC<strong>USP</strong> ...................................................................................................... 6<br />

Segundo Seminário <strong>de</strong> Pesquisa ................................................................ 6<br />

Treinamento e Catalogações .......................................................................... 7<br />

Reuniões do núcleo ........................................................................................ 8<br />

Reuniões do Eixo temático ............................................................................. 9<br />

Entrevistas .................................................................................................... 10<br />

Pascoal da Conceição............................................................................... 10<br />

Toninho Macedo ....................................................................................... 11<br />

Celso Frateschi ......................................................................................... 11<br />

Hilda Breda (Regina Pacis) ....................................................................... 11<br />

Projeto Cinema na Biblioteca (pesquisa e extensão cultural) ....................... 12<br />

Dificulda<strong>de</strong>s Encontradas ............................................................................. 12<br />

3- A <strong>contribuição</strong> <strong>dos</strong> <strong>grupos</strong> <strong>amadores</strong> <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> <strong>para</strong> a vida cultural da<br />

cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo apesar da censura e o controle do Estado ..................... 14<br />

Introdução ..................................................................................................... 14<br />

Objetivos ................................................................................................... 14<br />

Metodologia ............................................................................................... 15<br />

Contextualização ....................................................................................... 17<br />

O <strong>teatro</strong> amador em São Paulo nas décadas <strong>de</strong> 30 a 70 ............................. 19<br />

O <strong>teatro</strong> amador <strong>de</strong> 1970 a 1980 .................................................................. 27<br />

O controle do Estado sobre o Amador .......................................................... 32<br />

Do amadorismo ao profissionalismo ............................................................. 41<br />

Consi<strong>de</strong>rações finais .................................................................................... 44<br />

Referências bibliográficas ................................................................................ 46<br />

Anexos ............................................................................................................. 50<br />

2


1 - Introdução<br />

Apresentação<br />

O Arquivo Miroel Silveira guarda pouco mais <strong>de</strong> seis mil processos <strong>de</strong><br />

censura feitos entre os anos <strong>de</strong> 1930 e 1970.<br />

A política da censura às diversões públicas, aí incluído o <strong>teatro</strong>, era<br />

realizada nos esta<strong>dos</strong> da fe<strong>de</strong>ração. As secretarias <strong>de</strong> segurança pública<br />

controlavam a censura. Em São Paulo, <strong>de</strong>ntro da Secretaria, o responsável era<br />

o Departamento <strong>de</strong> Diversões Públicas do Estado <strong>de</strong> São Paulo (DDP-SP).<br />

To<strong>dos</strong> que quisessem representar uma peça <strong>de</strong>ntro do estado <strong>de</strong> São Paulo<br />

<strong>de</strong>veriam enviar uma solicitação ao DDP, que emitiria um certificado liberando,<br />

vetando ou fazendo cortes na peça <strong>para</strong> a apresentação.<br />

Os processos foram trazi<strong>dos</strong> do Departamento Estadual <strong>de</strong> Imprensa e<br />

Propaganda (DEIP-SP) <strong>para</strong> a Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo em 1988, pelo Prof.<br />

Dr. Miroel Silveira, após a extinção da censura prévia ao <strong>teatro</strong>. Ele utilizou os<br />

processos <strong>para</strong> a sua tese <strong>de</strong> doutorado, porém ainda não sabia da riqueza e<br />

abrangência <strong>dos</strong> documentos.<br />

Após seu falecimento, os processos ficaram na biblioteca da Escola <strong>de</strong><br />

Comunicações e Artes (<strong>ECA</strong>-<strong>USP</strong>). Hoje eles têm sala própria na <strong>ECA</strong>,<br />

pertencem ao acervo da Biblioteca, e o arquivo foi batizado <strong>de</strong> Arquivo Miroel<br />

Silveira (AMS). A partir da re<strong>de</strong>scoberta <strong>dos</strong> processos da censura, Maria<br />

Cristina Castilho Costa, foi quem primeiro <strong>de</strong>bruçou-se sobre eles, dando<br />

origem, posteriormente, ao Grupo <strong>de</strong> Pesquisa do Arquivo Miroel Silveira.<br />

Atualmente, esse grupo adquiriu o status <strong>de</strong> Núcleo <strong>de</strong> Pesquisa em<br />

Comunicação e Censura da <strong>USP</strong> (Comunicação e Censura – análise teórica e<br />

documental <strong>de</strong> processos censórios a partir do Arquivo Miroel Silveira da<br />

Biblioteca da <strong>ECA</strong>/<strong>USP</strong> Comunicação).<br />

Descrição do grupo <strong>de</strong> pesquisa<br />

O Núcleo <strong>de</strong> Pesquisa em Comunicação e Censura surgiu a partir <strong>dos</strong><br />

projetos realiza<strong>dos</strong> sobre o Arquivo Miroel Silveira. O núcleo é interdisciplinar e<br />

3


se <strong>de</strong>dica a estudar temas como a censura e a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão nos<br />

meios <strong>de</strong> comunicação e artes, tais como televisão, cinema, jornais, rádios e<br />

principalmente o <strong>teatro</strong>.<br />

O Projeto Temático Comunicação e Censura: análise teórica e<br />

documental <strong>de</strong> processos censórios a partir do Arquivo Miroel Silveira da<br />

biblioteca da <strong>ECA</strong>-<strong>USP</strong> atualmente é dividido em três eixos temáticos. Maria<br />

Cristina Castilho Costa coor<strong>de</strong>na o eixo Comunicação, Censura e Liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Expressão no Mundo Contemporâneo. A Profª. Drª. Mayra Rodrigues, por sua<br />

vez, coor<strong>de</strong>na o eixo Liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Expressão: Manifestações no Jornalismo. O<br />

último eixo é Censura, Mídias e Teatro Amador: Antropofagias e Mestiçagens,<br />

orientado pela Profª. Drª. Roseli Fígaro.<br />

Descrição do eixo <strong>de</strong> pesquisa<br />

O Arquivo Miroel Silveira contém um número abundante <strong>de</strong> peças<br />

encenadas por <strong>grupos</strong> que não fizeram parte do gran<strong>de</strong> circuito <strong>de</strong> <strong>teatro</strong><br />

comercial. A partir <strong>de</strong>stas peças a Profª. Drª. Roseli Fígaro começou a estudar<br />

o <strong>teatro</strong> amador e sua relevância <strong>de</strong>ntro da socieda<strong>de</strong>. Destes estu<strong>dos</strong> surgiu o<br />

primeiro projeto sobre os <strong>amadores</strong>: Na cena paulista, o amador, que resultou<br />

no lançamento do livro Na cena paulista, o <strong>teatro</strong> amador, circuito alternativo e<br />

popular <strong>de</strong> cultura (1927 - 1945), no ano <strong>de</strong> 2008. Em breve (setembro/2011)<br />

outro livro será publicado Teatro, comunicação e sociabilida<strong>de</strong>. Uma análise da<br />

censura ao <strong>teatro</strong> amador em São Paulo (1946-1970).<br />

Recorte do objeto<br />

Inserido no eixo <strong>de</strong> pesquisa apresentado está este projeto <strong>de</strong> pesquisa<br />

que foi intitulado “A <strong>contribuição</strong> <strong>dos</strong> <strong>grupos</strong> <strong>amadores</strong> <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> <strong>para</strong> a vida<br />

cultural da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo apesar da censura e o controle do Estado”. Os<br />

4


projetos anteriores estudaram o <strong>teatro</strong> amador nas décadas <strong>de</strong> 1930 a 1970, a<br />

partir <strong>de</strong>ste ano as pesquisas iniciaram os estu<strong>dos</strong> das ativida<strong>de</strong>s do circuito<br />

popular a partir da década <strong>de</strong> 1970. O recorte <strong>dos</strong> anos foi <strong>de</strong>cidido, pois as<br />

mudanças culturais e políticas ocorridas a partir do final da década <strong>de</strong> 1980 são<br />

refletidas no <strong>teatro</strong> amador, assim po<strong>de</strong>ndo ser tema <strong>de</strong> um próximo projeto <strong>de</strong><br />

pesquisa.<br />

Além disto, foi <strong>de</strong>cidido explorar mais as ações do Estado em relação<br />

aos <strong>grupos</strong> <strong>amadores</strong>, assim como a presença <strong>de</strong> artistas que fizeram parte do<br />

amadorismo e hoje são profissionais inseri<strong>dos</strong> nas áreas culturais. Muitas<br />

ativida<strong>de</strong>s da pesquisa foram <strong>de</strong>senvolvidas juntamente com Verônica<br />

Rodriguez, também bolsista <strong>de</strong> iniciação científica, tais como as entrevistas,<br />

pesquisas <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s e o projeto <strong>de</strong> extensão cinema na biblioteca.<br />

Realizamos em conjunto estas ativida<strong>de</strong>s, pois projetos <strong>de</strong> pesquisa<br />

abordavam temas semelhantes, facilitando o trabalho <strong>de</strong> ambas as partes.<br />

1- Ativida<strong>de</strong>s Desenvolvidas<br />

Participação em Seminários e Simpósios<br />

Seminário Internacional Comunicação e censura<br />

O seminário foi realizado pelo Núcleo <strong>de</strong> Pesquisa em Comunicação em<br />

Censura (NPCC), nos dias 17 a 20 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2010, no Auditório Freitas<br />

Nobre - prédio do Departamento <strong>de</strong> Jornalismo e Editoração da <strong>ECA</strong> – <strong>USP</strong>.<br />

Este foi um <strong>dos</strong> meus primeiros contatos com o núcleo em si e com as<br />

pesquisas <strong>de</strong>senvolvidas. Por este motivo foi extremamente útil assistir às<br />

mesas do seminário, principalmente a última, coor<strong>de</strong>nada pela Profª Draª<br />

Roseli Fígaro, que se tornaria minha orientadora.<br />

As mesas apresentaram assuntos contemporâneos como “A Censura na<br />

Atualida<strong>de</strong>” e, mesmo quando o tema era a censura ao longo da história, a<br />

discussão <strong>de</strong> como se dá e se há censura atualmente estava presente. Os<br />

convida<strong>dos</strong> das mesas e palestrantes enriqueceram os temas do seminário,<br />

5


<strong>de</strong>monstrando visões diferentes, não somente daqueles que sofreram com a<br />

ditadura ou <strong>dos</strong> pesquisadores. Uma das mesas mais interessantes foi com o<br />

ex-secretário nacional <strong>de</strong> justiça, Pedro Abramovay que explicou como<br />

funciona atualmente o sistema <strong>de</strong> classificação indicativa <strong>de</strong> meios<br />

audiovisuais e seu ponto <strong>de</strong> vista sobre as indicações por faixa etária.<br />

No mês <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2011, ainda fizemos a transcrição das mesas do<br />

Seminário, o que possibilitou relembrar o que foi discutido, bem como contribuir<br />

com o coletivo na produção <strong>de</strong> material <strong>para</strong> futuras pesquisas.<br />

SIIC<strong>USP</strong><br />

De 16 a 18 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2010, a Escola <strong>de</strong> Comunicações e Artes<br />

(<strong>ECA</strong>) sediou o 18º Simpósio Internacional <strong>de</strong> Iniciação Científica da<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo (SIIC<strong>USP</strong>). Para auxiliar aqueles que iriam<br />

apresentar suas pesquisas foram convoca<strong>dos</strong> alguns alunos da graduação e<br />

também integrantes do NPCC. Como parte do Núcleo, fiz monitoria do evento<br />

e foi uma ativida<strong>de</strong> muito importante, pois proporcionou maior conhecimento<br />

das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> iniciação científica em diversas áreas das humanida<strong>de</strong>s.<br />

Também foi possível traçar um panorama da importância da iniciação científica<br />

no meio acadêmico.<br />

Ficou evi<strong>de</strong>nte quão afortuna<strong>dos</strong> os alunos da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São<br />

Paulo são no que se refere a incentivo e apoio à iniciação. Muitos <strong>dos</strong><br />

estudantes <strong>de</strong> outras instituições que lá estavam não recebiam apoio <strong>para</strong> suas<br />

pesquisas e a realizavam com muito esforço. Outra característica importante<br />

<strong>de</strong>sta ativida<strong>de</strong> foi a troca <strong>de</strong> experiências entre pessoas <strong>de</strong> diferentes<br />

universida<strong>de</strong>s, áreas e esta<strong>dos</strong>.<br />

Segundo Seminário <strong>de</strong> Pesquisa<br />

A Comissão <strong>de</strong> Pesquisa da <strong>ECA</strong> realizou nos dias 12 e 13 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong><br />

2011 o Segundo Seminário <strong>de</strong> Pesquisa da <strong>ECA</strong>. O evento teve como objetivo<br />

mostrar as pesquisas <strong>de</strong>senvolvidas nos últimos dois anos por pós-<br />

doutoran<strong>dos</strong> e supervisores <strong>de</strong> <strong>grupos</strong> <strong>de</strong> pesquisa. Foram aborda<strong>dos</strong> temas<br />

6


<strong>de</strong> diversas áreas da comunicação e das artes como música, <strong>teatro</strong>, cinema,<br />

jornalismo e tecnologia.<br />

O evento é importante <strong>para</strong> que as pesquisas sejam difundidas no meio<br />

acadêmico, assim como também entre profissionais. Além disso, foi possível<br />

acompanhar a pesquisa do Prof. Dr. Walter <strong>de</strong> Souza cuja produção está<br />

voltada <strong>para</strong> o circo-<strong>teatro</strong> <strong>de</strong> Piolin, e também vinculada ao Arquivo Miroel<br />

Silveira.<br />

Treinamento e Catalogações<br />

As catalogações foram uma etapa importante da pesquisa, pois assim os<br />

bolsistas entram em contato direto com o objeto das pesquisas. Na primeira<br />

etapa foi realizado um treinamento <strong>para</strong> apren<strong>de</strong>rmos como era feita e <strong>de</strong>pois<br />

catalogamos as peças que mais se aproximavam do universo da pesquisa. Nós<br />

do eixo Censura, Mídias e Teatro Amador: Antropofagias e Mestiçagens<br />

cuidamos <strong>dos</strong> processos referentes a encenações por <strong>grupos</strong> <strong>de</strong> <strong>amadores</strong>.<br />

A catalogação consistia em analisar os documentos e listar da<strong>dos</strong><br />

pertinentes <strong>para</strong> uma futura inserção no banco <strong>de</strong> da<strong>dos</strong> Winsis. Alguns da<strong>dos</strong><br />

que eram leva<strong>dos</strong> em conta eram: nome da(s) peça(s) e do(s) autor(es),<br />

nacionalida<strong>de</strong> do(s) autor(es), gênero da peça, pessoas que partici<strong>para</strong>m do<br />

processo, datas, tipos <strong>de</strong> veto, documentos conti<strong>dos</strong> no processo.<br />

O processo <strong>de</strong> catalogação é cansativo e <strong>de</strong>licado, já que é feito<br />

manualmente e é preciso prestar atenção aos <strong>de</strong>talhes <strong>para</strong> que<br />

posteriormente a base não contenha da<strong>dos</strong> incorretos. A catalogação também<br />

é difícil, pois consiste em agrupar as características <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> registro<br />

<strong>de</strong> documentos <strong>de</strong> modo quase matemático. Outros fatores que dificultam<br />

ainda mais a catalogação é o fato <strong>de</strong> algumas informações serem complicadas<br />

<strong>de</strong> se classificarem e por faltarem da<strong>dos</strong> em alguns processos. Porém é<br />

curioso e extremamente interessante manusear documentos antigos e que<br />

contribuem tanto <strong>para</strong> o conhecimento da socieda<strong>de</strong> e da história daquela<br />

época.<br />

7


Apesar <strong>de</strong> tantas dificulda<strong>de</strong>s é um esforço necessário, porque a<br />

catalogação e o banco <strong>de</strong> da<strong>dos</strong> facilitarão o acesso <strong>para</strong> a população em<br />

geral, <strong>de</strong>ixando os da<strong>dos</strong> mais fáceis <strong>de</strong> serem encontra<strong>dos</strong> e manusea<strong>dos</strong>. É<br />

um esforço coletivo <strong>para</strong> que o banco sirva no futuro <strong>para</strong> outras pesquisas,<br />

facilitando a coleta <strong>de</strong> da<strong>dos</strong> em relação aos processos. Por mim foram<br />

cataloga<strong>dos</strong> 58 processos durante os seis primeiros meses da pesquisa<br />

(ANEXO I).<br />

Reuniões do núcleo<br />

Durante todo o período da iniciação ocorreram reuniões do núcleo.<br />

Inicialmente aconteciam a cada mês aproximadamente e a partir <strong>de</strong> março <strong>de</strong><br />

2011 passaram a ser quinzenais. Nestes encontros os professores pós<br />

doutores, doutores, mestran<strong>dos</strong>, graduan<strong>dos</strong> e bolsistas <strong>de</strong> pré-iniciação<br />

científica integrantes do núcleo eram reuni<strong>dos</strong> <strong>para</strong> uma conversa sobre cada<br />

projeto individual e também sobre o plano geral do grupo. Estas reuniões<br />

ajudaram a esclarecer dúvidas sobre o funcionamento do grupo, assim como<br />

ajudaram a compor o repertório <strong>para</strong> a iniciação. Houve ocasiões em que foi<br />

ensinado a criar um projeto <strong>de</strong> iniciação científica, também havia dicas <strong>de</strong><br />

palestras, seminários e livros interessantes.<br />

Em um <strong>de</strong>stes encontros foi organizada uma troca <strong>de</strong> experiências entre<br />

o Núcleo e o Memórias do ABC da Universida<strong>de</strong> Municipal <strong>de</strong> São Caetano do<br />

Sul, o que possibilitou um intercâmbio, muito interessante, <strong>de</strong> informações e<br />

conhecimento entre ambos os projetos. O Memórias do ABC é um projeto que<br />

resgata <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> pessoas importantes <strong>para</strong> a memória social da cida<strong>de</strong>,<br />

este projeto possui um eixo sobre o <strong>teatro</strong> amador. O projeto também é<br />

multidisciplinar e preten<strong>de</strong> disponibilizar brevemente um acervo com os<br />

resulta<strong>dos</strong> as pesquisas realizadas até o momento. Por todas estas<br />

características citadas percebe-se que ambos os núcleos <strong>de</strong> pesquisa<br />

possuem muitos aspectos comuns e por isto foi tão interessante o seminário<br />

on<strong>de</strong> foi apresentado o Hipermemo (seu acervo, que atualmente está<br />

disponível <strong>de</strong>ntro da universida<strong>de</strong>), houve uma palestra sobre como são<br />

8


produzi<strong>dos</strong> os ví<strong>de</strong>os e também uma discussão sobre os da<strong>dos</strong> e méto<strong>dos</strong><br />

apresenta<strong>dos</strong>. Esta reunião proporcionou acúmulo <strong>de</strong> conhecimento <strong>para</strong><br />

ambos os núcleos.<br />

Reuniões do Eixo temático<br />

As reuniões do eixo temático eram frequentes e nelas eram discuti<strong>dos</strong><br />

pontos mais específicos <strong>de</strong> cada pesquisa. Do eixo fazem parte: Profª. Drª.<br />

Roseli Fígaro, a Mestre Maria Marta Jacob, a bolsista <strong>de</strong> iniciação científica<br />

Verônica Rodriguez e eu. Além disso, o <strong>teatro</strong> amador possui um banco <strong>de</strong><br />

da<strong>dos</strong> próprio <strong>de</strong>senvolvido no programa SPSS e alimentado com as<br />

informações obtidas no AMS. Nos encontros do eixo era discutido o<br />

planejamento das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pesquisa, assim como reflexões que ajudariam<br />

nas pesquisas individuais.<br />

O banco <strong>de</strong> da<strong>dos</strong> do <strong>teatro</strong> conta com da<strong>dos</strong>, tais como nome da(s)<br />

peça(s) e do(s) autor(es), nacionalida<strong>de</strong> do(s) autor(es), gênero da peça,<br />

companhia teatral, local <strong>de</strong> apresentação, tipo <strong>de</strong> instituição, entre outros. Este<br />

banco foi feito <strong>para</strong> facilitar a pesquisa e o cruzamento <strong>de</strong> da<strong>dos</strong> específicos do<br />

<strong>teatro</strong> amador e a partir <strong>de</strong>le que foram cria<strong>dos</strong> mapas das organizações,<br />

origem estrangeiras e locais <strong>de</strong>ntro da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo. Des<strong>de</strong> sua criação<br />

é alimentado com os da<strong>dos</strong> das peças amadoras encontradas no AMS pelos<br />

bolsistas que trabalham com o eixo. A base inicialmente foi alimentada com<br />

da<strong>dos</strong> referentes há alguns anos julga<strong>dos</strong> relevantes até o ano <strong>de</strong> 1945, estes<br />

da<strong>dos</strong> serviram <strong>de</strong> base <strong>para</strong> as primeiras pesquisas do eixo. Com a evolução<br />

das pesquisas peças <strong>dos</strong> anos entre 1945 e 1968 também começaram a ser<br />

inseri<strong>dos</strong> no banco. A expansão do banco permite resulta<strong>dos</strong> cada vez mais<br />

conclusivos em relação ao panorama amador. Atualmente <strong>de</strong>sejamos esgotar<br />

as catalogações referentes ao <strong>teatro</strong> amador, completando assim a base do<br />

programa <strong>de</strong> estatística SPSS.<br />

9


Entrevistas<br />

No mês <strong>de</strong> abril, já na segunda parte da iniciação, <strong>de</strong>mos início ao<br />

período <strong>de</strong> entrevistas com artistas <strong>de</strong> <strong>grupos</strong> <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> amador que se<br />

profissionalizaram. Parte essencial da pesquisa, pois entramos em contato com<br />

os artistas <strong>para</strong> sabermos o outro lado da história, por aqueles que a viveram.<br />

Também é importante <strong>de</strong>vido à falta <strong>de</strong> uma bibliografia ampla sobre o tema.<br />

Inicialmente realizamos uma pesquisa bibliográfica sobre os entrevista<strong>dos</strong> e<br />

<strong>de</strong>pois fomos entrevistá-los. Foram feitas quatro entrevistas filmadas e<br />

transcritas, nosso objetivo é disponibilizar o material on-line <strong>para</strong> que outros<br />

pesquisadores e curiosos possam acessar o material coletado, <strong>para</strong> isto iremos<br />

trabalhar na edição das entrevistas realizadas.<br />

Pascoal da Conceição<br />

A primeira entrevista realizada foi com o ator Pascoal da Conceição. Ator<br />

que iniciou sua carreira como amador na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Caetano, <strong>de</strong>pois<br />

cursou a Escola <strong>de</strong> Artes Dramáticas e ingressou em um <strong>dos</strong> mais importantes<br />

<strong>grupos</strong> <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> do país: o Teatro Oficina. Mais tar<strong>de</strong> o ator ainda migra <strong>para</strong> a<br />

televisão e torna-se famoso com as personagens Dr. Abobrinha, da série<br />

infantil “O Castelo Rá-Tim-Bum” e, mais recentemente, como o escritor Mário<br />

<strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, na minissérie JK da Re<strong>de</strong> Globo. Juntamente com Verônica<br />

Rodriguez e Paula Venâncio, fomos até a casa do ator <strong>para</strong> filmagem da<br />

conversa. Apesar do nervosismo por ser a primeira entrevista, tudo correu<br />

perfeitamente bem. Pascoal foi extremamente atencioso e nos emprestou um<br />

material repleto <strong>de</strong> documentos sobre o Festival <strong>de</strong> Teatro Amador <strong>dos</strong> anos 76<br />

e 78, época da censura Fe<strong>de</strong>ral que o arquivo Miroel já não engloba mais.<br />

Esses documentos serão digitaliza<strong>dos</strong> e incorpora<strong>dos</strong> aos documentos sobre<br />

<strong>teatro</strong> amador e os originais serão <strong>de</strong>volvi<strong>dos</strong> ao ator.<br />

10


Toninho Macedo<br />

Aproximadamente duas semanas após a primeira entrevista, o<br />

questionário foi revisado e uma reunião foi feita <strong>para</strong> aprimorarmos o método<br />

<strong>de</strong> entrevista. E assim realizamos a segunda entrevista com o produtor cultural<br />

Toninho Macedo. Quando começou suas experiências com o <strong>teatro</strong> amador,<br />

era professor <strong>de</strong> Francês na escola estadual Stefan Zweig, na Zona Leste da<br />

Capital. Devido à censura, ele foi <strong>de</strong>mitido por suas ativida<strong>de</strong>s com o grupo que<br />

havia formado. Depois Toninho Macedo tornou-se produtor cultural do grupo<br />

Abaçaí que completa, em 2011, 33 anos.<br />

Celso Frateschi<br />

A entrevista com o ator Celso Frateschi foi realizada no Espaço Ágora,<br />

<strong>teatro</strong> <strong>de</strong> sua proprieda<strong>de</strong>, no dia 3 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2011. A prof. Dra. Roseli<br />

Fígaro foi quem nos acompanhou nesta entrevista, juntamente com Raphael<br />

Alario <strong>para</strong> a filmagem. Celso iniciou sua prática teatral também <strong>de</strong>ntro da<br />

escola, juntamente com suas ativida<strong>de</strong>s políticas. Pouco tempo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> sair<br />

do ensino médio o ator se une ao grupo Teatro <strong>de</strong> Arena, um <strong>dos</strong> mais<br />

importantes da cena teatral brasileira. Frateschi também <strong>de</strong>senvolveu<br />

ativida<strong>de</strong>s com <strong>grupos</strong> <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> <strong>de</strong> periferia, foi presi<strong>de</strong>nte da FUNARTE e<br />

Secretário Municipal <strong>de</strong> Cultura em Santo André. Atualmente dá aulas na<br />

Escola <strong>de</strong> Artes Dramática, na <strong>ECA</strong>-<strong>USP</strong>, é diretor do Teatro da <strong>USP</strong> - T<strong>USP</strong> e<br />

é dono do Espaço Ágora.<br />

Hilda Breda (Regina Pacis)<br />

Hilda é integrante e atual diretora do grupo teatral amador Regina Pacis.<br />

O Grupo Cênico Regina Pacis foi criado em 1962 por Antonino Assumpção na<br />

comunida<strong>de</strong> da Igreja Matriz <strong>de</strong> São Bernardo do Campo. O grupo nunca<br />

<strong>de</strong>ixou o amadorismo <strong>de</strong> lado e foi extremamente importante no cenário do<br />

ABC paulista, tornando-se praticamente o grupo oficial da cida<strong>de</strong>, que a<br />

representava em festivais e no restante do país. Durante sua trajetória, que<br />

11


completará 50 anos em 2012, o grupo encenou mais <strong>de</strong> setenta peças, entre<br />

adultas, infantis, nacionais ou estrangeiras, com textos políticos ou religiosos.<br />

No arquivo Miroel Silveira encontram-se dois processos com o nome do grupo<br />

são eles: O segredo do padre Jeremias (DDP2352), liberada sem restrições no<br />

ano <strong>de</strong> 1963 e Pedreira das Almas (DDP4657), liberada <strong>para</strong> maiores <strong>de</strong> 14<br />

anos no ano <strong>de</strong> 1964. Hilda Breda nos recebeu em sua casa, em São Bernardo<br />

do Campo no dia 11 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2011 e também nos forneceu documentos<br />

referentes à censura fe<strong>de</strong>ral (ANEXO VIII), além <strong>de</strong> fotos <strong>de</strong> peças encenadas<br />

nas décadas <strong>de</strong> 1970 e 1980. Estiveram presentes <strong>para</strong> a realização da<br />

entrevista esta pesquisadora, Verônica Rodriguez e Roseli Fígaro<br />

(entrevistadora) e nos acompanharam Raphael Alario (<strong>para</strong> captação <strong>de</strong><br />

imagem e som), Paula Venâncio.<br />

Projeto Cinema na Biblioteca (pesquisa e extensão cultural)<br />

Apesar <strong>de</strong> não estar propriamente inserido nas ativida<strong>de</strong>s da pesquisa o<br />

projeto surgiu a partir da i<strong>de</strong>ia da Profª Draª Roseli Fígaro <strong>de</strong> passar filmes<br />

clássicos na sala <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o da biblioteca, que por sua vez, quase não era<br />

utilizada. O projeto consiste em duas sessões quinzenais <strong>de</strong> importantes filmes<br />

do cinema mundial, segui<strong>dos</strong> <strong>de</strong> uma discussão com os participantes. Com<br />

este projeto eu e Verônica Rodriguez tivemos uma experiência interessante <strong>de</strong><br />

construção <strong>de</strong> repertório e também <strong>de</strong> organização <strong>de</strong> um projeto <strong>para</strong> <strong>de</strong><br />

extensão cultural. Cuidamos da divulgação em geral com a criação, impressão<br />

e distribuição <strong>de</strong> cartazes e flyers on-line. Também criamos um blog <strong>para</strong> o<br />

projeto, trabalhamos com mídias sociais e fizemos to<strong>dos</strong> os contatos com o<br />

público, além da exibição <strong>dos</strong> filmes nas sessões e breves discussões após o<br />

final das obras.<br />

Dificulda<strong>de</strong>s Encontradas<br />

12


Através da iniciação foi possível perceber o quão meticuloso é o trabalho<br />

do pesquisador. A leitura constante e atualização <strong>dos</strong> temas relaciona<strong>dos</strong> são<br />

imprescindíveis ao trabalho. Foi necessário um período <strong>de</strong> adaptação às<br />

práticas <strong>de</strong> pesquisa, já que antes apenas havia trabalhado com trabalhos<br />

acadêmicos <strong>de</strong> natureza muito mais simples.<br />

Em relação ao tema da pesquisa as maiores dificulda<strong>de</strong>s encontradas<br />

foram no que concerne à busca <strong>de</strong> informações sobre uma época mais recente<br />

e um objeto que não possui muitos estu<strong>dos</strong> acerca. Sobre o passado existem<br />

vários estu<strong>dos</strong>, porém pesquisar algo relativamente recente apresenta muitos<br />

empecilhos, pois existem poucas fontes acadêmicas, mas muitos lugares <strong>para</strong><br />

se fazer pesquisa <strong>de</strong> campo.<br />

O que também merece ser citado é o esforço <strong>para</strong> a catalogação <strong>dos</strong><br />

processos. Foi um trabalho que <strong>de</strong>mandou bastante tempo e cuidado, além <strong>de</strong><br />

alguns processos proporcionarem certa dificulda<strong>de</strong> <strong>para</strong> a<strong>de</strong>quação à<br />

catalogação. Outra dificulda<strong>de</strong> encontrada foi o banco <strong>de</strong> da<strong>dos</strong> Winisis, pois é<br />

um sistema ultrapassado, além disso, existem muitos erros nesta base <strong>de</strong><br />

da<strong>dos</strong>, algo que <strong>de</strong>veria facilitar o trabalho do pesquisador termina por dar<br />

alguns problemas, felizmente essa base será modificada, o que <strong>de</strong>verá sanar<br />

esses problemas.<br />

Outra dificulda<strong>de</strong> a ser superada foram os processos <strong>de</strong> entrevistas. Foi<br />

necessária uma pre<strong>para</strong>ção com busca <strong>de</strong> informações sobre os entrevista<strong>dos</strong>,<br />

ensaio <strong>de</strong> perguntas, assim como coletar equipamentos que fossem eficientes<br />

<strong>para</strong> as gravações. Após as primeiras entrevistas, tivemos maior sucesso com<br />

a captação <strong>de</strong> áudio e ví<strong>de</strong>o, pois conseguimos equipamentos melhores e a<br />

ajuda <strong>de</strong> Raphael Alario. Também foi trabalhoso entrar em contato com alguns<br />

artistas e agendar dia, local e horário <strong>para</strong> as entrevistas, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo sempre<br />

das possibilida<strong>de</strong>s que eles ofereciam.<br />

13


2- A <strong>contribuição</strong> <strong>dos</strong> <strong>grupos</strong> <strong>amadores</strong> <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> <strong>para</strong> a vida cultural<br />

Introdução<br />

da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo apesar da censura e o controle do Estado<br />

Objetivos<br />

Esta pesquisa preten<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar a relevância do <strong>teatro</strong> amador <strong>para</strong><br />

a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo apesar da censura exercida pelo Estado. Seguindo a<br />

linha cronológica <strong>dos</strong> projetos temáticos 1 , as décadas <strong>de</strong> 1970 e 1980 foram<br />

escolhidas como objeto <strong>de</strong> estudo, pois o período anterior já havia sido<br />

abordado em outras pesquisas e, a partir do final da década <strong>de</strong> 1980, há outra<br />

configuração social na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo com a volta da <strong>de</strong>mocracia ao<br />

país, tema que possibilita uma nova abordagem em outro estudo futuro. De<br />

acordo com a proposta do eixo, o <strong>teatro</strong> é estudado como uma manifestação<br />

<strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ste modo esta pesquisa preten<strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar o papel que os<br />

<strong>grupos</strong> <strong>amadores</strong> exerciam na socieda<strong>de</strong> das décadas <strong>de</strong> 1970 e 1980.<br />

A hipótese inicial é <strong>de</strong> que houve mudanças nas entida<strong>de</strong>s promotoras<br />

do <strong>teatro</strong> amador e também <strong>dos</strong> espaços utiliza<strong>dos</strong>. Crê-se que houve uma<br />

migração <strong>de</strong> locais populares com o objetivo <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> <strong>para</strong> lugares<br />

cria<strong>dos</strong> e promovi<strong>dos</strong> pelo Estado e os <strong>grupos</strong> passaram a possuir uma<br />

inclinação mais artística e cultural do que social.<br />

É necessário, portanto continuar o levantamento <strong>de</strong> da<strong>dos</strong> do Arquivo<br />

Miroel Silveira em relação ao <strong>teatro</strong> amador <strong>para</strong> compor um mapa completo<br />

do perfil do circuito popular e alternativo na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo. Além <strong>de</strong>ste<br />

levantamento é um objetivo pesquisar e estudar os impactos das ativida<strong>de</strong>s do<br />

Estado causa<strong>dos</strong> nos <strong>grupos</strong> <strong>amadores</strong> e a posição <strong>de</strong>stes <strong>grupos</strong> em relação<br />

ao Estado. Para obtermos da<strong>dos</strong> mais significativos, já que não dispomos mais<br />

<strong>dos</strong> da<strong>dos</strong> do AMS (os processos passam a ser executa<strong>dos</strong> pela Fe<strong>de</strong>ração e<br />

1 O primeiro projeto sobre os <strong>amadores</strong>: Na cena paulista, o amador, que resultou no livro Na cena<br />

paulista, o <strong>teatro</strong> amador, circuito alternativo e popular <strong>de</strong> cultura (1927 - 1945), no ano <strong>de</strong> 2008. Em<br />

breve (setembro/2011) outro livro será publicado Teatro, comunicação e sociabilida<strong>de</strong>. Uma análise da<br />

censura ao <strong>teatro</strong> amador em São Paulo (1946-1970).<br />

14


não mais pelo Estado e estes novos da<strong>dos</strong> não se encontram no arquivo), foi<br />

preciso buscar artistas e <strong>grupos</strong> do circuito popular e alternativo que ainda hoje<br />

estão presentes na mídia <strong>para</strong> a reconstrução da memória <strong>de</strong>ste <strong>teatro</strong> e da<br />

socieda<strong>de</strong> paulista daquela época.<br />

A pesquisa é importante, pois resgata a memória do <strong>teatro</strong> amador na<br />

cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo e ajuda a compreen<strong>de</strong>r melhor os fenômenos sociais da<br />

metrópole, visto que analisar o passado é uma forma <strong>de</strong> se enten<strong>de</strong>r o<br />

presente. É um estudo que gera reflexões sobre o tema e ainda permite várias<br />

ramificações. Sua importância também recai no fato <strong>de</strong> ser uma pesquisa que<br />

vê o <strong>teatro</strong> <strong>de</strong> uma forma diferente, não somente pelo lado artístico do <strong>teatro</strong>,<br />

mas como uma forma <strong>de</strong> comunicação e sociabilida<strong>de</strong>. Além disto, o tema da<br />

pesquisa foi pouco explorado no meio acadêmico, já que se trata <strong>de</strong> um estudo<br />

<strong>de</strong> uma época relativamente recente. Pelas razões acima citadas, esta<br />

pesquisa se torna relevante no cenário atual, suscitando novas reflexões e<br />

pensamentos sobre a importância e participação do <strong>teatro</strong> amador na vida<br />

social da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo.<br />

Iniciaremos o artigo com a apresentação do contexto, on<strong>de</strong> será<br />

introduzido o conceito <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> amador e sua importância. Em seguida será<br />

apresentado o panorama do <strong>teatro</strong> amador na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo nas<br />

décadas <strong>de</strong> 1930 a 1970, <strong>de</strong>pois será analisado o circuito alternativo nas duas<br />

décadas seguintes. Posteriormente será dissecada a relação entre o <strong>teatro</strong><br />

amador e o Estado durante todo o período citado e a profissionalização <strong>dos</strong><br />

<strong>amadores</strong>. Estas questões são permeadas pelo contexto histórico e social da<br />

cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo.<br />

Metodologia<br />

A pesquisa foi constituída <strong>de</strong> méto<strong>dos</strong> quantitativos e qualitativos.<br />

Durante todo o estudo houve uma pesquisa bibliográfica, na qual foram li<strong>dos</strong><br />

artigos e livros <strong>para</strong> a consolidação <strong>de</strong> uma base teórica. Livros e estu<strong>dos</strong><br />

sobre tema específico do <strong>teatro</strong> amador não existem em abundância, porém<br />

outros conteú<strong>dos</strong> são essenciais <strong>para</strong> a pesquisa, tais como a questão da<br />

15


indústria cultural no Brasil, o contexto histórico do período que será estudado, o<br />

movimento teatral em São Paulo e no país todo e o <strong>teatro</strong> operário.<br />

Além da leitura da bibliografia realizamos entrevistas, trabalhamos com a<br />

memória oral <strong>de</strong> artistas que partici<strong>para</strong>m do movimento amador. São <strong>de</strong><br />

extrema relevância as entrevistas, pois nos permitem enxergar a história por<br />

um ângulo diferente e <strong>de</strong>scobrir <strong>de</strong>talhes que a história oficial não apresenta,<br />

além <strong>de</strong> oferecer informações que são difíceis <strong>de</strong> serem coletadas. A técnica<br />

<strong>de</strong> entrevista utilizada foi <strong>de</strong> entrevistas semi-estruturadas, mesclada com a<br />

história <strong>de</strong> vida tópica. As perguntas eram feitas a partir <strong>de</strong> um questionário<br />

pré-<strong>de</strong>finido (elaborado com base na pesquisa <strong>de</strong> vida do entrevistado e <strong>dos</strong><br />

tópicos que <strong>de</strong>sejávamos abordar), mas havia a possibilida<strong>de</strong> do entrevistado<br />

discorrer sobre as questões. Escolhemos este tipo <strong>de</strong> entrevista, pois<br />

necessitávamos saber mais sobre os temas <strong>teatro</strong> amador e censura, porém<br />

também nos interessavam fatos históricos e a trajetória <strong>de</strong> vida <strong>dos</strong><br />

entrevista<strong>dos</strong>. Estas técnicas permitem que surjam informações reprimidas<br />

sobre as épocas <strong>de</strong>terminadas e assim po<strong>de</strong>mos extrair o reflexo da dimensão<br />

coletiva a partir da experiência individual <strong>dos</strong> entrevista<strong>dos</strong>. 2<br />

Para a consolidação do banco específico do <strong>teatro</strong> amador, realizamos<br />

as catalogações <strong>dos</strong> processos do AMS e inserção <strong>dos</strong> da<strong>dos</strong> nas bases<br />

WINSIS e SPSS. Outra ativida<strong>de</strong> realizada no início da pesquisa foi a busca <strong>de</strong><br />

entida<strong>de</strong>s e <strong>grupos</strong> que produziam <strong>teatro</strong> amador, porém estas buscas não<br />

foram muito bem sucedidas já que a maioria <strong>de</strong>stas entida<strong>de</strong>s não existe mais.<br />

Alguns en<strong>de</strong>reços forneci<strong>dos</strong> foram modifica<strong>dos</strong>, assim fizemos tabelas com a<br />

localização atual <strong>de</strong> algumas entida<strong>de</strong>s <strong>para</strong> inserção no próximo livro do<br />

projeto temático.<br />

2 BONI, Val<strong>de</strong>te; QUARESMA Silvia Jurema. Apren<strong>de</strong>ndo a entrevistar: como fazer<br />

entrevistas em Ciências Sociais. Revista Eletrônica <strong>dos</strong> Pós-Graduan<strong>dos</strong> em Sociologia<br />

Política da UFSC. Ano 2005,Vol. 2 nº 1 (3), janeiro-julho/2005, p. 68-80, 9 <strong>de</strong> Mai 2010.<br />

Disponível em: http://www.emtese.ufsc.br/3_art5.pdf. Acesso em: 7 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 2011.<br />

16


Contextualização<br />

A importância do amadorismo vem <strong>de</strong> tempos antigos e remete às<br />

origens da arte teatral. Na Grécia antiga, por volta <strong>dos</strong> séculos VI e V a.C.<br />

nasce o <strong>teatro</strong> como prática profissional, a palavra <strong>teatro</strong> <strong>de</strong>riva do grego thea<br />

(visão) e dá nome ao lugar <strong>para</strong> assistir espetáculos, ao espetáculo e também<br />

àqueles que vão assistir às peças. Inicialmente os gregos (assim como muitas<br />

outras culturas) utilizavam o <strong>teatro</strong> como forma <strong>de</strong> cultuar seus mitos e heróis<br />

em forma <strong>de</strong> rituais, o <strong>teatro</strong> ainda não era consi<strong>de</strong>rado uma ativida<strong>de</strong><br />

profissional. Somente <strong>de</strong>pois da inauguração <strong>de</strong> festivais competitivos que o<br />

<strong>teatro</strong> começa a ter um caráter profissional, a cida<strong>de</strong> subsidiava atores,<br />

produtores e também escritores <strong>para</strong> a realização <strong>dos</strong> festivais que ocorriam<br />

duas vezes ao ano. Os participantes viviam da arte teatral, somente o coro era<br />

interpretado por <strong>amadores</strong>. Outra característica semelhante à prática amadora<br />

era que o <strong>teatro</strong> grego era uma ativida<strong>de</strong> social, um acontecimento cívico, a<br />

cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Atenas <strong>para</strong>va <strong>para</strong> acompanhar os festivais e havia a presença <strong>de</strong><br />

quase to<strong>dos</strong> os cidadãos 3 .<br />

No Brasil, o <strong>teatro</strong> chega oficialmente por meio do padre Anchieta e já no<br />

final do século XIX apresenta dois circuitos diferentes: o oficial, no qual se<br />

apresentam <strong>grupos</strong> comerciais e estrangeiros e o circuito popular, on<strong>de</strong> os<br />

<strong>grupos</strong> eram forma<strong>dos</strong> majoritariamente por imigrantes e trabalhadores em<br />

locais como escolas, igrejas, clubes, este circuito amador era feito com um<br />

caráter <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>. Este cenário alternativo é <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância <strong>para</strong><br />

a metrópole, pois ajudou a formar público <strong>para</strong> o <strong>teatro</strong> e artistas, não somente<br />

<strong>para</strong> os palcos, mas também <strong>para</strong> outros meios <strong>de</strong> comunicação como o rádio,<br />

a televisão e o cinema. Além disto, o <strong>teatro</strong> amador exerceu um papel<br />

importante <strong>para</strong> o perfil socioeconômico da cida<strong>de</strong>, por meio <strong>dos</strong> imigrantes<br />

que passaram a integrar a população paulista. Sobre a <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong>ste<br />

circuito alternativo e popular, Roseli FÍGARO escreve:<br />

3 A respeito do <strong>teatro</strong> grego ler DUARTE, Adriane Silva. A gênese do <strong>teatro</strong>; Sófocles, o<br />

mais clássico; Eurípi<strong>de</strong>s, o mais preservado; Ésquilo, o mais premiado; Aristófanes, o<br />

maior comediante. Biblioteca Entrelivros: Grécia em cena., São Paulo/SP, p. 34 - 51, 01 out.<br />

2005.<br />

17


Circuito alternativo porque diferente do profissional e oficial, que recebia<br />

<strong>de</strong>staque na imprensa e que montava suas produções nos <strong>teatro</strong>s<br />

profissionais. Popular porque produzido, encenado e fruído pelas camadas<br />

populares, chamadas por Gramsci <strong>de</strong> classes subalternas. Constituiu-se esse<br />

circuito como modo próprio <strong>de</strong> garantir lazer, cultura <strong>para</strong> aqueles que não<br />

pertenciam às elites intelectual e econômica da cida<strong>de</strong>. Ou seja, não<br />

pertenciam à esfera do po<strong>de</strong>r hegemônico. (2009:5)<br />

Definimos <strong>teatro</strong> amador como aquela ativida<strong>de</strong> que não é realizada<br />

<strong>para</strong> o sustento daquele que o pratica. Os <strong>amadores</strong> são aqueles que fazem<br />

<strong>teatro</strong> simplesmente pela paixão, <strong>para</strong> se reunir com um grupo <strong>de</strong> pessoas ou<br />

expressar suas i<strong>de</strong>ologias. As razões <strong>para</strong> sua realização são muito variadas,<br />

porém o <strong>teatro</strong> amador nunca é exercido como uma ativida<strong>de</strong> que gera fins<br />

lucrativos <strong>para</strong> os participantes. Muitas vezes esses artistas se reuniam após<br />

um dia inteiro <strong>de</strong> trabalho e ainda encontravam tempo <strong>para</strong> <strong>de</strong>dicar ao <strong>teatro</strong>.<br />

Nas pesquisas anteriores do eixo foi constatado que o perfil do <strong>teatro</strong> se<br />

modificou ao longo das décadas influenciado por muitos fatores como o<br />

crescimento <strong>de</strong> São Paulo, a censura feroz exercida na área e a mudança<br />

sociocultural da cida<strong>de</strong>. De 1930 a 1950 eram os imigrantes que constituíam a<br />

maior parte <strong>dos</strong> <strong>grupos</strong> <strong>amadores</strong>. A partir da década <strong>de</strong> 1950, o <strong>teatro</strong> torna-<br />

se cada vez mais orientado <strong>para</strong> o mercado artístico-cultural e assim o <strong>teatro</strong><br />

amador também se modifica. Também já foi comprovado que houve a queda<br />

da participação <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> imigrantes e <strong>de</strong> trabalhadores na realização<br />

teatral amadora, após os anos <strong>de</strong> 1950. Um <strong>dos</strong> fatores que influenciou este<br />

esvaziamento foi a presença <strong>dos</strong> meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa. As<br />

pessoas passaram a ficar mais em seu espaço privado, causando a diminuição<br />

<strong>de</strong> se<strong>de</strong>s populares <strong>de</strong> cunho social. Ao mesmo tempo os incentivos das<br />

políticas culturais do governo aumentaram, motivando os <strong>grupos</strong> <strong>amadores</strong> a<br />

tornarem-se profissionais. Por estas razões alguns da<strong>dos</strong> apontam <strong>para</strong> o<br />

esvaziamento <strong>de</strong> se<strong>de</strong>s populares e a transferência da ativida<strong>de</strong> teatral <strong>para</strong><br />

espaços oficiais, com promoção do Estado 4 .<br />

4 Conferir em FIGARO, Roseli. (org.) Na cena paulista, o <strong>teatro</strong> amador, circuito alternativo e<br />

popular <strong>de</strong> cultura (1927 - 1945). São Paulo: Icone/Fapesp, 2008. ____.Teatro, comunicação e<br />

sociabilida<strong>de</strong>. Uma análise da censura ao <strong>teatro</strong> amador em São Paulo (1946-1970).São Paulo:<br />

Balão/Fapesp, 2011.<br />

18


Apesar <strong>de</strong> suas modificações ao longo <strong>dos</strong> anos, uma característica que<br />

sempre acompanha o <strong>teatro</strong> amador, durante todas as suas fases estudadas<br />

até o momento, é a inovação teatral. Por não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> sucesso comercial,<br />

o circuito alternativo sempre po<strong>de</strong> ousar mais em suas apresentações, assim<br />

se <strong>de</strong>ve ao <strong>teatro</strong> amador o mérito da inserção <strong>dos</strong> novos méto<strong>dos</strong> e mo<strong>dos</strong> do<br />

fazer teatral brasileiro. Gran<strong>de</strong> parte das renovações ocorridas no <strong>teatro</strong> se<br />

iniciou neste circuito popular.<br />

O <strong>teatro</strong> amador em São Paulo nas décadas <strong>de</strong> 30 a 70<br />

O <strong>teatro</strong> oficial só começa a <strong>de</strong>spontar realmente na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São<br />

Paulo no início do século XX, esse <strong>teatro</strong> comercial era muito influenciado pela<br />

cultura portuguesa. Diferentemente <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> também havia na<br />

cida<strong>de</strong> o <strong>teatro</strong> amador, um circuito alternativo, que por sua vez não era<br />

apenas uma forma <strong>de</strong> diversão, mas sim um meio <strong>de</strong> comunicação e<br />

sociabilida<strong>de</strong> entre a população, principalmente entre os imigrantes recém-<br />

chega<strong>dos</strong> a São Paulo.<br />

Com o crescimento que o café proporciona <strong>para</strong> a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo<br />

e a abolição da escravidão, ao final do século XIX, vêm <strong>para</strong> a cida<strong>de</strong> um<br />

gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> imigrantes que ajudam a economia a prosperar. Estes<br />

estrangeiros iniciam a prática <strong>de</strong> um <strong>teatro</strong> amador nesta cida<strong>de</strong>. Os <strong>grupos</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>teatro</strong> amador foram extremamente importantes <strong>para</strong> a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo,<br />

inicialmente muitos <strong>de</strong>les se reuniam <strong>para</strong> “manterem a cultura da terra natal e<br />

cultivarem a vida em comum nos novos bairros da cida<strong>de</strong>” (FÍGARO, 2009: 6).<br />

Esses <strong>grupos</strong> forma<strong>dos</strong> pelas classes operárias populares sofriam com a<br />

censura, pois alguns <strong>de</strong>les tinham relação com <strong>grupos</strong> sindicais e anarquistas.<br />

No entanto, os <strong>grupos</strong> <strong>amadores</strong> não <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> fazer seu <strong>teatro</strong>, difundindo<br />

a cultura entre as comunida<strong>de</strong>s e consolidando os <strong>grupos</strong> <strong>de</strong> imigrantes na<br />

cida<strong>de</strong>, que continuava a crescer.<br />

19


Além <strong>dos</strong> <strong>grupos</strong> imigrantes que se organizavam <strong>para</strong> manter viva sua<br />

cultura e criar uma comunida<strong>de</strong> que lhes fosse mais próxima, também existiam<br />

<strong>grupos</strong> <strong>amadores</strong> em igrejas, associações <strong>de</strong> bairros, clubes esportivos,<br />

associações beneficentes. São Paulo cresce junto com a chegada <strong>dos</strong><br />

imigrantes e da indústria, logo o <strong>teatro</strong> amador também ajuda a formar a futura<br />

metrópole que a cida<strong>de</strong> se tornaria. Os <strong>grupos</strong> <strong>amadores</strong> adquirem um papel<br />

social importante <strong>para</strong> a população, que ia além do divertimento era uma forma<br />

<strong>de</strong> exercer sua cidadania em conjunto.<br />

Sem dúvida, essas instituições exerceram um papel fundamental na<br />

agregação do novo corpo social que se constituía na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo.<br />

Mediante as dificulda<strong>de</strong>s básicas <strong>para</strong> a sobrevivência (trabalho, habitação,<br />

saneamento básico, água potável, energia elétrica, transporte, escolarização),<br />

elas eram o recurso <strong>para</strong> o amparo social e cultural da população. Um lugar <strong>de</strong><br />

encontro, <strong>de</strong> comunicação, <strong>de</strong> aprendizado <strong>para</strong> viver em conjunto, <strong>para</strong><br />

divertir-se, viver a cida<strong>de</strong>, ser cidadão. (FÍGARO, 2008: 49)<br />

É também no início do século XX que se inicia a mo<strong>de</strong>rnização da<br />

cida<strong>de</strong>, que começou a se <strong>de</strong>senvolver tardiamente, em um cenário<br />

completamente diferente do Europeu ou Norte Americano. Apesar da Semana<br />

<strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna acontecer na década <strong>de</strong> 1920, somente décadas mais tar<strong>de</strong> a<br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> realmente começaria a ser implementada em São Paulo. O<br />

<strong>de</strong>senvolvimento industrial dará seus primeiros passos a partir <strong>dos</strong> anos <strong>de</strong><br />

1940, com o projeto da indústria <strong>de</strong> base do governo Vargas. Do ponto <strong>de</strong> vista<br />

da indústria cultural, um exemplo é o rádio que se torna um veículo <strong>para</strong> as<br />

massas nos anos <strong>de</strong> 1940, antes disso a transmissão não era contínua e a<br />

maioria da população não tinha condições <strong>de</strong> ter um aparelho <strong>de</strong> rádio.<br />

O Brasil ainda não fazia parte da chamada indústria cultural, pois ainda<br />

estávamos vivenciando o início <strong>de</strong> uma fase mo<strong>de</strong>rna. ORTIZ explica a<br />

situação brasileira daquela época da seguinte forma:<br />

Seria difícil aplicar à socieda<strong>de</strong> brasileira <strong>de</strong>ste período o conceito <strong>de</strong><br />

indústria cultural introduzido por Adorno e Horkheimer. Evi<strong>de</strong>ntemente as<br />

empresas culturais existentes buscavam expandir suas bases materiais, mas<br />

os obstáculos que se interpunham ao <strong>de</strong>senvolvimento do capitalismo brasileiro<br />

colocava limites <strong>para</strong> o crescimento <strong>de</strong> uma cultura popular <strong>de</strong> massa.<br />

Faltavam a elas um traço característico das indústrias da cultura, o caráter<br />

integrador. A análise frankfurtiana repousa numa filosofia da história que<br />

pressupõe que os indivíduos no capitalismo avançado se encontram<br />

atomiza<strong>dos</strong> no mercado e, <strong>de</strong>sta forma, po<strong>de</strong>m ser agrupa<strong>dos</strong> em torno <strong>de</strong><br />

20


<strong>de</strong>terminadas instituições. (...) Penso que no caso brasileiro é justamente este<br />

elemento que se encontra <strong>de</strong>bilitado pelo fato, que Shils aponta, <strong>de</strong> vivermos<br />

uma „fase inicial da socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna‟. Apesar <strong>de</strong> todo o processo <strong>de</strong><br />

centralização iniciado pela revolução <strong>de</strong> 30, e fortalecido pelo Estado Novo, a<br />

socieda<strong>de</strong> brasileira, no período que a consi<strong>de</strong>ramos é fortemente marcada<br />

pelo localismo. (1991: 48,49)<br />

O consumo era regional até que, em torno <strong>de</strong> 1940, a situação começa a<br />

se modificar. O governo Vargas utiliza o rádio como forma <strong>de</strong> propaganda,<br />

cultura e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional; ele é utilizado <strong>para</strong> tornar a população mais<br />

integrada. Com a chegada da mo<strong>de</strong>rnização e <strong>dos</strong> meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong><br />

massa, o que antes era um sistema restrito às camadas <strong>de</strong> maior po<strong>de</strong>r<br />

aquisitivo e quase amador em sua forma <strong>de</strong> fazer, começa a se aperfeiçoar.<br />

Havia um fluxo muito gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoas entre as diversas áreas<br />

culturais, atores trabalhavam no rádio e na televisão, ou na televisão e no<br />

<strong>teatro</strong>, ou em to<strong>dos</strong> eles. Este intercâmbio entre áreas ocorria <strong>de</strong>vido a uma<br />

falta <strong>de</strong> profissionais competentes e especializa<strong>dos</strong> <strong>para</strong> cada meio. Com o<br />

crescimento das áreas culturais surge a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> especialização <strong>dos</strong><br />

trabalhadores. Criam-se, então, as primeiras universida<strong>de</strong>s em cada segmento<br />

(a Cásper Líbero, em publicida<strong>de</strong>, a Escola <strong>de</strong> Artes Dramáticas <strong>para</strong> Atores,<br />

entre outras), e muitas outras após as pioneiras. Destacavam-se os<br />

movimentos artísticos genuinamente brasileiros que começavam a <strong>de</strong>spontar<br />

no país como a Bossa Nova, o Cinema Novo e o <strong>teatro</strong> brasileiro.<br />

Surgem entre os anos <strong>de</strong> 1940 e 1950 importantes <strong>grupos</strong> <strong>de</strong> <strong>teatro</strong><br />

amador no país, como Os Comediantes, que transformam o fazer teatral. A<br />

peça que inaugura o mo<strong>de</strong>rnismo no <strong>teatro</strong> brasileiro é Vestido <strong>de</strong> Noiva (<strong>de</strong><br />

Nelson Rodrigues), dirigida por Ziembinski e encenada pela primeira vez no<br />

Theatro Municipal do Rio <strong>de</strong> Janeiro, ano <strong>de</strong> 1943. Outro grupo amador que se<br />

<strong>de</strong>staca no cenário nacional é o Teatro do Estudante do Brasil, nascido em<br />

1938, o grupo tem seu auge com a representação <strong>de</strong> Hamlet no ano <strong>de</strong> 1948.<br />

O Teatro do Estudante, como o próprio nome diz era formado por estudantes<br />

universitários e apresentava muitas <strong>de</strong> suas peças em locais inusita<strong>dos</strong> como<br />

caminhões, fábricas, escolas, entre outros. O Teatro do Estudante viajou pelo<br />

país com suas apresentações itinerantes e revolucionou a forma <strong>de</strong> fazer<br />

<strong>teatro</strong>, influenciando a criação <strong>de</strong> vários <strong>grupos</strong> universitários como, por<br />

21


exemplo, o Teatro do Estudante <strong>de</strong> Campinas (TEC). A importância do Teatro<br />

do Estudante po<strong>de</strong> ser notada na fala <strong>de</strong> Paschoal Carlos Magno, no livro <strong>de</strong><br />

Teresa AGUIAR:<br />

Com o tempo, verificamos que o Brasil inteiro copiava os processos do<br />

Teatro do Estudante. Eram <strong>grupos</strong> <strong>de</strong> <strong>amadores</strong>, operários, funcionários<br />

públicos, uma multiplicação <strong>de</strong> pequenos <strong>teatro</strong>s pelo Brasil afora, seguindo o<br />

meu mo<strong>de</strong>lo. Em to<strong>dos</strong> os esta<strong>dos</strong> do país. Mas por outro lado, eu acho que a<br />

coisa mais importante do <strong>teatro</strong> do Estudante nessa época, foi impor a língua<br />

„brasileira‟ no nosso palco. Naquele tempo o ator nacional falava português<br />

com um terrível sotaque lusitano. (1992: 15)<br />

Era papel das companhias amadoras ousar e criar novas linguagens.<br />

Muitas <strong>de</strong>ssas companhias eram <strong>de</strong> estudantes, eles trariam um novo olhar<br />

<strong>para</strong> a forma <strong>de</strong> fazer <strong>teatro</strong>. Essa característica é percebida no discurso <strong>de</strong><br />

Clóvis GARCIA, em uma crítica publicada no jornal o Cruzeiro, em 1951:<br />

(...) somos <strong>de</strong> opinião que cabe exatamente aos elementos <strong>amadores</strong>,<br />

em face da inexistência do risco, o papel <strong>de</strong> apresentar peças que as<br />

companhias profissionais não se arriscam a encenar. (2006: 44)<br />

Em outra crítica sobre a apresentação do Grupo <strong>de</strong> Teatro Experimental<br />

(GTE) em 29 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1944, Lourival Gomes Machado fala sobre a<br />

importância do amadorismo naquela época:<br />

Dos <strong>amadores</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> muita coisa, se não mesmo quase tudo na<br />

reconstrução do nosso <strong>teatro</strong>, terrivelmente comprometido por uma<br />

<strong>de</strong>sgraçadíssima tradição <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> comercial. (MAGALDI, VARGAS, 2000:<br />

181)<br />

Anos mais tar<strong>de</strong>, no final da década <strong>de</strong> 1940, início <strong>de</strong> 1950, surgem<br />

algumas das mais importantes companhias profissionais paulistas. Estes<br />

<strong>grupos</strong> ficaram com o título <strong>de</strong> renovadores do <strong>teatro</strong> nacional, muitos <strong>de</strong>les,<br />

porém, traziam artistas bem sucedi<strong>dos</strong> no amadorismo <strong>para</strong> encenar como<br />

profissionais, além <strong>de</strong> apenas transporem <strong>para</strong> o circuito profissional algumas<br />

das inovações já realizadas por <strong>amadores</strong> há tempos. E como salienta<br />

FÍGARO:<br />

O mérito da formação <strong>de</strong> uma linguagem teatral e <strong>de</strong> público <strong>para</strong> <strong>teatro</strong><br />

<strong>de</strong>ve ser dado a esses <strong>grupos</strong>. A fundação do Teatro Brasileiro <strong>de</strong> Comédia –<br />

TBC não é o divisor <strong>de</strong> águas entre um <strong>teatro</strong> empostado, com ponto, com<br />

primeiro ator e atriz, e o <strong>teatro</strong> encenado naturalmente como representação da<br />

vida, visto que os <strong>grupos</strong> <strong>amadores</strong> já assim o faziam. O TBC vem coroar no<br />

22


circuito profissional um <strong>teatro</strong> que, <strong>de</strong> certa forma, já era realida<strong>de</strong> no circuito<br />

alternativo e popular, mesmo que a figura do diretor (encenador) e a<br />

pre<strong>para</strong>ção teatral fossem tímidas e/ou inexistentes. (2008: 36)<br />

O surgimento do Teatro Brasileiro <strong>de</strong> Comédia é tido como um marco no<br />

<strong>teatro</strong>, com a companhia criada por Franco Zampari, em 1948, e inicia a<br />

mo<strong>de</strong>rnização do <strong>teatro</strong> profissional. Importantes nomes do <strong>teatro</strong> partici<strong>para</strong>m<br />

do grupo como Paulo Autran, Cacilda Becker e Sergio Car<strong>dos</strong>o. A maioria <strong>dos</strong><br />

diretores era estrangeira como Adolfo Celi, Gianni Rato e Maurice Vaneau,<br />

estes diretores trouxeram um jeito europeu mo<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> se fazer <strong>teatro</strong> <strong>para</strong> os<br />

palcos brasileiros. O TBC iniciou sua carreira no amadorismo e mesmo após a<br />

profissionalização continuou a abrigar <strong>grupos</strong> <strong>amadores</strong> na sala menor <strong>de</strong> seu<br />

<strong>teatro</strong>.<br />

Os Festivais <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> tornaram-se extremamente importantes a partir da<br />

década <strong>de</strong> 1950 e tiveram seu auge até mea<strong>dos</strong> da década <strong>de</strong> 1970. Estes<br />

eventos não eram apenas uma forma <strong>de</strong> competição e eleição <strong>de</strong> qual eram os<br />

melhores <strong>grupos</strong>, peça, ator e diretor. Os festivais proporcionavam a<br />

apresentação das peças <strong>para</strong> públicos novos e diferentes <strong>dos</strong> habituais. Essa<br />

nova situação e a convivência com outros <strong>grupos</strong> geravam <strong>de</strong>bates, troca <strong>de</strong><br />

informações e críticas que possibilitavam o amadurecimento <strong>dos</strong> <strong>grupos</strong><br />

<strong>amadores</strong>. Além <strong>de</strong>stas características o prêmio em dinheiro auxiliaria as<br />

encenações vencedoras, um incentivo ainda maior ao <strong>teatro</strong> amador. Assim<br />

como o <strong>teatro</strong> grego inicia sua profissionalização a partir da criação <strong>de</strong><br />

festivais 5 , <strong>de</strong> certa forma os festivais <strong>amadores</strong> incentivaram a<br />

profissionalização <strong>de</strong> alguns artistas que participavam <strong>de</strong>stes eventos. Em<br />

entrevista(11/08/2011, São Bernardo do Campo), Hilda Breda comentou sobre<br />

algumas experiências <strong>de</strong> festivais que o grupo Regina Pacis participou a partir<br />

do ano <strong>de</strong> 1965:<br />

Foi um estímulo e isso funcionava bastante, porque era uma<br />

efervescência, os <strong>grupos</strong> se reuniam, discutiam, tinham duas semanas pelo<br />

menos aqui no ABC, pelo menos uns 15 dias só <strong>de</strong> apresentação <strong>de</strong> peça,<br />

então todo mundo ia toda noite e era muito legal e...então trocavam i<strong>de</strong>ias. Às<br />

vezes pela fe<strong>de</strong>ração tinham pessoas que vinham dar aula...a gente chamava<br />

5 DUARTE, Adriane Silva. A gênese do <strong>teatro</strong>; Sófocles, o mais clássico; Eurípi<strong>de</strong>s, o mais<br />

preservado; Ésquilo, o mais premiado; Aristófanes, o maior comediante. Biblioteca<br />

Entrelivros: Grécia em cena. São Paulo, 2005, p34-51.<br />

23


Workshop, mas vinha o Pacheco, esses professores que estavam na EAD,<br />

vinham dar palestras, algumas aulas. Então sempre tinha esse tipo <strong>de</strong> coisa, o<br />

pessoal foi <strong>de</strong>senvolvendo. (BREDA, 2011)<br />

O perfil do <strong>teatro</strong> amador nesta época <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> efervescência cultural<br />

da cida<strong>de</strong> era bastante variado, como <strong>de</strong>monstram os da<strong>dos</strong> do AMS. Constam<br />

no banco <strong>de</strong> da<strong>dos</strong>, além <strong>dos</strong> já cita<strong>dos</strong> imigrantes e estudantes que muitas<br />

vezes eram associa<strong>dos</strong> a grêmios políticos; as entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalhadores,<br />

algumas ligadas a questões políticas como anarquismo e comunismo; os<br />

clubes esportivos; as associações <strong>de</strong> bairros; as instituições religiosas<br />

(espíritas e católicas eram a maioria), beneficentes, dramáticas, entre outros<br />

tipos <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s produtoras.<br />

A década <strong>de</strong> 1960 é marcada pelo instável início político e em 1964<br />

ocorre o golpe militar. Por outro lado, havia os movimentos estudantis e setores<br />

que se mobilizavam contra o regime que era imposto. O <strong>teatro</strong> amador se<br />

preocupava com a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional e com as situações internas do país. Há<br />

tempos já utilizava espaços inusita<strong>dos</strong> <strong>para</strong> fazer suas apresentações,<br />

quebrando o <strong>para</strong>digma da distância entre palco e público. No <strong>teatro</strong><br />

profissional se <strong>de</strong>stacam novos <strong>grupos</strong> muito importantes <strong>para</strong> a renovação<br />

teatral no país, são eles o Teatro <strong>de</strong> Arena, o Teatro Oficina e Opinião to<strong>dos</strong><br />

buscando uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> brasileira. Estes <strong>grupos</strong> procuravam criar um <strong>teatro</strong><br />

nacional, com texto originalmente brasileiro que não apenas conversasse com<br />

o público popular, mas que também mostrasse como era a vida cotidiana <strong>de</strong><br />

trabalhadores e pessoas comuns.<br />

Há ainda a consolidação do mercado <strong>de</strong> bens culturais, gerido pela<br />

mudança <strong>de</strong> estruturas sociais ocorridas no país. O aumento da realização <strong>de</strong><br />

ativida<strong>de</strong>s culturais é oposto ao pensamento autoritário da época, mas o<br />

estado também era produtor <strong>de</strong> certas áreas culturais. A ditadura <strong>de</strong> 1964, ao<br />

contrário da <strong>de</strong> Vargas, ligava-se à inserção do capitalismo no Brasil e algumas<br />

empresas <strong>de</strong> cultura <strong>de</strong> massas, apoiavam e queriam o golpe <strong>para</strong> que o<br />

capitalismo prevalecesse. Tanto o estado como essas empresas queriam uma<br />

integração maior do território nacional, o primeiro queria uma integração<br />

política, já as outras <strong>de</strong>sejavam uma integração <strong>de</strong> mercado. Apesar <strong>de</strong><br />

censurar peças, filmes e outras ativida<strong>de</strong>s, o Estado alimentava a indústria<br />

24


cultural e incentivava o crescimento brasileiro. Devido a estes incentivos <strong>dos</strong><br />

governos e também pela gran<strong>de</strong> efervescência cultural do país, o <strong>teatro</strong><br />

amador apresenta um número cada vez maior <strong>de</strong> <strong>grupos</strong>.<br />

O relatório da CET informa que atuaram em São Paulo, em 1967, 41<br />

<strong>grupos</strong> <strong>de</strong> <strong>amadores</strong>, e que existem no interior do estado cerca <strong>de</strong> trezentos<br />

<strong>grupos</strong>, reuni<strong>dos</strong> em torno <strong>de</strong> <strong>de</strong>zoito fe<strong>de</strong>rações. (MAGALDI, VARGAS, 2000:<br />

387)<br />

Deve-se ao <strong>teatro</strong> amador o mérito <strong>de</strong> formar as primeiras linguagens<br />

teatrais realmente brasileiras e encenação realista, representação da vida. Os<br />

estu<strong>dos</strong> feitos a partir do AMS <strong>de</strong>monstram como foi essencial e vasta a<br />

participação <strong>dos</strong> <strong>amadores</strong> <strong>para</strong> o crescimento e formação <strong>de</strong> público e<br />

linguagens teatrais <strong>de</strong>ntro da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo. Além <strong>dos</strong> da<strong>dos</strong> presentes<br />

no arquivo que comprovam esta participação, importantes críticos e nomes do<br />

<strong>teatro</strong> nacional como Décio <strong>de</strong> Almeida Prado, Gianfrancesco Guarnieri, Miroel<br />

Silveira, Clóvis Garcia, e muitos outros atestam a importância <strong>de</strong>stas ativida<strong>de</strong>s<br />

amadoras 6 .<br />

O perfil <strong>dos</strong> <strong>grupos</strong> <strong>amadores</strong> modificou-se com o passar <strong>dos</strong> anos,<br />

como <strong>de</strong>monstra a análise <strong>dos</strong> da<strong>dos</strong> obti<strong>dos</strong> no Arquivo Miroel Silveira. A<br />

partir da década <strong>de</strong> 1950, os <strong>grupos</strong> <strong>de</strong> origem estrangeira diminuíram<br />

significativamente, enquanto <strong>grupos</strong> <strong>de</strong> caráter estudantil e cultural<br />

aumentaram. Esse fato po<strong>de</strong> ser explicado pela censura da Ditadura <strong>de</strong> Vargas<br />

mais ferrenha com <strong>grupos</strong> operários liga<strong>dos</strong> ao anarquismo e também pela<br />

noção <strong>de</strong> pertencimento à nação brasileira que começa a existir nos filhos e<br />

netos <strong>dos</strong> imigrantes, <strong>de</strong> modo que não precisavam mais se reunir em <strong>grupos</strong><br />

<strong>para</strong> exaltar a terra <strong>de</strong> seus antepassa<strong>dos</strong>. Além disso, como já citado, há<br />

maior presença <strong>dos</strong> meios <strong>de</strong> comunicação, sobretudo, com o aparecimento da<br />

televisão. O rádio, já um meio <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa com as melhorias <strong>de</strong><br />

programação e transmissão, e mais tar<strong>de</strong> a televisão, que também começaria a<br />

se <strong>de</strong>stacar, criam um público fiel nos lares, com uma programação cada vez<br />

mais popular contribuem <strong>para</strong> o crescimento do tempo ligado ao espaço<br />

6 FIGARO, Roseli (coord.). Na cena, o amador. Relatório do eixo <strong>de</strong> pesquisa do <strong>teatro</strong><br />

amador. São Paulo, 2009.<br />

25


privado. Paralelamente, ao esvaziamento <strong>de</strong>stes nichos, ocorre o aumento do<br />

número <strong>de</strong> organizações culturais e educacionais como se po<strong>de</strong> observar nos<br />

gráficos seguintes apresenta<strong>dos</strong> nos relatório das ativida<strong>de</strong>s do projeto <strong>de</strong><br />

pesquisa 7 :<br />

1,958<br />

1957<br />

1,955<br />

1953<br />

1,951<br />

1948<br />

1,946<br />

1970<br />

1,968<br />

1967<br />

1,964<br />

1963<br />

1,961<br />

1960<br />

tipo <strong>de</strong> associação que apresenta a peça<br />

0% 20% 40% 60% 80% 100%<br />

tipo <strong>de</strong> associação que apresenta a peça<br />

0% 20% 40% 60% 80% 100%<br />

esportes<br />

cultural<br />

educacional<br />

religiosa<br />

dramática<br />

beneficente<br />

bairro<br />

trabalhadores<br />

recreação<br />

filodramáticos<br />

imigrantes<br />

saú<strong>de</strong><br />

cultural<br />

educacional<br />

dramática<br />

esportes<br />

imigrantes<br />

religiosa<br />

beneficente<br />

trabalhadores<br />

recreação<br />

bairro<br />

filodramáticos<br />

saú<strong>de</strong><br />

Os processos do Arquivo se esgotam na década <strong>de</strong> 1970, contudo<br />

acreditamos que nas décadas seguintes o número entida<strong>de</strong>s promotoras <strong>de</strong><br />

cunho cultural e estudantis continuam a crescer. Este fato se <strong>de</strong>ve à<br />

7 Estes e outros gráficos em relação às ativida<strong>de</strong>s <strong>amadores</strong> presentes no AMS encontram-se<br />

no relatório do eixo <strong>de</strong> pesquisa (FIGARO, 2009), parte já foi publicado no livro <strong>de</strong> 2008<br />

(FIGARO, 2008, op. cit.) e alguns ainda serão publica<strong>dos</strong> em um livro que será lançado,<br />

Fígaro,R. (org.) 2011.op. cit.<br />

26


importância que posteriormente apresenta o <strong>teatro</strong> amador estudantil na época<br />

mais negra da ditadura brasileira.<br />

O <strong>teatro</strong> amador <strong>de</strong> 1970 a 1980<br />

Como contexto histórico da década <strong>de</strong> 1970 há a consolidação da<br />

indústria cultural e também o recru<strong>de</strong>scimento da ditadura militar. Em oposição<br />

à crise mundial do petróleo o Brasil continuava vivendo o milagre econômico. A<br />

indústria cultural já era parte da vida <strong>dos</strong> paulistas na década <strong>de</strong> 1970, assim<br />

várias escolas <strong>de</strong> comunicações e artes estavam se consolidando no cenário<br />

nacional, como a própria EAD. Com mais dinheiro circulando, aumentam os<br />

incentivos ao <strong>teatro</strong> e ao amador, assim cresce o número <strong>de</strong> festivais <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>,<br />

também como os cursos <strong>para</strong> profissionais e <strong>amadores</strong>. Em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong>stas<br />

últimas mudanças nos setores econômico e cultural da metrópole, nas décadas<br />

seguintes a participação <strong>de</strong> estudantes e entida<strong>de</strong>s culturais no <strong>teatro</strong> amador<br />

ten<strong>de</strong> a crescer cada vez mais.<br />

O <strong>teatro</strong> paulista <strong>de</strong>monstrava sinais <strong>de</strong> amadurecimento artístico neste<br />

começo <strong>de</strong> 1970, porém a ditadura militar cerceava o momento mais criativo do<br />

<strong>teatro</strong> atrapalhando um crescimento ainda maior do fazer teatral. Mesmo com<br />

as estratégias utilizadas <strong>para</strong> escapar da censura, o <strong>teatro</strong> sofreria bastante as<br />

consequências <strong>de</strong>ste período. A situação do <strong>teatro</strong> em São Paulo no início da<br />

década <strong>de</strong> setenta, mais precisamente no ano <strong>de</strong> 1971, é <strong>de</strong>scrita por Sábato<br />

MAGALDI e Maria Thereza VARGAS do seguinte modo:<br />

A temporada <strong>de</strong> 1971 distinguiu-se em nosso panorama não pelo<br />

número <strong>de</strong> estreantes <strong>de</strong> valor, nem pela quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s espetáculos,<br />

mas pelas tomadas <strong>de</strong> posição, pelas escolhas conscientes, pelo propósito <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>finir um caminho. E o mais significativo não se mostrou um só, como<br />

acontece nos países domina<strong>dos</strong> pelas palavras <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m totalizadoras. (...)<br />

Apesar da comum crítica à realida<strong>de</strong>, em todas essas montagens, elas não<br />

pu<strong>de</strong>ram ir além do “recuo estratégico” imposto pela Censura. Dramaturgos e<br />

encenadores <strong>de</strong> talento, pressiona<strong>dos</strong> pelas circunstâncias, jogam com as<br />

armas que lhes permitem utilizar. Está claro que ninguém se sentiu realizado<br />

27


por inteiro, embora procurasse afirmar-se com a maior dignida<strong>de</strong> artística.<br />

(2000: 395, 396)<br />

Os novos <strong>grupos</strong> <strong>de</strong> estudantes frequentemente tinham como objetivos a<br />

manifestação cultural e artística. Mesmo não sendo uma meta específica<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>dos</strong> projetos <strong>dos</strong> <strong>grupos</strong>, esse tipo <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> amador continua com a<br />

característica <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> atribuída antes somente aos <strong>amadores</strong><br />

imigrantes. Contrariando a hipótese inicial, o <strong>teatro</strong> amador das décadas <strong>de</strong><br />

1970 e 1980 se mostra semelhante, neste sentido, àquele praticado por<br />

imigrantes, mesmo que agora muito mais concentra<strong>dos</strong> nas questões artísticas<br />

e culturais. Muitos estudantes procuravam o <strong>teatro</strong> como forma <strong>de</strong> expressão<br />

neste período em que não eram possíveis manifestações, assim, ao contrário<br />

da hipótese inicial, o <strong>teatro</strong> amador continua com o caráter <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> e<br />

comunicação. Agora, porém, os jovens reuniam-se como uma forma <strong>de</strong> escape<br />

do período mais bruto da ditadura militar que ocorria no país. O ambiente não<br />

era propício <strong>para</strong> reuniões <strong>de</strong> <strong>grupos</strong>, assim o <strong>teatro</strong> tornava-se uma <strong>de</strong>sculpa<br />

<strong>para</strong> o encontro <strong>de</strong> pessoas. Esta característica é notada na fala <strong>de</strong> Pascoal da<br />

Conceição:<br />

O <strong>teatro</strong> vai ser fundamental porque nós estávamos ali discutindo<br />

política, discutindo a vida do país e ouvindo as músicas todas que tocavam<br />

nesse sentido. Eu, meu grupo <strong>de</strong> amigos, era um grupo que gostava <strong>de</strong> <strong>teatro</strong><br />

que eu não me lembro exatamente talvez a gente teve, a gente já se pensava<br />

fazendo <strong>teatro</strong>, aliás até hoje. Eles não foram pra carreira, mas era uma coisa<br />

que a gente... um canal <strong>de</strong> expressão realmente. Pra todo mundo, pra nós,<br />

alguns foram pra música, eu me lembro que eu até comecei a estudar um<br />

pouco <strong>de</strong> música <strong>de</strong>pois não <strong>de</strong>senvolvi, mas eu gostava muito <strong>de</strong>ssa coisa do<br />

<strong>teatro</strong>, tinha muito prazer, não era ainda profissão, mas eu consi<strong>de</strong>ro esse<br />

momento embrionário porque esse interesse me levou a assistir ao <strong>teatro</strong>, a ir<br />

aos <strong>teatro</strong>s, porque na época o <strong>teatro</strong> era um ponto <strong>de</strong> encontro <strong>de</strong> gente, era<br />

muito efervescente. (CONCEIÇÃO, 2011)<br />

O <strong>teatro</strong> profissional havia englobado muitas características <strong>dos</strong><br />

<strong>amadores</strong> e alguns espetáculos começam a ser apresenta<strong>dos</strong> em locais<br />

inusita<strong>dos</strong> como, por exemplo, galpões, ruas, presídios e outros locais. A<br />

censura, porém não corroborava com este tipo <strong>de</strong> visão inovadora, <strong>de</strong><br />

subversão das características tradicionais, assim estas apresentações passam<br />

a ser vistas com cautela pela censura. Muitas vezes eram os <strong>grupos</strong> <strong>de</strong><br />

orientação política que tentavam quebrar <strong>para</strong>digmas teatrais, inserir<br />

discussões sobre o po<strong>de</strong>r e também conscientizar os públicos.<br />

28


Devido à situação econômica favorável, assim como à gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>manda<br />

por políticas <strong>de</strong> incentivo cultural o governo aumenta o dinheiro disponível <strong>para</strong><br />

as práticas culturais. Porém neste contexto os <strong>amadores</strong> são prejudica<strong>dos</strong> pela<br />

inserção <strong>de</strong> um sistema empresarial que dificulta iniciativas que não sejam<br />

comerciais:<br />

No <strong>teatro</strong> a figura do empresário ganha vulto, passando a mediar as<br />

relações entre o artista e o Estado. Através da injeção <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s quantias <strong>de</strong><br />

dinheiro, via financiamentos, o Estado eleva consi<strong>de</strong>ravelmente os custos das<br />

produções, dificultando muito as iniciativas <strong>de</strong>svinculadas do esquema<br />

empresarial. (FAYA, 2005: 90)<br />

Como consequência tem-se a utilização <strong>de</strong> instrumentos <strong>de</strong> mercado<br />

<strong>para</strong> a divulgação do <strong>teatro</strong> <strong>de</strong> resistência, o que dá um valor comercial a este<br />

tipo <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>. Em oposição a este cenário há a reunião <strong>de</strong> <strong>grupos</strong><br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e coletivos, alguns realmente <strong>amadores</strong> que enfrentam esta<br />

comercialização da arte teatral.<br />

Os festivais <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> amador tornam-se muito comuns e geralmente são<br />

subsidia<strong>dos</strong> pelo Estado. O aumento do número <strong>de</strong> festivais <strong>de</strong>monstra o<br />

interesse cultural <strong>dos</strong> <strong>grupos</strong> <strong>amadores</strong>. Como já mencionado, os festivais<br />

começam a acontecer na década <strong>de</strong> 1950, porém continuam cada vez em<br />

maior número <strong>de</strong>ntro da cida<strong>de</strong> e também se espalham pelos municípios<br />

menores ao redor da metrópole. Os festivais continuam sendo uma ótima<br />

oportunida<strong>de</strong> <strong>para</strong> a comunicação e discussão entre os <strong>grupos</strong> participantes,<br />

público e também júri.<br />

Como o perfil <strong>de</strong> quem praticava o <strong>teatro</strong> amador havia mudado o local<br />

<strong>de</strong> encontro <strong>de</strong>stes estudantes era diferente daqueles <strong>dos</strong> imigrantes. Ao<br />

mesmo tempo em que as comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> imigrantes começam a minguar os<br />

estudantes passam a utilizar locais subsidia<strong>dos</strong> pelo governo <strong>para</strong> promoção<br />

<strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s, muitas vezes era nas próprias escolas que os <strong>grupos</strong><br />

faziam o <strong>teatro</strong>. Existe um movimento contrário <strong>dos</strong> <strong>grupos</strong> que eram mais<br />

persegui<strong>dos</strong> pela ditadura. Alguns <strong>grupos</strong> <strong>amadores</strong> e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes criam<br />

suas próprias se<strong>de</strong>s culturais, muitas vezes estes espaços eram localiza<strong>dos</strong><br />

nas periferias da cida<strong>de</strong>, por serem afasta<strong>dos</strong> <strong>dos</strong> centros <strong>de</strong> atenção do<br />

29


egime, por terem um valor inferior aos do centro e possibilitar um trabalho<br />

junto às comunida<strong>de</strong>s.<br />

Muitos <strong>grupos</strong> também estavam interessa<strong>dos</strong> em <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r suas i<strong>de</strong>ias,<br />

lutar pela liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão e se opor ao regime. Durante o período da<br />

ditadura o <strong>teatro</strong> em geral adotou uma postura <strong>de</strong> resistência contra a censura<br />

<strong>dos</strong> militares. Assim o <strong>teatro</strong> amador adquire além da dimensão <strong>de</strong> espaço <strong>de</strong><br />

organização cultural um caráter político, on<strong>de</strong> a juventu<strong>de</strong> se reunia, discutia a<br />

situação do país e tentava extravasar suas opiniões <strong>de</strong> alguma maneira.<br />

Na década <strong>de</strong> 1980, os movimentos contra o regime militar e as<br />

discussões a favor da abertura política aumentam. A economia brasileira é<br />

<strong>de</strong>sacelerada em <strong>de</strong>corrência da segunda crise do petróleo. O milagre<br />

econômico termina e dá lugar a dificulda<strong>de</strong>s financeiras. A Anistia Ampla Geral<br />

e Irrestrita <strong>de</strong> 1979, o movimento das Diretas Já, ocorrido em 1984, e a<br />

promulgação da constituição em 1988 são os fatos que mais marcaram esta<br />

década no Brasil. As ativida<strong>de</strong>s amadoras sofrem um escasseamento nessa<br />

época, pois a luta política direta ocupa o interesse <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> aqueles que<br />

organizaram <strong>grupos</strong> <strong>amadores</strong> com a intenção <strong>de</strong> incrementar a ativida<strong>de</strong><br />

política no período mais duro da ditadura. O <strong>teatro</strong> amador começa a per<strong>de</strong>r<br />

espaço <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ste cenário, seus públicos vão diminuindo na mesma medida<br />

em que as instituições que os apoiavam também <strong>de</strong>saparecem.<br />

O número <strong>de</strong> companhias <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> profissional amplia-se<br />

progressivamente, pois muitos <strong>dos</strong> artistas que antes estavam no amadorismo<br />

agora querem fazer da ativida<strong>de</strong> seu sustento. O público também migra <strong>para</strong><br />

outras opções <strong>de</strong> lazer, já que com a gran<strong>de</strong> oferta <strong>de</strong> peças, o <strong>teatro</strong> amador<br />

não é mais tão atraente quanto as muitas outras opções. O <strong>teatro</strong> estudantil<br />

per<strong>de</strong> sua força, pois os <strong>grupos</strong> parecem se per<strong>de</strong>r sem uma luta política <strong>para</strong><br />

combater. Muitos <strong>dos</strong> <strong>grupos</strong> tornam-se in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes ou voltam a se localizar<br />

em periferias. Nos bairros distantes do centro <strong>de</strong> São Paulo ainda é possível<br />

um trabalho comunitário e <strong>de</strong> discussão da sociabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro das<br />

comunida<strong>de</strong>s. Orleyd Faya em sua pesquisa <strong>de</strong> mestrado fala sobre o<br />

crescimento <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> grupo:<br />

30


(...) começam a <strong>de</strong>spontar - com maior significação a partir <strong>de</strong> mea<strong>dos</strong><br />

<strong>dos</strong> anos 1970 - duas tendências <strong>de</strong> Teatro <strong>de</strong> Grupo, que, embora com<br />

propósitos nitidamente distintos, tinham em comum a proposta <strong>de</strong> um projeto<br />

coletivo <strong>de</strong> criação teatral e a organização cooperativada <strong>de</strong> trabalho. A<br />

primeira das vertentes cm este perfil era a <strong>dos</strong> Grupos Alternativos <strong>de</strong> Periferia,<br />

<strong>dos</strong> quais já falamos no âmbito <strong>de</strong>ssa pesquisa. (FAYA, 2005: 172)<br />

Concomitantemente à diminuição das ativida<strong>de</strong>s amadoras a partir da<br />

década <strong>de</strong> 1980 os <strong>grupos</strong> que antes se <strong>de</strong>nominavam <strong>amadores</strong> passam a ver<br />

este conceito <strong>de</strong> modo negativo. A palavra „amador‟ adquire a conotação <strong>de</strong><br />

superficial, inferior e não mais como algo que se faz apenas por prazer sem ser<br />

pago financeiramente por isto. Os <strong>grupos</strong> estudavam e não <strong>de</strong>sejavam ser<br />

associa<strong>dos</strong> a iniciantes. Muitos <strong>grupos</strong> passam a adotar os termos<br />

„in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte‟, „coletivos‟ ou até mesmo „experimental‟, essa característica<br />

permanece até os dias <strong>de</strong> hoje, o que dificulta o rastreamento do gênero<br />

amador. Estes novos conceitos se <strong>de</strong>vem também ao interesse <strong>dos</strong> <strong>grupos</strong> <strong>de</strong><br />

fazer arte teatral, seu principal objetivo não é o fim lucrativo, porém os atores<br />

recebem uma pequena <strong>contribuição</strong> financeira, assim os <strong>grupos</strong> são<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes monetariamente.<br />

Finca-se um novo conceito que é o <strong>de</strong> grupo in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, ou seja,<br />

entre o amador e o profissional firma-se o conceito <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência comercial<br />

<strong>dos</strong> <strong>grupos</strong> artísticos interessa<strong>dos</strong> na arte teatral. (FÍGARO, 2009:30)<br />

Mesmo com todas as dificulda<strong>de</strong>s, as ativida<strong>de</strong>s amadoras ainda tiveram<br />

relevância no cenário social, com muitos <strong>grupos</strong> lutando politicamente e artistas<br />

se refugiando no <strong>teatro</strong> <strong>para</strong> se expressarem durante o tempo da censura mais<br />

feroz. Nesta época surgiram <strong>grupos</strong> importantes, que existem até o período<br />

atual, como o grupo in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte União e Olho Vivo e um <strong>dos</strong> mais antigos<br />

<strong>grupos</strong> <strong>amadores</strong> em ativida<strong>de</strong> o Regina Pacis. Além <strong>de</strong>sses <strong>grupos</strong>, as<br />

décadas <strong>de</strong> 1970 e 1980 também forneceram gran<strong>de</strong>s artistas que atualmente<br />

são profissionais, como Luís Alberto <strong>de</strong> Abreu, Rosi Campos, Pascoal da<br />

Conceição, Celso Frateschi, entre muitos outros. O <strong>teatro</strong> amador <strong>de</strong>monstrou<br />

o vigor necessário <strong>para</strong> combater a repressão da ditadura e continuar a ser um<br />

meio <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>, principalmente entre a juventu<strong>de</strong> estudantil.<br />

31


O controle do Estado sobre o Amador<br />

A censura é um modo <strong>de</strong> coerção <strong>para</strong> a<strong>de</strong>quar as ações <strong>de</strong> um aos<br />

“superiores” (a elite, as instituições religiosas, o governo, ou até os pais) e está<br />

presente no Brasil <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a colonização, quando servia como ferramenta <strong>para</strong> a<br />

aculturação e controle <strong>dos</strong> indígenas pela igreja lusitana. O <strong>teatro</strong> também logo<br />

chegou a este país como um meio <strong>de</strong> comunicação entre aqueles que não<br />

falavam a mesma língua. O padre José <strong>de</strong> Anchieta escrevia autos religiosos<br />

<strong>para</strong> a catequização <strong>dos</strong> índios, este foi o nosso primeiro dramaturgo (e<br />

também a primeira ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> <strong>de</strong> catequese com característica <strong>de</strong><br />

amador). Depois da in<strong>de</strong>pendência do Brasil é criado o Conservatório<br />

Dramático Brasileiro, <strong>de</strong>partamento que <strong>de</strong>fendia a moral e os bons costumes,<br />

supervisionando e censurando peças que iam contra a monarquia. Artistas e<br />

intelectuais famosos fizeram parte <strong>de</strong>sse órgão como Machado <strong>de</strong> Assis e José<br />

<strong>de</strong> Alencar.<br />

Após a proclamação da República é criada a Censura das Casas <strong>de</strong><br />

Diversão, em <strong>de</strong>corrência os a<strong>para</strong>tos censórios cada vez mais se tornam<br />

burocráticos e legitima<strong>dos</strong> pelo Estado. Já no século XX, os perío<strong>dos</strong> <strong>de</strong> maior<br />

cerceamento artístico são os ditatoriais (Estado Novo e Regime Militar), porém<br />

mesmo nos perío<strong>dos</strong> <strong>de</strong>mocráticos a censura continua. Em 1939, já sob o<br />

governo <strong>de</strong> Getúlio Vargas, cria-se o Departamento <strong>de</strong> Imprensa e Propaganda<br />

(DIP), órgão que acumulou até mil novecentos e cinqüenta e três serviços<br />

distintos 8 e entre eles estava a propaganda, a censura e a fiscalização <strong>dos</strong><br />

meios <strong>de</strong> comunicação e das expressões artísticas, bem como era responsável<br />

pelas políticas <strong>de</strong> incentivo cultural. Sobre o DIP, COSTA comenta:<br />

(...) Megaórgão acumulava as funções <strong>de</strong> propaganda, publicida<strong>de</strong>,<br />

informação, documentação e pesquisa, publicações, promoção da cultura em<br />

escolas e quartéis, controle e fiscalização <strong>de</strong> espetáculos, censura prévia <strong>de</strong><br />

jornais e diversões públicas, regulamentação <strong>de</strong> contratos <strong>de</strong> trabalho por<br />

empresas culturais, produção e distribuição <strong>de</strong> filmes, <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> idioma,<br />

incremento do turismo no país, e muitos outros assuntos (...) (2006: 105)<br />

O DIP institucionaliza a censura e mais do que todas as outras<br />

ativida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>sempenhava a repressão aos meios <strong>de</strong> expressão cultural.<br />

8 COSTA, Cristina. Censura em cena. São Paulo: Imprensa Oficial, 2006.<br />

32


Apesar da magnitu<strong>de</strong> do órgão e da burocratização, a censura não possuía<br />

padrões regulamenta<strong>dos</strong>, portanto muitas vezes era a opinião e os valores do<br />

censor que julgavam as peças. O processo da censura consistia em enviar a<br />

peça <strong>para</strong> o órgão regulador da época, <strong>de</strong>pois a peça é avaliada por um censor<br />

que emite um parecer (liberada, proibida <strong>para</strong> menores <strong>de</strong> 18 anos, vetada).<br />

Por muitas vezes os censores cortavam palavras <strong>dos</strong> textos e ocasionalmente<br />

até cenas inteiras. Também era necessário realizar uma apresentação a portas<br />

fechadas <strong>para</strong> um ou dois censores, a fim <strong>de</strong> eles verificarem também a<br />

encenação. Algumas vezes censores disfarça<strong>dos</strong> entravam nas sessões <strong>para</strong><br />

vigilância das exigências feitas. Inicialmente o processo não era tão sofisticado,<br />

porém a partir da Era Vargas a censura tornou-se burocrática e organizada.<br />

Sob o governo <strong>de</strong> Vargas o <strong>teatro</strong> tradicional recebia muitos incentivos.<br />

O <strong>teatro</strong> <strong>de</strong> revista e as comédias ligeiras podiam até fazer caricaturas do<br />

governante, <strong>de</strong>ste modo a imagem <strong>de</strong> Getúlio se fortalecia através <strong>de</strong>sta forma<br />

<strong>de</strong> propaganda. 9 Com relação às políticas <strong>de</strong> incentivo cultural houve a<br />

promoção <strong>de</strong> concursos <strong>de</strong> textos dramáticos e a criação do Serviço Nacional<br />

do Teatro (SNT), fundado em 1937 10 . Por outro lado, o circuito <strong>para</strong>lelo sofria<br />

com repressão, pois muitos <strong>dos</strong> artistas <strong>amadores</strong> eram liga<strong>dos</strong> a imigrantes.<br />

No contexto da Segunda Guerra Mundial e da queda do Fascismo e do<br />

Nazismo, Vargas impe<strong>de</strong> a realização <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s relacionadas a estas<br />

i<strong>de</strong>ologias, assim muitas organizações - <strong>de</strong> origem italiana principalmente – são<br />

fechadas e proibidas <strong>de</strong> exercerem suas ativida<strong>de</strong>s.<br />

Com a saída <strong>de</strong> Vargas e o encerramento das ativida<strong>de</strong>s do DIP em<br />

1945, a censura torna-se mais branda, vetando mais palavras e cenas <strong>de</strong><br />

nu<strong>de</strong>z do que i<strong>de</strong>ologias e i<strong>de</strong>ias. O Estado continua a exercer uma censura,<br />

porém uma censura mais burocrática do que violenta nesses tempos. Também<br />

a partir <strong>de</strong> 1945 o Brasil começa a ter muita influência internacional,<br />

principalmente <strong>dos</strong> Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>. Neste momento se inicia um movimento<br />

<strong>para</strong> mo<strong>de</strong>rnizar o país, tendo como exemplo os países industrializa<strong>dos</strong>. No<br />

9 COSTA, Cristina. Censura em cena. São Paulo: Imprensa Oficial, 2006.<br />

10 ROSA, Marcus Wesley Guimarães. Cultura <strong>de</strong> Estado: políticas públicas e censura em<br />

relação ao <strong>teatro</strong> amador. Relatório <strong>de</strong> iniciação científica Cnpq/PIBIC, 2009.<br />

33


campo cultural são realizadas manifestações em busca <strong>de</strong> um nacional-<br />

<strong>de</strong>senvolvimento. Há uma expansão cultural muito gran<strong>de</strong>.<br />

Assim como em outras áreas, a cultura também <strong>de</strong>monstra o início da<br />

profissionalização e o governo começa a investir nela. Vários museus e locais<br />

<strong>para</strong> expressão artística são cria<strong>dos</strong> na mesma época, a década <strong>de</strong> 1950, tais<br />

como a Escola <strong>de</strong> Arte Dramática (EAD), o Museu <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna (MAM), a<br />

Bienal e o Museu <strong>de</strong> Arte <strong>de</strong> São Paulo (MASP). Nesse contexto, o Estado<br />

novamente não é somente repressor, mas também um disseminador,<br />

incentivador <strong>de</strong> cultura e criador <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional como enfatiza<br />

MICELI:<br />

O papel do Estado em relação à cultura é complexo: ele não é apenas o<br />

agente <strong>de</strong> repressão e <strong>de</strong> censura, mas também o incentivador da produção<br />

cultural e, acima <strong>de</strong> tudo, o criador <strong>de</strong> uma imagem integrada do Brasil que<br />

tenta se apropriar do monopólio da memória nacional. (1984: 50-51)<br />

O <strong>teatro</strong> amador, assim como o <strong>teatro</strong> profissional passou a receber<br />

incentivos do governo. Instituições como a Comissão Estadual <strong>de</strong> Teatro<br />

(CET) e a Fe<strong>de</strong>ração Paulista <strong>de</strong> Amadores Teatrais (FPAT) foram criadas com<br />

o intuito <strong>de</strong> melhorar a situação do <strong>teatro</strong> e auxiliar os <strong>grupos</strong> teatrais. Suas<br />

ações tornam-se essenciais <strong>para</strong> o <strong>teatro</strong> profissional e amador, já que nesta<br />

época ocorre um gran<strong>de</strong> crescimento do número <strong>de</strong> <strong>grupos</strong> <strong>de</strong>vido à<br />

efervescência cultural da época.<br />

De 1955 a 1960 a CET (Comissão Estadual <strong>de</strong> Teatro), órgão criado por<br />

profissionais do <strong>teatro</strong> <strong>para</strong> o crescimento <strong>de</strong>sta arte, se encarregou <strong>de</strong><br />

distribuir verbas, melhorar <strong>teatro</strong>s, criar seminários, cursos e outras ativida<strong>de</strong>s<br />

que proporcionassem o <strong>de</strong>senvolvimento do <strong>teatro</strong> no estado <strong>de</strong> São Paulo. Os<br />

<strong>grupos</strong> <strong>amadores</strong> estavam incluí<strong>dos</strong> nos planos, muitas vezes por meio <strong>de</strong><br />

parcerias com a Fe<strong>de</strong>ração Paulista <strong>de</strong> Amadores Teatrais (FPAT), criaram<br />

cursos, organiza<strong>dos</strong> festivais e alguns diretores profissionais eram subsidia<strong>dos</strong><br />

<strong>para</strong> trabalhar com <strong>grupos</strong> <strong>amadores</strong>. É certo que as companhias mais<br />

famosas recebiam as maiores verbas, contudo os menores também eram<br />

lembra<strong>dos</strong> e beneficia<strong>dos</strong>, assim a CET realiza os 1º e o 2º Festival <strong>de</strong> Teatro<br />

Amador, o que já é uma gran<strong>de</strong> evolução em termos <strong>de</strong> amadorismo. A CET<br />

34


sabia que eram os <strong>amadores</strong> que alimentavam a indústria <strong>de</strong> entretenimento e<br />

por isso <strong>de</strong>cidiu investir neles, havia um diretor <strong>para</strong> representar o <strong>teatro</strong><br />

amador em sua comissão, que inicialmente foi João Ernesto Coelho Neto,<br />

também presi<strong>de</strong>nte da FPAT e censor (Coelho Neto era visto como um bom<br />

censor, que sempre auxiliava na liberação <strong>de</strong> peças 11 ).<br />

No ano <strong>de</strong> 1952 é fundada a Fe<strong>de</strong>ração Paulista <strong>de</strong> Amadores Teatrais<br />

(FPAT). Apesar <strong>de</strong> não ser um órgão oficial do governo, a Fe<strong>de</strong>ração mantinha<br />

relação íntima com os órgãos fomentadores do <strong>teatro</strong> como, por exemplo, a<br />

CET, a Secretaria <strong>de</strong> Educação e Cultura <strong>de</strong> São Paulo e a Comissão<br />

Municipal <strong>de</strong> Teatro, a fim <strong>de</strong> garantir os interesses do <strong>teatro</strong> amador. Os<br />

<strong>grupos</strong> se filiavam à FPAT, que em <strong>contribuição</strong> ajudava-os com a legislação,<br />

organizava cursos, criou a Revista <strong>de</strong> Teatro Amador e realizou festivais. A<br />

organização a FPAT foi muito importante, pois auxiliou o <strong>teatro</strong> amador a se<br />

<strong>de</strong>stacar ainda mais naquele cenário e a se fortalecer como uma classe unida.<br />

A ajuda da Fe<strong>de</strong>ração não era unânime entre os <strong>amadores</strong>, alguns <strong>grupos</strong><br />

diziam que a FPAT beneficiava a poucos, porém é evi<strong>de</strong>nte que a instituição foi<br />

relevante <strong>de</strong> algum modo.<br />

Outra instituição que se <strong>de</strong>stacou neste período <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratização foi o<br />

Clube do Teatro, que auxiliava os <strong>grupos</strong> com relação ao local <strong>de</strong><br />

apresentação e burocracia em troca <strong>de</strong> uma pequena <strong>contribuição</strong>. Além <strong>de</strong><br />

também ser um grupo amador, o Clube do Teatro atuava como mais uma<br />

instituição <strong>de</strong> congregação do amadorismo. Vários artistas <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque<br />

passaram pelo Clube como, por exemplo, João Ernesto Coelho Neto e Antunes<br />

Filho. Existem 32 requerimentos <strong>de</strong> peças no AMS que comprovam a vasta<br />

participação do Clube do Teatro no cenário paulista. 12 De acordo com Marcus<br />

ROSA:<br />

11 Sobre Coelho Neto ver a entrevista concedida ao Arquivo Miorel Silveira presente no livro: COSTA,<br />

Cristina. Censura, repressão e resitência no <strong>teatro</strong> amador. São Paulo: Annablue; Fapesp,<br />

2008.<br />

12 ROSA, Marcus Wesley Guimarães. Cultura <strong>de</strong> Estado: políticas públicas e censura em<br />

relação ao <strong>teatro</strong> amador. Relatório <strong>de</strong> iniciação científica Cnpq/PIBIC, 2009.<br />

35


O Clube <strong>de</strong> Teatro foi fundado em 21 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1951, com se<strong>de</strong> à rua<br />

Riachuelo, 275, como relata o primeiro número da Revista <strong>de</strong> Teatro Amador,<br />

<strong>de</strong> 1955, que traz uma entrevista com Nicolau Cinelli, então presi<strong>de</strong>nte. Essa<br />

instituição recebia a inscrição <strong>de</strong> interessa<strong>dos</strong> que contribuíam financeiramente<br />

e, em troca, tinham direito a uma apresentação teatral por mês.(2009: 33)<br />

Como já citado, na fase <strong>de</strong>mocrática do país a censura atuava <strong>de</strong> forma<br />

mais branda, principalmente no circuito popular. Muitas vezes, porém, camadas<br />

da socieda<strong>de</strong> pediam por censura como no caso <strong>de</strong> Perdoa-me por me Traíres<br />

(DDP4469), <strong>de</strong> Nelson Rodrigues, que passou por várias fases e possui carta<br />

da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> mulheres Cruzada das Senhoras Católicas <strong>de</strong> Santos e<br />

abaixo-assinado da Ação Católica <strong>de</strong> São Paulo <strong>para</strong> que houvesse a proibição<br />

da peça. Curiosamente a CET interveio (após muitos ofícios e discussões) no<br />

processo pela liberação com cortes <strong>para</strong> maiores <strong>de</strong> 21 anos, exercendo o já<br />

<strong>de</strong>scrito papel dúbio do Estado <strong>de</strong> estimulador e ao mesmo tempo limitador.<br />

Por quase duas décadas tem-se certa “liberda<strong>de</strong>” e crescimento cultural<br />

e intelectual do país, período que é interrompido em 1964 pelo Golpe Militar. A<br />

censura no regime foi mais violenta do que em qualquer outro período da<br />

história do Brasil, com a criação do Departamento <strong>de</strong> Or<strong>de</strong>m Pública Social<br />

(DOPS). Em oposição a essa ditadura mais forte a classe teatral enfrenta a<br />

censura mostrando a sua arte em fase muito inovadora e frutífera. Muitos<br />

<strong>grupos</strong> <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> <strong>amadores</strong> e profissionais adotam uma posição política. Quase<br />

como uma antítese à repressão. Nesta época, o Estado continuava a oferecer<br />

incentivos culturais e criam-se órgãos que ao mesmo tempo controlam e<br />

mantêm as práticas teatrais profissionais e amadoras.<br />

É interessante citar que neste período há uma ruptura com o padrão <strong>de</strong><br />

público que estava sendo construído por <strong>grupos</strong> como o Arena, já que passam<br />

a constituir este público estudantes <strong>de</strong> classe média:<br />

O Golpe <strong>de</strong> 64 trouxe como consequência imediata o <strong>de</strong>smantelamento<br />

das organizações populares. Interrompe-se abruptamente o contato entre a<br />

intelectualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> esquerda e as classes oprimidas. Dentro <strong>de</strong>ste novo<br />

contexto, a classe artística passa a produzir <strong>para</strong> um novo público: a pequena<br />

burguesia. A partir <strong>de</strong> então, os <strong>grupos</strong> que buscavam uma ação cultural<br />

transformadora passaram a ter na classe média estudantil sua principal platéia.<br />

(FAYA, 2005: 149)<br />

36


A Confe<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> Teatro Amador do Estado <strong>de</strong> São Paulo (COTAESP)<br />

surge em 1967, num momento que o número <strong>de</strong> artistas <strong>amadores</strong> chegava a<br />

15 mil 13 . A COTAESP adota uma postura não-política, o que facilita seu trânsito<br />

em meio ao regime. Sua primeira ação é conversar com a Socieda<strong>de</strong> Brasileira<br />

<strong>de</strong> Autores Teatrais (SBAT) <strong>para</strong> que os <strong>amadores</strong> tivessem maior acesso aos<br />

textos e também obtivessem condições especiais <strong>de</strong> pagamento sobre os<br />

direitos autorais das peças. Esta iniciativa funcionou e assim os <strong>amadores</strong><br />

pu<strong>de</strong>ram aumentar e diversificar seu repertório. A COTAESP também<br />

contribuía com os Festivais Amadores e auxiliava os <strong>grupos</strong> a buscar apoio<br />

público e privado <strong>para</strong> a apresentação das peças.<br />

Em 1968 se inicia o período mais nefasto da ditadura militar com a<br />

instauração do Ato Institucional nº5, o chamado AI-5. A censura passa a ser<br />

mais ferrenha, tratando com muita violência àqueles que tentavam se opor ao<br />

regime. Como já mencionada, a posição <strong>de</strong> alguns <strong>grupos</strong> <strong>de</strong> <strong>teatro</strong><br />

profissionais era <strong>de</strong> enfrentar a ditadura, assim <strong>grupos</strong> como o Oficina,<br />

adotaram uma postura política, mas juntamente com as glórias do ótimo <strong>teatro</strong><br />

que vinha sendo produzido vinham os danos causa<strong>dos</strong> pela repressão do<br />

governo. Durante este período, diretores e atores teatrais foram presos e esta<br />

época modificou o <strong>teatro</strong> <strong>para</strong> sempre. Po<strong>de</strong>-se notar na <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> Celso<br />

Frateschi, concedida em entrevista, os sentimentos em relação ao período <strong>de</strong><br />

ditadura militar e as consequências <strong>para</strong> o <strong>teatro</strong>:<br />

Não faz falta nenhuma, a ditadura não faz falta nenhuma pra ninguém.<br />

É claro que a gente viveu aquela época e resolveu viver aquela época batendo<br />

<strong>de</strong> frente né?! E isso a gente tem um certo orgulho disso, sobrevivemos, o país<br />

se transformou e acho que <strong>de</strong> alguma forma essa geração ajudou o país a se<br />

transformar bastante, mas sorte <strong>de</strong> vocês que não tem mais isso. A censura<br />

atrapalhou, a censura <strong>de</strong>struiu o <strong>teatro</strong> brasileiro. (FRATESCHI, 2011)<br />

Além do <strong>teatro</strong> engajado também começa a existir um número maior do<br />

chamado <strong>teatro</strong> alienado, que durante este período passa a apresentar muitas<br />

comédias e exportar os chama<strong>dos</strong> musicais da Broadway. Esta <strong>de</strong>struição do<br />

<strong>teatro</strong> mostra seus efeitos atualmente, o <strong>teatro</strong> nacional ainda é pequeno em<br />

13 VILELA, Ney. Teatro Amador Paulista: voz libertária em tempos <strong>de</strong> silêncio (1964- 1985).<br />

Revista leituras da História nº5, 2008.<br />

37


elação ao número <strong>de</strong> textos importa<strong>dos</strong>. No circuito alternativo também ocorre<br />

algo parecido, já que muitos estudantes, que se envolviam com grêmios<br />

estudantis e política, utilizavam concomitantemente o <strong>teatro</strong> como uma forma<br />

<strong>de</strong> expressão. Sobre este <strong>teatro</strong> <strong>de</strong> resistência feito por estudantes comenta<br />

GAMA:<br />

Durante o período da ditadura, o Teatro Estudantil, vindo das<br />

universida<strong>de</strong>s, assumiu um papel <strong>de</strong> resistência política, transformando São<br />

Paulo no epicentro do movimento das produções estudantis. A partir <strong>dos</strong><br />

festivais, essas produções se transformaram num <strong>dos</strong> mais importantes<br />

espaços <strong>de</strong> discussão política e artística. (2008: 88)<br />

No final da década <strong>de</strong> 70, já com a ditadura instalada e a censura sendo<br />

realizada em Brasília e não mais pelos esta<strong>dos</strong>, os incentivos ao <strong>teatro</strong><br />

passaram a diminuir cada vez mais e quem mais sofria eram os <strong>amadores</strong>,<br />

Nesta época alguns <strong>grupos</strong> mudam suas se<strong>de</strong>s <strong>para</strong> as periferias da cida<strong>de</strong>. O<br />

<strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Frateschi aponta uma explicação <strong>para</strong> a volta à periferia :<br />

mesmo fato:<br />

E foi muito interessante pra nós do núcleo, porque era um grupo que<br />

não estava só preocupado com a ação política não, <strong>de</strong> alguma forma, toda a<br />

esquerda, a partir <strong>de</strong> 76, começa a ir pro bairro, então essa turma toda que foi<br />

presa, 69,68, 70, quando começou a sair da prisão, percebeu a partir <strong>de</strong><br />

autocrítica e tal que o trabalho <strong>de</strong>les precisava ter uma base popular mais<br />

sólida e aí foi quando teve um gran<strong>de</strong> avanço a educação <strong>de</strong> base.<br />

(FRATESCHI, 2011)<br />

O produtor cultural Toninho Macedo também chama atenção <strong>para</strong> este<br />

E foi um momento difícil, um governo militar, uma ditadura militar, em<br />

cada canto tinha um olheiro e o movimento <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> amador naquela época<br />

era muito forte, mas também era um fonte <strong>de</strong> consciência, na minha avaliação,<br />

<strong>de</strong> maior brilho <strong>de</strong> consciência da produção teatral, então nós tínhamos muito<br />

<strong>grupos</strong> que estavam na periferia circulando na periferia, nas escolas e que<br />

tinham, bom, era a opção até <strong>de</strong> levar o <strong>teatro</strong>, já se configurava algo diferente,<br />

uma postura diferente do <strong>teatro</strong> instalado no Bixiga e <strong>de</strong>ntro <strong>dos</strong> espaços<br />

constituí<strong>dos</strong>, nesse período também circulavam muito pela periferia, e<br />

continuam circulando, o União e Olho Vivo, era <strong>de</strong> uma importância muito<br />

gran<strong>de</strong> a produção do União e Olho Vivo e ao mesmo tempo ela era um<br />

elemento complicador, porque era tão contun<strong>de</strong>nte as posturas do União e<br />

Olho Vivo, do mesmo jeito que eles faziam o <strong>teatro</strong> bem acabado e tudo que<br />

por on<strong>de</strong> eles passavam iam <strong>de</strong>ixando rastros <strong>de</strong> segmento, os militares e a<br />

censura sabiam que por ali <strong>de</strong>veria estar acontecendo alguma coisa. Então<br />

to<strong>dos</strong> ficávamos <strong>de</strong> sobre aviso, por on<strong>de</strong> o União e Olho Vivo passava a gente<br />

tinha que tomar um pouco mais <strong>de</strong> cuidado também. (MACEDO, 2011)<br />

38


A relação entre a censura e os artistas era <strong>de</strong>licada, pois não eram<br />

somente regras morais que <strong>de</strong>veriam ser seguidas. Também entravam em jogo<br />

as relações sociais entre censores e artistas que envolviam negociações,<br />

recursos literários, relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e outras interferências. A falta <strong>de</strong> um<br />

mercado <strong>de</strong> arte, assim como o baixo po<strong>de</strong>r aquisitivo da população faziam<br />

com que o Estado fosse o maior produtor e incentivador <strong>de</strong> cultura, assim a<br />

liberda<strong>de</strong> artística ficava <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do Estado, a censura era algo com o que<br />

se viam obriga<strong>dos</strong> a conviver. Muitos <strong>grupos</strong> não buscavam mais apoio no<br />

governo, mas improvisavam <strong>para</strong> conseguir dinheiro <strong>para</strong> as apresentações,<br />

porém no meio popular os <strong>grupos</strong> não podiam se arriscar tanto e utilizavam<br />

muitas artimanhas <strong>para</strong> fugirem da censura. Assim Hilda Breda explica como o<br />

grupo Regina Pacis agia ao apresentar sua peça:<br />

Isso a gente tinha que mandar o texto e tinha que liberar isso. Teve<br />

liberação, vieram os censores, teve que buscar em São Paulo, trazer, eles<br />

assistiram, praticamente não teve corte. Claro...na hora <strong>de</strong> fazer censura, não<br />

fique empolgado em falar certas palavras, aquelas que eui falei pra dar mais<br />

ênfase, faz meio né?!...não faz...Faz uma coisinha assim...que você não sabe<br />

nem o que tá falando. Então ele...[o diretor Assunção] meio macaco velho, não<br />

dá aquelas intenções mais assim...[não] faz nenhum arroubo, faz aquela<br />

coisinha bem inocente, bem...<strong>de</strong> quem não sabia bem o que tava falando...Era<br />

uma estratégia <strong>de</strong>le, ele fez isso durante todo o período que teve censores com<br />

a gente. Então essa cena que a gente fez <strong>de</strong>sta forma, vamos fazer ela mais...<br />

Ele até mudava a marcação às vezes, pra não passar aquela i<strong>de</strong>ia né?! Então<br />

isso também a gente fazia. Era estratégia pra gente burlar a censura. Teve<br />

muito disso. (BREDA, 2011)<br />

Para a maioria <strong>dos</strong> <strong>grupos</strong> <strong>amadores</strong> a censura não agia com repressão,<br />

porém o maior dano causado era pelo medo provocado naqueles que<br />

produziam cultura. Ao contrário <strong>dos</strong> gran<strong>de</strong>s diretores e produtores do circuito<br />

comercial, os <strong>amadores</strong> não possuíam condições <strong>para</strong> rebater qualquer ação<br />

repressiva, assim o medo impedia muitos <strong>grupos</strong> <strong>de</strong> fazerem peças mais<br />

criativas, a chamada autocensura era muito utilizada. A censura sofrida pelo<br />

Oficina tornava-se conhecida no meio intelectual, porém a repressão aos<br />

<strong>amadores</strong> não ia a público, o que prejudicava somente a estes últimos.<br />

Portanto, os <strong>amadores</strong> tinham medo <strong>de</strong> se apresentar e este é uma das piores<br />

consequências da censura. Como afirma Maria Cristina COSTA:<br />

A censura prejudica os menores, os <strong>amadores</strong>, os alternativos – O<br />

po<strong>de</strong>r torna sempre mais frágil o artista iniciante, aquele justamente que po<strong>de</strong>,<br />

39


por estar longe das gran<strong>de</strong>s fontes <strong>de</strong> auxílio e incentivo, ousar e inventar o<br />

novo. Os artistas clássicos, consagra<strong>dos</strong>, que Pierre Bourdieu chamava <strong>de</strong><br />

capital financeiro da indústria cultural, inventam menos, ousam menos,<br />

expõem-se menos, pois temem per<strong>de</strong>r o lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque que possuem. Os<br />

artistas e intelectuais novos, que nada têm a per<strong>de</strong>r constituem a renovação e<br />

a vanguarda da produção artística e da intelectualida<strong>de</strong>. Por isso Bourdieu os<br />

chama <strong>de</strong> capital simbólico. As formas <strong>de</strong> repressão são mais po<strong>de</strong>rosas diante<br />

<strong>de</strong>les que ainda não são conheci<strong>dos</strong> nem consagra<strong>dos</strong>. (2006: 263)<br />

A partir <strong>de</strong> 1979, com a segunda crise do petróleo e os governos<br />

passando por dificulda<strong>de</strong>s começam a cortar e diminuir gastos com a cultura e<br />

o <strong>teatro</strong> é novamente prejudicado. Os <strong>grupos</strong> profissionais sofreram muito,<br />

entretanto aqueles que mais apresentaram danos foram os <strong>grupos</strong> <strong>amadores</strong><br />

que não mais possuíam condições financeiras <strong>para</strong> se apresentar, sufoca<strong>dos</strong><br />

pela censura e sofrendo com a falta <strong>de</strong> público.<br />

Ao final da década <strong>de</strong> 1980 se dá a abertura política no Brasil e a<br />

censura oficial é extinta. Porém dá-se início a censura econômica, pois<br />

somente são patrocinadas peças que contém a “moral e os bons costumes”<br />

a<strong>de</strong>qua<strong>dos</strong> à marca da empresa, ou daquele que será o mecenas. As políticas<br />

culturais também exigem uma a<strong>de</strong>quação e por isso os que precisam e<br />

<strong>de</strong>sejam receber seus incentivos têm que se autocensurar <strong>para</strong> entrar nos<br />

padrões exigi<strong>dos</strong>. Renata Pallottini, dramaturga e professora, no livro<br />

organizado por Maria Cristina COSTA, comenta sobre esta censura atual:<br />

(...) Existe a censura <strong>de</strong> faixa etária na televisão. No cinema, nem sei se<br />

ainda existe. No <strong>teatro</strong> também tem alguma coisa. Mas a censura oficial, tal<br />

como era, não existe mais. Porém, existe ainda com toda certeza uma censura<br />

privada. Hoje em dia o <strong>teatro</strong> brasileiro dificilmente po<strong>de</strong> subsistir sem o<br />

incentivo das gran<strong>de</strong>s empresas. Não creio que se você escrever uma peça<br />

contra o imperialismo norte-americano conseguirá um patrocínio <strong>de</strong> uma<br />

Empresa <strong>dos</strong> Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>. Assim, um autor precisa ficar fugindo <strong>de</strong> temas<br />

que possam incomodar gregos ou troianos, senão eles não vão mais te ajudar<br />

a montar seus espetáculos. É triste isso. (2006)<br />

Com o país imerso na chamada indústria cultural e o <strong>teatro</strong> enfraquecido<br />

por anos <strong>de</strong> uma censura forte, este último acaba tornando-se um produto que<br />

fica à mercê do mercado. Esse novo esquema dá margem à nova censura<br />

existente, a chamada censura do mercado, on<strong>de</strong> apenas as peças que<br />

condizem com o pensamento <strong>de</strong> empresas conseguem patrocínio <strong>para</strong> serem<br />

encenadas. O <strong>teatro</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte ganhou muita força e são estes que<br />

40


continuam a inovar, sempre buscando uma linguagem diferente. Talvez um<br />

caminho que o <strong>teatro</strong> amador tenha seguido é ocorrer em locais subsidia<strong>dos</strong><br />

pelo governo, já que existem projetos como Escolas <strong>de</strong> Tempo Integral e<br />

Escola da Família que mantém alunos e familiares <strong>de</strong>ntro do ambiente escolar,<br />

um ambiente que a princípio dissemina a cultura e por isto seria propício <strong>para</strong> a<br />

montagem <strong>de</strong> peças <strong>de</strong> <strong>grupos</strong> <strong>amadores</strong>. Os festivais <strong>amadores</strong> não<br />

acontecem mais como antigamente, porém o formato <strong>de</strong> mostra surgiu e<br />

muitos <strong>grupos</strong> <strong>de</strong> cunho amador se apresentam neste formato. Também<br />

continuam a existir muitos <strong>grupos</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes em locais afasta<strong>dos</strong> do centro<br />

da cida<strong>de</strong>. Estes po<strong>de</strong>m ser algumas direções que o <strong>teatro</strong> amador segue nas<br />

décadas anteriores.<br />

Do amadorismo ao profissionalismo<br />

A importância do circuito popular fica evi<strong>de</strong>nte se analisa<strong>dos</strong> os da<strong>dos</strong><br />

do Arquivo Miroel Silveira juntamente com as críticas feitas por Décio <strong>de</strong><br />

Almeida Prado, Clóvis Garcia e outros críticos que atuaram nas décadas <strong>de</strong><br />

1930 a 1980. Os <strong>amadores</strong> sempre tiveram o papel <strong>de</strong> inovar a cena teatral,<br />

justamente por serem livres <strong>dos</strong> fins comercias. Décio <strong>de</strong> Almeida Prado, em<br />

sua crítica sobre o Teatro Amador <strong>de</strong> Pernambuco ressalta as qualida<strong>de</strong>s<br />

quase profissionais <strong>de</strong>stes <strong>amadores</strong>:<br />

O que é surpreen<strong>de</strong>nte, espantoso mesmo, nestes <strong>amadores</strong> <strong>de</strong><br />

Pernambuco, é a sua tranqüilida<strong>de</strong> profissional. Não nos referimos propriamente<br />

à qualida<strong>de</strong> artística do conjunto – que é muito boa – mas a outra coisa, a essa<br />

impressionante segurança com que se apresentam, certos <strong>de</strong> si, da peça e do<br />

público. Tudo neles, a extraordinária homogeneida<strong>de</strong> do elenco, a evi<strong>de</strong>nte<br />

facilida<strong>de</strong> e prazer com que estão no palco, e até a escolha do repertório,<br />

comercial sem <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser artístico, lembra o profissionalismo, não tal como é,<br />

mas tal como <strong>de</strong>veria ser no Brasil. Os outros <strong>grupos</strong> <strong>amadores</strong>, Os<br />

Comediantes, no passado, O Tablado, no presente, <strong>de</strong>sejam inovar,<br />

revolucionar, acrescentar alguma coisa ao nosso <strong>teatro</strong>. (PRADO, 2001: 220)<br />

Aqueles que partici<strong>para</strong>m <strong>de</strong> algum movimento amador possuem<br />

características essenciais <strong>para</strong> se tornarem bons profissionais, pois aliam o<br />

41


conhecimento das técnicas aprendidas à experiência <strong>de</strong> discussões sobre os<br />

mais varia<strong>dos</strong> assuntos e certa liberda<strong>de</strong> artística que não é tão certa no meio<br />

profissional. O <strong>teatro</strong> amador sempre criou profissionais que mais tar<strong>de</strong><br />

migrariam <strong>para</strong> outras áreas da comunicação. Vários nomes importantes das<br />

décadas <strong>de</strong> 1930 a 1970 iniciaram suas carreiras no cenário amador tais como<br />

Itália Fausta (saída do <strong>teatro</strong> <strong>dos</strong> imigrantes), Walmor Chagas, Gianfrancesco<br />

Guarnieri, Antunes Filho, Raul Cortez, John Herbert e muitos outros atores e<br />

diretores.<br />

Diferentemente <strong>de</strong> antes, na década <strong>de</strong> 1970 as gran<strong>de</strong>s escolas que<br />

formam profissionais volta<strong>dos</strong> <strong>para</strong> estas áreas específicas já existem, porém<br />

por ainda serem novas até então não criavam profissionais completos. Por esta<br />

formação ainda carente, ex-atores <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> amador permanecem tendo muita<br />

importância nesse cenário. Ainda hoje po<strong>de</strong>mos notar atores que iniciaram a<br />

carreira <strong>de</strong>sta forma na década <strong>de</strong> 70 e hoje trabalham como profissionais<br />

como, por exemplo, a atriz Rosi Campos, o ator e diretor Celso Frateschi, o<br />

produtor cultural Toninho Macedo, Antonio Fagun<strong>de</strong>s, Alexandre Borges, Ney<br />

Latorraca, Ulysses Cruz, a atriz Cássia Kiss, a também atriz Regina Duarte e o<br />

ator Pascoal da Conceição.<br />

Em nossa pesquisa entrevistamos alguns <strong>de</strong>stes artistas sobre suas<br />

carreiras e como foi tornar-se profissional naquela época. A maioria <strong>dos</strong><br />

entrevista<strong>dos</strong> começou suas ativida<strong>de</strong>s amadoras em colégios, o <strong>teatro</strong> sempre<br />

esteve <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo em suas vidas. Este dado aponta <strong>para</strong> o fato <strong>de</strong> que as<br />

ativida<strong>de</strong>s em locais estudantis eram essenciais <strong>para</strong> o posterior<br />

<strong>de</strong>senvolvimento profissional do artista. Muitos <strong>dos</strong> artistas abandonavam a<br />

prática amadora quando terminam o ensino médio, mas alguns seguiam<br />

realizando outros cursos relaciona<strong>dos</strong> ao <strong>teatro</strong> e iniciando uma carreira que<br />

po<strong>de</strong>ria tornar-se profissional.<br />

Sobre o começo das ativida<strong>de</strong>s teatrais na vida <strong>dos</strong> entrevista<strong>dos</strong>, é<br />

relevante notar que somente Hilda Breda, e seu grupo Regina Pacis, iniciaram<br />

sua carreira mantendo relação com igreja, ou seja, era uma entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cunho<br />

religioso, enquanto os <strong>de</strong>mais entrevista<strong>dos</strong> iniciaram a prática do <strong>teatro</strong> em<br />

<strong>grupos</strong> estudantis. O Regina Pacis foi o único <strong>grupos</strong> <strong>dos</strong> entrevista<strong>dos</strong> que<br />

42


começou suas ativida<strong>de</strong>s no início anos 1960, os outros artistas, no entanto<br />

têm suas primeiras experiências em <strong>grupos</strong> <strong>amadores</strong> no final <strong>de</strong>sta década,<br />

início <strong>de</strong> 1970 isto também <strong>de</strong>monstra a relevância <strong>dos</strong> estudantes nas<br />

ativida<strong>de</strong>s amadoras.<br />

Ao trabalharmos com a memória, que sempre é enaltecida por<br />

acontecimentos pessoais, precisamos ter cuidado <strong>para</strong> não generalizar ações<br />

individuais. Porém é interessante utilizar este tipo <strong>de</strong> técnica <strong>para</strong> po<strong>de</strong>rmos<br />

notar algumas características da socieda<strong>de</strong> da época. Em seus <strong>de</strong>poimentos,<br />

quando pergunta<strong>dos</strong> sobre o início da carreira profissional, to<strong>dos</strong> os artistas<br />

alegaram que foi algo que fluiu naturalmente e quase <strong>de</strong> modo aci<strong>de</strong>ntal, ao<br />

acaso, leva<strong>dos</strong> pela sorte. Esta característica <strong>dos</strong> <strong>de</strong>poimentos não po<strong>de</strong> ser<br />

levada a risca, contudo ao <strong>de</strong>slocarmos <strong>para</strong> o contexto geral, po<strong>de</strong>-se apontar<br />

<strong>para</strong> a troca <strong>de</strong> posições, uma mobilida<strong>de</strong> entre as áreas artísticas e<br />

comunicacionais muito gran<strong>de</strong>.<br />

Um fato interessante que é citado por Celso Frateschi é que, a maioria<br />

<strong>dos</strong> atores <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> são, <strong>de</strong> certa forma, <strong>amadores</strong>, já que poucos conseguem<br />

sobreviver <strong>de</strong>ste ofício. É algo comum os atores também exercerem trabalhos<br />

em publicida<strong>de</strong>, telenovelas e outras ativida<strong>de</strong>s <strong>para</strong> complementar a renda<br />

mensal. Além disso, também toca em outro fato importante: <strong>de</strong> que os <strong>grupos</strong><br />

não se importavam do fato <strong>de</strong> não viverem <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>, já que possuíam maior<br />

liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste modo. Vendo-se por este prisma praticamente só existe<br />

amadorismo com relação ao <strong>teatro</strong>:<br />

(...)eles encaravam o fato <strong>de</strong> não sobreviver <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> com muita<br />

naturalida<strong>de</strong>, eles achavam que tudo bem, que vale a pena ter a liberda<strong>de</strong> <strong>para</strong><br />

fazer o que bem enten<strong>de</strong>, portanto nós vamos dar meio período <strong>para</strong> ganhar o<br />

nosso sustento on<strong>de</strong> for e isso era tranquilo <strong>para</strong> nós, mesmo porque quando a<br />

gente olhava os gran<strong>de</strong>s atores, ditos profissionais, eles eram profissionais <strong>de</strong><br />

fato, raramente a pessoa vive só <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>, né, fazia publicida<strong>de</strong>, fazia<br />

televisão, <strong>teatro</strong> era raríssimos, talvez, a única pessoa que viveu só <strong>de</strong><br />

interpretar foi o Paulo Autran, talvez o único, mas mesmo assim ele fazia rádio,<br />

televisão, mais uma série <strong>de</strong> outras coisas, então era tranquilo isso pra ele.<br />

Então essa profissionalização sempre foi assim, como é hoje, eu vivo <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>,<br />

mas não posso dizer que vivo <strong>de</strong> interpretar, aqui a gente se endivida, daí faz<br />

televisão e paga as dívidas, daí faz uma outra coisa, dá aula, gira entorno da<br />

coisa do ator, mas eu não posso dizer que eu vivo <strong>de</strong> ser ator(...)(FRATESCHI,<br />

2011)<br />

43


Consi<strong>de</strong>rações finais<br />

O estudo <strong>dos</strong> processos <strong>de</strong> censura do Arquivo Miroel Silveira<br />

<strong>de</strong>monstra que o perfil do <strong>teatro</strong> amador mudou durante os anos. As políticas<br />

<strong>de</strong> apoio à cultura e a construção <strong>de</strong> lugares próprios <strong>para</strong> essas ativida<strong>de</strong>s<br />

proporcionaram o aumento das entida<strong>de</strong>s promotoras culturais e estudantis,<br />

em oposição a esse crescimento vê-se a diminuição <strong>de</strong> espaços como os<br />

centros <strong>de</strong> imigrantes e trabalhadores. Gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>ssa mudança se <strong>de</strong>ve à<br />

indústria cultural e à censura. A partir da década <strong>de</strong> 1960 o número <strong>de</strong> <strong>grupos</strong><br />

<strong>amadores</strong> estudantis aumenta significativamente e adquire uma enorme<br />

relevância no cenário <strong>de</strong> combate à repressão exercida pelo governo ditatorial<br />

militar.<br />

Gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>stes estudantes tinha ligação com grêmios acadêmicos<br />

e também exerciam um papel político. Muitos <strong>dos</strong> <strong>grupos</strong> estudantis adotaram<br />

um papel político <strong>de</strong> resistência contra a ditadura militar. Os mesmos<br />

estudantes que integravam o <strong>teatro</strong> amador posteriormente participariam do<br />

movimento das Diretas Já. Na época em que a censura foi mais repressora o<br />

<strong>teatro</strong> a combateu com um movimento <strong>de</strong> engajamento muito forte, assim os<br />

estudantes <strong>amadores</strong> foram <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância no cenário <strong>de</strong> luta da<br />

época.<br />

Apesar do perfil daqueles que praticavam o <strong>teatro</strong> amador se modificar,<br />

o motivo <strong>para</strong> a reunião <strong>de</strong> pessoas não muda: em ambos os casos é a<br />

sociabilida<strong>de</strong>. Enquanto antes a reunião <strong>de</strong> pessoas era pela manutenção <strong>de</strong><br />

cultura e noção <strong>de</strong> pertencimento à sua terra natal, nas décadas <strong>de</strong> 1970 e<br />

1980 as pessoas usam o <strong>teatro</strong> como forma <strong>de</strong> escape da repressão e<br />

<strong>de</strong>sculpa <strong>para</strong> discutir a situação política e social do país, num ambiente em<br />

que reuniões eram proibidas.<br />

44


O fato <strong>de</strong> o <strong>teatro</strong> amador ser realizado por estudantes contribuiu <strong>para</strong> a<br />

manutenção da importância do amadorismo. Num período <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

efervescência cultural e <strong>de</strong> embate contra a repressão do regime militar o<br />

<strong>teatro</strong> amador conseguiu seu espaço, com voz <strong>para</strong> lutar. Por causa das<br />

características daqueles que realizavam o <strong>teatro</strong> amador surgiram gran<strong>de</strong>s<br />

profissionais que atuam até hoje em áreas correlatas às artes.<br />

Inicialmente o <strong>teatro</strong> amador era praticado em bairros, porém com o<br />

passar <strong>dos</strong> anos o local <strong>de</strong> encontro começa a se modificar tornando-se mais<br />

próximo do centro da cida<strong>de</strong>. Os <strong>amadores</strong> eram ajuda<strong>dos</strong> pelas políticas <strong>de</strong><br />

subsídio do Estado, assim na década <strong>de</strong> 1960 muitos <strong>grupos</strong> utilizavam<br />

espaços do governo <strong>para</strong> realizar suas ativida<strong>de</strong>s amadoras.<br />

Concomitantemente também ocorre um movimento <strong>de</strong> volta <strong>para</strong> as periferias,<br />

pois uma gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>grupos</strong> monta suas se<strong>de</strong>s em zonas mais<br />

afastadas do centro <strong>para</strong> se afastarem da repressão e da censura, mais<br />

presentes nos centros on<strong>de</strong> havia maior fervor cultural. Assim são inicia<strong>dos</strong><br />

trabalhos em comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> periferia, ainda hoje muitos <strong>grupos</strong> como estes<br />

se mantêm nestas regiões marginais da cida<strong>de</strong>.<br />

Durante todo o período <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a década <strong>de</strong> 1930 até 1980 o Estado<br />

exerceu um papel duplo em relação ao <strong>teatro</strong>: <strong>de</strong> fomentador e <strong>de</strong> censor <strong>de</strong><br />

suas ativida<strong>de</strong>s. Essa característica dúbia é mais percebida nas épocas <strong>de</strong><br />

regimes totalitários como na ditadura militar, on<strong>de</strong> vários órgãos <strong>de</strong> fomento ao<br />

<strong>teatro</strong> e ao <strong>teatro</strong> amador foram cria<strong>dos</strong> e houve uma enorme expansão neste<br />

campo, porém concomitantemente houve o período mais difícil da repressão,<br />

on<strong>de</strong> artistas e peças eram censura<strong>dos</strong>, presos e alguns até <strong>de</strong>sapareceram<br />

durante esta época, é o caso <strong>de</strong> Eleni Ferreira Teles Guariba, professora<br />

universitária e diretora do Grupo <strong>de</strong> Teatro da Cida<strong>de</strong> do <strong>teatro</strong> <strong>de</strong> Santo<br />

André, <strong>de</strong>saparecida em 1971, após ser presa pelo regime militar.<br />

A pesquisa permitiu traçar o perfil <strong>para</strong> o <strong>teatro</strong> amador nas décadas <strong>de</strong><br />

1970 e 1980. Po<strong>de</strong>-se agora dar continuida<strong>de</strong> à busca por entida<strong>de</strong>s e <strong>grupos</strong><br />

contemporâneos verificando se o <strong>teatro</strong> amador ainda possui a relevância que<br />

exercia em épocas anteriores, on<strong>de</strong> ele se manifesta e quais suas<br />

características.<br />

45


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49


Anexos<br />

Anexo I – Lista <strong>de</strong> peças amadoras catalogadas <strong>para</strong> o Arquivo Miroel<br />

Silveira<br />

Ano Título Autor<br />

1956 Côco-Melancia-Abacaxi Abelardo Pinto Piolin<br />

1956 Demônios em el cuerpo Miguel Echegueray<br />

1956 La Mujer <strong>de</strong>l Sereno Miguel Ramos Carrion<br />

1956 Como se Arranja um Marido Veloso da Costa<br />

1949 Máscaras Menotti Del Picchia<br />

1957 A Mulher do Chico Oliveira Lima<br />

1947 Joaninha Buscapé Luiz Iglezias<br />

1949 O Desertor Castro Viana<br />

1951 Tudo Azul Ferreira Neto<br />

1959 O tio Boêmio Walter Sequeira<br />

1959 O caso <strong>dos</strong> 10 negrinhos Ágatha Cristie<br />

1959 Casamento Russo Ikonnikov<br />

1959 O Padre Protestante Boanerges Ribeiro<br />

1959 A Cocaina George Effeiche<br />

1956 Os ladrões Avertchenke<br />

1948 Balduíno Armando Gonzaga<br />

1966 Show do Bicho Vinícius <strong>de</strong> Morais<br />

1956 O Filho <strong>de</strong> David Richet<br />

1948 Tudo por Você José Wan<strong>de</strong>rley<br />

1956 Pluft, O Fantasminha Maria Clara Machado<br />

1962 O Discípulo do Diabo Bernard Shaw<br />

1965 Natal na Praça<br />

Que Sogra!(Sogra nem<br />

Henri Ghéon<br />

1959 pintada) J. Pontes Vieira<br />

1956 O Herói João Alexandre Petõfi<br />

1962 A Ilha do tesouro Cyd Ferreira <strong>dos</strong> Santos<br />

1956 O Judas no Sábado <strong>de</strong> Aleluia Martins Pena<br />

1956 A casa <strong>de</strong> Quiros Carlos Arniches<br />

1954 A Tal que Entrou no escuro Gastão Tojeiro<br />

1965 História <strong>dos</strong> irmãos Soga Desconhecido<br />

1965 Barco sem pescador Alejandro Casona<br />

1945 O Maluco nº4 Armando Gonzaga<br />

1949 O Pivete Luiz Iglezias<br />

1958 Entre o vermute e a sopa Arthur Azevedo<br />

1956 Terra <strong>de</strong> Amor Ocirema Almeida Barbosa <strong>de</strong> Silveira<br />

1956 Isca <strong>para</strong> Homem José Pires da Costa<br />

1956 Esta Noite te Matarei Orlindo Dias Corleto<br />

1956 O Morto da meia noite Odilon Pinheiro <strong>de</strong> faria<br />

50


1956 Dona Xepa Pedro Bloch<br />

1955 O Acrobata Octave Feuillet<br />

1963 Ciúmes <strong>de</strong> Um Pe<strong>de</strong>stre Martins Pena<br />

1956 Vai graxa, doutor? Olindo Dias Corleto<br />

1962 Cin<strong>de</strong>rella<br />

O Segredo que a Lua não<br />

Desconhecido<br />

1956 conta a ninguém Ernst Bernhoeft<br />

1947 Fatalida<strong>de</strong> Barros <strong>de</strong> Almeida<br />

1940 O Tigre Armando Prazeres<br />

1946 O beijo que era meu José Wan<strong>de</strong>rley<br />

1948 Consciência Adormecida Iris Avanzi Moya da Silva<br />

1955 O Oráculo Arthur Azevedo<br />

1959 A Torre em Concurso Joaquim Manoel Macedo<br />

1957 Essa Mulher é minha R. Magalhães Jr.<br />

1966 Os Cegos Michel <strong>de</strong> Ghel<strong>de</strong>ro<strong>de</strong><br />

1966 O Jovem Aventureiro Desconhecido<br />

1966 Uma rosa no cárcere José Alberto <strong>de</strong> Marchi<br />

1961 O Living Room Graham Green<br />

1962 Donna Rossa Guglelmo Gianini<br />

1962 Don Juan Mo<strong>de</strong>rno Moliere<br />

1962 Maria do Samba José Sampaio<br />

1965 Consulta Arthur Azevedo<br />

1962 Signore Il Poltrona Gavi<br />

51


Anexo II - Certificado <strong>de</strong> participação do SIIC<strong>USP</strong><br />

52


Anexo III - Certificado Seminário Comunicação e Censura<br />

53


Anexo IV – Entrevista Pascoal da Conceição<br />

Data: 6 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2011<br />

Local: Residência do entrevistado<br />

Entrevistadora Paula: Pra começar eu gostaria que o senhor falasse<br />

Pascoal: Não precisa chamar <strong>de</strong> senhor.<br />

EP: Como você começou a fazer <strong>teatro</strong>?<br />

PC: Eu comecei a fazer <strong>teatro</strong> é... você quer saber...por exemplo... que eu me lembre<br />

eu faço <strong>teatro</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que eu era criança, porque... falando especificamente da arte <strong>de</strong> fazer<br />

<strong>teatro</strong>, da arte <strong>de</strong> representação eu me lembro que eu comecei a me interessar por isso<br />

quando eu era criança. Eu ia na missa, gostava <strong>de</strong> ver o padre rezar missa, gostava <strong>de</strong> ver o<br />

aquela coisa do celebrante, ficava vendo o ritual da missa, essa aproximação ritual... <strong>de</strong>pois eu<br />

saia muito... quer dizer...na época da minha 1ª comunhão essas coisas... eu me lembro que eu<br />

ficava em casa, eu sei disso porque em casa eu ficava rezando missa também, punha uns<br />

cobertores nas costas e chamava minhas irmãs pra receber hóstia e batizava e abençoava...<br />

inclusive uma vez teve um inci<strong>de</strong>nte grave porque minha irmã ganhou uma boneca <strong>de</strong> natal e<br />

na hora que tinha que ajoelhar, a boneca não ajoelhava e eu quebrei os joelhos... pra ficar todo<br />

mundo assim na filinha <strong>de</strong> joelhos. Isso <strong>de</strong>u um problema lá em casa que foi uma confusão...<br />

quebrou os joe... então eu me lembro <strong>de</strong>sses momentos, mas são momentos ainda... como eu<br />

posso dizer pra você? Daquele período da era das cavernas, que você... que você não tem<br />

exata dimensão do que se trata isso.<br />

Mais pra frente eu comecei... que eu estudava em uma escola primária, e as escolas<br />

primárias, eu tenho, esse ano eu faço 58 anos, então eu estu<strong>de</strong>i na década <strong>de</strong> 60, 62, 63 por<br />

exemplo. Na minha escola tinha uma professora <strong>de</strong> português e a Dona Maria Teresa era<br />

organizadora das festas, ela era professora <strong>de</strong> português, e Dona Maria Teresa falou pra mim,<br />

na 3ª série isso, “- Você fala bem, você fala alto e você lê bem, vamos fazer 21 abril, 15 <strong>de</strong><br />

novembro, 7 <strong>de</strong> setembro, as festas cívicas e também... sei lá... as festas folclóricas, juninas”.<br />

Eu acabei sendo aquele menino que participa <strong>de</strong> tudo e... me lembro principalmente da minha<br />

formatura, na minha formatura eu cantei, dancei, fazia mil coisas na formatura. Então essas<br />

coisas foram o início assim...<br />

Depois veio o ginásio, no ginásio também fui me ligar ao centro acadêmico, centro<br />

cívico, trabalhar com o centro cultural... porque a minha adolescência coincidiu exatamente<br />

com o período mais forte, mais recru<strong>de</strong>scido, mais duro do regime político na vida do brasileiro,<br />

isso vai mexer muito com a vida <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> os brasileiros <strong>de</strong> uma maneira nacional e minha<br />

juventu<strong>de</strong> vai coincidir exatamente com este momento.<br />

A formação da minha juventu<strong>de</strong> é... o <strong>teatro</strong> vai ser fundamental porque nós estávamos<br />

ali discutindo política, discutindo a vida do país e ouvindo as músicas todas que tocavam nesse<br />

sentido. Eu, meu grupo <strong>de</strong> amigos, era um grupo que gostava <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> que... eu não me<br />

lembro exatamente talvez a gente teve, a gente já se pensava fazendo <strong>teatro</strong>, aliás até hoje...<br />

eles não foram pra carreira, mas era uma coisa que a gente... um canal <strong>de</strong>... <strong>de</strong>... expressão<br />

realmente. Pra todo mundo, pra nós... alguns foram pra música, eu me lembro que eu até<br />

comecei a estudar um pouco <strong>de</strong> música <strong>de</strong>pois não <strong>de</strong>senvolvi, mas eu gostava muito <strong>de</strong>ssa<br />

coisa do <strong>teatro</strong>, tinha muito prazer, não era ainda profissão, mas eu consi<strong>de</strong>ro esse momento<br />

embrionário porque esse interesse me levou a assistir <strong>teatro</strong>, a ir aos <strong>teatro</strong>s, porque na época<br />

o <strong>teatro</strong> era um ponto <strong>de</strong> encontro <strong>de</strong> gente, era muito efervescente.<br />

E as peças eram muito interessantes, tinha muita peça interessante, eu to falando aí da<br />

década <strong>de</strong> 70, quando eu to com... quase 17 anos. Porque eu morava na Vila Pru<strong>de</strong>nte, como<br />

se eu morasse hoje Parelheiro, em distância do centro da cida<strong>de</strong>, então morava muito longe do<br />

centro, isso era uma dificulda<strong>de</strong> porque você não conseguia pegar ônibus, nem táxi, essas<br />

coisas... não tinha nada disso...táxi, nem pensar, ônibus então... até hoje, nós estamos em<br />

2011, meia noite termina... eu morava muito longe então a acessibilida<strong>de</strong> era muito<br />

prejudicada, mas mesmo assim a gente ia ao cinema... a gente ia incentiva<strong>dos</strong> pelos<br />

professores, principalmente professores que incentivavam a gente e eu me liguei com<br />

professores ótimos, professores <strong>de</strong> português, <strong>de</strong> física era muito bom... Colégios estaduais,<br />

meu colégio estadual, os colégios estaduais tinham uma tradição <strong>de</strong> ser bons colégios, né?!<br />

To<strong>dos</strong> eles tinham tradição, antes <strong>de</strong> ter toda essa gran<strong>de</strong> investida sobre os colégios... os<br />

colégios particulares eram to<strong>dos</strong> bundão... quem estudava em colégio particular... quem<br />

pagava... só bundão... hoje é o contrário. Hoje conseguiram, quer dizer, <strong>de</strong>pois que colocaram<br />

o Ministério, efim... colocaram na estrutura universitária, na estrutura escolar brasileira, um<br />

pessoal que tava fora... que é o pessoal que conseguiu subir, conseguiu chegar, <strong>de</strong>struímos<br />

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tudo... enfim... a gente ta na situação que a gente ta... mas... é... a escola era muito forte e<br />

também po<strong>de</strong> se dizer o seguinte os estudantes tiveram papel muito gran<strong>de</strong> na<br />

re<strong>de</strong>mocratização do país... muito gran<strong>de</strong>... na re<strong>de</strong>mocratização do país e na... na resistência<br />

a tortura na resistência, na resistência a censura, na resistência a tudo isso, foram ataca<strong>dos</strong><br />

mesmo, os estudantes, por que estudante na verda<strong>de</strong> você tem... é natural que seja assim, que<br />

os movimentos sejam, por que o estudante... quando a gente ta estudando a gente ai ta... os<br />

nossos compromissos assim com a família, são mais soltos, os estudantes são mais livres e tal<br />

e é uma época <strong>de</strong> muita testosterona, <strong>de</strong> muita libido, essa coisa muito forte, então os<br />

estudantes assim tão... tem muita potência, tem muita inveja <strong>de</strong> quem não é estudante mas<br />

quem é estudante tem muita potência, vai atrás, procura, quer fazer...não tá conformado, tal e<br />

os adolescentes...os estudantes foram fundamentais...os adolescentes e os estudantes, porque<br />

eram nas escolas que eles se encontravam, nas escolas que... tanto que tem coisas terríveis<br />

sobre os estudantes, o <strong>de</strong>creto 447 não sei se vocês já ouviram falar do <strong>de</strong>creto, o <strong>de</strong>creto que<br />

proibia a reunião <strong>dos</strong> estudantes essas coisas todas, as escolas todas, as estaduais<br />

principalmente, e as universida<strong>de</strong>s que tieram gestores diretores que eram militares, quer dizer,<br />

teve até policiais e <strong>de</strong>pois toda a repressão militar, que a gente não tem idéia do que seja uma<br />

repressão militar, fica parecendo uma coisa assim muito... soviética repressão militar, mas<br />

acontece que no Brasil... é... no Brasil o exército brasileiro não tem uma tradição <strong>de</strong> repressão<br />

ao povo... teve lutas como Canu<strong>dos</strong> e tudo mais, mas quem reprime o povo, quem reprime as<br />

pessoas é a polícia né? Quem reprime, quem vai a linha <strong>de</strong> frente da repressão popular é a<br />

polícia, que reprime os costumes, e a polícia... o regime se valeu da polícia, quer dizer,<br />

estudaram estudaram “- Como a gente vai fazer?” e se valeram da polícia, então quer dizer, os<br />

policiais ganharam po<strong>de</strong>r militar e essa foi uma gran<strong>de</strong>...essa foi a gran<strong>de</strong> mudança, quer dizer,<br />

você tá na rua <strong>de</strong>rrepente chegava um...investigador <strong>de</strong> polícia falava “- É a polícia, tá preso” e<br />

prendia você sem habeas corpus nem nada... agia principalmente sobre a juventu<strong>de</strong>, imagina<br />

<strong>de</strong>ssa gente a gente soube <strong>de</strong> poucas pessoas.<br />

EP: Nesse período que você estava nesse <strong>teatro</strong> amador ainda, não é? Tinham <strong>grupos</strong><br />

forma<strong>dos</strong> então? Você começou com essa questão na escola você já era maior, tinham <strong>grupos</strong><br />

mesmo?<br />

PC: Não, é o que vai acontecer<br />

EP: Como funcionava?<br />

PC: O que acontece, você tem como eu disse a coisa tava muito na juventu<strong>de</strong> e o<br />

<strong>teatro</strong>... o <strong>teatro</strong> você tinha lá um grupo <strong>de</strong> pessoas... porque era proibido reunião <strong>de</strong> mais <strong>de</strong><br />

2 ou 3 pessoas, era proibido nessa época, com o grupo <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> pelo menos você tinha o álibi<br />

<strong>de</strong> estar fazendo uma peça.<br />

EP: Você tinha mais ou menos quantos anos?<br />

PC: Eu tenho ai 17 anos... 18 anos, na verda<strong>de</strong> ai começa em 53... não tem... começa<br />

com uns 15... 16 e vai os 20 e poucos anos. Tem assim... porque... a gente ta no Brasil assim,<br />

o Brasil ta... o jovem... o jovem começava a trabalhar muito cedo, a gente não ta ainda... nós<br />

não estamos como a gente tem essa possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escola pra todo mundo, tanto que teve<br />

uma coisa grave porque as escolas, porque os estudantes iam passando <strong>de</strong> ano a ano, por<br />

exemplo você fazia... <strong>de</strong>pois quando chegava na universida<strong>de</strong> você fazia mais um exame e<br />

passava pra universida<strong>de</strong> só que esse contingente foi crescendo <strong>de</strong> tal maneira que <strong>de</strong>rrepente<br />

começou a ter gente que sobrava ai inventaram o vestibular, quer dizer sobrava, você tirava<br />

sete você passava e ia pra universida<strong>de</strong> até <strong>de</strong>terminado momento, dali a pouco você tirava<br />

sete ou cinco e você não passaria, se você tirasse, por exemplo, pra medicina se você tirasse<br />

<strong>de</strong>z ponto 1, enten<strong>de</strong>u? Que é o excesso <strong>de</strong> contingente, começo-se a haver porque claro por<br />

conta da década <strong>de</strong> 50, aquele período, as coisas...<br />

Mas você perguntava sobre o <strong>teatro</strong> na escola, que que vai acontecer, os... com a<br />

repressão militar, com a falta <strong>de</strong>... você não tem jornal, você não tem televisão, tudo é muito<br />

careta, tudo é muito fraco tal, você vai nos <strong>grupos</strong>, os <strong>grupos</strong> são proibi<strong>dos</strong>, como fazer se os<br />

<strong>grupos</strong> são proibi<strong>dos</strong>, é proibido reunião <strong>de</strong> 2 ou mais pessoas, você faz uma reunião em casa<br />

tal, você vai <strong>para</strong> os <strong>grupos</strong> possíveis, o mais possível <strong>de</strong> to<strong>dos</strong>, o que mais facilitava a reunião<br />

<strong>de</strong> mais gente era o <strong>teatro</strong>, era o que mais facilitava porque no <strong>teatro</strong> você tem que montar uma<br />

peça, tem <strong>de</strong>z pessoas, tem o cenógrafo... então on<strong>de</strong> você vai ter mais gente. Os <strong>teatro</strong>s<br />

então passam a ser... você vai no <strong>teatro</strong>, você vai ver que o <strong>teatro</strong> passa a ter uma função<br />

gigantesca, porque lá você po<strong>de</strong> ir, você não necessariamente precisa estar fazendo o<br />

personagem, então.. o álibi ta feito... enten<strong>de</strong>u? Pra turma política e pra turma que não é<br />

política, vai todo mundo pra lá, a gente vai lá fazer as peças, então são peças que se você<br />

re<strong>para</strong>r são peças com elenco <strong>de</strong> 30 pessoas, 20 pessoas, um monte <strong>de</strong> gente, e porque tem<br />

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essa, eu acho né, opinião minha, porque que tem tanta gente ali? E esse 30 levam mais 30,<br />

porque levam a namorada, os amigos, leva todo mundo, então são 30 que se juntam, o meu<br />

grupo era assim eu tenho um grupo <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> tinha... sei lá... tinha umas 30 pessoas, sendo<br />

que às vezes eram cinco ou seis que faziam as peças, eu era um <strong>de</strong>sses que faziam as peças,<br />

mas tinham músicos, tinha todo mundo, se juntava todo mundo e essa tropa, esse bando, se<br />

falava sobre tudo.<br />

Então meu contato, quer dizer, começa na escola, ai a gente começa a se organizar,<br />

porque o que acontece... existem os festivais <strong>de</strong> música que estão acontecendo e começa a ter<br />

um <strong>de</strong>sdobramento porque você vai discutindo, vai quer fazer, praticar e vão fazer festivais <strong>de</strong><br />

<strong>teatro</strong>, os <strong>grupos</strong> <strong>amadores</strong> nessa época se você for re<strong>para</strong>r, nessa época os <strong>grupos</strong> <strong>amadores</strong><br />

são muito gran<strong>de</strong>s o que vai ter um... porque o que acontece, a repressão política no Brasil ela<br />

vai se organizar nos anos 60 todo, <strong>de</strong>pois nos anos 70 ela recru<strong>de</strong>sce completamente e nos<br />

anos 80, vamos dizer, ela começa a abertura lenta, gradual e segura, então até 70 ela ta se<br />

organizando, mas a socieda<strong>de</strong> também, ta todo mundo se organizando, então até 70 você vai<br />

ver não ta ai a censura fe<strong>de</strong>ral essas coisas, o Departamento <strong>de</strong> Diversões Públicas é ainda da<br />

polícia e ele tinha caráter... cunho mais <strong>de</strong> costumes do que político. Agora a presença da<br />

ativida<strong>de</strong> política <strong>de</strong>ntro <strong>dos</strong> <strong>teatro</strong>s, por exemplo, o Arena, Opinião, Oficina e tal, a presença<br />

da ativida<strong>de</strong> política vem <strong>grupos</strong> <strong>de</strong> jovens da política que vêm trabalhar nesses <strong>grupos</strong>, que<br />

vêm discutir a realida<strong>de</strong> brasileira, vêm falar sobre a pobreza, vêm falar sobre a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

expressão, essa coisa começa a se organizar na década <strong>de</strong> 60 e imediatamente começa a ter<br />

uma reação, ai você vai ter por exemplo eu tenho quinze anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> e vou fazer uma peça<br />

no meu colégio ai se juntam os meus amigos vou fazer a peça, <strong>para</strong> fazer essa peça você<br />

precisava ter o certificado <strong>de</strong> censura, o certificado <strong>de</strong> censura exigia que você mandasse <strong>para</strong><br />

a censura fe<strong>de</strong>ral um texto escrito esse texto ai pra lá, ficava 30 dias (como eu disse à vocês)<br />

ficava 30 dias lá, <strong>de</strong>pois vinha o censura, você tinha que buscar, vinha 2 censores, não era 1,<br />

você ia buscar <strong>de</strong> carro, ou <strong>de</strong> táxi, tinha que pagar o táxi, tinha que juntar os alunos, cotizava<br />

<strong>para</strong> trazer o censor, daí ele assistia às 8 da manhã, às 9 a peça, e assistia a peça, e ficava<br />

bocejando a peça, imagina comédia <strong>para</strong> 2 pessoas, puta coisa chata, ai apresentava e ele<br />

falava assim “- Café <strong>de</strong> merda, merda não po<strong>de</strong>, só café” e riscava a palavra “merda” do texto,<br />

ai você recebia um texto com algumas palavras riscadas que ficava lá e você não podia falar<br />

aquelas palavras que estavam riscadas, ou aquelas expressões, ou aquela idéia, alguma coisa<br />

assim, ai você vai ter... enfim<br />

EP: Mesmo <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sses <strong>grupos</strong> <strong>amadores</strong>... <strong>de</strong>sse <strong>teatro</strong> da escola existia todo esse<br />

processo?<br />

PC: Exatamente, não importa on<strong>de</strong> você estivesse, qualquer lugar tinha esse processo,<br />

então a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão praticamente não existia, ai o que eu tava querendo dizer<br />

agora a pouco, a repressão militar no Brasil, a repressão política militar como ela não tinha sido<br />

<strong>de</strong>senvolvida pra reprimir a população, muito capilar(?) chegando assim na população toda, a<br />

polícia comum que vai ser o braço capilar, e a polícia ta em todo lugar né, os nosso parentes<br />

são policiais e esses policiais tava na escola, infiltra<strong>dos</strong>, trabalhando, estudando, eram<br />

parentes, então o <strong>de</strong>nuncismo foi muito incentivado, então se o diretor, o próprio diretor da<br />

escola se ele permitisse uma apresentação <strong>de</strong> uma peça <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> e se essa peça <strong>de</strong> <strong>teatro</strong><br />

não tivesse certificado ele po<strong>de</strong>ria ser <strong>de</strong>nunciado por alguém lá e era preso, nós estamos<br />

numa época que não tem hábeas corpus, numa época que não tem liberda<strong>de</strong> jurídica, então<br />

você fica com medo.<br />

EP: Mesmo nesse período da escola como era o nome do grupo?<br />

PC: Meu primeiro grupo era “Soma”, na verda<strong>de</strong> o primeiro que eu montei foi no 2º ano<br />

ginasial... 3° ano ginasial, a gente fez uma peça chamada “A máquina”, eu até escrevi a peça,<br />

não sei on<strong>de</strong> ela está mais... e era uma situação mais ou menos assim os operários tavam<br />

trabalhando e chegava a máquina e a máquina ia significar que meta<strong>de</strong> <strong>dos</strong> trabalhadores não<br />

iam... iam per<strong>de</strong>r o emprego ai eles resolvem fazer uma greve, se juntam, fazem uma<br />

assembléia <strong>de</strong> fazer uma greve, só que vaza, o patrão fica sabendo que eles iam fazer uma<br />

greve, eles se fo<strong>de</strong>m e tal, e <strong>de</strong>pois eles se juntam <strong>para</strong> <strong>de</strong>scobrir quem foi que traiu e peça<br />

começa <strong>para</strong> saber quem foi que traiu, discutir quem foi o traidor, quem foi que entregou.<br />

EP: O senhor quem escreveu?<br />

PC: Eu e meus amigos escrevemos.<br />

EP: Na escola?<br />

PC: Na escola, aquelas peças <strong>de</strong> escola que a gente escreve na escola, aquelas<br />

coisas horríveis, mas que tem lá o seu sentido. E ai vai, pega um... pra achar o cara, quem foi o<br />

cara, eles começam a torturar, começa a achar que é ele e tortura, na verda<strong>de</strong> é um assunto<br />

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até interessante hoje em dia, porque a gente tem ai a questão do Osama Bin La<strong>de</strong>n, a questão<br />

da tortura que entrou em jogo, a questão do Obama torturar o Osama, se é legítimo, quer dizer,<br />

pren<strong>de</strong>r um da qualida<strong>de</strong> do Osama... da má qualida<strong>de</strong> do Osama Bin La<strong>de</strong>n e mata-lo<br />

principalmente, quer dizer, é uma questão, mas esse não é o assunto <strong>de</strong> hoje, a gente vai falar<br />

disso numa outra oportunida<strong>de</strong>, muito obrigada senhoras e senhores! (risos)<br />

EP: E esse primeiro espetáculo foi com outro grupo, não foi com o Soma?<br />

PC: Não, porque o que acontece, os <strong>grupos</strong> <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>, como é que eles fazem, como é<br />

que os <strong>grupos</strong> se formam, pela minha experiência, um tem interesse <strong>de</strong> fazer <strong>teatro</strong>, dai o<br />

aluno junta um grupo, que o <strong>teatro</strong> ele precisa fazer no coletivo, não dá pra fazer sozinho, às<br />

vezes até você quer fazer um monólogo, mas pra fazer um monólogo precisa <strong>de</strong> um cara pra<br />

por a música, outro cara pra colocar a luz e não tem, tem que ter uma coisa do grupo, então<br />

você junta o coletivo <strong>para</strong> fazer a peça, junta as pessoas pra fazer a peça, a gente fez peças<br />

também por exemplo, nas festas cívicas também fazia peça, me lembro que uma vez a gente<br />

fez uma inconfidência mineira, que aliás essa “Máquina” também <strong>de</strong>ve tá ligada a inconfidência<br />

mineira, fez uma inconfidência mineira, teatralizamos ai o Barbacena, aquela coisa toda, eu me<br />

lembro que tinha uma reunião <strong>dos</strong> inconfi<strong>de</strong>ntes a gente chegou uma hora que os<br />

inconfi<strong>de</strong>ntes “- E ai? Pra on<strong>de</strong> a gente vai?” “- Vamos pra liberda<strong>de</strong>... nós faremos isso... eu<br />

farei isso... eu farei aquilo” ai um amigo meu assim, isso a gente apresentando a peça, todo<br />

mundo improvisando que ia fazer e tal “vou fazer escolas, vou fazer hospitais, fazer isso, fazer<br />

aquilo” ai o meu amigo (?) “- Fazeremos uma universida<strong>de</strong>” ai pu... ai a molecada, os meus<br />

amigos da escola, puta virou fazeremos uma universida<strong>de</strong> todo mundo “aaaah... uuuuh...<br />

fazeremos” ai meu amigo “- Pô, não po<strong>de</strong> improvisar?!” ai “- Po<strong>de</strong> né, mas não assim <strong>de</strong>sse<br />

jeito”, mas ai enfim, a gente fazias essas peças, ai eu tava contando da estrutura <strong>dos</strong> <strong>grupos</strong>,<br />

os <strong>grupos</strong> normalmente às vezes começa a escrever suas próprias peças porque você escreve<br />

pra você, pra você fazer, mas eu já fazia, eu fiz no ginásio também, porque antigamente, agora<br />

é diferente, antigamente você tinha era primário, <strong>de</strong>spois do primário, quatro anos <strong>de</strong> primário,<br />

<strong>de</strong>pois admissão, um ano da admissão pra você fazer um exame pra entrar no ginásio, ai o<br />

ginásio era mais quatro anos, primeira, segunda, terceira e quarta série do ginásio, <strong>de</strong>pois o<br />

clássico, científico e o... clássico, científico e sei lá... são três <strong>de</strong>finições do colegial que eram<br />

três anos <strong>de</strong> colegial, <strong>de</strong>pois você ia pra universida<strong>de</strong>, já passava direto, mas <strong>de</strong>pois com a<br />

questão do excesso <strong>de</strong> contingente, <strong>de</strong> alunos e tal, houve o... apareceu a figura do cursinho,<br />

mas o... então, mas no ginásio eu já fazia, eu tinha aquele grupo meu, que eu dirigia, que eu<br />

juntava pra fazer aquelas peças, a gente escrevia as peças, as peças às vezes eram situações<br />

familiares, sabe que você tava vivendo, coisa <strong>de</strong> jovem, com as peças... o assunto você<br />

inventava e escrevia a peça, fazia peça, que é o mais fácil, que é o inicio <strong>de</strong> tudo, dai você<br />

começa escrevendo, dai <strong>de</strong>pois você tem contato até você saber que existe já, que existem<br />

autores que escreveram sobre isso, dai você tá numa fase já melhor.<br />

EP: E existiam mais <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong>ntro da mesma escola por exemplo? Ou <strong>de</strong> certa<br />

forma cada escola tinha um grupo?<br />

PC: Na minha escola... olha tem aquele grupo que predomina, porque eu lembro que<br />

do pessoal <strong>de</strong> música tinha bastante, o pessoal <strong>de</strong> música tinha mais, mas pessoal do <strong>teatro</strong><br />

nem tanto, porque também o <strong>teatro</strong> implicava você, o show <strong>de</strong> música, rock, o caramba, é mais<br />

fácil, você tem os LPs tal, naquela era LP tal, e vai chegando, e chega as músicas gravadas,<br />

que vão chegando pra todo mundo tal, e você vai tendo acesso, o <strong>teatro</strong> a gente tinha que ir ao<br />

<strong>teatro</strong>, a gente ia ao <strong>teatro</strong> no centro da cida<strong>de</strong>, no Bexiga principalmente on<strong>de</strong> tinha muito<br />

<strong>teatro</strong>, assistir as peças, que ia todo um sem querer, sem a gente saber, uma espécie <strong>de</strong> uma<br />

osmose, você vai lá ver como eles fazem, fica interessado, então vê o Plínio Marcos, <strong>de</strong>pois vai<br />

ver o “Hair”, <strong>de</strong>pois vai ver uma peça do Paulo Autran, <strong>de</strong>pois vai ver uma peça do Teatro<br />

Oficina, <strong>de</strong>pois vai ver... e vai vendo que tem gêneros diferentes, tem outra peças, ai copia uma<br />

peça, a gente fez uma peça que, <strong>de</strong>pois que meu grupo foi montado, a gente fez uma peça “O<br />

casamento do pequeno burguês” que eu vi no Teatro Oficina, eu adorei e tal, refiz lá. Então tem<br />

isso, agora a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>grupos</strong> por colégio, ai era... acho até que podia ter mais <strong>de</strong> um<br />

grupo, mas quem prevalecia, eu acho que era a música, porque até na época tinhas os<br />

festivais da Record, <strong>de</strong> música né, e esse festivais davam muito pano pra manga pra música, e<br />

música também é mais bonitinho e tal, você junta os músicos, as meninas gostam mais.<br />

EP: O senhor lembra <strong>de</strong> nomes <strong>de</strong>sses <strong>grupos</strong> nesse período? Você disse Soma,<br />

lembra <strong>de</strong> outros?<br />

PC: Vou até dizer pra você on<strong>de</strong> está os outros, estão aqui (abrindo arquivo), tenho<br />

vários <strong>grupos</strong>, tem o Trama, aqui ó, Tema, Sucata, o Soma era o meu que era o... que “soma”<br />

em grego é corpo, que a gente tinha essa idéia <strong>de</strong> um coletivo que formava um corpo só,<br />

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ArtShow, Trama, Teslu, Cetec, República, ProArte, Trimparte, João Carlos, Jori, Na Porta, que<br />

às vezes é abreviaturas essas coisas assim, nomes assim que o cara inventa, “Jori” sei lá o<br />

que é isso, mas enfim, <strong>grupos</strong> <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> que... tem até um cartaz vou mostrar pra vocês.<br />

EP: E esses <strong>grupos</strong> eram a maioria <strong>de</strong> estudantes ainda, que estavam liga<strong>dos</strong> a essas<br />

escolas esse <strong>teatro</strong>?<br />

PC: Ah, tudo amador, olha só, era um cartaz do nosso festival, porque o que acontece,<br />

começou a aparecer <strong>grupos</strong> <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>, <strong>de</strong>pois inclusive isso vai sumir porque no meio das<br />

reuniões a gente <strong>de</strong>scobriu que tinha um agente do DEOPS e tudo mais, essas coisas, porque<br />

começou a chamar muita atenção aquele grupo, a gente se reunião bastante, na verda<strong>de</strong> eu<br />

não me lembro exatamente, talvez outras pessoas tivessem intenções políticas com aquilo e<br />

tudo mais, mas a gente queria fazer só <strong>teatro</strong>, e fazer <strong>teatro</strong> discutia, fala mal <strong>dos</strong> militares e<br />

tudo mais, ai a gente soube que tinha lá um agente e tal, (mostra cartaz e lê:) “Finalmente a<br />

maior integração <strong>de</strong> jovens promovida em Vila Pru<strong>de</strong>nte. Participe. II Festival <strong>de</strong> Teatro Amador<br />

Jovem <strong>de</strong> Vila Pru<strong>de</strong>nte. Inscrições <strong>para</strong> os <strong>grupos</strong> teatrais e (tarará)”, aqui o cartaz, e tem um<br />

cartaz <strong>de</strong> um grupo que a gente gostava muito, aquelas coisas né, porque a gente ainda tá na<br />

época que isso se faz na gráfica, tem que fazer com aqueles tipos <strong>de</strong> gráfica, enten<strong>de</strong>u? Então<br />

a arte final era bem trabalhos, não era assim como hoje. Dai eu encontrei esse aqui que eu<br />

tava pensando em vocês, do meu grupo eu não encontrei, eu tenho uma crítica, nós ganhamos<br />

prêmios e tal, “A pane” do Dürrenmatt (mostra cartaz), do grupo Tema, que era um grupo lá da<br />

zona norte, um grupo bem bacana, tem uma vereadora do PT inclusive que era da “Pane”, uma<br />

menina bem bonita, eu gostava <strong>de</strong>la.<br />

EP: Queria que você falasse um pouco sobre a organização <strong>de</strong>sses festivais, existiam<br />

esses <strong>grupos</strong> e como começaram essas idéias <strong>de</strong> festivais <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> amador?<br />

PC: A idéia do festival... porque o que acontece, tem os <strong>grupos</strong> <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> amador, eles<br />

se apresentam nas suas escolas e às vezes eles se reduzem as suas escolas, mas às vezes o<br />

grupo ensaia uma vez, quer fazer mais e começa a se <strong>de</strong>sdobrar e parece uma tendência<br />

natural <strong>de</strong> buscar mais público, <strong>de</strong> buscar outros públicos que não são os estudantes e tudo<br />

mais, você sabe que estudante quando assiste uma peça, assiste assim, parece que é uma<br />

pessoa só, “hum...aah” tudo junto, então tem aquela coisa coletiva, então os <strong>grupos</strong> ficam com<br />

vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer uma coisa mais séria <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> e tal, o festival oferecia isso, na verda<strong>de</strong> eu li<br />

aqui (na pasta <strong>de</strong> documentos) que a gente teve mais <strong>de</strong> 2.000 espectadores no total do<br />

festival, foram 10 <strong>grupos</strong> <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>, que é bastante, mas com uma média <strong>de</strong> 180 por dia, que<br />

era legal, com cada grupo apresentando uma peças, um tema, tudo muito precário, muito mal<br />

feito, inclusive na interpretação, na maneira <strong>de</strong> fazer e tudo mais, mas eu vi aqui que o SESC<br />

tava envolvido, o Lupinassi e o Caetano Martins também tava envolvido, que era um... porque o<br />

que acontece, você tem os... que a socieda<strong>de</strong> não tá organizada pra aten<strong>de</strong>r uma população<br />

<strong>de</strong> jovens que quer fazer <strong>teatro</strong> e nem incentivar isso, nem nada, ai você precisa <strong>de</strong> uns agente<br />

que possam ir lá e falar “vamos fazer esse festival?”, sugere os <strong>grupos</strong>, você vai ver que a<br />

gente que faxinava, o tempo todo essa energia que ia se produzindo, ia se reproduzindo<br />

inclusive, que é o que vai acontecer lá na Vila Pru<strong>de</strong>nte com a gente, enten<strong>de</strong>u? Como isso vai<br />

se dar eu não tenho muita idéia, talvez lendo <strong>de</strong>pois essas paperamas a gente vai ver, como<br />

isso vai se organizar porque <strong>de</strong>pois inclusive isso tudo acaba né, porque pelos motivos to<strong>dos</strong><br />

que tem as coisas e tudo mais, se você tá lidando com adolescentes, com jovens, eles tão em<br />

formação, eles ainda não tão com... eles ainda tão em projeção, tão projetando o que vão ser,<br />

e essa projeção do que vão ser essa projeção muda “- Vou pra isso, vou pra aquilo, vou pra<br />

aquilo”, <strong>de</strong>pois fica como eu sou hoje que agora eu já tenho que trabalhar com o que eu sou,<br />

tudo o que eu tenho pegar eu mesmo e me elaborar pra fazer o que eu vou fazer, quando você<br />

é, ainda não é nada, não é alguma coisa, não é um personagem ainda, você ainda tem a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> não ser, <strong>de</strong> ser outras coisas, mas agora assim você já começa... é como se<br />

fosse, pensando mais ou menos, você tivesse... os <strong>de</strong>uses te <strong>de</strong>ssem tudo o que você é “- Ó,<br />

você é isso, vamos ver o que você vai fazer com o que você é, vai!” ai você ganha, eu sou mais<br />

ou menos isso, to nessa situação “- O que eu faço com o que eu sou?!” que é o que a gente é<br />

agora, quando você é jovem ainda não tem essa coisa, não chegou nesse balanço ainda,<br />

então as coisas ainda são voláteis né, vários mo<strong>dos</strong>, ai não se <strong>de</strong>fine, pra mim... tanto que<br />

meus amigos to<strong>dos</strong>, tenho vários amigos que até hoje são amigos e <strong>de</strong>pois se vocês quiserem<br />

dou o en<strong>de</strong>reço <strong>de</strong> um que é professor que foi pra universida<strong>de</strong> Wan<strong>de</strong>rley Capelosa, dou o<br />

telefone <strong>de</strong>le pra vocês conversarem com ele, que o Capelosa era o diretor do nosso grupo, eu<br />

e ele dividimos a direção e o Capelosa foi ser professor, estudando lá na <strong>USP</strong>, porque a gente<br />

estudou lá na Letras, ai ne Letras eu cheguei e pensei “- Vou participar do grupo <strong>de</strong> <strong>teatro</strong><br />

daqui”, o grupo <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> da Letras era difícil e tal e não <strong>de</strong>u certo e tal, ai eu falei “- Puta que<br />

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pariu, eu não vou ficar aqui”, ai eu fui fazer EAD, Escola <strong>de</strong> Arte Dramática, fiz EAD, mas<br />

primeiro... porque o que acontece, o amador <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>, que hoje é uma categoria que já não<br />

existe mais, ele era um... esse período <strong>de</strong> amador ele serviu pra uma espécie <strong>de</strong> uma triagem,<br />

você chegava no amadorismo você conseguia sem um compromisso, assim como era na<br />

escola, você, por exemplo, você tá fazendo um trabalho, você não tem um compromisso como<br />

você vai ter <strong>de</strong>pois no futuro <strong>de</strong>...daquilo resultar no produto que é um compromisso<br />

importante, você <strong>de</strong>ve ter. Eu, por exemplo se vou ensaiar uma peça, se eu vou fazer um<br />

trabalho, seja com quem...com o Zé Celso, com o Gabriel Vilela, com a Maria Alice Vergueiro,<br />

meus amigos...quer dizer, a gente vai fazer um produto no final disso aí, vai sair alguma coisa,<br />

alguma coisa, um produto. E esse produto vai ser a nossa negociação com a socieda<strong>de</strong>. A<br />

gente vai ganhar dinheiro com isso, a gente vai fazer...sei lá... qualquer coisa, não importa. Aí<br />

vai conversar sobre os temas e tudo mais, então essa...essa... esse compromisso o amador<br />

não tem, então claro... Tem toda a serieda<strong>de</strong>, toda dificulda<strong>de</strong>, todas essas coisas, porque não<br />

tem esse compromisso é como se você tivesse, mesmo quando eu estava na escola eu tive<br />

essa experiência na EAD. A gente tinha o guarda-roupa, a gente tinha o seu Sabiá, que fazia a<br />

cenografia, a gente tinha o.... a iluminação, os palcos, a gente tinha tudo e a gente fazia... ó... a<br />

gente fazia peça <strong>de</strong> tudo quanto é jeito lá... a gente se divertia, era uma <strong>de</strong>lícia fazer<br />

espetáculo porque você fazia os espetáculos e tal... Isso também, <strong>de</strong> repente, dá uma espécie<br />

<strong>de</strong>... dá uma certa... o uso do cachimbo <strong>de</strong>ixa a boca torta...a gente sai um pouco do eixo,<br />

porque o que acontece: esse experimentalismo, que é interessante, importante, ele, no<br />

mercado <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>, no mercado <strong>de</strong> trabalho, ele não é uma coisa que dá pra você fazer o<br />

tempo todo. É que muita gente fica no experimentalismo por muito tempo e <strong>de</strong>pois ele não<br />

ajuda na economia, enfim... coisas que tem que resultar, tem que ter.<br />

A vida do <strong>teatro</strong> é muito difícil, porque a gente tem que ter público, agora o <strong>teatro</strong><br />

quando foi criado sofreu um golpe muito forte, como eu estava dizendo, a gente teve o <strong>teatro</strong><br />

como o lugar aon<strong>de</strong> a... o brasileiro, a classe média, os estudantes, a classe média, podiam se<br />

juntar pra conversar e tal... então ele foi atacado profundamente, o <strong>teatro</strong> ele foi ATACADO.<br />

Quando se <strong>de</strong>scobriu, evi<strong>de</strong>ntemente, quando a conjuntura policial, a conjuntura <strong>de</strong> política <strong>de</strong><br />

direita do Brasil <strong>de</strong>scobriu que o <strong>teatro</strong> era um lugar <strong>de</strong>sse cacife, ela... ela... ela atacou<br />

diretamente <strong>teatro</strong>, não só... por exemplo muita gente foi presa, muita gente foi exilada e<br />

algumas peças por exemplo foram censuradas no dia da apresentação, essas coisas assim,<br />

quer dizer, todo esse trabalho, o <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> censura da censura fe<strong>de</strong>ral, atuou<br />

profundamente no sentido <strong>de</strong> esvaziar o <strong>teatro</strong>, <strong>de</strong> transformar o <strong>teatro</strong> num lixo, num lugar<br />

inexpressivo <strong>de</strong>ntro da socieda<strong>de</strong> brasileira e isso, claro, vai se configurar e vai... Inexpressivo,<br />

quer dizer, tirou a expressivida<strong>de</strong> artística do <strong>teatro</strong> por conta da censura, mas ao mesmo<br />

tempo também tirou a sua expressivida<strong>de</strong> como lugar <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> espetáculo pra indústria,<br />

pro turismo, como você tem em Londres, como, ás vezes, no Chile. O <strong>teatro</strong> também, hoje, o<br />

<strong>teatro</strong> como nós temos, ele tá... continua mal das pernas, continua muito difícil trabalhar no<br />

<strong>teatro</strong>, porque <strong>de</strong>pois ahn...você sabe que a televisão entrou no lugar do <strong>teatro</strong>, porque o <strong>teatro</strong><br />

também é entretenimento, mas o entretenimento foi passado todo <strong>para</strong> a televisão, a estrutura<br />

<strong>de</strong> televisão dominou o país inteiro, você por exemplo antigamente você tinha <strong>grupos</strong> em<br />

Pernambuco, no Amazonas, no Brasil inteiro você tinha grupo <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>, porque a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

arte, <strong>de</strong> entretenimento tá aí, tá acesa, latente e quem pegou esse negócio todo foi a televisão.<br />

A televisão entrou e <strong>de</strong>struiu todo o mercado... quem que vai produzir alguma coisa, se<br />

você... quando chegou a TimeLife que bancou a televisão aqui no Brasil, quando ela chegou...<br />

bom...você produz um filme, um filme muito mais interessante, muito mais assim... a zero<br />

preço... como é que eu vou produzir alguma coisa nessa categoria? Então vai ficando cada vez<br />

mais e mais aquém, vai ficando cada vez menos pessoas... O <strong>teatro</strong> ainda conseguiu fazer<br />

bastante coisa, que fez... mas é muito pouco se tratando da população do Brasil, se tratando<br />

do público que o <strong>teatro</strong> po<strong>de</strong> atingir, on<strong>de</strong> o <strong>teatro</strong> po<strong>de</strong> cutucar, porque... claro... a gente...<br />

esse aspecto político do <strong>teatro</strong> que tinha antes é UM <strong>dos</strong> aspectos do <strong>teatro</strong>. O <strong>teatro</strong> como<br />

arte é muito mais vasto, esse foi o que existiu o que segurou e <strong>de</strong>pois... hoje... com essa...<br />

como a situação do mundo mudou... a situação política do mundo é diferente, é outra situação,<br />

o <strong>teatro</strong> também teria que ter outras posições, outras mudanças e tudo mais. Eu não vejo isso<br />

com muita clareza no <strong>teatro</strong>, que é difícil a gente continua tentando atirar pra to<strong>dos</strong> os la<strong>dos</strong>,<br />

fazer sei lá... stand up comedy, ou sei lá peças pequenas, peça comercial, o <strong>teatro</strong> é TUDO...<br />

Mas ele está sofrendo, pa<strong>de</strong>cendo <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong>... quer dizer, ele pa<strong>de</strong>ce porque precisava ser<br />

um po<strong>de</strong>r mesmo, e o po<strong>de</strong>r do <strong>teatro</strong> é... estar no ator, que tem o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> falar e tudo... e<br />

esse po<strong>de</strong>r foi muito... foi ele que foi tirado do <strong>teatro</strong>, esse po<strong>de</strong>r, ao tirar esse po<strong>de</strong>r do <strong>teatro</strong>,<br />

você enfraquecendo esse po<strong>de</strong>r, você coloca esse po<strong>de</strong>r num lugar ai nas celebrida<strong>de</strong>s, você<br />

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coloca esse po<strong>de</strong>r aqui e ali, você tirou o po<strong>de</strong>r da... quer dizer o <strong>teatro</strong> per<strong>de</strong>u uma força muito<br />

gran<strong>de</strong> na socieda<strong>de</strong>, ao per<strong>de</strong>r essa força, eu por exemplo, sou... eu tenho bastante po<strong>de</strong>r<br />

assim... não muito, mas eu tenho po<strong>de</strong>r assim pela minha biografia <strong>de</strong> ator, ela é... ela é tipo<br />

assim, forte, muito forte no <strong>teatro</strong>, mas a televisão também <strong>de</strong>u bastante po<strong>de</strong>r como o Dr.<br />

Abobrinha, que eu faço e tal, <strong>de</strong>u bastante po<strong>de</strong>r, que é um po<strong>de</strong>r...s ó que o do <strong>teatro</strong> é a<br />

gente... você... não sei como dizer... é como se nosso... como se fosse meu, EU estou com o<br />

po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>le, <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r fazer. O <strong>teatro</strong> é o po<strong>de</strong>r humano, eu tenho o po<strong>de</strong>r humano, o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />

ser, o po<strong>de</strong>r humano tá comigo, porque o <strong>teatro</strong> tem o corpo presente e isso daí foi muito<br />

enfraquecido nesse tempo que a gente tá falando da censura.<br />

Porque quando você fala... achei legal quando vocês falaram que ia fazer uma<br />

pesquisa sobre o amador e censura, principalmente, porque eu vejo, pela minha experiência <strong>de</strong><br />

vida, o quanto foi pesado pra gente, a censura no Brasil, é tão pesado, tão forte que é como se<br />

você fizer... por exemplo... Minhocão... Minhocão é uma obra arquitetônica no meio da cida<strong>de</strong><br />

que é... que... se você andar no minhocão você vai falar assim: “pô... como é que os os caras...<br />

tem uma casa aqui a dois metros e agora construíram uma rua. Pô...esse prédio é bonito, mas<br />

agora essa casa tá cheia <strong>de</strong> furo, como é que é possível fazer isso?” isso foi feito em 67, 68 e...<br />

aten<strong>de</strong>u uma especulação imobiliária, quer dizer, uma interferência na maior cida<strong>de</strong> da<br />

américa do Sul, uma interferência arquitetônica daquele tamanho, sem discussão. Como foi<br />

possível? Nós estamos falando disso, você vai lá <strong>de</strong>teriorou tudo...tá tudo <strong>de</strong>teriorado, então<br />

vamos colocar que a ditadura foi uma intervenção <strong>de</strong>sse tamanho... é muito maior, muito mais<br />

terrível na vida <strong>de</strong> todo mundo, <strong>de</strong> todo jovem brasileiro.<br />

Eu me lembrei hoje que tinha um negócio, tinha um negócio que chamava “<strong>de</strong>pósito<br />

compulsório”, você fazia o seguinte <strong>de</strong>positava dois mil dólares se você quisesse viajar pra<br />

qualquer país, era muito mais que dois mil dólares , se você quisesse viajar pro país você tinha<br />

que pedir autorização do governo pra viajar e tinha que, pra pedir essa autorização, <strong>de</strong>positar,<br />

fazer um <strong>de</strong>pósito <strong>de</strong> dois mil dólares que ficariam presos não sei aon<strong>de</strong> lá...pra que você<br />

voltasse do Brasil, imagina como é que era... você só podia sair com esses dois mil dólares.<br />

Não sei como é... vocês são ricas... bilionárias... Quem po<strong>de</strong> sair?... a juventu<strong>de</strong> hoje<br />

tem...enfim essa juventu<strong>de</strong> que queria viajar pra fora do Brasil...imagem quem...você tinha que<br />

pagar a passagem e pagar dois mil dólares.Isso era uma coisa comum, tipo assim: “- Pago<br />

<strong>de</strong>pósito compulsório pra viagem”. A gente pensava que isso era uma taxa qualquer, achava<br />

até legal porque os ricos não podiam viajar, mas os ricos...enfim...fodam-se...os pobres é que<br />

não viajam, os estudantes que precisavam...porque hoje eu vejo assim, na minha maneira <strong>de</strong><br />

ver vocês tem mais é que sair fora, tem mais é que viajar muito, porque a gente tem essa<br />

facilida<strong>de</strong>, o dólar baixou, enfim...faz parte do conjunto do conhecimento <strong>de</strong> todo aluno, o<br />

intercâmbio mesmo, pra...pra sacar os seus interesses, aon<strong>de</strong> vocês vão...o que vai<br />

acontecer...eu imagina o que eu podia ter feito em termos <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>, eu podia ter ido, o que<br />

podia fazer... Fiquei sabendo que tem bolsas <strong>de</strong> estu<strong>dos</strong>, essas coisas todas lançaram até na<br />

época, a pesquisa.... lançou tudo. Tamo falando <strong>de</strong> um momento muito forte na vida política,<br />

em se tratando <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia brasileira, eu não sei direito... as outras <strong>de</strong>mocracias, a do Chile,<br />

da Argentina, do Uruguai, elas foram tão ou mais terríveis quanto a nossa, então era toda uma<br />

conjuntura <strong>de</strong> continente terrível. Estamos falando <strong>de</strong> censura, meu filho tá gritando aí... Então<br />

é toda uma conjuntura <strong>de</strong> medo, uma conjuntura <strong>de</strong>sfavorável pra renovação, pra criação, pra<br />

invenção e que... vamos dizer... o que a gente tem <strong>de</strong>senvolvido nesse momento é uma<br />

resistência, muita resistência, que criou a contra-cultura, os movimentos <strong>de</strong> resistência,<br />

resistência, resistência, que eram fortes resistência é uma coisa que você resiste, não é uma<br />

coisa que você avança. Enquanto instalada no Brasil, evi<strong>de</strong>ntemente, você tinham outras<br />

<strong>de</strong>mocracias que tavam....<br />

EP: O grupo especificamente, você sofreu processo <strong>de</strong> censura? Ou <strong>de</strong> intervenção<br />

mais marcante que o Sr....?<br />

PC: Então eu posso falar pra você que... a violência toda era, imagina, você pegar uma<br />

peça, montar essa peça, ter que mandar lá pra censura, ficar 30 dias lá não sei aon<strong>de</strong>, a gente<br />

até fazia essa burocracia, porque achava que era normal, levar...ficar essa burocracia, <strong>de</strong>pois a<br />

pessoa que vinha buscar lá...ô Nicolau, tem que falar pro Nicolau <strong>para</strong>r, (levanta-se e vai à<br />

porta: “- Ô cacete...ô Nico, <strong>para</strong>, eu to gravando uma coisa...”) Ele <strong>de</strong>ve tá gravando alguma<br />

coisa...a gente até dá uma força.<br />

EP: Retomando então... grupo nesse período o amador ainda, esses processos <strong>de</strong><br />

censura, você estava comentando esse processo <strong>de</strong> seguir uma burocracia.<br />

PC: Isso <strong>de</strong> seguir uma burocracia, isso já era assim. Depois você ia apresentar a peça<br />

pra duas, que eram mulheres, não sei <strong>de</strong> on<strong>de</strong> elas vinham, <strong>de</strong>via ser da polícia.... mas mal-<br />

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humoradas e as pessoas eram chatas... todo um trabalho jogado fora pra essa gente e<br />

apresentava. Só isso já era uma censura e eventualmente, eu não me lembro da gente ter tido<br />

um problema objetivo, mas, assim que eu pu<strong>de</strong>sse citar, mas só isso já era lixo.<br />

EP: Esse festival <strong>de</strong> 75 foi o primeiro que o seu grupo participou?<br />

PC: Foi...na verda<strong>de</strong> a gente organizou esse festival, o meu grupo <strong>de</strong>pois continuou ,<br />

esse é o segundo festival, <strong>de</strong>pois não teve o terceiro porque <strong>de</strong>pois que se soube que tinha<br />

essa pessoa infiltrada lá <strong>de</strong>ntro, a Maria Luiza que era a organizador, <strong>de</strong>sapareceu, não sei<br />

on<strong>de</strong> ela está hoje, enfim toda uma <strong>de</strong>sarticulação da situação, eu não sabia exatamente o que<br />

estava acontecendo, mas eu sei que <strong>de</strong>sarticulou totalmente. E <strong>de</strong>pois aí a gente começa, mas<br />

também uma outra articulação na vida das pessoas, porque aí começa, você tem 15, 16, 17,<br />

18, 19 anos, aí você vai pra universida<strong>de</strong>, pro trabalho, casa, mas toda essa estrutura se<br />

<strong>de</strong>sarticula por si só, mas todo esse movimento, esse terceiro festival foi legal por si só, <strong>de</strong>pois<br />

a gente participou <strong>de</strong> um festival que tinha em Santo André, Santo André tinha um movimento<br />

teatral amador muito forte, tinha uma fe<strong>de</strong>ração que se chamava Fe<strong>de</strong>ração Andreense <strong>de</strong><br />

Teatro Amador, a FEANTA, uma organização fortíssima <strong>de</strong> Santo André , que reuniu autores<br />

como Antonio Petrin, Dina Gue<strong>de</strong>s e também o <strong>teatro</strong> que nós fizemos, o municipal <strong>de</strong> Santo<br />

André, aquele <strong>teatro</strong> Municipal <strong>de</strong> Santo André, na verda<strong>de</strong> é uma, um <strong>teatro</strong> que vai no bojo<br />

do gran<strong>de</strong> trabalho teatral que a FEANTA vai fazer lá em Santo André, acaba<br />

resultando...enfim...o movimento teatral lá era muito gran<strong>de</strong>, muito bacana lá. E a gente<br />

participou <strong>de</strong> alguns festivais lá em São Caetano do Sul, em Santo André, a gente participou<br />

fazendo algumas peças “Biterman e os Incendiários”, a gente fez, meu grupo né, e a gente fez<br />

“Jaques da submição”, do Ionesco e do Max Frish, a gente fez peça do Brecth, “Pequeno<br />

Burgues”, a gente fez Arrabal, a gente fez coisa assim até mais ou menos os anos 80, até 79<br />

mais ou menos. Depois eu entrei no Banco do Brasil, não...já trabalhava no BB <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 75, mas<br />

em 80 eu vou entrar na EAD, porque eu fui trabalhar no banco, meu grupo acabou, pessoas<br />

casaram, enfim... Eu mesmo casei em 77, aí <strong>de</strong>pois ficou aquela vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer <strong>teatro</strong>, eu<br />

trabalhava no banco , era caixa, aí <strong>de</strong>pois fiz um teste, entrei na EAD, fiz a EAD, fiz um<br />

seminário com o <strong>teatro</strong> Oficina, nesse seminário o Zé Celso me chamou pra trabalhar com<br />

a...Me chamou, não, disse “- Olha o <strong>teatro</strong> oficina tá numa situação difícil, o Silvio Santos tá<br />

querendo comprar o lugar do <strong>teatro</strong> Oficina, então tem um trabalho enorme pra fazer aqui” aí<br />

eu entrei nesse trabalho, trabalhamos, trabalhamos em <strong>teatro</strong>, que é aon<strong>de</strong> eu fiz a minha “pós”<br />

no <strong>teatro</strong>.<br />

EP: Então o senhor tava no Banco aí o grupo tinha acabado e ...<br />

P: Aí que eu fiz a EAD, porque o cara que faz <strong>teatro</strong>, o cara que se liga no <strong>teatro</strong> ele<br />

acaba indo fazer teste com as pessoas, tá sempre fazendo, fazia peça... tinha esse gosto <strong>de</strong><br />

ficar fazendo peça no banco, sabe assim?<br />

EP: E o que levou essa opção senhor a essa profissionalização, o que impulsionou o<br />

senhor?<br />

P: Não... foi se construindo sozinha, sem que eu soubesse. Como eu tava te falando,<br />

eu projetava, mas não sabia exatamente o que ia dar nisso, mas ela foi se construindo sem que<br />

eu soubesse e... porque o que que acontece, quando eu tava no Banco do Brasil se <strong>de</strong>lineou<br />

uma perspectiva financeira e tal, no BB e tudo mais, que era bem interessante, eu gostava <strong>de</strong><br />

trabalhar no Banco, só que eu... aí eu fui trabalhar, fui fazer o curso na EAD, fiz o curso à noite,<br />

trabalhava <strong>de</strong> dia e na EAD você, o que me ajudou bastante na EAD foi o contato com as<br />

pessoas que trabalhavam, faziam <strong>teatro</strong>, eu já conhecia e fui conhecer mais gente <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>.<br />

Porque a <strong>USP</strong>, claro, fica, pra nós, eu morava na porra, no Parque São Lucas, dois ônibus, 1h<br />

e 30, terrível... Saía às 6h e chegava às 7 e 45, quando chegava... e <strong>de</strong>pois saía <strong>de</strong> lá às 11h e<br />

chegava... aquelas coisas <strong>de</strong> <strong>USP</strong> que vocês conhecem. Aí... lá eu comecei a conhecer as<br />

pessoas que trabalhavam com <strong>teatro</strong>, que tinham amigos, porque aí na EAD, muita gente que<br />

vai pra EAD são parentes, filhos <strong>de</strong> gente que faz <strong>teatro</strong>, porque a Universida<strong>de</strong>, o grosso <strong>de</strong>la,<br />

são <strong>de</strong> famílias que sabem o que é uma Universida<strong>de</strong>, que tem idéia do que seja colocar um<br />

filho lá <strong>de</strong>ntro, essas famílias tem po<strong>de</strong>r aquisitivo pra po<strong>de</strong>r ter um nível cultural mais alto,<br />

portanto são famílias, normalmente gente burguesa, que tem muito dinheiro, que não seja<br />

muito pobre, é claro que por isso que a faculda<strong>de</strong> nunca teve muito negro, muito pobre teve<br />

muito pouco, porque a faculda<strong>de</strong> inclusive é muito longe. Brasília tem que ter carro pra andar,<br />

se for <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> ônibus, aqueles ônibus, aliás o serviço <strong>de</strong> ônibus sempre foi essa BOSTA<br />

que você vê na cida<strong>de</strong>. Mas enfim... comprar livro, então... mas é nesse lugar, na universida<strong>de</strong><br />

que você tem o contato das pessoas que estão ligadas ao que você quer fazer. Então você vai<br />

lá, vai pegar aquela massa humana, naquela massa humana também tem gente que você vai<br />

conhecer, vai trabalhar, foi lá que eu conheci o Zé Celso, conheci o Teatro Oficina, foi lá que<br />

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me abriu as portas pra isso, enten<strong>de</strong>u? Evi<strong>de</strong>nte que a opção pelo Teatro Oficina, pra mim foi<br />

mais fascinante, embora fosse mais arriscada, porque o Teatro Oficina era um grupo com uma<br />

fama que o grupo Teatro Oficina tinha, mas era o que mais estava <strong>de</strong> acordo com meu<br />

pensamento do que é <strong>teatro</strong>, do que é fazer arte e tal. Um lugar on<strong>de</strong>... E foi lá... e eu achei<br />

assim “- Puta eu tomei uma <strong>de</strong>cisão”... Porque aí <strong>de</strong>pois eu ia tomar a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong><br />

profissionalização, porque chega lá no Teatro Oficina começa a trabalhar, esse é um capítulo à<br />

parte, não dá pra falar aqui, mas enfim... comecei a trabalhar e <strong>de</strong> repente fiquei assim, ou<br />

trabalha no banco ou no Oficina, trabalhar nos dois não dá, aí eu fiz uma proposta pro Banco<br />

do Brasil, “- Olha...”, eu fiz uma carta lá pra direção geral: “- Olha... Eu quero um patrocínio <strong>de</strong><br />

vocês pra eu continuar a funcionário do banco e trabalhar no Teatro Oficina”, porque não dava<br />

pra trabalhar nos dois lugares, só trabalhar em um só, aí eles não aceitaram, evi<strong>de</strong>nte não,<br />

quer dizer... <strong>de</strong> uma maneira muito burra eles não aceitaram, ainda tá em tempo...(risos) Não...<br />

eles não aceitaram, mas a escola... O banco do Brasil não aceitou, eu fiz uma proposta <strong>de</strong><br />

patrocínio pra eu continuasse funcionário do Banco do Brasil trabalhando na cultura brasileira,<br />

<strong>de</strong>ntro do Oficina, porque era necessário que eu trabalhasse lá <strong>de</strong>ntro do Oficina. Imagina um...<br />

se você fala... se você é um bibliotecário e você chega num lugar e tá correndo perigo, você<br />

vai fazer o que? Você vai pra casa? Você vai ficar lá, é evi<strong>de</strong>nte, tá correndo perigo... você vai<br />

ficar lá. Se um ator chega num <strong>teatro</strong> e tá correndo perigo, vai virar um shopping? Não... vou<br />

ficar aqui, porque é minha OBRIGAÇÃO cívica brasileira, era essa. Eu pedi patrocínio do<br />

Banco do Brasil pra que isso acontecesse, pra que eu continuasse lá, eles não <strong>de</strong>ram<br />

patrocínio, MAS a própria EAD me reprovou como aluno, sendo que eu tinha feito um seminário<br />

sobre o Oficina, eu tinha conhecido no Oficina através da própria escola e, pô,o que eu iria<br />

fazer? Ia continuar na escola? Não dava pra continuar na escola, tinha que ir pro Oficina, era<br />

obrigatório. E a escola não me consi<strong>de</strong>ra aluno aprovado pela escola, porque? Porque eu sou<br />

um <strong>de</strong>sistente, pelo contrário eu sou um insis... sou um cara que não <strong>de</strong>sisti da escola, pelo<br />

contrário, eu investi na escola, eu investi no <strong>teatro</strong>. Eu não podia ter saído, jamais, eu fiz um<br />

seminário do lugar, o lugar ia virar um shopping... Não... eu to completamente infiltrado, o Zé<br />

Celso é testemunha, po<strong>de</strong> até escrever sobre isso. Aliás um dia eu ainda vou pedir pra escola<br />

meu diploma <strong>de</strong> ator, porque eu não sou ator pela escola, num certo sentido, eu não sou ator<br />

formado pela EAD. Devia ser! Porque? Porque eu... foi essa pesquisa com o Teatro Oficina que<br />

me fez ir pro Teatro Oficina, entrar na luta cultural que o <strong>teatro</strong> estava enfrentando, hoje o<br />

<strong>teatro</strong> Oficina tá aí, quer dizer... eu não sou responsável, o <strong>teatro</strong> tá aí, mas eu <strong>de</strong>i muito <strong>de</strong><br />

mim pra que isso acontecesse, isso estava presente nessa trajetória histórica que o Teatro<br />

Oficina tem na cultura brasileira e fiz isso a partir da EAD, a partir da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São<br />

Paulo, a partir daquilo pro que foi criada a Universida<strong>de</strong>. A Universida<strong>de</strong> foi criada pra trabalhar<br />

com a comunida<strong>de</strong>, pra trabalhar com São Paulo, a Universida<strong>de</strong> não é um bunker fechado.<br />

Não, ela foi criada, tá <strong>de</strong>ntro <strong>dos</strong> estatutos da Universida<strong>de</strong> que ela é um lugar <strong>de</strong> convívio, <strong>de</strong><br />

tato com a socieda<strong>de</strong>, a socieda<strong>de</strong> po<strong>de</strong> contar, DEVE contar com ela. Foi a socieda<strong>de</strong> paulista<br />

brasileira que criou a universida<strong>de</strong>, então é fundamental que ela não fuja <strong>de</strong>ssa ligação e que<br />

tenha <strong>de</strong>ntro da universida<strong>de</strong> pessoas com cabeça e com conhecimento pra aceitar isso... Aliás<br />

eu ainda... Um dia eu ainda vou falar isso... (risos)<br />

EP: E como foi a transposição pro cinema, pra televisão?<br />

PC: Não... se você vai... se você for pensar na profissão, o que acontece com a<br />

profissão? Você é... vai fazendo os seus contatos, porque você vai conhecendo, você vai tendo<br />

seus conhecimentos. Tem duas coisas que são... que acontecem: uma <strong>de</strong>las é você ter os<br />

contatos, e outra coisa é você ter sorte pra que isso aconteça. Eu, por exemplo, o Dr.<br />

Abobrinha, pra contar pra você: o Dr. Abobrinha eu fazia locuções na TV cultura, um dia eu<br />

tava passando lá e tinha um teste <strong>de</strong> uma coisa que iam fazer, eu tava dando uma carona e<br />

não sei quem disse “- Espera um pouco que eu vou fazer um teste” “- Ahh então eu vou fazer<br />

também”, fiz o teste e acabei pegando o Dr. Abobrinha. E o Dr. Abobrinha se encaixa, eu<br />

acredito que entendi bastante o Dr. Abobrinha, porque ele é um Especulador imobiliário, quer<br />

construir um prédio <strong>de</strong> 100 andares, trabalhava no Oficina, o Silvio Santos queria... Aí eu falei “-<br />

Pô, é sopa no mel” e man<strong>de</strong>i ver. Eu te digo uma coisa, são coisas assim... dá pra ser simples<br />

explicando, falando e tal, eu escrevo muito sobre isso, o que foi essa trajetória e tal. São coisas<br />

que você... o que eu acho... A gente tem que ser assim... Nós estamos a vida inteira, sem<br />

saber, construindo uma biografia, às vezes a gente... não se dá conta disso, porque isso é uma<br />

gotinha do dia-a-dia, vocês mesmo, vocês estão construindo a biografia <strong>de</strong> vocês, po<strong>de</strong> ser<br />

que vocês... o valor que essa biografia tem, vão... vai ser assim: as outras pessoas vão dizer o<br />

valor que ela tem ou você vai dizer, vai <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r, vai <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r muito, então aí você precisa...<br />

é... como se diz... ver se você quer, que os outros digam qual é o valor que vocês tem ou você.<br />

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Aí você escolhe como é que vai ser, se você quiser que os outros digam... você vai... é foda, é<br />

mais difícil, porque você sabe como são os interesses das pessoas, mas aí quando é você,<br />

você faz a sua biografia, você faz ela e vai dando o seu caráter, a sua idéia, como você quer<br />

fazer... tem aqueles tropeços... aí você vai fazendo sua biografia, vai fazendo ela... aí <strong>de</strong>pois...<br />

como eu falei agora pouco... que você faz da sua biografia, o que você faz <strong>de</strong>la...tem uma<br />

coisa assim, que eu vejo em mim, eu sou ator né?! Os atores são assim, eles fazem sucesso,<br />

faz isso, faz aquilo... e às vezes a gente faz sucesso, faz alguma coisa, mas a gente ainda<br />

continua... cresceu esse lado da sua projeção, mas você continua insignificante, assim, como<br />

pessoa, como ser social... então isso... você trabalhou muito pouco essa coisa na sua<br />

insignificância. Às vezes é o contrário, o cara não tem sucesso nenhum, mas ele conseguiu<br />

trabalhar o que ele é, o seu caráter, tudo mais e aí esse... é uma coisa que o Brecht fala: tem<br />

homens assim que são... necessários por um mês, outros por um ano, outros que são<br />

imprescindíveis, é <strong>de</strong>sse que nós precisamos, o tipo <strong>de</strong> gente que seja imprescindível pra vida<br />

humana, pra raça humana. Não sei exatamente como é o poema do Brecht, mas ele tem um<br />

poema nesse caminho, que fala alguma coisa do que eu to querendo dizer pra vocês...<br />

EP: Pra finalizar, como você percebe esse movimento do <strong>teatro</strong> amador, hoje?<br />

PC: Eu não sei, eu não conheço o <strong>teatro</strong> amador hoje. O que acontece... os <strong>grupos</strong> se<br />

organizam, alugam uma granja e dá pra fazer um espetáculo, às vezes você vai assistir um<br />

espetáculo e você fala “o espetáculo tá meio esquisito e tal...”. Não tem mais o <strong>teatro</strong> amador,<br />

não tem mais essa categoria, normalmente você vai assistir o <strong>teatro</strong> e todo mundo já está na<br />

categoria ator... “- O que que você é?” “Eu Sou Ator” até porque tem uma coisa assim ... eu me<br />

lembro quando... na década <strong>de</strong> 50, 30, 20, as atrizes eram putas e os atores eram eles eram<br />

marginais e tal, então a família e tal não davam muita força pro trabalho, pros atores, <strong>de</strong>pois<br />

com o aparecimento das celebrida<strong>de</strong>s a profissão <strong>de</strong> ator começou a ficar um negócio assim<br />

genial, que eu acho ótimo, mas se eu falasse pro meu pai “- Pô pai, eu...” quando eu falei pro<br />

meu pai, coitado como ele sofreu, eu falei “-Pai eu vou sair do Banco do Brasil, eu vou trabalhar<br />

no <strong>teatro</strong>”, meu pai “- Aaaaaaah”, meu pai policial militar, coitado, trabalhou ali que nem<br />

escrevo a vida inteira e tal “- Meu filho, você tá louco, que negócio é esse <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>?!”, porque<br />

meu pai acho que nunca foi a <strong>teatro</strong>, meu pai falou “- Putz!”, bem, agora ele já foi, mas enfim,<br />

mas inda havia aquele pensamento que que era o <strong>teatro</strong>, mas <strong>de</strong>pois com o surgimento da<br />

televisão e tudo mais, a classe média começou... hoje em dia quem que não quer ter uma filha<br />

que faça <strong>teatro</strong> e que vá <strong>para</strong> a televisão, tá certo que vá pra televisão “- Meu <strong>de</strong>us!”, que faça<br />

sucesso da noite pro dia, que é uma ilusão evi<strong>de</strong>ntemente, claro, é uma loteria, em cima da<br />

qual muita gente ganha grana e tal, porque você lá e olha e dá dinheiro ser ator, dá, mas são<br />

10 milhões <strong>de</strong> atores, <strong>de</strong>sses 10 milhões você conhece quantos? Você conhece 30? Ai você<br />

uma conta, é mais fácil ganhar na loteria da sena, você ganhar na sena, você quer ficar rico<br />

fazendo <strong>teatro</strong> é mais fácil ganhar na sena, claro que tem possibilida<strong>de</strong>s, possibilida<strong>de</strong>s,<br />

possibilida<strong>de</strong>s, taí a Bruna Surfistinha que não me <strong>de</strong>ixa mentir, tem muita coisa que você po<strong>de</strong><br />

fazer na profissão, mas... é difícil gente, não é fácil, mas tem possibilida<strong>de</strong>s, o <strong>teatro</strong> mesmo, o<br />

<strong>teatro</strong> é como escrever, eu acho, você po<strong>de</strong> escrever claro, o <strong>teatro</strong> o que eu mais gostei <strong>de</strong><br />

fazer <strong>teatro</strong> era que eu podia fazer, sabe, não precisava tocar, podia fazer, que nem escrever,<br />

acho que no dia que eu quiser escrever vou fazer do mesmo jeito, falar “- Eu posso escrever” e<br />

vou escrever, ai você começa a escrever e tal, vou saber como é que escrever, sei lá, vou<br />

estudar as coisas, né, enfim, sacar como é que funciona e tal, mas vou escrever no dia que<br />

quiser, porque escrever também é uma coisa que você po<strong>de</strong> fazer sozinho, sei lá, tocar um<br />

instrumento já é mais complicado, você tem que saber as notas e tudo mais, eu acho que<br />

<strong>teatro</strong> já é uma coisa mais <strong>de</strong> gente preguiçosa (risos), brinca<strong>de</strong>ira, não não, <strong>teatro</strong> é um... pra<br />

mim é uma coisa que eu gosto <strong>de</strong> fazer. Aliás isso é um... profissão gente, pelo amor <strong>de</strong> <strong>de</strong>us,<br />

profissão tem que ser uma coisa que você gosta <strong>de</strong> fazer, esse é o diferencial eu acho, acho<br />

não, tenho certeza, o diferencial <strong>de</strong>: você tem duas pessoas, que fazem a mesma coisa e<br />

bébébé, pega a que gosta porque essa ai é a melhor, essa vai fazer the best, né? A que gosta<br />

é a que vai fazer melhor, com certeza, aquela que ah, faz muito bem, eficiente, essa ai é legal,<br />

mas numa hora ela vai sair fora, tem que pegar a que gosta, se você gosta do negócio, claro<br />

que a gente um período, por isso que eu tô falando, existe um período <strong>de</strong> projeção, que a<br />

gente vai <strong>de</strong>senvolvendo esse gosto, vai sacando e tudo mais, mas se você prestar atenção<br />

tem uma hora que você fala “- Eu gosto disso, eu gosto <strong>de</strong> fazer esse tipo <strong>de</strong> coisa”, eu gosto<br />

<strong>de</strong>... por exemplo, eu fico pensando “- Gente, tem gente que não gosta <strong>de</strong> fazer <strong>teatro</strong>!”, não<br />

posso nem falar nada porque eu acho... acho até bom que gente não gosta, porque sei lá,<br />

porque tem gosto diferentes, ainda bem, a humanida<strong>de</strong> é essa coisa bacana, diferente, tem<br />

essa coisa <strong>de</strong> pessoas que gostam <strong>de</strong> uma coisa, que gostam, o cara gosta, e é lindo isso,<br />

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muito bom, eu gosto <strong>de</strong> fazer <strong>teatro</strong>, eu adoro fazer <strong>teatro</strong>, tenho prazer naquilo, e também isso<br />

faz um diferencial porque quando fala <strong>de</strong> fazer uma peça “- Vou fazer uma peça, vou fazer uma<br />

peça” “- Sobre o que é?” “- Vou fazer sobre o...”, fui fazer uma peça sobre o salmo 91, sobre o<br />

Carandiru, ou então fazer uma peça com pra Mari Alice Vergueiro sobre o Chodorowski<br />

menograma, mas vou fazer sobre o Carandiru, dai eu vou, esse monte livro aqui, vou mostrar<br />

pra vocês, é tudo livro <strong>de</strong> ligado, quer dizer, não to<strong>dos</strong> né, mas a maioria <strong>de</strong>les é assim “vou<br />

fazer uma peça”, aqui está o Stanislavski, que é um gran<strong>de</strong> mestre, mas eu vou fazer uma<br />

peça, fiz uma peça sobre o Van Gogh, comprei um livro do Van Gogh, vou ler o livro, adoro ler,<br />

ler as cartas do Van Gogh, ai eu vou comprando um livro, aqui tem livro, tudo livro que, isso<br />

tudo vai vai, aliás e, por exemplo, eu vou lendo um livro do Balzac, comprem Balzac (risos),<br />

Balzac, pô você vai ler o Balzac cara, ai ele fala “- Balzac?!”, eu nunca tinha lido, achava uma<br />

frescura esse Balzac e tal, mas pô o cara meu, ele conta como é que as pessoas são, como é<br />

que elas reagem, hum, eu vou fazer um personagem, lê Machado <strong>de</strong> Assis, por exemplo, você<br />

Machado <strong>de</strong> Assis, outro dia eu tava lendo Machado <strong>de</strong> Assis aquele do Capitu, né, Dom<br />

Casmurro, cara, o José Dias tem uma hora que o Bentinho entra na sala e tá o José Dias e a<br />

mãe <strong>de</strong>le discutindo se vão colocar ele ou não no seminário, a mãe <strong>de</strong>le não quer colocar ele<br />

no seminário, ai o Machado começa a <strong>de</strong>screver o José Dias falando que o José Dias é o tipo<br />

que sabe opinar obe<strong>de</strong>cendo, fiquei pensendo “- Como é isso? Um cara que opina<br />

obe<strong>de</strong>cendo?”, porque aparentemente ele está dando a sua opinião, mas na verda<strong>de</strong> ele está<br />

dando, porque o José Dias começa a falar pra ela assim, porque o José Dias sabe que a mãe<br />

<strong>de</strong>le, ele é agregado na casa, ele <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> viver na casa, pra continuar vivendo na casa ele<br />

tem que agradar a patroa, né, então ele dá a sua opinião “- Olha, eu queria dizer pra senhora o<br />

seguinte, o menino tá crescendo, eu acho importante...”, mas é opinar, dar a opinião <strong>de</strong>le que é<br />

a opinião da mãe <strong>de</strong>le pra ele ir pro seminário, ele fala “- Puta que ódio, tenho um ódio do Zé<br />

Dias” que é o agregado. Ai você lê um clássico <strong>de</strong>sses e o cara <strong>de</strong>screve, então <strong>de</strong>rrepente<br />

você po<strong>de</strong> fazer um personagem que dá sua opinião obe<strong>de</strong>cendo ao... sabe, ou então eu me<br />

lembrei, eu li um outro outro dia que era bem legal que ele falava assim que ela, a mulher faz<br />

uma pergunta pra personagem e a personagem reage como se tivesse sido mordida por uma<br />

abelha “- Quê? Como?” (interpretação) nem é a reação, tem a reação da mordida <strong>de</strong> uma<br />

abelha, fiquei pensando “- Engraçado uma reação assim”, porque a gente pensa assim com<br />

raiva “- Urgh!” mas a reação <strong>de</strong>la mordida por uma abelha “- Quê?”, é uma dor, achei isso<br />

interessante, é essas coisas que você vai, ai eu vou lendo esses livros nesse, li Mário <strong>de</strong><br />

Andra<strong>de</strong>, que eu não sei tem Mario <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> ai, a gente fez o livro da loucura do Foucault,<br />

olha tem coisas bem interessantes, e ai vai. Então o <strong>teatro</strong>, em se tratando <strong>de</strong> como eu gosto,<br />

tava falando do amor, do gosto <strong>de</strong> fazer, toda vez que tem um <strong>de</strong>sdobramento eu adoro, vou<br />

no <strong>de</strong>sdobramento, ele me ajuda pra caramba. Então isso que é gostar da profissão, gostar é<br />

isso.<br />

EP: Muito obrigada!<br />

P: (palmas) Okay! Obrigada!<br />

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Anexo V – Entrevista Toninho Macedo<br />

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Entrevista realizada com Toninho Macedo<br />

Data: 1 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2011<br />

Local: Se<strong>de</strong> do Grupo Abaçaí<br />

Entrevistadora Verônica: Com quantos anos o senhor começou a fazer <strong>teatro</strong>?<br />

Qualquer tipo <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>?<br />

Toninho Macedo: Então vamos começar assim aqui eu não sou senhor, eu sou você,<br />

<strong>de</strong>ntro do <strong>teatro</strong> caba mais assim, cabe melhor.<br />

Eu comecei um pouco tardiamente, já estava com... porque você tem que calcular, o<br />

Abaçaí tá com 30 anos, com 30 anos eu comecei. Na periferia <strong>de</strong> São Paulo, no Colégio<br />

Estadual Stefan Zweig on<strong>de</strong> eu dava aula <strong>de</strong> francês, então nas horas <strong>de</strong> folga fazia <strong>teatro</strong> com<br />

os alunos. Quero registrar que foi ali inclusive que Roseli (Fígaro) começou a fazer <strong>teatro</strong>, na<br />

quadra da escola que ela, ali moleca, estudava. E foi ali a minha iniciação, a minha e a <strong>de</strong>les.<br />

E foi um momento difícil, um governo militar, uma ditadura militar, em cada canto tinha<br />

um olheiro e o movimento <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> amador naquela época era muito forte, mas também era<br />

um fonte <strong>de</strong> consciência, na minha avaliação, <strong>de</strong> maior brilho <strong>de</strong> consciência da produção<br />

teatral, então nós tínhamos muito <strong>grupos</strong> que estavam na periferia circulando na periferia, nas<br />

escolas e que tinham, bom, era a opção até <strong>de</strong> levar o <strong>teatro</strong>, já se configurava algo diferente,<br />

uma postura diferente do <strong>teatro</strong> instalado no Bexiga e <strong>de</strong>ntro <strong>dos</strong> espaços constituí<strong>dos</strong>, nesse<br />

período também circulavam muito pela periferia, e continuam circulando, o União e Olho Vivo,<br />

era <strong>de</strong> uma importância muito gran<strong>de</strong> a produção do União e Olho Vivo e ao mesmo tempo ela<br />

era um elemento complicador, porque era tão contun<strong>de</strong>nte as posturas do União e Olho Vivo,<br />

do mesmo jeito que eles faziam o <strong>teatro</strong> bem acabado e tudo que por on<strong>de</strong> eles passavam iam<br />

<strong>de</strong>ixando rastros <strong>de</strong> segmento, os militares e a censura sabiam que por ali <strong>de</strong>veria estar<br />

acontecendo alguma coisa. Então to<strong>dos</strong> ficávamos <strong>de</strong> sobre aviso, por on<strong>de</strong> o União e Olho<br />

Vivo passava a gente tinha que tomar um pouco mais <strong>de</strong> cuidado também.<br />

Mas foi um momento muito bom, acredito que entre as décadas <strong>de</strong> 70 até talvez<br />

meta<strong>de</strong> da década <strong>de</strong> 90 foi um período brilhante <strong>para</strong> o <strong>teatro</strong> não convencional em São<br />

Paulo.<br />

Então foi ai que nós começamos, fazendo um <strong>teatro</strong> que envolvia pesquisa, era uma<br />

coisa que já estava no meu DNA, investigar, investigar a linguagem, e, como se diz? O vírus da<br />

comunicação, das comunicações já estava embutido. Então nós começamos fazendo um <strong>teatro</strong><br />

que nada ou quase nada se parecia com o que estava sendo feito<br />

EV: E alguém da sua família participava <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> ou não?<br />

TM: Ah sim, eu sou do interior do Rio <strong>de</strong> Janeiro, vim <strong>para</strong> São Paulo com 14 anos, e<br />

na família do meu pai... a família do meu pai era uma família muito festeira, minhas tias todas,<br />

adoravam <strong>teatro</strong>, é tinha uma banda <strong>de</strong> música que era praticamente com meus tios, primos e<br />

até as minhas tias tocavam na banda, então a família do meu pai tinha esse estímulo todo, da<br />

família da minha mãe também tinha o estimulo das festas, eu quero dizer das festas mais<br />

populares, as folias <strong>de</strong> reis eram, aconteciam no quintal da minha vó, os boizinhos saiam do<br />

quintal da minha vó, quer dizer, da minha avó materna, então tudo girava e acontecia lá.<br />

Eu também tive a sorte <strong>de</strong> ter um pai que era músico, o meu pai formou muitos<br />

músicos <strong>de</strong> banda da cida<strong>de</strong>zinha que nós morávamos, a minha mãe também acompanhava,<br />

compartilhava, eu tenho a impressão que tudo isso serviu <strong>de</strong> estimulo.<br />

Eu não acho que isso tudo seja necessário, o espírito fala on<strong>de</strong> ele quer e do jeito que<br />

quer, mas no meu caso teve esse laço.<br />

EV: E voltando <strong>para</strong> o grupo da escola, como que era organizado esse grupo?<br />

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TM: Dentro do Stefan Zweig, ainda <strong>de</strong>ntro do Stefan Zweig, nós fazíamos os encontros<br />

nos meus horários <strong>de</strong> folga e também nos horários que os alunos já confluído <strong>para</strong> o universo<br />

da escola. Então as aulas terminavam onze e meia mais ou menos e onze e alguma coisa já<br />

estavam lá os vários <strong>dos</strong> alunos que vinham a tar<strong>de</strong>, que era essencialmente os que faziam<br />

<strong>teatro</strong> conosco, já com lanche na mão, o sinal tocava, eu nem precisava abrir a porta, eles já<br />

abriam, botavam o lanche, pegavam as minhas coisas, <strong>para</strong> ganhar tempo, então nós íamos<br />

<strong>para</strong> a quadra da escola e como era uma linha <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> que tinha na corporalida<strong>de</strong> a sua base<br />

<strong>de</strong> expressão, então nós íamos <strong>para</strong> a quadra e tinha todo um trabalho <strong>de</strong> dança, trabalho da<br />

expressivida<strong>de</strong> corporal, e interessante que isso sendo feito num... era um espaço coberto,<br />

mas um espaço aberto, a comunida<strong>de</strong> acabava tendo um contato com isso, e estimulava<br />

também, <strong>de</strong>sfiava outros alunos, imagine que na quadra eram quase oitenta alunos buscando,<br />

enfim, tudo ao mesmo tempo.<br />

Foi muito bom. Fora isso, a gente dava... o trabalho que montamos foi com base em<br />

pequenas observações do dia a dia do cotidiano, então logo cedo esses adolescentes foram<br />

estimula<strong>dos</strong> a observar o que estava acontecendo ao seu redor, e isso era muito legal <strong>de</strong> um<br />

lado e por outro lado era perigoso também, era tudo o que naquele momento não se queria, se<br />

hoje consegue, naquele momento não se podia, né?<br />

Então que se observasse o mundo, a vida, tal qual (?) nas suas ruas, no bairro, e nós<br />

<strong>de</strong>pois improvisávamos isso (?) escola laboratório, que era laboratório, laboratório, laboratório,<br />

e era muito bom isso, assim, uma forma muito interessante <strong>de</strong> estimular, sobretudo o<br />

adolescente, experimentando, presenciando, vivenciando.<br />

Foi muito interessante também o trabalho <strong>de</strong> música, as músicas que levava <strong>para</strong> a<br />

escola, pra servir <strong>de</strong> estímulo, base <strong>para</strong> os trabalhos <strong>de</strong> corpo, vocês imaginem que extrema<br />

zona leste eu levava a fina flor <strong>dos</strong> clássicos, to<strong>dos</strong> eles, toda uma gama que era também as<br />

minhas tendências, então, entre aspas seria um risco <strong>de</strong> rejeição, se bem que eu acho que<br />

naquele momento era mais fácil do que hoje, porque essa avalanche <strong>de</strong> lixo sonoro, não é nem<br />

musical, é muito gran<strong>de</strong>. Mas uma coisa interessante é que na medida em que nós<br />

colocávamos essas músicas na quadra, recebíamos bilhetes das famílias que moravam em<br />

volta da escola perguntando qual tinha sido a música que tinha sido tocada na quadra, e a<br />

gente informava, então havia uma contaminação também da comunida<strong>de</strong> circunstante, isso é<br />

bem interessante.<br />

Até que nasceu o espetáculo, era <strong>para</strong> termos feito três, quatro apresentações no<br />

âmbito da escola e acabou que as apresentações foram se multiplicando até que fomos<br />

proibi<strong>dos</strong> <strong>de</strong> fazê-las por uma mudança que houve interna na escola, mas foi muito bom.<br />

EV: E as apresentações e produções, o grupo realizava como?<br />

TM: Ai foi um gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio, né? Se tínhamos o espaço da escola, mas nós não<br />

tínhamos outra coisa se não o espaço da escola, por outro lado, naquele momento nós<br />

tínhamos a cumplicida<strong>de</strong> do diretor da escola e <strong>de</strong> muitos professores, então, um corpo<br />

docente gran<strong>de</strong>, a escola era gran<strong>de</strong>, tinha três mil e duzentos alunos, tinha oitenta e cinco<br />

professores, e tinha uma parte <strong>dos</strong> professores que eram cúmplices, né, então o que nós<br />

precisávamos foi um trabalho essencialmente apoiado sobre o corpo, mas nós tivemos que<br />

fazer malhas, tivemos que fazer sapatilhas, fizemos uma série <strong>de</strong> coisas, mas ai foi a nossa<br />

imaginação, inventamos coisinhas <strong>para</strong> serem produzidas e vendidas, né, e todo mundo correu<br />

atrás, então também a comunida<strong>de</strong>, os pais, mães e irmãos, to<strong>dos</strong> acabavam ajudando<br />

inventando coisas <strong>para</strong> que pu<strong>de</strong>sse..., ajudavam também fisicamente, né, tinha que construir,<br />

fazer coisas, eles ajudavam, e muita criativida<strong>de</strong>, imagine que fomos fazer espetáculo numa<br />

parte aberta da escola, on<strong>de</strong> tinha um elevado mas não tínha tapa<strong>de</strong>iras, então os próprios<br />

professores ajudaram “- Vamos pegar as estruturas das barracas da festa junina, a gente vai<br />

emendando...” e <strong>de</strong>pois, pela própria temática, ficou interessante, fomos fazendo cola <strong>de</strong><br />

farinha <strong>de</strong> trigo e colando jornal em tudo.<br />

Foi tudo muito, eu não vou dizer improvisado, acho que foi tudo muito buscado,<br />

<strong>de</strong>scobertos, foram caminhos trilha<strong>dos</strong> que a gente não po<strong>de</strong>ria imaginar que daria certo. O<br />

certo é que não tínhamos dinheiro, a escola, escola do estado, também não tinha recursos,<br />

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mas realizamos, se perguntarem hoje “- Como você conseguiu <strong>de</strong> tal forma” acho que gastaria<br />

um pouquinho <strong>de</strong> tempo <strong>para</strong> averiguar isso<br />

Entrevistadora Paula: Dessa experiência do senhor, você era professor <strong>de</strong> francês até<br />

então, mas o que o estimulou a iniciar esse trabalho? Como o senhor começou, <strong>de</strong>rrepente “-<br />

Vamos iniciar esse grupo <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>”?<br />

TM: Foi um estalo, eu já havia uma coisa encostada, eu então havia terminado a minha<br />

graduação em letras e durante o curso <strong>de</strong> letras, o curso que eu fiz, eu fiz na Faculda<strong>de</strong><br />

Medianeiro com os jesuítas, já naquele momento, Dom Luciano Men<strong>de</strong>s, que o nosso <strong>de</strong>cano,<br />

foi presi<strong>de</strong>nte, tornou-se bispo e foi presi<strong>de</strong>nte da CNBB. Dom Luciano Men<strong>de</strong>s e a equipe<br />

tinham um olhar muito arguto, então em vez <strong>de</strong> termos... nós tínhamos uma gra<strong>de</strong> <strong>de</strong> letras,<br />

das matérias pertinentes, por exemplo, língua francês, como foi o meu caso, literatura<br />

portuguesa, brasileira e tudo, mas havia um horizonte que eles empurravam e ajudavam que<br />

se abrisse, seminários <strong>de</strong> literatura, então <strong>para</strong> isso eles levavam Alfredo Bosi, que eram<br />

matérias anuais, né, então com base nessas discussões das tendências <strong>de</strong> arte no mundo e no<br />

Brasil, eu acho que isso também foi me mexendo e fazendo uma conexão com, talvez, com as<br />

minhas tão mo<strong>de</strong>stas raízes <strong>de</strong> vivências artísticas e culturais lá no interior do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

O certo é que quando eu cheguei ao ultimo ano... ah! e também teve outro <strong>de</strong>talhe, é bom a<br />

gente focar nisso, nessas matérias optativas, a coor<strong>de</strong>nação, o curso <strong>de</strong>cano, eles tinham uma<br />

preocupação muito estratégica mesmo, tinha “história do cinema”, não sei né, “história do<br />

<strong>teatro</strong>” e à medida que nós cursávamos essas matérias, não era uma coisa “- Vamos ler um<br />

pequeno texto, vamos fazer uma discussão”, tínhamos que ir ver os filmes, sabe? Filmes <strong>de</strong><br />

arte e voltávamos <strong>para</strong> a discussão e tome trabalho em cima, íamos no <strong>teatro</strong> e tome trabalho<br />

em cima.<br />

Eu acabei pegando um gosto muito gran<strong>de</strong> por ver filmes <strong>de</strong> arte, não só eu, mas os<br />

colegas como um todo, né, iam também ao <strong>teatro</strong>, tal sorte que começou a ter uma comichão<br />

que <strong>de</strong> algum jeito eu queria fazer algo ligado ao <strong>teatro</strong>, até fui a um curso, que não vale nem a<br />

pena citar, fui lá conversar, consegui ficar mais ou menos um mês, eu vi que era um gran<strong>de</strong><br />

exercício <strong>de</strong> vaida<strong>de</strong>s, eu percebi que não era bem aquilo que eu estava buscando.<br />

Então eu propus ao diretor da escola que eu estaria disposto, talvez se naquele<br />

momento ele tivesse tido alguma dúvida, tivesse colocado algum obstáculo, eu talvez não fosse<br />

com tanta se<strong>de</strong> ao pote, né. Mas como eu joguei na mês, inclusive <strong>de</strong>ixei quinze aulas <strong>para</strong><br />

fazer isto, ele acolheu, então eu achei que tudo se casou naquele momento, houve um<br />

congruência <strong>de</strong> intenções, <strong>de</strong> energias, <strong>de</strong> vibrações que me possibilitou jogar em vários<br />

momentos <strong>de</strong>ntro da escola,<br />

Havia também um antece<strong>de</strong>nte que no período <strong>de</strong> 69, entre 68 e 69, quer dizer,<br />

também uma fase bastante complicada, eu morava no Jardim Aeroporto, atrás da antiga VASP,<br />

e ali tinha duas gran<strong>de</strong>s favelas: favela do Buraco Quente e a favela do Buraco Frio, e naquele<br />

momento eu fazia canto no conservatório, no Conservatório Musical Ibirapuera, e lá eu conheci<br />

um rapaz que também fazia canto e era uma criatura adorável, o nome <strong>de</strong>le era Zeca, e um dia<br />

num intervalo <strong>de</strong> aula o Zeca disse “- Puxa Antonio, você é uma pessoa que me inspira tanta<br />

confiança, eu gostaria que você fosse conhecer a nossa casa e o trabalho que nós fazemos na<br />

favela do Buraco Quente”, até aquilo eu não morava no Buraco Quente, ai eu falei “- Ai que<br />

interessante, Zeca, você tem um trabalho na favela do Buraco Quente...”, ai ele olhou assim<br />

pra mim e disse “- Não Antonio, eu moro na favela”, ai eu fiquei <strong>para</strong>do olhando pra ele,<br />

imagine o contexto: numa ante sala <strong>de</strong> um conservatório musical, um estudante <strong>de</strong> canto vira e<br />

diz assim “- Não, eu moro na favela” com toda transparência. Isto ai foi <strong>de</strong>cisivo <strong>para</strong> que, no<br />

começo do ano seguinte, eu me mudasse <strong>para</strong> perto da favela, e ai todas as manhãs <strong>de</strong><br />

sába<strong>dos</strong> e domingos eu ai pra favela e nós fizemos o que eu chamo <strong>de</strong> um centro cultural,<br />

embaixo <strong>de</strong> um caramanchão <strong>de</strong> chuchu, né, uma parreira <strong>de</strong> chuchu, nós nos reuníamos, bom<br />

eu me reunia com os adolescentes, tinha um outro pessoal que se reunia com as mães e tudo,<br />

né, e ai com a minha experiência <strong>de</strong> educador e a vonta<strong>de</strong> e o fervor das letras, eu comprava<br />

jornal e a gente lia, né, comentávamos, levava esses adolescentes ao <strong>teatro</strong>, pra tudo que era<br />

canto.<br />

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Eu tenho quase certeza que aquilo foi muito importante também pra gente... pra isso...<br />

pra essa vonta<strong>de</strong> acontecer, eu ainda estava cursando letras mas já dava aula, naquele tempo<br />

era possível, eu a partir do segundo ano comecei nesse colégio. Então vocês vêem, começou<br />

haver uma ponte que me <strong>de</strong>safiava, durante a semana ou estava na faculda<strong>de</strong> ou estava<br />

dando aula na Vila Diva ou eu estava nos fim <strong>de</strong> semana na favela, chegava na segunda-feira<br />

voltava pra realida<strong>de</strong>. Houve uma necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> entre cruzar isso, porque também nós<br />

sentíamos que, apesar da comunida<strong>de</strong> da Vila Diva não ser <strong>de</strong> favela<strong>dos</strong>, mas era uma<br />

comunida<strong>de</strong> que mandava, que precisava <strong>de</strong> um algo mais.<br />

Eu acho que tudo isso juntou e é a primeira vez que eu estou fazendo estas relações,<br />

aqui agora! (risos)<br />

EV: Sobre o grupo da escola, ele tinha um nome? E quem dirigia as peças?<br />

TM: Então, a formação, que não era uma formação <strong>de</strong> ator, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> aquele momento<br />

nós fomos <strong>de</strong>scobrindo o viés que é uma ação cultural, né, foram tendo leituras <strong>para</strong>lelas que<br />

já vinham do contato com os jesuítas também, <strong>de</strong> Paulo Freire e <strong>de</strong> outros teóricos, então eu<br />

não tinha formalizado isso ainda muito bem na minha cabeça mas já estava lá, eu me sentia<br />

muito mais um educador, por isso que um professor <strong>de</strong> francês vai fazer <strong>teatro</strong> nas horas <strong>de</strong><br />

folga né, eu me sentia mais educador do que professor, e ao mesmo tempo investigando<br />

linguagem e investigando a linguagem teatral, cênica.<br />

Então fora em pensar em fazer <strong>teatro</strong> e montar um espetáculo, nós cuidávamos muito<br />

do processo, do processo, então eu levava o pessoal ao <strong>teatro</strong> municipal, quase todo fim <strong>de</strong><br />

semana a gente ia assistir os concertos matinais e etc e tal. Mas ao lado disto também, isto que<br />

ia aflorando nesses adolescentes, nós íamos buscando a forma e... olha isso que nós<br />

estamos... se nós pudéssemos dizer hoje “- Isso que nós estamos amealhando serve <strong>para</strong><br />

alguma coisa, fora nós nos amelhorarmos, serve também <strong>para</strong> dizermos algo”.<br />

E foi assim que surgiu a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> montar um espetáculo. Eu dirigi e fiz o roteiro,<br />

a partir <strong>dos</strong> laboratórios e das experiências que os adolescentes traziam, não quero mais dizer<br />

alunos, que os adolescentes traziam, e também eles se exercitavam muito, havia algo que a<br />

gente tinha colocado naquele momento que era fast cênica, e nós fomos trabalhar fast cênica<br />

com eles, claro que eu li Kusnet, li Stanislavisky, li outros, mas o que adiantava ler tudo isso<br />

<strong>para</strong> a periferia? Não é? Então nós começamos a nos exercitar a partir <strong>dos</strong> jogos, uma coisa<br />

que ficou clara, a criança quando pega uma boneca ela acredita que aquela boneca não é <strong>de</strong><br />

plástico, não é <strong>de</strong> pano, mas que ela é <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>, ela não vai joga nunca a boneca no chão,<br />

ela vai cuidar, mas como também o cavalinho <strong>de</strong> pau, vai montar e vai acreditar que é um<br />

cavalo, entretanto se aquele cabo <strong>de</strong> vassoura relinchar a pessoa vai ficar assustadíssima,<br />

como se a boneca chorar no colo ela vai se assustar, não é muito difícil fazer essa ponte, fazer<br />

o adolescente acreditar nisso, claro que a gente não vai falar em “fast cênica”, ele vai pirar,<br />

mas que precisava acreditar, e essa distinção do até on<strong>de</strong> era pra acreditar eu acho que eles<br />

naturalmente conseguiam perceber, tanto que quando terminava os exercícios, terminou.Por<br />

isso foi fácil fazer laboratório.<br />

O espetáculo que nós montamos, já vou falar do nome, o espetáculo que nós<br />

montamos era um espetáculo que era visceral, não era uma coisa ou falada ou simplesmente<br />

estilizada, era verda<strong>de</strong> interior mesmo, os movimentos eram os mais orgânicos possíveis e<br />

<strong>de</strong>pois trabalha<strong>dos</strong>. Naquele primeiro momento, isso há trinta e oito anos atrás, o nome que<br />

nós <strong>de</strong>mos foi muito ingênuo, né, ingênuo naquele momento, hoje eu fico pensando “como que<br />

isso aconteceu?! Por que que isso aconteceu?!”, era “Ver<strong>de</strong>, Amarelo, Vermelho: Poluição”,<br />

então nós trabalhamos isto que hoje, naquele momento o que nós fizemos na escola não era<br />

assunto da mídia, aliás a mídia era paupérrima, mas não se discutia muito questão da poluição,<br />

uma coisa era visível que nós, a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo por vários momentos esteve a beira <strong>de</strong><br />

epi<strong>de</strong>mias mesmo, <strong>de</strong>... qual a doença naquele momento? Foi muito sério, que atinge o<br />

encéfalo, meningite, houve invernos <strong>de</strong>, fora o clima nebuloso do inverno, mas as almas das<br />

pessoas, a alma da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo estava nebulosa, porque eram coisas que a gente<br />

tinha que discutir <strong>de</strong>ntro da escola, às vezes tinha que suspen<strong>de</strong>r as aulas porque o nível <strong>de</strong><br />

contaminação estava muito alto, com muitos óbitos, e isso se suce<strong>de</strong>u alguns anos a finco.<br />

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Então nessa coisa <strong>dos</strong> aglomera<strong>dos</strong> humanos, os nossos aglomera<strong>dos</strong>, da nossa<br />

cida<strong>de</strong> foi o tema central que nós trabalhamos com os <strong>de</strong>safios, a nossa falta <strong>de</strong> olhar, a nossa<br />

inconsciência, né, então a comissão vinha, tinha uma cena muito interessante, mas que era <strong>de</strong><br />

gozação, que era a cena da vacina aparecia, e também não usavam nada, não tinha ciringa,<br />

entrava um menino ator dizendo “- Vacina! Vacina! Vacina!” e então vacina um, vacinava o<br />

outro, quebramos a pare<strong>de</strong>, quer dizer, eram cenas que aconteciam no meio da platéia,<br />

usávamos a platéia, enten<strong>de</strong>u? E acho que isso também, o fato da gente quebrar a quarta<br />

pare<strong>de</strong> e invadir a platéia, que não tinha novida<strong>de</strong>, o <strong>teatro</strong> do José Celso, o Oficina já tinha<br />

feito isso, não tinha novida<strong>de</strong>, a forma como nós fizemos, enquanto uns faziam <strong>para</strong> chocar,<br />

nós fazíamos <strong>para</strong> continuar quebrando a pare<strong>de</strong>, inclusive as divisões que nos se<strong>para</strong>m,<br />

tentar romper as epi<strong>de</strong>rmes, e isso se conseguia.<br />

Era uma coisa muito impressionante ver aquela moçada, aqueles adolescentes <strong>de</strong> 13,<br />

14 e 15 anos como eles conseguiam penetrar, conseguiam não per<strong>de</strong>r o rumo, iam direitinho<br />

on<strong>de</strong> precisavam, tem algumas fotos disso, <strong>de</strong>pois a gente po<strong>de</strong> compartilhar.<br />

Então “Ver<strong>de</strong>, Vermelho: Poluição”, ai no final do ano quando aconteceu aquele<br />

inci<strong>de</strong>nte, que nós citamos, mudou a direção da escola e nos <strong>de</strong>ram uma brecada, eu perdi as<br />

aulas, é obvio né? Mas dai tivemos apoio <strong>dos</strong> pais <strong>dos</strong> alunos, <strong>de</strong> outros colegas, fui dar aula<br />

ainda na região e logo em seguida nós fomos <strong>para</strong> uma escola <strong>de</strong> dança, o Marina Aguiar e<br />

continuamos com o mesmo trabalho, aprofundamos aquele trabalho, até porque não se<br />

esgotava, e ai nós mudamos o nome do espetáculo, até porque na minha santa ingenuida<strong>de</strong>,<br />

mas também com um pouco <strong>de</strong> malícia né, nós <strong>de</strong>mos um nome em latim, o nome era “De<br />

iurium machinarium”, o direito das máquinas, pensando também que nós íamos ficar livres da<br />

censura, mas também como alguma coisa que incomodava as pessoas ao ouvirem “- De iurium<br />

machinarium o que significa isso?”, hoje é moda, os nomes, né? Naquele momento não, isso<br />

foi uma forma <strong>de</strong> burlar mas <strong>de</strong> intrigar também, e ai o “Ver<strong>de</strong>, Vermelho...” passou a ser o “De<br />

iurium machinarium” o direito das máquinas, essas alturasnós já estávamos incluindo rock<br />

progressivo na trilha sonora <strong>para</strong> mexer muito mais, eles também já estavam mais maduros, já<br />

não eram tão adolescentes, já discutiam mais, bem, foi aquilo.<br />

EV: E o grupo <strong>de</strong>ntro da escola e saindo da escola ele tinha um nome? Ele manteve<br />

esse nome?<br />

TM: É <strong>de</strong>ntro da escola... eu não me lembro como...Não, tinha! Tinha sim! É...O nome<br />

que nós <strong>de</strong>mos...”gente, vamos batizar o grupo, né?!”. E aí, por culpa minha, acredito, eles<br />

também gostavam <strong>de</strong>ssas idéias né?!. Então nós nos <strong>de</strong>nominamos Corifeus Apocalípticos. O<br />

nome <strong>de</strong> on<strong>de</strong> surge o (?). E..eu não sei...pra mim naquele momento nós estávamos na beira<br />

do apocalipse que a gente tá vivenciando. Corifeus Apocalípticos, era esse o nome.<br />

Inconscientemente é como se eu também estivesse pensando nisso, é como se nós<br />

estivéssemos anunciando realmente o momento que se prenunciava. Se prenunciava nas<br />

epi<strong>de</strong>mias que aconteciam lá, se anunciava também numa incipiente poluição, numa<br />

<strong>de</strong>gradação – a poluição é o <strong>de</strong> menos- na <strong>de</strong>gradação do meio. Mas uma coisa também que<br />

nós insistíamos muito a <strong>de</strong>gradação das relações. É.. era um espetáculo que se tocava nas<br />

pessoas, o tempo inteiro se chamava atenção <strong>para</strong> isso como nós estávamos, o das máquinas<br />

<strong>de</strong>pois, nos enclausurando. Tinha uma cena muito bonita inicialmente nós...Eles to<strong>dos</strong> <strong>de</strong><br />

malhas brancas, nós projetávamos uma cena <strong>de</strong> canto, era uma coisa muito impressionante o<br />

que a moçadinha fazia porque assim, escurecia tudo, mas em 10 seg, sem marcação eles<br />

formavam,e olha que eram quase 40 né?! Eles formavam um paredão certinho, <strong>de</strong> tal forma<br />

que to<strong>dos</strong> os corpos formavam uma tela, uma tela <strong>de</strong> projeção. Então começava a música Luar<br />

do Sertão, pica<strong>de</strong>iro da paixão, uma música muito interessante que o Dalvas Friste, Dalvas<br />

Friste fez colocando cantos <strong>de</strong> passinhos, sabiá e tudo. Então tinha duas coisas: a natureza e<br />

talvez, nostalgia, mas não é nostalgia, não tem nada <strong>de</strong> nostalgia é importante você ver a lua e<br />

não ver a lua, não ver a natureza, a gente tá vendo o preço disso agora chamar atenção pra<br />

isso. Então abria-se, na época – imagina...hoje a gente faria isso com os pés nas costas – na<br />

época eu tive que abrir um financiamento <strong>de</strong> um projetor <strong>de</strong> sli<strong>de</strong>s da Kodak, o mo<strong>de</strong>lo mais<br />

avançado que tinha e consegui fazer porque tinha um amigo que trabalhava na fotótica e que<br />

facilitou tudo e eu fui pagando o diabo do projetor, mas que tinha uma lente muito boa, era<br />

medida exatamente no corpo <strong>de</strong>les. Aí abri assim a projeção <strong>de</strong> sli<strong>de</strong>s no corpo <strong>de</strong>les, e<br />

ninguém, juro que ninguém <strong>de</strong>ve na platéia percebia que eram corpos. Então projetava...o<br />

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pessoal ficava...enfim...Aí quando ia chegando no auge disso e havendo distorções eles<br />

começavam a se mexer aí que as pessoas se incomodavam e viam. Eles iam <strong>de</strong>smanchando e<br />

já dava início ao que a gente chamava <strong>de</strong> <strong>de</strong>spertar e por aí a fora... Eles faziam muito bem.<br />

EV: Essas apresentações chegaram a fazer parte <strong>de</strong> festivais?<br />

TM: Chegaram, chegaram...Saindo da zona leste, em muito pouco tempo em dois anos<br />

a gente estava participando <strong>de</strong> festivais, né?!. Havia um festival no ABC, em São Caetano, no<br />

Tijuco Sul, Festival <strong>de</strong> Teatro Amador, neste ano que nós participamos, claro ali estavam as<br />

feras do <strong>teatro</strong> amador, o Portela com seu grupo Santo André...não sei quem, não sei on<strong>de</strong>...é<br />

que nós não conhecíamos. Então bando tinha gente que já tava assim <strong>de</strong>z, quinze anos <strong>de</strong><br />

<strong>teatro</strong> e uma rapaziadinha que tava começando, engatinhando. Naquele ano o De iurium<br />

machinarium recebeu o prêmio <strong>de</strong> espetáculo revelação, melhor equipe por conta <strong>de</strong>ssas<br />

doi<strong>de</strong>ras que fazíamos, <strong>de</strong>pois também a gran<strong>de</strong> parte do...acho que tanto das meninas quanto<br />

<strong>dos</strong> meninos, quase uma parte os maiores, entraram nas listas <strong>dos</strong> atores revelação. Depois<br />

disto... na sequência nós participamos <strong>de</strong> outro festi... tinha um antigo festival na COTARESP,<br />

que era uma briga <strong>de</strong> foice, e eu me lembro que esse festival e eu me lembro que o final<br />

<strong>de</strong>sse...Agora acho que eu to misturando um pouquinho épocas. Mas <strong>de</strong> qualquer forma, numa<br />

sequência logo à frente, acho que não era mais essa formação, o próprio festival da<br />

COTARESP...não, foi com essa formação. Esse espetáculo do De iurium machinarium ele<br />

quando foi novamente - o ver<strong>de</strong>, vermelho foi premiado – o De iurium machinarium ele vai<br />

então... num mês ele recebeu to<strong>dos</strong> esses comentários elogiosos do júri e talz e logo em<br />

seguida no Festival da COTAESP ele foi massacrado, foi arrasado, porque o Ulisses Cruz tava<br />

<strong>de</strong>cidindo o júri, teve uma atução, eu não estava lá, mas teve uma atuação que não foi a mais<br />

isenta. Ele disse “que era um espetáculo datado, que essa abordagem já tinha sido<br />

experimentada”. Então é muito estranho que um júri...mas isso acontece hoje ainda...um grupo<br />

<strong>de</strong> pessoas que eram sérias fazem essa abordagem e induzem outro grupo <strong>de</strong> pessoas a<br />

fazerem aquilo, mas nós sabíamos o que estávamos fazendo...Eu acho esse exemplo chato,<br />

então foi assim, mas não nos abalou. Então esse foi o início da participação em festivais né?!<br />

EV: E, assim, quais as maiores dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> fazer o <strong>teatro</strong> quando tinha censura<br />

militar e a repressão?<br />

TM: É...eu diria que não era só fazer o <strong>teatro</strong>, era tudo, qualquer ação, até você andar,<br />

ir a uma livraria comprar um livro era uma coisa que tinha que ser pensada. E quando se tem<br />

que pensar muito naquele assunto você começa a colocar limites, você começa a <strong>de</strong>finir. Isso<br />

acontecia também no <strong>teatro</strong>, às vezes a gente tava assim improvisando, tinham idéias<br />

maravilhosas, tinha que avaliar como é que aquilo ia ser visto pelos outros. Quando nós<br />

fizemos o De iurium machinarium, quer dizer quando passou <strong>de</strong> Ver<strong>de</strong>, Vermelho-aquela<br />

primeira etapa lá na escola também foi examinada pela censura, nós fazíamos questão, mas<br />

eles não conseguiam enten<strong>de</strong>r, esse negócio <strong>de</strong> poluição era muito...muito distante do pensar<br />

<strong>de</strong>les, era muito...não tinha conotação política, não tinha relação com “a vida” eles não<br />

conseguiam pensar, o problema era quando eles faziam uma relação com o mundo mesmo aí<br />

fora. Quando nós passamos, reformulamos e passamos o De iurium machinarium, ele<br />

amadureceu, ganhou...ganhou...mais <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> né?! E o censor quando esteve, eu me lembro<br />

que foi o Dr. Dráuzio, que era o censor no momento. O Dráuzio... To<strong>dos</strong> eles eram advoga<strong>dos</strong>,<br />

os censores ou eram advoga<strong>dos</strong>, filósofa, comunicólogos, pegaram o pessoal da nossa área. E<br />

eu me lembro que o Dr. Dráuzio acabou sendo o chefe do setor <strong>de</strong> censura <strong>de</strong> São Paulo, mas<br />

em que pesa o fato <strong>de</strong>le ter que cumprir o papel <strong>de</strong>le, ele era uma pessoa, eu gostaria <strong>de</strong> frizar<br />

muito isto- pela experiência que nós tivemos- ele era uma pessoa muito consciente. Então<br />

quando nós fizemos a...o De iurium machinarium foi...o espetáculo seguinte se chamou<br />

Deféritus ET Murus- fiquei insistindo no diabo do latim, peguei a história das fábulas e o<br />

Deferitus ET Murus é sobre gatos e ratos, o latim camuflou o que significa isso. E foi um<br />

espetáculo muito mais contun<strong>de</strong>nte falava um pouco da repressão, não era da repressão, era a<br />

repressão com a família, tinham cenas familiares, sem uma palavra e optamos pela palavra<br />

porque o gestual você podia dizer “não você tá vendo assim”, quando você fala é isso, a gente<br />

po<strong>de</strong> argumentar “não, você tá enten<strong>de</strong>ndo assim”, mas fica mais difícil. Mas quanto ao gestual<br />

há sempre um...assim vamos dizer linhas <strong>de</strong> escape. Então o De iurium machinarium ele era<br />

95% sem palavras, tinham os sons <strong>de</strong> uma trilha sonora que conduziam e o corpo, corpo,<br />

71


corpo, corpo. Então quando houve a censura. Você chegou a pegar censura nos seus<br />

espetáculos?<br />

Entrevistadora Paula: Os que eu analiso do projeto do ABC?<br />

TM: Os que você fez.<br />

EP: Dos processos da memória que eu trabalho sim.<br />

TM: Dos processos é claro, mas e do <strong>teatro</strong>, você chegou a... ou chegou a ver?<br />

EP: Não...<br />

TM: Gente, era uma coisa muito impressionante. Então você tinha que... ensaiou,<br />

ensaiou, ensaiou; “- Tá pronto o espetáculo?” Então tá e eles marcam...eles tinham que assistir<br />

a portas fechadas pra fazer a avaliação <strong>de</strong>le, saber se podia ser exibido ou não, então aí a<br />

gente chegava ao grau máximo <strong>de</strong> tensão. Porque o olhar <strong>de</strong> um cara, às vezes vinham dois,<br />

às vezes três, mas o olhar daquelas pessoas ali à portas fechadas podiam dizer “olha”... Então<br />

houve um espetáculo nosso que eles queriam que a gente cortasse isso cortasse aquilo, isso<br />

mais pra frente. Mas naquele momento como tinha essa dubieda<strong>de</strong> no gestual, no final Dr.<br />

Dráuzio.... Ah e naquele momento que foi uma fase, um momento que o grupo compartilhou<br />

comigo, eu tinha perdido meu irmão...ele se suicidou e tinha algo haver com a coisa da<br />

repressão. Então foi algo bem... eu <strong>de</strong>diquei o espetáculo ao meu irmão e o Dr. Dráuzio no final<br />

sentou-se comigo e disse assim “- O que significa esse nome?” Aí eu comecei “- Ah... é... ah...<br />

Dr. Dráuzio é...Quer dizer...” “- Não faz mal, eu vi que você <strong>de</strong>dicou aquilo, o espetáculo, ao<br />

seu irmão <strong>de</strong>ve ter algum motivo especial, olha que legal, <strong>de</strong>ve ter algum motivo, não vamos<br />

alongar isso. Eu vou liberar o espetáculo” Olha... uma pessoa dizer eu vou liberar, podia não<br />

liberar “- Mas eu vou pedir uma cumplicida<strong>de</strong> sua, você não fale, não abra o jogo – ou seja – o<br />

que está aí – ele disse – é bonito, mas não abra o jogo, não diga que você está falando disso,<br />

disto ou daquilo, não abra o jogo” Aí liberou, ainda mais, censura livre, podia ter botado<br />

censura <strong>de</strong>zesseis anos, pra <strong>teatro</strong> amador quatorze anos já <strong>de</strong>rrubava, você imagina que eles<br />

colocavam <strong>de</strong>zesseis, <strong>de</strong>zoito anos pra <strong>teatro</strong> amador. Um pouco isso.<br />

EV: O grupo acabou sofrendo uma censura direta, uma intervenção? Ou em outros<br />

espetáculos sofreu uma intervenção direta?<br />

TM: Eu... ah... não... porque o tempo inteiro, pelo menos a gente na nossa trajetória<br />

toda, porque <strong>de</strong>pois, dois ou três momentos, houve mudanças, pessoas que se <strong>de</strong>sligaram das<br />

coisas, nessa nossa trajetória nunca tivemos cortes, proibições, até porque nós fomos<br />

apren<strong>de</strong>ndo a lidar. Alguns até po<strong>de</strong>riam dizer, como foi o caso tanto do De iurium, quanto do<br />

Ver<strong>de</strong>, Vermelho... alguém po<strong>de</strong>ria dizer “- Ah, mas isso é um espetáculo burguês, um<br />

espetáculo inconsciente”. Pra se ter uma idéia, aquilo que nós trabalhamos inconscientemente<br />

naquele momento é o tema que nos assola, que nos preocupa no momento. Tá vendo hoje a<br />

cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, reunião do grupo <strong>dos</strong> quarenta, quarenta prefeitos das quarenta maiores<br />

cida<strong>de</strong>s do mundo estão reuni<strong>dos</strong> aqui e... buscando... aqui exatamente on<strong>de</strong> nós fizemos<br />

essas discussões trinta e oito anos atrás, estão discutindo esta situação. Não é pra falar “- \o<br />

céu é mais azul aqui”, Não! Como nós vamos fazer pra acabar, o que que nós vamos fazer pra<br />

acabar os gases poluentes. Vai implantar mais árvores, mais isso, mais aquilo, plantaram no<br />

Ibirapuera. Então isso... não tivemos, porque mesmo tratando <strong>de</strong> assuntos que diretamente a<br />

vida, nós encontramos os caminhos pra fazer isso o mais artisticamente possível. Eu acredito<br />

que nós fizemos um <strong>teatro</strong> com um discurso. Quer dizer alguns anos <strong>de</strong>pois, década <strong>de</strong> 80, aí<br />

começam se intensificar os <strong>grupos</strong> liga<strong>dos</strong> a sindicatos, os nomes já dá pra ver: Grupo Forja,<br />

Grupo Usina, Coletivo não sei das quantas. E que nós chamávamos, talvez até com um pouco<br />

<strong>de</strong> preconceito, eram os <strong>grupos</strong> <strong>dos</strong> caixotes <strong>de</strong> maçã, caixotes <strong>de</strong> laranja e punhos cerra<strong>dos</strong>,<br />

porque o importante <strong>para</strong> eles era o texto, era o discurso, então o texto tá ali, e o restante:<br />

cenário, figurino, iluminação, a<strong>de</strong>reço nada disso era importante. Só colocava, literalmente, os<br />

caixotes e em vez <strong>de</strong> você ter uma interpretação, uma corporalida<strong>de</strong>, você falava o texto e<br />

falava o texto, tinha horas que tinha que dar força àquilo então a força não era orgânica, não<br />

era do corpo, mas era do gesto que você tinha que dizer que aquilo que era o caminho. Nem<br />

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sei <strong>de</strong> on<strong>de</strong> isso apareceu... Mas foi um momento, um <strong>dos</strong> momentos do <strong>teatro</strong> amador<br />

também.<br />

EP: O Senhor disse que foram três momentos, então teve a primeira mudança da<br />

escola...<br />

TM: Aí fomos pro <strong>teatro</strong>, pro espaço Marina Aguiar, esse período durou cinco anos,<br />

essa passagem houve muita... muitas... muitas dores, mas estávamos ali juntos. O momento...<br />

agora não lembro...acho que <strong>de</strong> 1977 que as discussões políticas se intensificaram muito. Aí<br />

tinha o jornal em tempo...e também a socieda<strong>de</strong> começa a se polarizar aí começa a...começase<br />

a pensar em distensão e abertura, aí os parti<strong>dos</strong> políticos com a promessa também a<br />

querer, querer não...começam a se organizar. E o pessoal, uma parte <strong>dos</strong> adolescentes eles<br />

transformaram-se em jovens e foram pras Universida<strong>de</strong>s então houve um grupo <strong>de</strong>les que foi<br />

pra Geografia, na <strong>USP</strong> e pra escola <strong>de</strong> Sociologia e Política, na General Jardim. Então a<br />

Geografia, História e Geografia na <strong>USP</strong> era como que uma gran<strong>de</strong> célula <strong>de</strong> discussão, <strong>de</strong><br />

discordância, <strong>de</strong> politização. Então facialmente, e aqui na sociologia nem preciso falar né?!<br />

Então as pessoas foram, eles foram e começaram a trazer idéias, outras idéias <strong>para</strong> <strong>de</strong>ntro do<br />

projeto e <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um grupo gran<strong>de</strong>, nem todas as idéias partiam, até porque as idéias, elas<br />

eram...elas eram...muito vamos dizer... politiza<strong>dos</strong> nós já éramos, mas elas tinham um foco<br />

político muito <strong>de</strong>finido, então causou <strong>de</strong>sajustes e o caminho que encontramos é: bom a gente<br />

continua fazendo esse tipo <strong>de</strong> trabalho, e penso que as pessoas que querem fazer um trabalho<br />

mais politizado <strong>de</strong>vem buscar um outro caminho. E assim alguns foram, seguiram seus<br />

caminhos, nós continuamos na Marina Aguiar. É... na Maguiar nós já <strong>de</strong>mos o nome que temos<br />

hoje...quase o que temos hoje, nós passamos a ser Abaçaí Núcleo Experimental e não<br />

<strong>de</strong>morou muito pra gente perceber que não precisava ter experimental, experimental tava em<br />

to<strong>dos</strong> os cantos, então que o mais importante, nós estávamos abertos pra contemplar aquilo<br />

que pretendíamos ver, daí virou Cultura e Arte. Eu acho muito importante, há tanto tempo atrás,<br />

nós percebermos esse <strong>para</strong>lelismo que às vezes, ainda hoje se confun<strong>de</strong>, você falou em<br />

cultura e quando fala em cultura é arte, você sai fora disso, então nós <strong>de</strong>ixamos claro no nosso<br />

nome, Cultura e Arte, ali nós fazíamos <strong>teatro</strong>, nossa linguagem era aquela. Intensificamos os<br />

trabalhos, ampliamos pra outras linguagens, pra música e pra dança e aí já vieram o<br />

Revelando e muitas coisas mais. Tinha uma produção artística né?! O momento seguinte, o<br />

segundo momento <strong>de</strong> mudança ele foi mais suave, eu agora, sinceramente nesse momento<br />

aqui eu não sabia precisar, mas não foi algo que teve que marcar assim uma guinada, algo<br />

muito forte...Talvez estivesse embutida essa coisa da nossa maior consciência. Eu queria, eu<br />

queria soltar uma informação. Nesse período entre o Corifeus Apocalípticos, com toda aquela<br />

energia pulsante que o pessoal tinha, ah sim...<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Corifeus Apocalípticos como nós<br />

fomos lá pra Marina Aguiar né?! Nós...era muito complicado o Corifeus Apocalípticos, nós<br />

queríamos colocar um nome mais saudável então nós escolhemos TRAMA. Tinha uma fachada<br />

que era Teatro Amador Marina Aguiar, mas também tinha todo o estofo semântico <strong>de</strong> trama, <strong>de</strong><br />

tramar mesmo <strong>de</strong> você excluir, isso pra nós era consciente. Então quando perguntava o nome,<br />

o que a sigla significava Teatro Amador Marina Aguiar, mas nós internamente trabalhávamos<br />

introjetamos isso. Isso foi anterior ao... ao... ao Abaçaí Núcleo <strong>de</strong> Arte Experimental. O certo é<br />

que nós resolvemos fazer, uns dois ou três anos <strong>de</strong>pois do Abaçaí, nós resolvemos mudar <strong>de</strong><br />

estatuto, fazer uma reforma né?! E o Geraldo Vandré tinha voltado do exílio, e ele morava aqui<br />

perto do...da Martins Fontes... e ele voltou e... ele voltou como uma aura <strong>de</strong> perseguido, <strong>de</strong><br />

estar <strong>de</strong>sprotegido e tudo mais, mas uma pessoa do grupo naquele momento ela...eu me<br />

lembrei qual foi a mudança do grupo, uma pessoa do grupo foi procurar o Vandré, porque<br />

vocês estão voltando, os exila<strong>dos</strong>, em seguida voltou o Zé Celso e todo mundo foi lá, mas<br />

Geraldo Vandré e a Tin foi, encontrou o Geraldo Vandré e começou a conversar, é lógico, uma<br />

menina loirinha etc e tal e foi conhecer o Vandré na casa <strong>de</strong>le. Então lá, ela dizia que no<br />

apartamento do Vandré tinham processos e processos, pilhas <strong>de</strong> processos, ele estava<br />

advogando, mas pra todo mundo parecia aquela pessoa “ohh”, <strong>de</strong>sprotegida. Tinha também<br />

uma mística <strong>de</strong> que ele tinha sido tão torturado que ele estava meio <strong>de</strong>mente, e ele passava<br />

essa idéia. E a Tin conversou... nós íamos fazer uma assembléia lá no Abaçaí e a Tin disse “-<br />

Você como advogado Vandré, você precisa ir!” E o Vandré foi na assembléia do Abaçaí. E foi<br />

muito curioso, o Vandré começou a polarizar comigo, ele percebeu quem era o diretor, então<br />

ele polarizava comigo o tempo todo. Então ele dizia, nós dizíamos, queremos formar uma<br />

associação, associação reflete bem o clima da nossa posição <strong>de</strong> grupo e tudo mais, <strong>de</strong><br />

coletivo, e éramos quase quarenta pessoas, e uma associação que está <strong>de</strong>dicada à arte e tudo<br />

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mais. E ele dizia do outro lado “- Não, vocês tem que formar uma empresa, pagar impostos,<br />

<strong>para</strong> com essa coisa do artista, tem que ficar pensando... forma uma empresa aí, não sei<br />

quanto”. Aí o certo... as palavras do Vandré encontraram eco, nós formamos uma empresa, o<br />

Abaçaí Cultura e Arte só pra apimentar um pouco o papo. Mas aí, a mudança que aconteceu, a<br />

outra, como é que a gente vai dizer... assim reorganizada no interior do grupo foi que nós<br />

<strong>de</strong>cidimos que queríamos fazer <strong>teatro</strong> <strong>de</strong> manhã, <strong>de</strong> tar<strong>de</strong> e <strong>de</strong> noite e como fazer isso era<br />

muito complicado. Aí nós conversamos, conversamos, conversamos; grupo tem isso né?! Pra<br />

<strong>de</strong>cidir a gente conversa e conversa e conversa, mas foi bom. E pra fazer o que nós<br />

queríamos, uma parte do grupo faria os trabalhos <strong>de</strong> manhã, <strong>de</strong> tar<strong>de</strong> e <strong>de</strong> noite, o restante nós<br />

juntávamos todo mundo nos finais <strong>de</strong> semana e continuaríamos fazendo o <strong>teatro</strong> amador como<br />

mandava o risco, to<strong>dos</strong> os riscos. Então fim <strong>de</strong> semana nós estávamos no Marina Aguiar<br />

quarenta, cinquenta pessoas. Durante a semana, manhã, tar<strong>de</strong> e noite nós estávamos oito,<br />

nove pessoas que estávamos arriscando fazer alguma outra coisa e pra isso seis pessoas do<br />

<strong>grupos</strong> fomos morar juntos. No apartamento que eu morava, nós transformamos isso, como eu<br />

posso dizer, uma república? Não... uma mini cooperativa, juntos e pra po<strong>de</strong>rmos levantar o<br />

espetáculo, quer dizer não tínhamos dinheiro, um dava aula, outro fazia outras coisas, mas isso<br />

não garantia o espetáculo, pra prosseguirmos nós criamos – um parentesis naquele momento,<br />

nós ficávamos muito antena<strong>dos</strong> com as experiências alternativas, com as experiências<br />

<strong>para</strong>lelas que aconteciam, então em 1976, começo <strong>de</strong> 1977, 76, 77, no Paraná havia um<br />

pessoal que montava <strong>teatro</strong>, <strong>teatro</strong> amador, e levava o espetáculo nas comunida<strong>de</strong>s e então...e<br />

trocavam o espetáculo por pato do quintal, galinha, ovo, e eles recebiam isso <strong>dos</strong> camponeses<br />

e ajudavam a manter o clube né, então nós falamos “- Que coisa muito interessante!”.<br />

Na outra ponta ficamos sabendo <strong>de</strong> um roteirista que morava em São Bernardo, era do<br />

Jequitinhonha (Vale do Jequitinhonha), e morava em São Paulo, então ele durante um tempo<br />

ele ficava em São Paulo uns cinco ou seis meses, produzia os cordéis, imprimia, montava, dai<br />

ele gastava meses percorrendo cida<strong>de</strong> por cida<strong>de</strong> até chegar na Bahia, então ele ia <strong>de</strong> cida<strong>de</strong><br />

em cida<strong>de</strong>, cantando e ven<strong>de</strong>ndo os cordéis. Hoje os caras fazem isso facilmente por ai,<br />

naquele momento não. E ele sobrevivia assim, sobrevivia na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, olha que<br />

piada!<br />

Então nós dissemos “- Então vamos montar um espetáculo e levar <strong>para</strong> a periferia <strong>de</strong><br />

São Paulo”, mas não na periferia ai não, na periferia da periferia. Ai montamos dois<br />

espetáculos, um <strong>de</strong>les <strong>de</strong>u trabalho com a censura, porque tinha a ver com o sétimos<br />

centenário, o sétimo centenário foi em 1972, então sete anos <strong>de</strong>pois, cinco anos <strong>de</strong>pois, seis<br />

anos <strong>de</strong>pois nós estávamos montando o espetáculo “O jogo da in<strong>de</strong>pendência” da Inês <strong>de</strong><br />

Almeida, que é um texto todo celebrativo, celebrando o sétimos centenário da in<strong>de</strong>pendência<br />

do Brasil e a gente questionando essa coisa da in<strong>de</strong>pendência, então nós montamos,<br />

estraçalhamos, dai no caso foi eu que estraçalhei, <strong>de</strong>pois estraçalhamos mais nas<br />

improvisações e cada um foi colocando as suas coisas né. O texto da Inês <strong>de</strong> Almeida,<br />

reestruturamos em oito momentos contando... abordando oito momentos da nossa trajetória, da<br />

história política e isso dai politicamente era muito complicado.<br />

E na outra ponta nós fizemos... montamos um outro espetáculo da Stela Leonar<strong>dos</strong>,<br />

que era uma tensão entre um artesão que concertava brinque<strong>dos</strong>, o Tio Fábio, e a ganância<br />

imobiliária, eles queriam ven<strong>de</strong>r, gente parece que a gente tá falando <strong>de</strong> coisas <strong>de</strong> hoje né?<br />

Então o empresário lá, o construtor compra a área e então <strong>de</strong>molir e tinha que colocar o Tio<br />

Fábio pra fora, então tem toda uma mobilização <strong>para</strong> que o Tio Fábio não perca a loja. Era<br />

muito simbólico isso também, por per<strong>de</strong>r a geração, per<strong>de</strong>r isso, a possibilida<strong>de</strong> do jogo. E<br />

eram dois espetáculos que a gente fazia, quando terminava o espetáculo tudo dobrava e cabia<br />

no bagageiro <strong>de</strong> uma... <strong>de</strong> uma... Brasília, entretanto quando a gente armava tudo era muito<br />

rico, em qualquer lugar a gente fazia isso, e dai nós fomos <strong>para</strong> Itapecerica da Serra, Taboão,<br />

Embu, não sei on<strong>de</strong>, não sei on<strong>de</strong>, to<strong>dos</strong> aqueles morros a gente conhecia e aplicamos o que<br />

nós tínhamos visto que estava dando certo fora <strong>de</strong> São Paulo.<br />

Então durante a semana, porque tinha que manter a casa com seis ou oito que<br />

moravam e manter, então durante a semana o pessoal visitava a escola, pre<strong>para</strong>va a escola, “-<br />

Ah, vocês fazer o espetáculo aqui?”, o espetáculo <strong>de</strong>ntro da escola, que não era festinha <strong>de</strong><br />

aniversário como se fazia, então durante uma semana os professores recolhiam <strong>dos</strong> alunos o<br />

referente a uma passagem <strong>de</strong> ônibus, três reais, mais ou menos três reais, e na véspera do<br />

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espetáculo <strong>para</strong> não ficar aquela coisa uns po<strong>de</strong>m e outros não po<strong>de</strong>m pagar, “- Olha vocês<br />

que o papai não tem dinheirinho e tudo mais, vocês tragam alguma coisa que vocês tem lá no<br />

quintal, na cerca, na casa <strong>de</strong> vocês” e eles levavam, então, gente é engraçado dizer isso,<br />

houve um período do mês que era tanto ovo galado, ovo <strong>de</strong> galinha, ovo caipira, mas tanto ovo<br />

que a gente não sabia mais o que fazer, porque a imaginação, e é gozado dizer isso, e era<br />

arte, era <strong>teatro</strong>, então a gente fazia bolo, fazia suflê, fazia ovo frito, omelete, fazia, não<br />

comprava margarina, fazia maionese pra passar no pão, e o ovo não acabava. Ai vinha chuchu<br />

da cerca, vinha vegetais <strong>de</strong> hortas da periferia que a gente não tinha... nem imaginava que<br />

aquilo existia, teve momento da gente ter que voltar <strong>para</strong> guardar o cenário e voltar <strong>para</strong> buscar<br />

o que a escola tinha arrecadado, e sempre tinha um dinheirinho que ajudava a pagar a<br />

gasolina, pagar o aluguel, a repor as coisas.<br />

Então essa foi uma experiência que foi feita, foi outro momento pelo o qual a gente<br />

passou, que foi muito interessante durou um período, e <strong>de</strong>pois nós vimos que era muito<br />

interessante mas que a gente tinha que ir em frente.<br />

Nesse período <strong>de</strong> transição ai, que foi como eu disse, um momento também até <strong>de</strong><br />

euforia, os exila<strong>dos</strong> estão voltando, Caetano Veloso tava voltando, Geraldo Vandré tinha<br />

voltado, Zá Celso fazia fila, todo mundo tava aí, nós fizemos o que nós queríamos, com base<br />

nessas experiências... pra montar esses dois espetáculos, em que pesa o fato <strong>de</strong> serem<br />

simples, né, mas eles eram visualmente muito ricos, então nós “- O que nós vamos fazer <strong>para</strong><br />

levantar fun<strong>dos</strong>?”, porque imaginem que tinha PROArte, tinha nada‟, não tinha... a Lei Rouanet<br />

tava ainda <strong>para</strong> ser pensada, né, nem tinha nome ainda, então a... “- O que nós vamos fazer”,<br />

então eu joguei pro pessoal, e nós to<strong>dos</strong> tínhamos lido as noticias, a gente juntava tudo, o cara<br />

fazia as suas impressões e ia ven<strong>de</strong>r e ai nós <strong>de</strong>cidimos fazer um pôster, porque pôster era<br />

uma novida<strong>de</strong>, resolvemos fazer um pôster “- Mas pôster <strong>de</strong> que?” (eu mostro <strong>de</strong>pois o pôster,<br />

eu não sei se po<strong>de</strong> filmar), então naquele momento enquanto começa haver o inicio do<br />

pensamento <strong>de</strong> uma abertura aqui em São Paulo, aqui no Brasil, era o governo Geisel, se não<br />

me engano, no resto da América, especialmente no Chile, na Bolívia, no Uruguai, estava um<br />

acirramento da ditadura militar, então o pessoal fugia <strong>para</strong> o Brasil, e nessas fugas, muitos<br />

músicos, músicos <strong>de</strong> esquina, músicos simples, então nós começamos a conviver, nós<br />

abríamos o Espaço Marina Aguiar <strong>para</strong> vivências, trocas, então tinha um período do fim <strong>de</strong><br />

semana que a gente dançava, dançava “carnavalito‟, eles traziam as músicas <strong>de</strong>les e nós, tinha<br />

sido lançado o, na época uma bolacha (como chama isso?) um long play da Violeta Parra on<strong>de</strong><br />

uma foto muito interessante <strong>de</strong>la tocando charango, então nós <strong>de</strong>cidimos que íamos fazer,<br />

porque o momento, naquele momento tinha show <strong>de</strong> musica latina em vários cantos e as<br />

pessoas precisavam dizer... nós precisávamos dizer que éramos latino-americanos, isso<br />

também era uma outra coisa, quando escolhemos o nome “Abaçaí” era <strong>para</strong> dizer “estamos<br />

volta<strong>dos</strong> pra lá mas <strong>para</strong> cá”.<br />

Ai montamos, fizemos o pôster e nós imprimíamos, ganhávamos papel, tinha um aluno<br />

meu que trabalhava numa gráfica, ele dava papel, nós juntamos tudo o que tínhamos <strong>para</strong><br />

fazer uma tela, uma matriz, que era muito caro, hoje você faz isso brincando com uma<br />

impressora, né, custou caro a beça, as tintas eram carismas, e era uma matriz toda eletrônica,<br />

reticulada, e nós a cada quinze dias nós juntávamos todo mundo <strong>para</strong> imprimir pôsteres (risos),<br />

então nós ficávamos um dia inteiro imprimindo pôster, imprimia, dai um bota pra secar, vai ver<br />

se tá seco, recolhe, enrola, quando chegava sete horas começava a enrolar tudo e pre<strong>para</strong>va<br />

as nossas sacolas <strong>para</strong> ir pra porta <strong>dos</strong> <strong>teatro</strong>s ven<strong>de</strong>r, não o que ven<strong>de</strong> hoje, porque hoje<br />

ven<strong>de</strong> tudo, paçoca e etc e tal, mas ven<strong>de</strong>r alguma coisa que tivesse significação na porta do<br />

<strong>teatro</strong> e do cinema foi o Abaçaí que começou, acho que em 1977, é só ver quando Caetano e<br />

esse pessoal voltou a gente começou a fazer, até porque dava <strong>para</strong> fazer, só que nós fomos<br />

<strong>para</strong> a porta do <strong>teatro</strong>, o pôster tinha dois trechos <strong>de</strong> dois poetas, tinha da própria Violeta Parra<br />

e do Tejada Gomez, mas que eram contun<strong>de</strong>ntes, do Tejada Gomez “Cuándo será ese<br />

cuando, señor fiscal, que la América sea sólo un pilar?” e o da Violeta Parra... não me lembro<br />

mas a gente vai ver ali no pôster né. Gente era... criamos um tão gran<strong>de</strong> que as pessoas<br />

olhavam e todo mundo comprava na porta do... e comprava por dois reais, três reais, voltava<br />

<strong>para</strong> a história lá.<br />

E com isso a gente tinha dinheiro, montamos o espetáculo e fomos embora, eu acho<br />

que vocês perguntaram qual foi o outro momento <strong>de</strong> reviravolta e foi esse, acho que foi um<br />

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momento assim <strong>de</strong> enorme aprendizado <strong>para</strong> nós, né, fomos, já íamos <strong>para</strong> a rua, trabalhos na<br />

rua, animações, intervenções na rua nós já fazíamos, e ai fazia o <strong>teatro</strong> mesmo e na periferia, e<br />

como diria o Clóvis Garcia, nosso querido Clóvis Garcia, nos espaços inusita<strong>dos</strong>, uma vez eu<br />

encontrei com o Clóvis e ele me disse “- Vocês também são os precursores <strong>dos</strong> espaços<br />

inusita<strong>dos</strong>, <strong>teatro</strong> em espaços inusita<strong>dos</strong>”<br />

EV: Se você pu<strong>de</strong>sse fazer um apanhado da sua trajetória, um balanço da sua<br />

trajetória no movimento do <strong>teatro</strong> amador como seria esse balanço?<br />

TM: Do movimento do <strong>teatro</strong> amador?<br />

EV: Isso, sobre a sua trajetória <strong>de</strong>ntro <strong>teatro</strong> amador<br />

TM: Nesse momento, o <strong>teatro</strong> amador <strong>de</strong>s<strong>de</strong> essa fase que vocês estão abordando lá<br />

<strong>dos</strong> imigrantes e tal, o <strong>teatro</strong> amador sempre foi um repositário, não vou dizer <strong>de</strong> revoluções<br />

nem nada, mas da busca da liberda<strong>de</strong>, né, <strong>de</strong> você fazer o que precisa ser feito do jeito que<br />

você acredita que precisa ser feito, sem ficar preocupado em olhar <strong>para</strong> bilheteria, sei isso.<br />

Bom, esse período da década <strong>de</strong> 70, fim da década <strong>de</strong> 60, 70 até 90, o <strong>teatro</strong> amador fez um...<br />

<strong>de</strong>u um salto muito gran<strong>de</strong> no estado <strong>de</strong> São Paulo, no Brasil foi criada a CONFENATA –<br />

Confe<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> Teatro Amador – que estava ligado, digamos assim, era oficial, estava ligado<br />

ao antigo INACEN, era do governo, CONFENATA era do governo, e cada estado, se era uma<br />

confe<strong>de</strong>ração, significa que em cada estado tinha um fe<strong>de</strong>ração, então o governo pegou, fez a<br />

confe<strong>de</strong>ração das fe<strong>de</strong>rações, São Paulo é diferente, São Paulo tinha muitas fe<strong>de</strong>rações, tanto<br />

que São Paulo era o único estado que tinha uma confe<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> amador, que se<br />

chamava COTAESP, então no ABC tinha uma, nossa era no estado inteiro, olha, gente, no<br />

estado inteiro, a gente fala “- Ah, não tem acessibilida<strong>de</strong>...”, naquele momento tinha gente<br />

fazendo <strong>teatro</strong> amador no estado inteiro, tanto que tinha os <strong>grupos</strong> e tinham as fe<strong>de</strong>rações que<br />

se reunião numa confe<strong>de</strong>ração, <strong>teatro</strong> amador, <strong>para</strong> se ter uma idéia houve a antiga, <strong>dos</strong><br />

professores, APEOESP, eles resolveram, isso já entrando na década <strong>de</strong> 80 não sei, eles<br />

resolveram fazer um festival, né, do que estava acontecendo nas escolas, só <strong>de</strong> espetáculos,<br />

só <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> das escolas, foi uma enormida<strong>de</strong>, eles ficaram uma semana lá no<br />

Teatro Oficina mostrando isso, e só na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, na FEPAMA que se chamava,<br />

tinha mais <strong>de</strong> trezentos <strong>grupos</strong> filia<strong>dos</strong>, sabe o que é isso? Mais <strong>de</strong> trezentos <strong>grupos</strong> nomea<strong>dos</strong><br />

e to<strong>dos</strong> eles fazendo suas produções. Nesse exato momento, né, começa a acontecer no seio<br />

do <strong>teatro</strong> amador alguns questionamentos, né, então, tinha o <strong>teatro</strong> amador, mas tinha uma<br />

vertente que eram os <strong>grupos</strong> que vinham aqui da vertente sindicalista, aqueles <strong>grupos</strong> to<strong>dos</strong><br />

que a gente já citou, estavam aqui, então muito do que estava sendo feito aqui as pessoas, não<br />

era digamos assim por questões i<strong>de</strong>ológicas, não, era por uma questão formal, se eu escolhi<br />

fazer <strong>teatro</strong> então eu tenho que fazer <strong>teatro</strong> e aprimorando ao máximo a linguagem teatral, o<br />

discurso vai pra outro lugar, né.<br />

Então tinha essas duas coisas, já tinha esses dois blocos, <strong>de</strong>ixa eu organizar aqui na<br />

minha cabeça, mas aqui <strong>de</strong>ntro também vocês imaginem que era um emaranhado, tinham<br />

<strong>grupos</strong> que tinham uma preocupação bem radical mesmo, artística e radical, mas que não<br />

queria fazer <strong>teatro</strong> nos mol<strong>de</strong>s europeus e tudo, mandacaru, mandacaru, não sei quanto, não<br />

sei quanto, e tinham outro que faziam <strong>teatro</strong>, e não tinha curso <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>, cursos <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>,<br />

então nesse miolo aqui, começa a juntar uma parte do pessoal, começa a haver uma<br />

preocupação, então surge uma CTI, foi chamado <strong>de</strong> “Comissão <strong>de</strong> Teatro In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte”,<br />

então FEPAMA e COTAESP e aqui Comissão <strong>de</strong> Teatro In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, mas o que era o <strong>teatro</strong><br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte? Eles simplesmente queriam mostrar que tinha um grupo, tem uma parte <strong>de</strong>sse<br />

universo que estava fazendo algo com o pezão no chão, né, muitas discussões, nós nos<br />

reuníamos, eu não lembro nem mais direito a direção, tinha uma pessoa que tinha um<br />

sitiozinho mas ali logo, então a gente passava os fim <strong>de</strong> semana senta<strong>dos</strong> embaixo da<br />

jabuticabeira, nos bancos <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e toca discutir, uma vez por mês pelo menos a gente<br />

reunia todo mundo <strong>para</strong> discutir, discutir, discutir e encontrar caminho, então ali era a CTI, ai<br />

<strong>de</strong>scobrimos que nessa vertente aqui tinha uma outra CTI, surgiu uma outra CTI, esta outra<br />

CTI, tinha umas convergências aqui, né, tinha uma aproximação <strong>de</strong>sse pessoal que diziam “-<br />

Nós não somos <strong>teatro</strong> amador, mas nós também não fazemos o teatrão, nós somos<br />

profissionais”, ai começa a embaralhar, esses que saíram daqui não ficavam preocupa<strong>dos</strong> se<br />

eram profissionais ou não “- Fazemos <strong>teatro</strong>”, quer dizer, “- Amamos fazer <strong>teatro</strong>”, ai tem uma<br />

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aproximação aqui, bom no fingir <strong>dos</strong> ovos, essa CTI outra <strong>de</strong>rivou <strong>para</strong> a Cooperativa <strong>de</strong><br />

Teatro, ela nasceu assim, e eu acho que muita gente da Cooperativa não sabe disso, semana<br />

passada veio um diretor aqui e ele se lembrava <strong>de</strong>ssas coisas.<br />

E esses empates surgiram no Teatro Eugênio Kusnet, quando pela primeira vez a<br />

classe teatral, a classe artística começou a se unir <strong>para</strong> discutir as leis <strong>de</strong> incentivo, ai se<br />

percebeu que lá estava muito mais representada os profissionais, os chama<strong>dos</strong> “profissionais<br />

<strong>de</strong> <strong>teatro</strong>” o pessoal do teatrão e tudo, e foi nessas assembléias, nesses encontros que o<br />

pessoal começou a dizer “- Não! Mas aqui também tem a CTI”, o pessoal do <strong>teatro</strong><br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e com o passar do tempo criaram a Cooperativa, eu tenho impressão que aquilo,<br />

aquela lenha, aquele combustível, tanto alimentou a alma do <strong>teatro</strong> amador durante esses<br />

tempos to<strong>dos</strong>, né, elas esvaneceram, na hora que acabou censura, na hora que... surgem as<br />

leis <strong>de</strong> incentivo, os PACs etc e tal, eu sinto o movimento <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> amador hoje muito<br />

enfraquecido, todo mundo ta ali, mas se você perguntar o <strong>teatro</strong> que ele faz ele quer ser ator<br />

da Globo, ele quer fazer alguma outra coisa que não aquilo que ele esteja fazendo. Por outro<br />

lado o que que nós estamos vendo, há uma fronteira também entre o <strong>teatro</strong> profissional e o<br />

<strong>teatro</strong> amador que foi se esgarçando <strong>de</strong> novo, esse encontro que a gente teve aqui foi<br />

exatamente <strong>para</strong> isso, tem uma série <strong>de</strong> <strong>grupos</strong>, quer dizer, agora está voltando a falar <strong>de</strong><br />

<strong>grupos</strong> <strong>grupos</strong>, que estão surgindo, né, então por exemplo, veio aqui um pessoal que veio lá da<br />

Vila Guilherme, eles estão fazendo <strong>teatro</strong>, não têm on<strong>de</strong> cair mortos, tão fazendo <strong>teatro</strong>, mas<br />

por que estão fazendo <strong>teatro</strong>? Porque teve uma oficina, porque teve um cursinho, ai acabou,<br />

eles pegaram gosto e querem fazer <strong>teatro</strong>, um pouco diferente do que acontecia anteriormente<br />

que a gente não sabia porque a gente foi fazer <strong>teatro</strong>, então eles vão sendo um pouco<br />

<strong>de</strong>serda<strong>dos</strong> e ficam esses pequenos <strong>grupos</strong>, que é algo que precisa ser avaliado.<br />

Do <strong>teatro</strong> amador como concebido, eu tenho a impressão que a gente precisa sári<br />

caçando o que sobrou, né, e... tinha uma outra coisa importante <strong>para</strong> colocar. Então, a<br />

censura, os <strong>de</strong>sfios, não ter apoio, não ter nada nos ajudou naquele momento, houve uma fase<br />

também <strong>de</strong>sses <strong>grupos</strong> <strong>de</strong> sindica<strong>dos</strong>, que foi muito estimula<strong>dos</strong> pelo Sindicato <strong>dos</strong> Bancários,<br />

o Celso Frateschi foi o diretor... alguma coisa no Sindicato <strong>dos</strong> Bancário, o sindicato tinha um<br />

grupo <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>, um grupo <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> muito bom <strong>de</strong> bancários que montou “O Evangelho<br />

segundo Zabe<strong>de</strong>u”, já digo, <strong>de</strong>u um branco, dirigido pelo Solfelin(01:21:45)... pelo Silunei<br />

Siqueira, um cara do teatrão dirigindo, ficaram com o Circo <strong>dos</strong> Bancários lá no Ibirapuera, por<br />

um bom tempo com esse espetáculo, mas tinha todo o aporte, eles eram <strong>amadores</strong> mas tinha<br />

toda a estrutura do sindicato por trás, esse Circo <strong>dos</strong> Bancários <strong>de</strong>pois foi aqui pra perto aqui<br />

dá... bom tá tudo diferente, as estações <strong>de</strong> metrô, as avenidas, mas era aqui no começa da<br />

João Alves perto da praça do avião ali, né, então o sindicato manteve num terreno esse circo<br />

durante muito tempo e esse circo tanto servia <strong>de</strong> antena <strong>para</strong> esses <strong>grupos</strong> <strong>de</strong> trabalhadores e<br />

tudo, como também <strong>para</strong> o <strong>teatro</strong> amador, esse circo fez “bloft” também.<br />

Bom, eu tenho a impressão que é um pouco isso.<br />

EV: Na sua carreira teve um momento em que houve a profissionalização? Como que<br />

aconteceu?<br />

TM: Foi. É gozado eu também nunca me preocupei com isso, foi interessante você<br />

puxar isso, porque quando eu perdi as aulas eu virei e disse “- Meu <strong>de</strong>us, o que eu faço agora?<br />

Vou dar aula <strong>de</strong> português” e realmente consegui dar aula <strong>de</strong> português, consegui aula <strong>de</strong><br />

francês, até aula <strong>de</strong> latim porque eu fiz... tinha ainda no final do ginásio tinha uma ou outra<br />

escola que tinha latim, então vagou lá e eu fui dar aula <strong>de</strong> latim.<br />

Entretanto, nos finais <strong>de</strong> semana eu estava lá na periferia com os meus ex-alunos, era<br />

uma galinha choca com um monte <strong>de</strong> pintinhos, essa era a realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois foi <strong>para</strong> a<br />

Aca<strong>de</strong>mia Marina Aguiar, mas eu fui fazendo as duas coisas <strong>para</strong>lelamente.<br />

Outro momento que na zona leste era tão maldita essa coisa da perseguição que as<br />

portas foram se fechando, enten<strong>de</strong>u? Eu não conseguia aulas inclusive em escolas on<strong>de</strong> eu<br />

tinha colegas como diretores e ninguém sabia por que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>scobrimos: uma orientação da<br />

<strong>de</strong>legacia.<br />

77


Mas ai aconteceu um fato inusitado, o trabalho que eu comecei a fazer com a quadra<br />

da escola, trabalho <strong>de</strong> expressão corporal e que foi uma linha, que <strong>de</strong>pois passou a ser uma<br />

linha <strong>de</strong> trabalho mesmo, eu fui convidado a participar <strong>de</strong> um congresso montessoriano,<br />

<strong>de</strong>sculpa, eu fui convidado a dar aula na formação <strong>de</strong> professores montessorianos aqui na<br />

Lapa... Mooca, e na Mooca tinha uma professora que dava aula na formação lá e era<br />

professora do Pueri Domus, era uma escola que... naquela época escola <strong>de</strong> classe alta, então<br />

o Pueri Domus estava numa fase <strong>de</strong> ambigüida<strong>de</strong>, eles não sabiam direito o método que eles<br />

aplicavam, inicialmente era Montessori, mas era Piaget, então essas modas: já era Piaget, já<br />

era não sei quanto. Então eu fui convidado <strong>para</strong> fazer trabalho <strong>de</strong> corpo, o trabalho que eu<br />

fazia <strong>de</strong> graça na periferia eu comecei a ser muito bem pago <strong>para</strong> fazer. Então ali foi um<br />

momento <strong>de</strong>... aprofundar, participar <strong>de</strong> encontros, congressos e tudo mais e aprofundar, não<br />

sei por que mas aquele trabalho, que... saiu <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> laboratório e passou a ser<br />

reconhecido. O Pueri Domus aqui e eles me pagavam passagem a cada quinze dias <strong>para</strong> ir, <strong>de</strong><br />

avião, eu ia <strong>para</strong> o Rio pra fazer a mesma coisa com os professores <strong>de</strong> lá, e eu não entendia<br />

por que.<br />

Ai comecei a dar aulas em aca<strong>de</strong>mias e institutos <strong>de</strong> novo, curso <strong>de</strong> expressão<br />

corporal, o certo é que em um curto espaço <strong>de</strong> tempo, um ano e pouco <strong>de</strong>pois, eu tinha muito<br />

mais do que eu tinha com o meu salário <strong>de</strong> professor, pasmem, piada! Ganhava muito mais, e<br />

quanto mais eu percebia isso, quer dizer, trabalhava menos <strong>para</strong> investir mais, pesquisar mais,<br />

e então houve um momento que, quer dizer, fui dar aula numa universida<strong>de</strong> também <strong>de</strong>sse ...<br />

fazendo esse trabalho <strong>de</strong> dar o curso <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores, expressão corporal e, uma<br />

outra coisa que entrou na vertente, que foi o folclore e a música popular, fui fazer isto, né.<br />

E aconteceu um fato curioso, eu nunca tinha preocupação <strong>de</strong> mostra nenhum<br />

profissionalização, nem <strong>de</strong> corpo, nem <strong>de</strong> cultura popular, se bem que cultura popular eu fui<br />

fazer um curso no museu <strong>de</strong> folclore.Então na escola, no curso <strong>de</strong> educação artística, eu não<br />

lembro como chamava na época, <strong>de</strong> Bragança Paulista, vagou a ca<strong>de</strong>ira, eles estavam lá<br />

<strong>de</strong>sespera<strong>dos</strong>, seis meses sem professor <strong>de</strong> expressão corporal, e eu fui convidado <strong>para</strong> dar<br />

folclore e o diretor... inspetor do MEC foi quem falou pro diretor da escola “- Mas você está nos<br />

dando dor <strong>de</strong> cabeça, você já analisou o currículo do seu professor <strong>de</strong> folclore? De longe ele<br />

está pre<strong>para</strong>do <strong>para</strong> dar as aulas <strong>de</strong> expressão corporal. Apresenta a proposta que eu já vou<br />

autorizar” e ele autorizou.<br />

Então é muito gozado, eu não tinha a formação, não tinha curso <strong>de</strong> dança, <strong>de</strong><br />

educação artística educação física, e fui aprovado <strong>para</strong> fazer isso e fui fazendo. Ao lado disto,<br />

não sei por que cargas d‟água eu fui ao sindicato <strong>dos</strong> artistas e pedir a sindicalização, porque<br />

teve uns negócios ai no meio e naquele momento o sindicato negava, eu podia ser, eu queria<br />

como diretor <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> que era <strong>para</strong> dar algum respaldo pro grupo, e eles disseram que iam me<br />

dar como assistente <strong>de</strong> direção, que era um cargo que não correspondia bem ao que estava<br />

fazendo, e foi também um ator <strong>de</strong> Santo André, que lidava com <strong>teatro</strong> amador e que também<br />

se profissionalizou e que era do sindicato que disse assim “- Vocês estão equivoca<strong>dos</strong>! Vocês<br />

não conhecem o trabalho nem do Toninho Macedo, nem do Abaçaí, nem do não sei o que!”<br />

ele... eu tenho tudo isso guardado, dai mudaram, eu fui sindicalizado como diretor. Então quer<br />

dizer, eu me tornei profissional, se vocês me perguntarem por que eu não sei, como eu<br />

também não sei.<br />

Ai comecei a advogar numa série <strong>de</strong> causas, na coisa do <strong>teatro</strong> <strong>de</strong> bonecos, nós é que<br />

trouxemos <strong>para</strong> <strong>de</strong>ntro do sindicato a profissionalização do <strong>teatro</strong> <strong>de</strong> bonecos, porque a nossa<br />

querida amiga da <strong>USP</strong> ela queria ser sozinha, a Ana Maria do Amaral e nós trouxemos <strong>para</strong><br />

<strong>de</strong>ntro do sindicato as discussões do <strong>teatro</strong> <strong>de</strong> bonecos, que também passava por aquilo que<br />

nós fazíamos, foi mais ou menos assim<br />

EV: E o seu trabalho como diretor cultural começou...<br />

TM: Também não sei te dizer, foi tudo assim, você percebeu que tudo vem, vai se<br />

<strong>de</strong>sdobrando, talvez pra... nós criamos a Abaçaí e Abaçaí passou a ser uma diferença, a nossa<br />

tragetória não tem... não tem calombos, a Roseli (Fígaro) prefere, a Roseli preferia que eu<br />

se<strong>para</strong>sse o momento do Trama como um momento especial e foi um momento especial,<br />

especialíssimo, a minha tragetória é assim mesmo, <strong>de</strong>sconta<strong>dos</strong> os 5 anos, são 33 anos. Eu<br />

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espeito totalmente e acho que a Roseli , por exemplo a Roseli era perfeitamente racional, era<br />

racional, a Roseli era racional, apesar <strong>de</strong> o fato <strong>de</strong> alguns momentos a emoção <strong>de</strong>la vinha à<br />

tona, as lágrimas né?! Mas é uma coisa que a Roseli sempre teve, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o tempo do Sthefan<br />

Svagel, <strong>dos</strong> adolescentes to<strong>dos</strong> a Roseli era aquela que dizia “por que não po<strong>de</strong> ser assim?<br />

Por que que nós não vamos fazer assim?” e vai por aí...então a Roseli advoga isso, que é um<br />

período <strong>de</strong> 5 anos, mas são 38. Não sei porque que eu comecei a fazer lá no Sthefan Svagel,<br />

mas lá <strong>de</strong>ntro eu sei como é que a gente virou profissional, como é que eu fui dar aula <strong>de</strong><br />

dança...é...<strong>de</strong>i aula <strong>de</strong> expressão corporal e <strong>de</strong> folclore num formação <strong>de</strong> professores <strong>de</strong> dança<br />

e <strong>de</strong> educação artística, quer dizer eu fui 10 anos, aju<strong>de</strong>i a levantar o curso <strong>de</strong> dança, sem ter<br />

passado por uma escola <strong>de</strong> dança.É uma piada isso... E então acredito o seguinte: foi...<strong>de</strong><br />

minha parte foi ...eu me <strong>de</strong>brucei sobre aquilo que eu queria, sobre a <strong>de</strong> dança, eu vou ler<br />

muito, vou trabalhar, vou participar <strong>de</strong> workshops, vou ver isso vou ver aquilo e não vou fazer<br />

aquilo que todo mundo tá fazendo. No caso da cultura popular, me <strong>de</strong>u muito mais projeção do<br />

que a arte, daí foi que nasceu o „Revelando SP‟, que está no estado inteiro, já são 15 ano, o<br />

Brasil inteiro reconhece, elogiado... é um projeto-programa respeitável. Então o<br />

reconhecimento...eu preferia dizer assim: houve um reconhecimento que foi acontecendo<br />

passo a passo.<br />

EV: E você vê relações entre as ativida<strong>de</strong>s <strong>dos</strong> <strong>grupos</strong>...<br />

TM: To falando <strong>de</strong>mais, não to?!<br />

EV: Não.<br />

TM: Acho que estiquei muito...Se quiser que encurte fale...<br />

EV: Não...Existe relações entre as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>grupos</strong> <strong>de</strong> cultura tradicional com os<br />

<strong>grupos</strong> <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> amador?<br />

TM: Muito pouco. O que nós vemos é o seguinte: houve momento em que a cultura<br />

tradicional, a cultura popular, o termo cultura popular, ainda mais hoje, ficou muito vago, tanto é<br />

popular o funk, o hip hop, blá blá blá, tudo po<strong>de</strong> ser entendido como popular, quanto as<br />

congadas, os moçambiques, as folias <strong>de</strong> reis, nós optamos, nos últimos anos, ou dizemos<br />

cultura popular tradicional ou simplesmente cultura tradicional. Não tem o menor problema em<br />

dizer folclore também, porque o importante é que o você...o que a gente tá expondo fique bem<br />

claro, mas o mais das vezes a gente usa o cultura tradicional. No Brasil tem... bom...talvez a<br />

gente <strong>de</strong>va recuar. Na década <strong>de</strong> 60 CPC no Rio <strong>de</strong> Janeiro, tinha na cultura popular, cultura<br />

popular era muito claro naquele momento, era cultura tradicional e que tinha uma fonte <strong>de</strong><br />

inspiração, entretanto <strong>de</strong>scaracterizava cultura tradicional, por to<strong>dos</strong> os locos negativos, com<br />

adjetivos to<strong>dos</strong> pejorativos que vocês possam imaginar. Tava muito, ela tava muito, o conceito<br />

muito embutido <strong>de</strong> idéias marxistas, etc e tal, então sobretudo achava que a cultura tradicional<br />

era uma cultura alienada, então folião <strong>de</strong> santo reis era alienado, como ele fazia era uma<br />

alienação, a congada, era uma outra, e vai por aí a fora...entretanto esse universo cultural<br />

conseguia criar um liame muito gran<strong>de</strong> com o povo e o que eles precisavam, fazer arte, fazer<br />

música, escrever pro povo. Então eles iam buscar inspiração na cultura alienada tradicional,<br />

davam um banho <strong>de</strong> conscientização. Isso tá no manifesto, tem um manifesto, se vocês não<br />

tiverem acesso, eu localizo <strong>de</strong>pois pra vocês. Tava no manifesto da UNE e então eles iam-<br />

tinham gran<strong>de</strong>s nomes do <strong>teatro</strong>, Fernando Peixoto, etc tal tal, num certo momento César<br />

Vieira do „União e Olho vivo‟ compartilhou disso, por isso que nasce o „União e Olho Vivo‟, por<br />

isso que „União e Olho Vivo‟ tem uma <strong>de</strong>dicação tão gran<strong>de</strong> ao universo da cultura popular<br />

como fonte <strong>de</strong> inspiração, só que ao contrário <strong>de</strong> o César, o atual autor, ele é um gran<strong>de</strong><br />

dramaturgo, eis a qustão, né?! Procura sempre bons atores, bons músicos, etc e tal. Então<br />

esse fato muito curioso está relatado no livro do Fernando Peixoto, que no Rio <strong>de</strong> Janeiro a<br />

Olho então montou um caminhão, eles iam fazer <strong>teatro</strong> nas ruas, nas praças, e que pesa o fato<br />

<strong>de</strong> que eles tivessem todo o a<strong>para</strong>to <strong>para</strong>...tinha meia dúzia <strong>de</strong> gatos pinga<strong>dos</strong>, ou seja, aquele<br />

filtro, aquele banho <strong>de</strong> intelectualida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> intelectualismo que <strong>de</strong>ram não chegava ao povo, e<br />

acho que é o Fernando que diz isso. Nós começamos a ler os textos lá que houve um momento<br />

que nós estávamos na praça com nossos a<strong>para</strong>tos e meia dúzia <strong>de</strong> gatos pinga<strong>dos</strong>, do outro<br />

lado da praça tinha lá o sanfoneiro, não sei o que, fazendo lá o forró e uma multidão em torno<br />

<strong>de</strong>les, aí nós vimos que tinha algo... Na contrapartida, na contrapartida não, na outra ponta do<br />

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nor<strong>de</strong>ste surge o movimento, com raízes na década <strong>de</strong> 40 MCP, Movimento <strong>de</strong> Cultura<br />

Popular, nesse movimento participavam Altimar Pimentel, Luís Marinho, o Ariano Suassuna, o<br />

meu Deus... Tá aqui... O nosso querido Paulo Freire, que era um movimento muito mais<br />

abrangente, não era um movimento <strong>de</strong> arte, era <strong>de</strong> cultura, movimento <strong>de</strong> cultura popular.<br />

Tanto eles buscavam lidar com a cultura erudita, quanto a cultura tradicional. Respeitavam a<br />

cultura tradicional, o manifesto do Ermilho Borba Filho (Ermilho Borba Filho é um nome que<br />

vocês precisam olhar), o manifesto do Ermilho Borba Filho é muito claro, também tá aqui né?!<br />

Então enquanto aqui no Sul a UNE, o CPC diziam que essa cultura era alienada, do outro lado<br />

diziam: essa cultura tem uma carga histórica muito gran<strong>de</strong>, digna do nosso respeito e enquanto<br />

um dizia “vamos pegar e vamos usar” o outro dizia “nós reverenciamos essa cultura, nos<br />

inclinamos diante <strong>de</strong>la”. Taí Ariano até hoje, <strong>dos</strong> <strong>grupos</strong> que saíram, que <strong>de</strong>rivaram disso. Está<br />

aí todo o trabalho <strong>de</strong> alfabetização do Paulo Freire, que nasceu disso também, tava <strong>de</strong>ntro do<br />

próprio movimento que era um movimento abrangente e se você pega o Paulo Freire, olhando<br />

por aí, há um respeito muito gran<strong>de</strong> pela cultura do povo. Você está buscando oferecer<br />

elementos <strong>para</strong> que a pessoa também, TAMBÉM, não é que mu<strong>de</strong> aquilo ali, também possa<br />

enxergar outras estâncias do viver, tava lá o Paulo Freire.<br />

foi?<br />

Ahn.... Eu fui buscar muito lá atrás a coisa... Bom <strong>de</strong> qualquer forma... A sua pergunta<br />

EV: Existem relações entre as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>grupos</strong> <strong>de</strong> cultura tradicional com os<br />

<strong>grupos</strong> <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> amador?<br />

TM: Então... Em alguns momentos alguns <strong>grupos</strong>, que a gente não po<strong>de</strong> tomar como<br />

uma tônica, mas assim quando o grupo se prontificou a fazer...a falar com a entida<strong>de</strong> maior <strong>de</strong><br />

pessoas, ele foi estimulado, ele pelo menos tinha alguém à frente que tava fazendo experiência<br />

com o CPC e o CPC sempre serviu <strong>de</strong> guião, <strong>de</strong> que a gente precisava saber, precisávamos<br />

enten<strong>de</strong>r as formas <strong>de</strong> fazer <strong>teatro</strong> e arte que o povo usava, como ele fazia e como a gente<br />

falava pra um público maior. Foi muito interessante que a gente fazendo, essa etapa que vocês<br />

estão estudando na <strong>ECA</strong>, do <strong>teatro</strong> das comunida<strong>de</strong>s , como eles também reconheceram isso,<br />

né?! Então tinha sim os componentes das revoluções, etc e tal, mas aquilo tratado <strong>de</strong> tal forma<br />

que a sua cultura, a cultura da comunida<strong>de</strong> acabava sendo o guião. È interessante ver as<br />

experiências das classes laboriosas, fica ali perto ali...a se<strong>de</strong> do clube era perto da praça da<br />

Sé. Então ali era o espaço, tinha o <strong>teatro</strong>, tinha um texto que falava da realida<strong>de</strong> da fábrica e<br />

tudo, mas ao mesmo tempo a cultura <strong>dos</strong> migrantes, <strong>dos</strong> imigrantes e <strong>dos</strong> que foram a<strong>de</strong>rindo<br />

estava ali presente. Então terminava o sarau e já tinha comida, já tinha o baile, as coisas se<br />

interpenetravam. Eram poucos os <strong>grupos</strong>. Nós tivemos gran<strong>de</strong>s autores que sempre<br />

reconheceram esse filão, um <strong>de</strong>les foi Altimar Pimentel, e que o fato <strong>de</strong> ter sido muito amigo do<br />

Altimar, ele é um gran<strong>de</strong> pesquisador <strong>de</strong> cultura popular, mas um GRANDE autor <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>,<br />

tanto que sempre era premiado nos concursos do INACEM, nós montamos, o último texto que<br />

nós montamos “o auto da conquista” é do Altimar Pimentel. Nós tivemos aqui em SP vários<br />

momentos assim e nos últimos...nós estamos vivendo, vivenciando nesses últimos 15 anos, <strong>de</strong><br />

forma especial, os últimos 2 anos, <strong>de</strong> 10 anos atrás, uma febre <strong>de</strong> <strong>grupos</strong> <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> do interior,<br />

os caras que se inspiraram em cultura popular com espetáculos muito bonitos. Por exemplo<br />

“Até on<strong>de</strong> o lugar on<strong>de</strong> o peixe <strong>para</strong>” aqui <strong>de</strong> piracicaba, um grupo <strong>de</strong> lá que montou dois ou<br />

três espetáculos fantásticos. Aqui no litoral vários espetáculos, nós ficamos sabendo, ficamos<br />

sabendo não...partici<strong>para</strong>m do mapa cultural que nós fizemos um grupo <strong>de</strong> sem terra que fez<br />

um espetáculo belíssimo em cima das experiências <strong>de</strong>les, são muitas as experiências que vem<br />

sendo feitas. Eu...é um período ,muito datado, muito <strong>de</strong>limitado, eu não sei como vai...não só<br />

no <strong>teatro</strong>, isso acontece também nas artes plásticas, aconteceu também na dança. O<br />

„Revelando SP‟ teve um papel muito importante nisso, eu digo isso sem falsa modéstia, mas<br />

também sem ficar com pudores né?! Porque muitas das inspirações, muito do que as pessoas<br />

acabavam buscando, eles passavam por uma discussão com o próprio Abaçaí, por conta <strong>de</strong><br />

nós estarmos cuidando do mapa cultural, mas eu sei...resultante <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta, das pessoas,<br />

<strong>dos</strong> atores estarem se <strong>de</strong>scobrindo e perceber que não precisam <strong>de</strong>itar os olhos tão longe pra<br />

<strong>de</strong>scobrir algo que possa servir <strong>de</strong> inspiração pra eles. Não tem nenhuma novida<strong>de</strong> nisso e no<br />

século XiX, os artistas plásticos brasileiros estavam indo pra Paris, pra conviver com Picasso,<br />

etc e tal, e <strong>de</strong>scobriram que o que eles estavam buscando não estava lá na Europa, aos pés<br />

<strong>de</strong>sses gran<strong>de</strong>s ídolos, mas o que eles tinham <strong>de</strong>ixado aqui. Portinari fez o que fez, Tarsila fez<br />

o que fez, não só no Brasil, mas Cuba, México, os muralistas, Torres Garcia no Uruguai. Então<br />

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nós temos momentos <strong>de</strong> pico em que as pessoas se voltam pra sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>pois ...nós<br />

estamos num momento em que, em São Paulo, voltou ao lar, acen<strong>de</strong>u isso...po quanto tempo<br />

não sei.<br />

EV: E pra gente finalizar, você acha que existe algum tipo <strong>de</strong> censura atualmente?<br />

TM: Existe sim...não existe uma censura que nos mete medo. Porque naquele<br />

momento era assim: se eu pisar em falso eu sou preso e se eu for preso, eu não sei o que<br />

po<strong>de</strong> acontecer, que é a história que todo mundo sabe. Mas eu não quero citar, não quero<br />

nomear, mas todas as instituições tem espaços <strong>de</strong> fruição exercem suas censura, todas...todas<br />

tem. Você po<strong>de</strong> pensar no Estado...que não é uma censura, você po<strong>de</strong> dizer assim: a mas não<br />

é uma censura política, censura i<strong>de</strong>ológica; não...às vezes passa simplesmente pelo gosto <strong>de</strong><br />

quem tá sentado atrás da mesa. A diferença que é a gente olha pra cara do fulano e diz assim<br />

“bom eu não faço aqui, faço em outro lugar”. Nós nos <strong>de</strong>mos conta disso quando o Clóvis<br />

Garcia abriu as discussões <strong>de</strong> „<strong>teatro</strong> em espaços inusita<strong>dos</strong>‟, por que que surge? Primeiro por<br />

uma necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ampliar, mas também se você não po<strong>de</strong> fazer daqui, você vai fazer em<br />

outro lugar- caso emblemático do grupo que não conseguiu espaço e foi fazer na olaria<br />

abandonada e foi sucesso. Esse tipo <strong>de</strong> censura também passa financiamento, se você tem<br />

acesso legal, se você não tem...e o ter acesso é algo muito complicado porque uma dica... às<br />

vezes as dicas que <strong>de</strong>veriam ser dadas, são dadas na direção certa, que é o tipo <strong>de</strong><br />

censura...não sei se <strong>de</strong> censura, mas <strong>de</strong> filtro, <strong>de</strong> entrada que nós temos. Mas eu acho que no<br />

momento que nós estamos vivendo, se com<strong>para</strong>do com o que vivenciamos é uma bênção. É<br />

um <strong>de</strong>safio você continuar encontrando mais caminhos pra falar o que você quer dizer, sem<br />

mutilar por <strong>de</strong>mais a forma como você quer fazer.<br />

EV: É isso...Obrigada<br />

TM: Nada.<br />

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Anexo VI – Entrevista Celso Frateschi<br />

Data: 3 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2011<br />

Local: Teatro Ágora<br />

Entrevistadora Luciana: A minha primeira pergunta é como e on<strong>de</strong> foi a sua primeira<br />

experiência no <strong>teatro</strong>?<br />

Celso Frateschi: Bem, a primeira experiência no tetro foi na escola como público.<br />

EL: Público?<br />

CF: É. Na época, década <strong>de</strong> 60, a escola pública era um pouco diferente, eu estudava<br />

em uma escola <strong>de</strong> periferia na época: Anastácio e... existia, eu lembro até hoje, um professor<br />

abrindo a porta e recebendo o que era o presi<strong>de</strong>nte da Comissão Estadual <strong>de</strong> Teatro, e ele<br />

tava fazendo propaganda das peças que fazia temporada em São Paulo, e organizava <strong>grupos</strong>,<br />

chamou o professor <strong>de</strong> literatura, no meu caso era até um professor que não tinha nada haver<br />

com a área <strong>de</strong> humanas, era um professor <strong>de</strong> ciências, que organizava <strong>grupos</strong> <strong>de</strong> estudantes<br />

pra ir assistir à peças, a partir daí gerava <strong>de</strong>bates e tudo mais.<br />

A primeira peça que eu vi foi o meu irmão que me levou foi o Arena conta Zumbi, no...<br />

falsifiquei minha carteirinha <strong>de</strong> estudante pra po<strong>de</strong>r entrar, foi uma experiência inesquecível. Aí<br />

no <strong>teatro</strong> essa experiência foi um pouco assim, nós formamos um grupo <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> na escola, a<br />

professora <strong>de</strong> português, <strong>de</strong> extrema direita, era uma peça horrível, chata pra caramba, mas<br />

era divertido <strong>de</strong> fazer, eu não lembro direito qual era a... o... qual era o tema. Mas em seguida<br />

nós <strong>de</strong>ixamos o professor e montamos uma do Lauro César Muniz, A morte do Imortal, esse<br />

mesmo grupo. No ano seguinte a gente já que organizava os <strong>grupos</strong> <strong>de</strong> estudante, <strong>de</strong> colegas,<br />

pra assistir, ia lá no Oficina, no Arena, nesses lugares pra pedir ingressos mais baratos, e foi<br />

assim que eu entrei em contato com o Teatro. Comecei a fazer <strong>teatro</strong> e <strong>para</strong>lelamente também<br />

política, porque as discussões das peças eram um pouco pra enten<strong>de</strong>r o mundo que a gente<br />

vivia, as peças tinham isso como tema. A gente assistia Zumbi, a gente discutia o Brasil; a<br />

gente assistia Liberda<strong>de</strong>, Édipo Rei, Esperando Godot, eu tive a felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ver lá atrás<br />

ainda, com a Cacilda, com o Walmor, o Paulo, a gente via sempre as peças do Paulo...<br />

Roseli Fígaro: Quem é Paulo?<br />

CF: Paulo Autran...E era assim que gerava muitos <strong>de</strong>bates, as peças do Arena, do<br />

Oficina, também as peças do grupo que a gente fez pra assistir Galileu, Galilei e o <strong>de</strong>bate que<br />

gerou. E essa prática <strong>de</strong> discussão também levou a gente ter uma prática política <strong>de</strong>ntro da<br />

escola, do próprio Grêmio. Construímos o Grêmio naquela escola <strong>de</strong> periferia e começamos a<br />

fazer política. Isso tudo durou, 68 e 69 foram os anos auge, mas em seguida eu fui vítima, eu<br />

era presi<strong>de</strong>nte do Grêmio, fui preso a primeira vez eu tinha 16 pra 17 anos. E... logo isso...fui<br />

expul... na época tinha uma lei chamada <strong>de</strong>creto 47, não sei se você se lembra, que jubilava o<br />

aluno que tinha alguma participação política, você já não podia estudar em escola pública. E eu<br />

fui expulso já no primeiro clássico, então pra po<strong>de</strong>r continuar o estudo <strong>de</strong>pois eu tive que fazer<br />

uma coisa que se chamava Madureza, parecia um supletivo, um EJA, alguma coisa assim. E<br />

foi assim... <strong>de</strong>pois daí foi mais auto-didata do que qualquer outra coisa.<br />

RF: Que escola <strong>de</strong> periferia que você diz que estudou?<br />

CF: Na época, na margem do Tietê, que era o Alexan<strong>de</strong>r Von Humboldt lá na Vila<br />

Anastácio. Tenho gran<strong>de</strong>s memórias <strong>de</strong> lá, me formei muito lá.<br />

EL: E como funcionava esse seu grupo <strong>de</strong>ntro da escola? De on<strong>de</strong> vocês arrecadavam<br />

recursos, vocês tinham encontros periódicos, assim?<br />

CF: Dentro da escola a gente arrecadava recurso... hoje você tem... gozado... eu ainda<br />

trabalho muito com os <strong>grupos</strong> não profissionais e a primeira preocupação sempre são os<br />

recursos pra fazer, a gente nunca pensou nisso. Os recursos, antes <strong>dos</strong> recursos a gente<br />

pensava no que a gente queria fazer, na idéia, e os recursos apareciam a partir <strong>de</strong>ssas<br />

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necessida<strong>de</strong>s. Pra fazer o cenário eram os móveis <strong>de</strong> casa, pra fazer o figurino eram as roupas<br />

do pai, do irmão mais velho, <strong>de</strong> outro; pra arrecadar dinheiro, cada ensaio se <strong>de</strong>positava o<br />

equivalente a um real, cinqüenta centavos. Existia uma preocupação mais em <strong>de</strong>scobrir o que<br />

fazer e o como fazer vinha mais... a partir da formulação da pergunta. Isso é engraçado, isso<br />

não tem mais, às vezes a gente vai em um grupo operário, to trabalhando na CUT agora, um<br />

grupo <strong>de</strong> periferia que eu também trabalho e como é que a gente vai arrecadar dinheiro? Como<br />

é que nós vamos entrar em uma lei? Nunca a gente teve isso, mesmo quando <strong>teatro</strong><br />

profissional a gente não tinha essa preocupação, a gente usava o recurso a partir do momento<br />

que a gente formulava uma pergunta bastante sólida. O que nós estamos querendo fazer? Que<br />

peça nós vamos fazer? Por que nós vamos fazer? Pra quem nós vamos fazer? Em cima disso<br />

a gente construía a maneira <strong>de</strong> levantar esses recursos.<br />

Os locais <strong>de</strong> ensaio... também a gente nunca pedia muita autorização, se conseguisse<br />

uma sala <strong>de</strong> aula pra <strong>de</strong>pois do periodo das aulas e ficasse ensaiando muito bem, se não podia<br />

ia pro pátio, se não ia pra rua, ia pra casa <strong>de</strong> alguém. As barreiras que hoje parecem<br />

intransponíveis, na verda<strong>de</strong> a gente nem consi<strong>de</strong>ra barreira, era uma circunstância, um dado<br />

<strong>de</strong> realida<strong>de</strong>, e que tinha que se lidar com ela, tinha que lidar com essa realida<strong>de</strong>. Isso eu<br />

aprendi e acho que até hoje é assim, porque se for por no papel isso aqui não dava pra existir<br />

não, isso aqui o Ágora não existiria, porque a gente tinha uma coisa clara pra fazer, vou<br />

continuar <strong>de</strong>senvolvendo, você acaba criando respostas pras perguntas. Hoje as empresas,<br />

tem essa impressão às vezes, que a gente tem lá na prateleira <strong>de</strong> casa uma série <strong>de</strong><br />

respostas, sem ter perguntas formuladas antes. Essas respostas existem in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte das<br />

perguntas,e aí elas são completamente inúteis.<br />

EL: Então <strong>de</strong>pois que você saiu da escola, você entrou direto no profissionalismo no<br />

<strong>teatro</strong> ou teve uma passagem por <strong>grupos</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes...<br />

CF: Não... eu tive... quando eu... <strong>de</strong>pois que eu fui jubilado no clássico eu li no jornal<br />

que tava tendo um curso no <strong>teatro</strong> <strong>de</strong> Arena, um curso <strong>de</strong> interpretação dado pela Cecília Tomi,<br />

a esposa do Boal, recém casado, a Heleni Guariba. A Heleni Guariba, se vocês estão<br />

trabalhando essa coisa do Miroel vão ouvir falar muito <strong>de</strong>la, ela foi uma diretora dada por<br />

<strong>de</strong>saparecida, mas ela foi morta pela ditadura. Mas ela trabalhou no Arena, ela fez um curso <strong>de</strong><br />

especialização <strong>de</strong>la todo na Alemanha e na França, com o Berlini com o Prosson do <strong>teatro</strong><br />

popular da França, e <strong>de</strong>senvolveu aqui um grupo que foi muito importante na época, na<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Santo André, ela fez um espetáculo que marcou a vida <strong>de</strong>la pra sempre, mas<br />

em 70, 71 ela já foi dada como <strong>de</strong>saparecida. Elas faziam um curso lá, ela dava Brecht, a<br />

Heleni e a Cecília dava mais noções <strong>de</strong> Stanislávski e é a primeira experiência que eu tive <strong>de</strong><br />

curso. Eu adorei, adorei, a gente ficou um ano trabalhando com muito afinco lá no Arena.<br />

Quando acabou o curso a gente não tinha muito pra on<strong>de</strong> ir, lugar pra ir, e aí eu me lembro que<br />

a gente tinha ouvido falar, o Boal falava muito na época que antes da... <strong>de</strong> 64, da censura<br />

prévia, ele gostaria muito <strong>de</strong> ter construído uma coisa que ele chamava, uma espécie <strong>de</strong> revista<br />

teatral, revista jornal. Mas com a censura prévia, vocês sabem o que é, 30 dias pra análise do<br />

texto e tal, não tinha o menor sentido fazer uma revista com três meses <strong>de</strong> atraso, mas aí a<br />

gente pediu pra ele “- E se a gente pesquisar o que seria isso um pouquinho o que seria isso”.<br />

E ele liberou o Areninha, que era uma sala em cima do Arena, uma sala com cinqüenta,<br />

sessenta lugares e eu a Denise Del Vecchio, Eduardo Santana, a... <strong>dos</strong> vinte e tantos do<br />

<strong>grupos</strong>, mergulhamos naquela salinha lá e começamos a procurar o que seria a teatralização<br />

<strong>de</strong> notícias <strong>de</strong> jornal. E a gente começou a fazer espetáculos fecha<strong>dos</strong>, a gente convidava os<br />

amigos que iam chegando e a cada semana, a cada quinze dias a gente fazia um jornal novo.<br />

Na época a censura não era só ao <strong>teatro</strong>, era muito rígida com jornais, o Estadão teve aquela<br />

saída fantástica, apesar do Estadão ter apoiado o golpe, talvez menos que a Folha, a Folha<br />

apoiou mesmo, a Folha era <strong>dos</strong> militares. Meu pai negociou a saída do meu irmão na sala <strong>de</strong><br />

reunião da redação da Folha da tar<strong>de</strong>, eles eram completamente alinha<strong>dos</strong> com a ditadura, por<br />

mais que pousem <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratas até hoje.<br />

R: Só pose né?! Enten<strong>de</strong> bem...<br />

CF: É...então já tinha as notícias <strong>de</strong> bolo, as receitas <strong>de</strong> bolo no Jornal da Tar<strong>de</strong> e no<br />

Estadão era trechos <strong>de</strong> Camões, “Os Lusíadas”. Então o jornal era muito restrito, a gente<br />

tentava pegar a notícia e revê-la, retrabalhá-la <strong>de</strong> uma outra maneira que o jornal apresentava,<br />

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então era uma contra-notícia, um trabalho <strong>de</strong> quase contra. E começou a fazer muito sucesso<br />

lá, a gente fazia essas sessões e superlotava, começou a chamar a atenção do próprio Boal,<br />

do Guarnieri, que estavam ensaiando lá embaixo, e eles foram ver e ficaram impressiona<strong>dos</strong>,<br />

com a vibração que acabava tendo aquilo lá. Aí o Boal falou “- Então vamos fazer o seguinte,<br />

vamos pegar as notícias menos perecíveis, que coloquem questões mais permanentes e<br />

transformar isso em mais peças” e o que acontecia, como a gente era um grupo <strong>de</strong> estudantes<br />

e mais estudantes também viam a gente começou a sugerir “- A façam também o seu <strong>teatro</strong> <strong>de</strong><br />

jornal”. Aí começou a se multiplicar, a quantida<strong>de</strong> que teve <strong>de</strong> <strong>grupos</strong> <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> <strong>de</strong> jornal<br />

chegou a quarenta em um ano, espalha<strong>dos</strong> pela universida<strong>de</strong>, pela periferia <strong>de</strong> São Paulo. E o<br />

Boal, genial que era, enten<strong>de</strong>u essa potência do <strong>teatro</strong> jornal e falou assim “- Vamos fazer um<br />

espetáculo mostrando como é possível fazer <strong>teatro</strong> em qualquer lugar”, inclusive o texto do<br />

<strong>teatro</strong> jornal começava assim, dizendo que o <strong>teatro</strong> não era popular como o futebol, porque o<br />

futebol o pessoal sabia como chutar a bola, podia não saber muito bem, mas sabia mais ou<br />

menos as regras do jogo; e ele achava que tinha que popularizar as regras e o <strong>teatro</strong> jornal era<br />

um espetáculo que ensinava como fazer <strong>teatro</strong>, transformar <strong>teatro</strong> em um jogo <strong>de</strong> salão. E isso<br />

multiplicou, multiplicou, a gente acabou fazendo um sucesso muito rápido. O Boal percebendo<br />

que ele tava ficando cercado aqui no Brasil, começou a fazer contatos fora, ele que tinha feito<br />

uma excursão pelos Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, pelo México. E a gente tava pre<strong>para</strong>ndo pra ir pra França<br />

e fomos, nesse ínterim pra Buenos Aires, e ele falou “- Não... vai o <strong>teatro</strong> <strong>de</strong> jornal também” e<br />

aí a gente, <strong>de</strong>zoito anos, <strong>de</strong>zenove anos, ficamos to<strong>dos</strong> felizes, fomos pra lá e foi um<br />

aprendizado fantástico com essa... com essa outorga <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> que o Boal nos <strong>de</strong>u<br />

naquele momento.<br />

E aí eu, a Denise, juntou mais o Hélio, <strong>de</strong>pois o Elísio, a gente preparou o elenco pra ir<br />

<strong>para</strong> a França, a gente já fazia parte do elenco do Zumbi, que era o espetáculo mais carrochefe.<br />

Na pre<strong>para</strong>ção o Boal foi preso, a gente ia em três meses pra lá, então foram três meses<br />

<strong>de</strong> discussão e <strong>de</strong>... briga pra tentar libertar o Boal, e a discussão <strong>de</strong> vale a pena ir pra lá pra<br />

divulgar a prisão <strong>de</strong>le <strong>para</strong> ver se consegue libertá-lo. E a gente teve um gran<strong>de</strong> aliado, o Jack<br />

Lang, ele era o diretor do <strong>teatro</strong>, Festival <strong>de</strong> Teatro <strong>de</strong> Nancy, e <strong>de</strong>pois virou o Ministro da<br />

Cultura, e sem dúvida nenhuma é o <strong>para</strong>digma da questão cultural, ele estabeleceu coisas<br />

muito importantes. Ele resolveu comprar a briga pra libertar o Boal e ele foi fundamental nessa<br />

briga, nessa...divulgação da prisão <strong>de</strong>les. Quando a gente tava na França a gente fez Nanci e<br />

<strong>de</strong>pois fizemos uma turnê gran<strong>de</strong> até Marselha, <strong>de</strong>pois até Paris, ficamos em Paris, nesse<br />

cinturão vermelho, que chamava na época, toda a gran<strong>de</strong> Paris...era toda dominada por<br />

comunistas, então a gente fazia os espetáculo. Foi uma experiência muito interessante, a gente<br />

teve muito contato com portugueses, que era uma mão <strong>de</strong> obra barata lá da França, os<br />

exila<strong>dos</strong> do regime do Salazar e tinham já umas quatro gerações, o Salazar ficou anos em<br />

cartaz. Cartaz, não...<br />

R: Em cartaz porque ele era teatral... (risos)<br />

CF: Anos no po<strong>de</strong>r, com uma ditadura muito violenta, e os portugueses acabavam indo<br />

pra França pra po<strong>de</strong>r arrumar trabalho, mas eles eram muito politiza<strong>dos</strong>, foi uma relação muito<br />

forte, os <strong>de</strong>bates que a gente fazia, a gente fazia praticamente <strong>teatro</strong> jornal e o Boal acabou<br />

saindo da prisão e foi nos encontrar em Paris, antes <strong>de</strong> voltar pra Argentina. Então foi um<br />

pouco esse – acho que eu me estendi <strong>de</strong>mais – foi um pouco esse o começo da história, mas<br />

foi sempre muito marcada por essa relação entre <strong>teatro</strong> e política, sempre. Não tinha nem a<br />

perspectiva <strong>de</strong> se<strong>para</strong>ção <strong>de</strong>sse binômio, foi natural, como no grêmio foi organizando os<br />

<strong>grupos</strong> pra assistir os espetáculos que criou o Grêmio e <strong>de</strong>pois com o <strong>teatro</strong> jornal já começou<br />

essa coisa <strong>de</strong> multiplicação. O Boal costumava dizer que o <strong>teatro</strong> jornal é a pré-história do<br />

<strong>teatro</strong> do oprimido, porque tem um pouco o mesmo princípio <strong>de</strong> estar fazendo com que o<br />

público seja ator, seja atuante <strong>de</strong>ntro do espetáculo. Foi esse o início, mas isso faz muito<br />

tempo, você não tinha nem pensado em nascer, 70, 71 acho que o Boal foi preso...<br />

EL: E quais você acha que eram as maiores dificulda<strong>de</strong>s nessa época <strong>de</strong> ditadura e<br />

censura?<br />

CF: A ditadura e a censura, hoje a gente jovem tem uma certa natureza mais <strong>de</strong><br />

esquerda, mais política, pô aquela época pelo menos você sabia um pouco quem era o inimigo.<br />

Uma certa nostalgia <strong>de</strong> um tempo que não viveram... não faz falta nenhuma, a ditadura não faz<br />

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falta nenhuma pra ninguém. É claro que a gente viveu aquela época e resolveu viver aquela<br />

época batendo <strong>de</strong> frente né?! E isso a gete tem um certo orgulho disso, sobrevivemos, o país<br />

se transformou e acho que <strong>de</strong> alguma forma essa geração ajudou o país a se transformar<br />

bastante, mas sorte <strong>de</strong> vocês que não tem mais isso. O que atrapalharam...a censura<br />

atrapalhou, a censura <strong>de</strong>struiu o <strong>teatro</strong> brasileiro, a ditadura <strong>de</strong>struiu a educação brasileira.<br />

Não estou fazendo nenhum jogo <strong>de</strong> palavras, a perspectiva <strong>de</strong> popularizar a educação, se<br />

<strong>de</strong>struiu completamente o próprio conceito, você ... porque... porque pra formar mão-<strong>de</strong>-obra<br />

barata, que era um pouco o que cabia ao Brasil <strong>de</strong>ntro do sistema da divisão internacional do<br />

trabalho, aqui a gente tinha que produzir mão <strong>de</strong> obra barata. Então não precisava formar<br />

gran<strong>de</strong>s cientistas, gran<strong>de</strong>s... então fez o que, fez com que se formasse primeiro pra formar<br />

uma quantida<strong>de</strong> maior <strong>de</strong> gente tinha que ter muitos professores, e alguns professores foram<br />

muito mal forma<strong>dos</strong>. E o que acontece? O professor mal formado forma mal quem tá dando<br />

aula, que vai ser um outro professor e nisso tem um ciclo que vai <strong>de</strong>morar pelo menos mais<br />

uns vinte anos, se continuar com essa energia, que eu acho, por exemplo o governo Lula teve<br />

e que parece que a Dilma vai ter também, mesmo assim ainda vai <strong>de</strong>morar uns quinze a vinte<br />

anos pra sair do buraco que foi arrumado pela ditadura, porque é um ciclo vicioso que não se<br />

rompe. Como é que você vai aten<strong>de</strong>r sessenta milhões <strong>de</strong> crianças se você não tem gente<br />

formada <strong>para</strong> formá-los, né?! É um nó que o governo tem, que o país- não é o governo- tem<br />

que vai enfrentar. Então eu acho que a gran<strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> era essa, a gran<strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> era<br />

você lidar com um inimigo muito po<strong>de</strong>roso, muita grana, e que veio pra <strong>de</strong>struir, <strong>de</strong>struir é fácil<br />

né?! Então tudo que estava se construindo a ditadura veio pra <strong>de</strong>struir e veio construir uma<br />

outra coisa, que era uma...uma...a ilusão do capitalismo do consumo fácil.<br />

Eu me lembro que em 74, 73, 74, quando a gente saiu do São Pedro, a gente saiu do<br />

Arena foi pro São Pedro, com o Mauro Segall e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muitas peças censuradas nós<br />

falamos “- Esquece esse negócio, vamos pra periferia”. E a gente foi pra periferia, nessa época<br />

a gente não tinha mais o nosso público, o público que nos ajudou a formar o <strong>teatro</strong> <strong>de</strong> jornal,<br />

que eram os estudantes que estavam <strong>de</strong> alguma forma organiza<strong>dos</strong>, a partir <strong>de</strong> 71, 72, foi uma<br />

<strong>de</strong>struição total das organizações populares, das organizações estudantis, com prisão né?!<br />

Quando você tem idéia <strong>de</strong> que em uma noite se pren<strong>de</strong> mais <strong>de</strong> mil, que foi a (?), mil lí<strong>de</strong>res,<br />

não eram os estudantes, mil lí<strong>de</strong>res que estavam lá pra discutir o movimento estudantil, foram<br />

presos <strong>de</strong> uma vez. O nosso público foi preso, não era nem uma figura <strong>de</strong> linguagem. E aí isso<br />

foi <strong>de</strong>sestimulando e eles foram estimulando um outro tipo <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> que começou a agradar<br />

muito a classe média que apoiava o regime militar. Era um <strong>teatro</strong> <strong>de</strong> muitos musicais<br />

importa<strong>dos</strong>, comédias ligeiras, muito digestivo, aquele <strong>teatro</strong> mais engajado forjado pelo Plínio,<br />

Plínio Marcos, Boal, Guarnieri, pelo Zé Celso, Fernando Peixoto, Flávio Rangel, Paulo Autran,<br />

eram pessoas muito, artisticamente, Cacilda Becker, muito po<strong>de</strong>rosas, esse <strong>teatro</strong> foi impedido<br />

<strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolver. E aí começou a se importar... “Hair”, até tentavam importar espetáculos<br />

legais, mas a sensação que a gente tinha era que se comprava, como se baixou a taxa <strong>de</strong><br />

importar, se comprava o Black Label muito barato no supermercado, Whisky importado, era a<br />

mesma sensação uma peça importada também e a sensação <strong>de</strong> que você estava entrando no<br />

primeiro mundo. E isso era ruim na ditadura, essa dificulda<strong>de</strong> é que eu acho que foi a maior<br />

que a gente enfrentou e que eu <strong>de</strong>vo dizer que a gente ainda enfrenta, eu acho que eles foram<br />

vitoriosos, a ditadura foi vitoriosa. E ainda você tem muito respaldo aí pra... pra transformar,<br />

porque eu acho que o Brasil optou por uma mudança não radical, eu acho que até<br />

acertadamente, o pior <strong>dos</strong> mun<strong>dos</strong> é uma guerra civil, né?! Então não foi uma... não foi uma<br />

mudança violenta da ditadura, foi uma mudança negociada e isso tem seu preço... você não<br />

vira a página, tem muita coisa da ditadura que ainda nos assombra.<br />

EL: E como foi essa experiência nas periferias?<br />

CF: Ela foi, e continua sendo, uma das coisas mais gratificantes que eu eventualmente<br />

faço mesmo que em menor intensida<strong>de</strong> que na época. Isso foi a partir <strong>de</strong> seten... a gente<br />

sempre trabalhava na periferia, mas quando a gente saiu <strong>de</strong> São Pedro a gente falou “- Bom,<br />

vamos encarar isso aí”. A questão do popular era uma questão muito presente no Arena,<br />

inclusive a <strong>de</strong>finição do que seria popular, o Boal tem um panfleto que chama “Categorias <strong>de</strong><br />

<strong>teatro</strong> popular”, que ele colocava que o Arena fazia o <strong>teatro</strong> popular, porque fazia o <strong>teatro</strong> do<br />

ponto <strong>de</strong> vista do povo, não necessariamente diretamente pro povo. E a gente achava isso...<br />

tudo bem eu até concordo , mas porque não fazer se é popular não fazer do povo, pro povo e a<br />

primeira perspectiva era checar essas teorias do Boal. E foi muito interessante pra nós do<br />

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núcleo, porque era um grupo que não estava só preocupado com a ação política não, <strong>de</strong><br />

alguma forma, toda a esquerda, a partir <strong>de</strong> 76, começa a ir pro bairro, então essa turma toda<br />

que foi presa, 69, 68, 70, quando começou a sair da prisão, percebeu a partir <strong>de</strong> auto-crítica e<br />

tal que o trabalho <strong>de</strong>les precisava ter uma base popular mais sólida e aí foi quando teve um<br />

gran<strong>de</strong> avanço a educação <strong>de</strong> base. Os <strong>teatro</strong>s, os <strong>grupos</strong> <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>, os <strong>grupos</strong> <strong>de</strong> educação<br />

popular, tudo isso, os movimentos por moradias, o movimento que culminou no primeiro gran<strong>de</strong><br />

movimento contra a ditadura que foi o movimento contra a Caristia, em 75, 76, então foi on<strong>de</strong> o<br />

povo começou a se reorganizar. Então ir pro bairro foi um movimento geral, você tá buscando<br />

apoio e tudo mais, mas além <strong>de</strong>ssa visão crítica que a gente tinha <strong>de</strong>sse movimento, não era<br />

alinhado ao movimento, mas era organicamente ligado, a gente tinha uma discussão estética, a<br />

gente queria saber se o que a gente dizia batia naquele público e a gente foi fundo nisso,<br />

porque a gente começou a criar alguns núcleos <strong>de</strong> artistas populares e começar a enten<strong>de</strong>r<br />

não só como eles recebiam a nossa criação, mas eram os mecanismos <strong>de</strong> ficção <strong>de</strong>les. E isso<br />

foi pra mim uma gran<strong>de</strong> virada do meu trabalho artístico, enten<strong>de</strong>r a liberda<strong>de</strong> que eles lidavam<br />

os signos que no primeiro momento lá até no Arena, a gente achava aliena<strong>dos</strong>, alienantes, e<br />

esses signos, essas histórias se transformarem em elementos <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates extremamente<br />

vigorosos e bons <strong>de</strong> assistir e participar. As histórias que eles criavam nas improvisações eram<br />

muito diferentes das nossas, do que a gente propunha e a gente começou a enten<strong>de</strong>r por que<br />

é isso. Se eu citar um exemplo vocês vão ter idéia, tinha um texto que tava sendo organizado<br />

por um grupo que também saiu do núcleo, que chamava “De um homem não se per<strong>de</strong> nada,<br />

Se dum boi só se per<strong>de</strong> o berro, <strong>de</strong> um homem não se per<strong>de</strong> nada”. O motor da história surgiu<br />

um pouco <strong>de</strong>ssas improvisações, que uma pessoa estava com problema <strong>de</strong>baixo do braço e ia<br />

fazer uma consulta no INSS e o médico roubava o coração <strong>de</strong>le e ele tinha sete minutos,<br />

ninguém sabe por que, mas tinha sete minutos <strong>de</strong> vida e ele resolve prestar queixa em uma<br />

<strong>de</strong>legacia <strong>de</strong> que roubaram o coração <strong>de</strong>le. E essa situação completamente fantástica, maluca,<br />

leva a um segundo e um terceiro ato que a coisa pira <strong>de</strong> uma vez. E a gente fazia exercícios<br />

mais tradicionais, como é o teu dia na fábrica, e eram mais realistas, e a gente percebeu que a<br />

cabeça do brasileiro naquela época não tinha nada <strong>de</strong> naturalista, <strong>de</strong> cartesiana, já era<br />

completamente quântica a forma como eles raciocinavam, os saltos que eles davam. E quando<br />

a gente via o <strong>de</strong>bate das nossas peças, era muito legal, vibrava também, mas quando via da<br />

peça <strong>de</strong>les, era um salto <strong>de</strong> interesse, <strong>de</strong> expansão <strong>de</strong> idéias, era muito maior, e a gente<br />

começou a se questionar esteticamente, e também politicamente. Então pra mim foi uma<br />

experiência <strong>de</strong> formação, talvez a mais...a mais...fundamental...ficamos lá primeiro <strong>de</strong> 74,<br />

rodamos primeiro, <strong>de</strong>pois fixamos na Penha, em São Miguel, na Av São Miguel. Depois<br />

abandonamos esse espaço fomos mais longe ainda, um bairro bem interno lá, foi uma<br />

experiência bastante radical, ficamos seis anos nesse tipo <strong>de</strong> trabalho.<br />

R: O núcleo tinha algum nome?<br />

CF: Núcleo, Teatro Núcleo. Depois teve uma...tinha já um Teatro Núcleo do Arena,<br />

então a gente colocou Núcleo In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, mas era conhecido como <strong>teatro</strong> Núcleo.<br />

R: São Miguel, Penha, e <strong>de</strong>pois você não lembra o bairro?<br />

CF: Era entre Penha e São Miguel, as duas eram...<br />

R: Cangaíba?<br />

CF: Não, não... a gente foi mais pro lado <strong>de</strong> São Miguel mesmo era... Assis eu acho.<br />

Ficou bastante tempo lá mesmo, e a gente tinha se<strong>de</strong>, também não perguntamos muito por<br />

recursos. A gente vivia daquilo, eu vivia daquilo, sempre fazendo espetáculos, dando curso,<br />

fazendo outra coisa, fazendo....eu me lembro que a gente tinha uma perua, perua Kombi, nas<br />

horas vagas eu fazia carreto pra sustentar o filho. Claro que na juventu<strong>de</strong> a gente não tinha<br />

preocupação com isso né?! A juventu<strong>de</strong> hoje não se atira tanto.<br />

(risos)<br />

RF: Não se atira nada!<br />

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CF: Acho que foi a gran<strong>de</strong> importância ai, lá também a gente mantinha esse trabalho<br />

da se<strong>de</strong>, e fazia espetáculos <strong>de</strong> extrema qualida<strong>de</strong>, espetáculos premia<strong>dos</strong> nacionalmente,<br />

eram espetáculos, eu gostava muito do que a gente fazia lá e também fazia espetáculos na<br />

própria... na periferia da periferia, ia lá pro Itaim, pra Nhocuné, Camargo Velho, Camargo Novo,<br />

todas essas regiões a gente percorria tudo com os espetáculos e formava <strong>grupos</strong> nesses<br />

locais, participávamos do movimento cultural da região e na época também tínhamos um jornal,<br />

que chamava “Espalha Fato”, acho que chegou a ter uns quatro, cinco números, mas era um<br />

jornal não cultural, era um jornal <strong>de</strong> bairro mesmo, discutia os movimentos populares e tudo<br />

mais, uma discussão mais política, digamos assim.<br />

EL: Você lembra <strong>de</strong> algum nome <strong>de</strong>sses <strong>grupos</strong> que vocês passavam e formavam na<br />

comunida<strong>de</strong>s?<br />

CF: Que a gente formou... eu não posso dizer que a gente formou porque o projeto <strong>de</strong><br />

formação <strong>de</strong> grupo nunca tem uma paternida<strong>de</strong>, mas <strong>de</strong> qualquer forma a gente trabalhou junto<br />

com muita felicida<strong>de</strong> com alguns <strong>grupos</strong> lá da... que partici<strong>para</strong>m <strong>de</strong> um trabalho que o... (fugiu<br />

o nome)... lá em São Miguel, o Arantes, da UNICAMP, ele também já foi presi<strong>de</strong>nte da<br />

UNIFAN, ele fez um trabalho com um antropólogo, um trabalho <strong>de</strong> antropologia sobre a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se utilizar, esse era o tema geral da pesquisa <strong>de</strong>le, prédios históricos <strong>para</strong><br />

ativida<strong>de</strong> culturais e ele resolveu <strong>de</strong>senvolver um trabalho muito particular lá, que eu acho uma<br />

aula <strong>de</strong> ação cultural o que ele fez, ele se mudou pra lá, praticamente ele ia todo o dia lá pra<br />

São Miguel e começou a visitar botecos, e percebia que um cantor aqui, um poeta lá, um grupo<br />

<strong>de</strong> <strong>teatro</strong> lá, e ele foi juntando, uma metodologia completa que eu passei a utilizar sempre na<br />

minha ação <strong>de</strong> gestor público ou <strong>de</strong> agente cultural, que é <strong>de</strong> uma organização progressiva e<br />

que a organização <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser do agente que tá organizando e passa a ser do coletivo. E ele<br />

foi juntando, juntando <strong>grupos</strong> importantes, a gente entrou nisso com ele, e se formou lá o<br />

movimento popular <strong>de</strong> arte que até hoje ecoa lá na região <strong>de</strong> São Miguel, Matéria Prima,<br />

Sachcaberuã, artistas importantes que tocavam muito com o Tom Zé, que acabou indo prá lá<br />

aproveitando, trabalhava muito com o Matéria Prima, <strong>grupos</strong> <strong>de</strong> extrema qualida<strong>de</strong> que acabou<br />

se formando a partir <strong>de</strong>sse movimento popular <strong>de</strong> arte, que só <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> existir pra valer na<br />

gestão do Guarnieri que, por uma boa vonta<strong>de</strong> do Guarnieri, ele acabou <strong>de</strong> alguma forma<br />

remunerando esses agentes como agentes culturais da secretaria municipal <strong>de</strong> cultura e ai<br />

curto-circuitou, né, gozado essas coisas <strong>de</strong>... como ás vezes uma ação positiva gera um curtocircuito<br />

que talvez apresse ritmo natural do <strong>de</strong>senvolvimento daquela ação e acaba <strong>de</strong>struindo<br />

a ação, tem um cara que escreveu sobre maio <strong>de</strong> 68 que fala isso que o que acabou com maio<br />

<strong>de</strong> 68 foi a televisão, porque a mensagem que se transmite por..., é... eu acho super<br />

interessante a tese <strong>de</strong>le, antigamente você transmitia a mensagem por pichação, por jornal,<br />

por...<br />

RF: Outro tempo, né?<br />

CF: Com papelzinho, com panfleto, com apostilas, você transf..., com notícia <strong>de</strong> jornal,<br />

quando você começou a ter a transmisão ao vivo <strong>dos</strong> acontecimentos <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 68, o que<br />

aconteceu: Marselha acabou fazendo aquilo que Paris estava fazendo mas não com a<br />

organização que Paris tinha, o que acontece? Curto-circuitou, acabou... apressou um<br />

movimento que teria um ritmo natural <strong>de</strong> crescimento, abortou a história. E eu achei isso<br />

interessante, e eu acho que a gente também ás vezes nesse movimento popular <strong>de</strong> arte sofreu<br />

um pouco com isso. Só um parênteses, não tem nada que ver com a sua pergunta.<br />

Mas a... muita gente, eu não... eu continuei trabalhando com formação <strong>de</strong> <strong>grupos</strong>,<br />

participando <strong>de</strong> algumas invasões que eu achei legal, o grupo... lá o Mazzaropi do Belenzinho,<br />

gostei muito do trabalho que a gente fez no Tendal da Lapa, que acabou dando certo, que é<br />

uma invasão né, aquilo lá a primeira vez que a gente entrou lá <strong>de</strong>ntro tinha dois corpos <strong>de</strong><br />

pessoas que tinham sido justiçadas, essa era o estado daquele lugar, muito sujo, muito podre,<br />

muito ermo mesmo, abandonado total e a gente invadiu e hoje é um centro cultural, e isso a<br />

gente acha legal, e acho que hoje você percebe. Lá no T<strong>USP</strong> a gente tá fazendo um trabalho<br />

agora que vai ser sobre periferia, militância teatral em periferia, que o Milaré tá fazendo a<br />

curadoria, você percebe vários <strong>grupos</strong> que invadiram e tão lá, enten<strong>de</strong>u? Que tão segurando e<br />

transformando espaços às vezes completamente perdi<strong>dos</strong> em centros culturais importantes<br />

87


EL: E nessa época que você estava na periferia, vocês sofriam muita censura ou<br />

algum tipo <strong>de</strong> censura específico?<br />

CF: A gente sofria como todo mundo, mas com um pouco menos <strong>de</strong> rigi<strong>de</strong>z. Por que?<br />

Porque a gente acredita que, acho que pela época que <strong>de</strong>u uma afrouxada <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 74, mas<br />

também porque censor também é funcionário público, graças a Deus, eles não iam na Penha<br />

nem ferrando! (risos) Eles não se <strong>de</strong>slocavam. Então a gente o que, como é que funcionava a<br />

censura: você mandava o texto, <strong>de</strong>pois fazia um espetáculo e <strong>de</strong>pois você tinha que mandar,<br />

por semana, dois ingressos por dia pelo menos pra polícia fe<strong>de</strong>ral e a policia fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>cidia se<br />

ia alguém ver ou não, então você podia ser censurado no texto, podia ser censurado no ensaio<br />

geral, mas você também podia ser censurado no <strong>de</strong>correr da temporada, você tava sempre sob<br />

o olhar da censura, vários espetáculos saíram <strong>de</strong> cartaz por isso, né, porque <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> entrar<br />

em cartaz tiraram, lá a gente nunca teve nenhum censor indo até a Penha, a gente olha... eles<br />

faziam a gente buscá-los <strong>para</strong> assistir o ensaio geral, a gente tinha técnicas específicas com<br />

relação à censura, que o Boal nos ensinava, “- Façam o pior espetáculo da vida <strong>de</strong> vocês...<br />

esqueça, qualquer exercício <strong>de</strong> dicção... falem mal”, falava pro sonoplasta “- Aumenta o som<br />

<strong>para</strong> <strong>de</strong>ixar inaudível as frases mais perigosas que estão no espetáculo”, tinha algumas<br />

técnicas que a gente fazia pra driblar a censura e sabia quando chegava aqueles ingressos<br />

carimba<strong>dos</strong> pela polícia fe<strong>de</strong>ral que tinha censor na platéia, coitada da platéia daquele dia,<br />

sofria, assistia um péssimo espetáculo. Mas lá eles nunca foram além do ensaio geral e isso<br />

facilitava a nossa vida.<br />

RF: Mas vocês mandavam a peça pra censura...<br />

CF: Mandava, mandava. Um <strong>dos</strong> últimos espetáculos que a gente fez no São Pedro,<br />

que foi “A Queda da Bastilha” foi muito censurado, eles chegaram a cortar a frase “liberda<strong>de</strong>,<br />

igualda<strong>de</strong>, fraternida<strong>de</strong>” dizendo que era <strong>de</strong> um revolucionário mineiro e pronto não po<strong>de</strong>, eu<br />

fui preso no palco, a gente conseguiu suspen<strong>de</strong>r, mas eles tinham cercado o <strong>teatro</strong> e me<br />

pren<strong>de</strong>ram no espetáculo, era muito violento, a gente fala assim com uma certa brinca<strong>de</strong>ira tal,<br />

mas não era fácil não, era uma pressão muito violenta, a gente enfrentava, não reclamava,<br />

como agora não reclama, mas que era um cerceamento violento era.<br />

RF: Qual o nome da peça que você foi preso?<br />

CF: “Queda da Bastilha”, eu fazia um... o espetáculo começava na rua, era um<br />

espetáculo muito inspirado no Misuschini, inspirado mas muito diferente, Minuschini era pra<br />

duas mil pessoas, era outra coisa, na Cartoucherie, a gente fazia num <strong>teatro</strong> <strong>de</strong> cento e poucos<br />

lugares. Ma a gente começava na rua e eu fazia um mendigo guardador <strong>de</strong> carros, e eu<br />

percebi o cerco quando tava guardando os carros, e ai a gente tentou suspen<strong>de</strong>r o espetáculo<br />

mas já era tar<strong>de</strong>, ai fui eu, a Denise foi reclamar, foi também, presa também, mas é... era esse<br />

o nível, nós saímos do São Pedro porque tivemos a segunda peça censurada diretamente, o<br />

Maurício Segall pagava nosso salário na época, a gente era um grupo <strong>de</strong> centro muito bem<br />

pago <strong>para</strong> o <strong>teatro</strong> brasileiro, era... tava bem <strong>de</strong> vida, mas ele teve... a gente teve duas peças<br />

censuradas <strong>de</strong> cara, tiradas <strong>de</strong> cartaz, “Queda da Bastilha” e <strong>de</strong>pois “Os dois homens na mina”<br />

do Ivo di Bonaventura e não teve como ele manter o grupo<br />

EL: O que motivou a sua profissionalização? Foi um processo natural...<br />

CF: É, acho que foi, foi um processo natural. A gente tinha na época um <strong>para</strong>digma do<br />

Arena, <strong>de</strong>ssa coisa <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> <strong>de</strong> grupo, ter uma origem <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> <strong>de</strong> grupo do <strong>teatro</strong> brasileiro,<br />

mo<strong>de</strong>rno, tem a companhia do TBC, mas em contraponto ao TBC surgem dois <strong>grupos</strong> que são<br />

<strong>para</strong>digmáticos, que é o Arena e o Oficina. E tinha também, a gente teve contato já na França<br />

e <strong>de</strong>pois na Colômbia, com um cara muito importante que <strong>de</strong>senvolveu um trabalho em Cali<br />

chamado Enrique Buenaventura, um gran<strong>de</strong> diretor, foi um gran<strong>de</strong> diretor, que <strong>de</strong>senvolveu um<br />

trabalho grupal que também in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, que era meio mo<strong>de</strong>lo <strong>para</strong> nós, eles encaravam o<br />

fato <strong>de</strong> não sobreviver <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> com muita naturalida<strong>de</strong>, eles achavam que tudo bem, que vale<br />

a pena ter a liberda<strong>de</strong> <strong>para</strong> fazer o que bem enten<strong>de</strong>, portanto nós vamos dar meio período<br />

<strong>para</strong> ganhar o nosso sustento on<strong>de</strong> for e isso era tranqüilo <strong>para</strong> nós, mesmo porque quando a<br />

gente olhava os gran<strong>de</strong>s atores, ditos profissionais, eles eram profissionais <strong>de</strong> fato, raramente<br />

a pessoa viva só <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>, né, fazia publicida<strong>de</strong>, fazia televisão, <strong>teatro</strong> era raríssimos, talvez, a<br />

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única pessoa que viveu só <strong>de</strong> interpretar foi o Paulo Autran, talvez o único, mas mesmo assim<br />

ele fazia rádio, televisão, mais uma série <strong>de</strong> outras coisas, então era tranqüilo isso pra ele.<br />

Então essa profissionalização sempre foi assim, como é hoje, eu vivo <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>, mas não posso<br />

dizer que vivo <strong>de</strong> interpretar, aqui a gente se endivida, daí faz televisão e paga as dívidas, daí<br />

faz uma outra coisa, dá aula, gira entorno da coisa do ator, mas eu não posso dizer que eu vivo<br />

<strong>de</strong> ser ator, o meu ganha pão cotidiano é o da <strong>USP</strong>, que me dá uma certa liberda<strong>de</strong> <strong>para</strong> fazer<br />

outras coisas também, como não tenho <strong>de</strong>dicação exclusiva no regime lá eu posso fazer outras<br />

coisas, mas é... nunca foi uma... uma angustia isso pra mim, eu sinto nos alunos essa isso,<br />

essa angustia e sinto muitos <strong>de</strong>sistirem por essa angustia, eles terminam a escola, que forma<br />

um cara <strong>de</strong> nível <strong>de</strong> excelência na sua profissão, só que o mercado nem sempre está<br />

interessado na excelência e ai a pessoa fica, sai da escola e fica esperando ser chamado por<br />

alguma coisa e não é, e ai acaba o Estado per<strong>de</strong>ndo, porque aplicou quatro anos na formação<br />

daquela pessoa, e a pessoa também per<strong>de</strong>ndo porque fica frustrada <strong>de</strong> fazer uma coisa que<br />

não é o que... porque eu acho que o nosso nível <strong>de</strong> profissionalização ainda é precária, ainda é<br />

muito ruim, a situação da economia do <strong>teatro</strong> é muito incipiente ainda, falsa, se sustenta em<br />

bases muitos frágeis.<br />

EL: Você acha que existe censura atualmente?<br />

CF: Existe, existe a censura econômica que é muito violenta, hoje você não... e pior,<br />

sem critérios, o governo, na sua estrutura <strong>de</strong> financiamento público ele abriu mão e <strong>de</strong>cidiu que<br />

o que ele financia e o que não financia, ele dá essa <strong>de</strong>cisão na mão <strong>de</strong> um gerente <strong>de</strong><br />

marketing <strong>de</strong> uma empresa, então o gerente <strong>de</strong> marketing obviamente vai escolher o que é<br />

melhor <strong>para</strong> a empresa, faz parte do jogo e ai tem censura, tem censura sim, eu já participei <strong>de</strong><br />

leituras <strong>de</strong> peças e <strong>de</strong> filmes <strong>para</strong> patrocinador, um diretor amigo fala “- Faz a leitura <strong>de</strong>sse<br />

roteiro que vai um patrocinador ver e tal” eu vi o patrocinador “- Porque eu aprovo mas se<br />

mudar o final, porque com esse final não é legal pra nós” e o diretor aprova, porque <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong><br />

ser uma coisa autoral, passou a ser industrial, passa a ser uma coisa que interessa a empresa<br />

e não ao artista que está criando, então acho que essa censura é muito mais sutil, ela não é<br />

regulamentada, ela é mais obscura, mas ela existe, aqui por exemplo a gente teria <strong>para</strong>do<br />

várias vezes se não fosse a teimosia, a gente não tem patrocínio a mais <strong>de</strong> dois anos, então é<br />

difícil você segurar a peteca. (risos)<br />

EL: Então eu acho que era isso.<br />

CF: Isso.<br />

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Anexo VII - Entrevista Hilda Breda<br />

Data: 11 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2011<br />

Local: Residência da entrevistada<br />

Entrevistadora Roseli: Hilda, eu quero que você me conte como foi a criação do<br />

grupo. Primeiro diretor, que rapidamente você me diga a localização, o que estimulou a criação<br />

<strong>de</strong>sse grupo <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> amador Regina Pacis,que vai já completar 50 anos, não é isso?! Eu<br />

acho que é um <strong>dos</strong> <strong>grupos</strong> <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> amador mais antigos que nós temos.<br />

Hilda Breda: É... quando o Armando Lazário – só antes <strong>de</strong> começar – quando o<br />

Armando Lazário foi escrever uma tese <strong>de</strong> mestrado, doutorado, sobre o grupo ele falou que<br />

ele pesquisou em todo o Brasil e que não encontrou nada que tivesse essa ida<strong>de</strong>. Porque<br />

assim... os <strong>grupos</strong> <strong>amadores</strong> é quase sempre um trampolim pro profissionalismo. Então eles<br />

diminuindo, vão acabando, dura alguns anos, mas... mesmo hoje, eu faço parte <strong>de</strong> coletivos<br />

que são feitos <strong>de</strong> <strong>grupos</strong> do ABC, poucos <strong>grupos</strong> tem a minha característica, quase to<strong>dos</strong> eles<br />

já estão sendo forma<strong>dos</strong> pro profissionalismo mesmo, aqui nosso grupo não... é <strong>de</strong>clarado <strong>de</strong><br />

utilida<strong>de</strong> pública, ou seja ninguém do nosso grupo po<strong>de</strong> receber nada. E todo dinheiro que<br />

entrar, <strong>de</strong> uma verba ou bilheteria, isso aí vai pro grupo e é pra pagar <strong>de</strong>spesas com<br />

montagens, gravação <strong>de</strong> DVDs e assim por diante.<br />

Voltando à sua pergunta inicial: o grupo foi formado em 1962, especificamente no dia<br />

21 <strong>de</strong> abril. Por quê? Porque dia 21 <strong>de</strong> abril foi um pic nic, naquela época se fazia picnic, on<strong>de</strong><br />

se reuniram os filhos <strong>de</strong> Maria e os Marianos da comunida<strong>de</strong> religiosa aqui da igreja matriz <strong>de</strong><br />

São Bernardo do Campo. E o Assumpção, via nesses jovens, <strong>de</strong> vez em quando fazia umas<br />

brinca<strong>de</strong>iras, assim, eles faziam algumas esquetes, algumas coisas assim meio divertidas e<br />

tal...Brincava! E ele ficava observando tudo isso – isso também me contaram, porque na época<br />

eu não fazia parte do grupo – e ele resolveu agregar essas filhas <strong>de</strong> Maria, esses Marianos pra<br />

que tivesse uma ativida<strong>de</strong> ali, porque a cida<strong>de</strong> era carente <strong>de</strong>... tinha dois cinemas, tinha<br />

alguns salões <strong>de</strong> bairro, mas eles como filhas <strong>de</strong> Maria e Marianos não freqüentavam, então<br />

não tinha muita diversão, entretenimento, lazer, não tinha nem <strong>teatro</strong> na cida<strong>de</strong>. Então ele, o<br />

Assumpção, resolveu juntar esses jovens pra fazer um grupo <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>. Então nesse dia ele<br />

falou “- Gente, vamos formar um grupo <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>.” Formou a primeira esquete se chama “Dor<br />

<strong>de</strong> Dentes”, que eu também <strong>de</strong>scobri um dia, e assim <strong>de</strong>pois eles fizeram outros espetáculos e<br />

começou por aí. Foi assim que começou... por aí. E mesmo entrevistando os mais antigos, a<br />

idéia partiu do Asssumpção, a idéia foi <strong>de</strong>le.<br />

ER: Antonino Assumpção?<br />

HB: Antonino Assumpção. E... nesse primeiro momento ele teve junto com ele o<br />

Antonio Bechelli, o Carlinhos <strong>de</strong> Abreu, que é irmão do Luís Alberto <strong>de</strong> Abreu, e logo em<br />

seguida teve o Alci<strong>de</strong>s Médici, o Antonio José Guazelli e Leo<strong>de</strong>lina Montibeller, que faz parte<br />

do grupo até hoje, ela é a única remanescente do grupo que se mantém até hoje.<br />

ER: Como é o nome <strong>de</strong>la?<br />

HB: Leo<strong>de</strong>lina Montibeller. Ela está com setenta e dois anos, nós estamos com um<br />

espetáculo em cartaz, que é o Bate papo na feira e ela é a sonoplasta. Ela está sempre firme.<br />

ER: Que maravilha...<br />

HB: É. Ela está firmona. É... então começou assim.<br />

ER: E por que ser <strong>teatro</strong> amador? Por que ser um grupo amador <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>? Por que<br />

essa, é uma opção?<br />

HB: É... na época era, na época eu acho que nem tinha muito profissionalismo, porque<br />

naquela época mesmo os profissionais, eles, assim pelo que a gente lê, porque tinha o TBC, o<br />

TBC estava se formando. Não tinha muito profissionalismo, todo mundo fazia <strong>teatro</strong> porque<br />

gosta... não tinha esse... quem vivia <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>? Era diferente né?! Então... a televisão tava<br />

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começando, o cinema que tinha a Vera Cruz que era aqui em São Bernardo... tinha essas<br />

pessoas, mas era assim uma coisa diferente, era um época completamente diferente. Foi uma<br />

opção, mas eu acho que todo mundo fazia assim naquela época.<br />

ER: E qual é esse grupo que você disse que nasceu <strong>de</strong> duas congregações, as filhas<br />

<strong>de</strong> Maria e os Marianos, qual o papel que ele <strong>de</strong>sempenhava <strong>de</strong> inicialmente proporcionar<br />

entretenimento aqui pro pessoal da comunida<strong>de</strong>. Como é que ele foi crescendo e como é que...<br />

que papel que ele teve nesses anos 70, 60, 70 no cenário cultural da cida<strong>de</strong>?<br />

HB: É o seguinte, na verda<strong>de</strong> o grupo... como também as cida<strong>de</strong>s do estado <strong>de</strong> São<br />

Paulo acabaram formando a CONFENATA. Confe<strong>de</strong>ração Nacional <strong>de</strong> Teatro Amador, tinha a<br />

CONFENATA que era presidido pela Cacilda Becker, que era uma profissional, por isso que eu<br />

to falando não tinha muito essa distinção, mas ela que era a presi<strong>de</strong>nte. E no estado <strong>de</strong> São<br />

Paulo que era a COTAESP, Confe<strong>de</strong>ração do Estado <strong>de</strong> São Paulo, congregava os <strong>grupos</strong> do<br />

estado <strong>de</strong> São Paulo. Então o pessoal da COTAESP resolveu fazer um festival congregando<br />

os <strong>grupos</strong> do estado. Porque toda cida<strong>de</strong> tinha, era aquele pessoal <strong>de</strong>.. da.. igreja, da escola,<br />

tinha alguém. Eles fizeram e no ABC tinha... no ABC se chamava FEANTA, Fe<strong>de</strong>ração<br />

Andreense <strong>de</strong> Teatro Amador, que congregava os <strong>grupos</strong> das sete cida<strong>de</strong>s, então fazia uma<br />

fase regional <strong>de</strong>sse festival. Então logo no início, tinha o grupo aqui em São Bernardo, o<br />

Regina Pacis se inscreveu que era o grupo da cida<strong>de</strong>, se inscreveu. E logo <strong>de</strong> cara ganhou<br />

prêmio, porque o Assumpção era muito assim, ele queria qualida<strong>de</strong>, ele era meio rigoroso, não<br />

levava muito na brinca<strong>de</strong>ira não, levava muito a sério as coisas, brincando, mas levando a<br />

sério. Então a gente se inscreveu e logo <strong>de</strong> cara foi premiado, que era... esqueci o nome da<br />

peça, <strong>de</strong>ixa eu ver aqui senão eu me atrapalho... “Os ossos do Barão”.<br />

ER: “Os ossos do Barão” foi o primeiro prêmio <strong>de</strong> vocês?<br />

HB: É... foi isso mesmo... não foi “Pedreira das Almas”. É... “Pedreira das Almas” foi<br />

antes que é do Jorge Andra<strong>de</strong>, peguei os olhos senão eu não enxergo direito... Bom... mas<br />

então já ganhou prêmio, passou a representar São Bernardo, passou pra fase regional do ABC,<br />

<strong>de</strong>pois tinha a fase.<br />

ER: Estadual?<br />

HB: Semi-final, passava pela baixada Santista, São Paulo, Gran<strong>de</strong> ABC, <strong>de</strong>pois foi pra<br />

final e acabou indo pra final e lá ganhou... acabou ganhando o Prêmio Governador do Estado,<br />

que era o gran<strong>de</strong> prêmio, em cenário. E foi indicado pra outros prêmios, mas não ganhou, que<br />

era o primeiro... já ficaram muito felizes.<br />

Então... foi um estímulo e isso funcionava bastante, porque era uma efervescência, os<br />

<strong>grupos</strong> se reuniam, discutiam, tinham duas semanas pelo menos aqui no ABC, pelo menos uns<br />

15 dias só <strong>de</strong> apresentação <strong>de</strong> peça, então todo mundo ia toda noite e era muito legal e...<br />

então trocavam idéias. Às vezes pela fe<strong>de</strong>ração tinham pessoas que vinham dar aula... a gente<br />

chamava workshop, mas vinha o Pacheco, esses professores que estavam na EAD, vinham<br />

dar palestras, algumas aulas. Então sempre tinha esse tipo <strong>de</strong> coisa, o pessoal foi<br />

<strong>de</strong>senvolvendo. E o próprio Assumpção, ele também falava assim “- Não, vamos contratar pro<br />

nosso grupo alguém pra dar aula aqui”. Então ele trouxe profissionais, você vê, nós fomos<br />

dirigi<strong>dos</strong> pelo Eugênio Kusnet, que era discípulo do... Stanislávski, que até hoje o <strong>teatro</strong> segue<br />

muito os ensinamentos <strong>de</strong>le. A Miriam Muniz, o Silvio Zilber, foram pessoas que vieram: “- Não,<br />

vamos dar um jeito <strong>de</strong> contratar, não sei o que...” e corria atrás pra ver patrocínio pra esse tipo<br />

<strong>de</strong> coisa. Então o grupo... pra... ter uma excelência artística. E... ele batalhava muito por isso.<br />

E o que aconteceu em termos <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>, você perguntou: a gente passou a ser o<br />

representante oficial <strong>de</strong> São Bernardo do Campo. Não era só a gente que ia se apresentar, era<br />

o grupo <strong>de</strong> São Bernardo do Campo, apesar <strong>de</strong> ser a Fe<strong>de</strong>ração Andreense, por causa <strong>de</strong>sse<br />

Andreense, “- Ah...vocês são <strong>de</strong> Santo André” “- Não, nós somos <strong>de</strong> São Bernardo”. Era<br />

sempre nós, acabou quase sempre sendo nós, então éramos o representante oficial. Então a<br />

prefeitura dava ônibus, caminhão pra levar o cenário, o próprio cenário muitas vezes era<br />

confeccionado por funcionários da prefeitura. Porque tinha que ser o melhor cenário e não sei o<br />

que, e pra montar o cenário, às vezes ia lá funcionário da prefeitura, ia lá e ajudava. Então a<br />

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gente tinha uma infra-estrutura, porque nós representávamos a cida<strong>de</strong>. E o prefeito ia às vezes<br />

até aquela cida<strong>de</strong> pra prestigiar a gente. Os prefeitos das estréias nossas daqui, que às vezes<br />

era feito na Igreja São José, que tinha um <strong>teatro</strong>, posteriormente no salão paroquial da Igreja,<br />

porque não existiam outros <strong>teatro</strong>s. Porque o Cacilda Becker mesmo só foi em 68, porque a<br />

própria Cacilda, teve um festival feito aqui em São Bernardo, porque era pra fazer a estréia,<br />

Santo André <strong>de</strong>u pra trás e o Assumpção falou: “- Não...eu faço em São Bernardo”, porque<br />

tinha que ser feito no ABC. Então o Assumpção conseguiu e a Cacilda Becker falou: “- Você<br />

sabe como é que vai chamar este <strong>teatro</strong>?”, ele falou “- Não sei... tá em construção, só<br />

acabaram pra fazer o festival”. Acabaram pra fazer o festival, ele estava assim... todo em<br />

reboco, mas fizeram o festival. Aí ela morreu e acabou tendo o nome <strong>de</strong>la... ah...e ainda ela<br />

falou: “- Que não coloque o nome <strong>de</strong> alguém que não tem nada que ver com <strong>teatro</strong>!”, uma<br />

coisa... uma ironia isso né?! Aí ela morreu e o <strong>teatro</strong> teve o nome <strong>de</strong>la.<br />

Aí enfim... foi isso... nós tínhamos esse apoio do po<strong>de</strong>r público, nós éramos<br />

representantes oficial da cida<strong>de</strong>. E assim... pra cida<strong>de</strong> também, nós colocávamos uma peça,<br />

era uma coisa assim impressionante, vinha muita gente pra assistir.<br />

anos.<br />

ER: E você entrou pro grupo em que época?<br />

HB: 68. Então o grupo foi formado em 62 e eu só entrei em 68. Tinha treze, quatorze<br />

ER: Durante todo esse período <strong>dos</strong> anos 60, a ativida<strong>de</strong> do grupo era gran<strong>de</strong>? Vocês<br />

tinham uma peça nova a cada ano? Isso que você acabou se nos contar sobre os festivais, a<br />

participação nos festivais foi nesse período, <strong>de</strong> 62 até 68?<br />

HB: Até um pouquinho mais pra frente... porque a cida<strong>de</strong> foi aumentando, aumentando<br />

to<strong>dos</strong> os <strong>grupos</strong>, os festivais também foram se diluindo. A cida<strong>de</strong> mudou, culturalmente,<br />

socialmente.<br />

ER: E nesse período vocês tinham uma peça nova todo ano?<br />

HB: Sempre, praticamente uma peça todo ano. Uma ou mais do que uma ao ano.<br />

Porque nós começamos a investir no público infantil pra ter o público <strong>de</strong> amanhã. Não... nós<br />

vamos fazer infantil, pra nós formarmos um público, pra amanhã nós termos esse público já. E<br />

nós temos um público adulto que nos acompanha... A gente tinha realmente muito público e...<br />

mas nós temos que também formar esse público pra nós não per<strong>de</strong>rmos. Então ele via já lá na<br />

frente, e nós começamos a produzir peças infantis, então a gente tinha adulto e infantil pelo<br />

menos uma por ano. E tinha anos que a gente teve mais do que uma, porque todo mundo<br />

queria fazer <strong>teatro</strong> e no nosso grupo nunca se exigiu nada pra entrar. A pessoa falava “- Ai<br />

quero fazer <strong>teatro</strong>, mas eu não fiz nem na escola.” “- Você quer fazer?” “- Quero.” “- Então o<br />

que precisa?” “- Dedicação e vonta<strong>de</strong>.” Então até hoje é assim...você quer entrar no grupo,<br />

entra, “- Mas eu não sei...” não tem importância, a pessoa entra. Tem pessoas que tem<br />

dificulda<strong>de</strong> até pra ler com intenção e a gente ensina isso, ensina voz, usar o diafragma. Até<br />

hoje fazemos isso, a pessoa entra e não sabe, então não precisa... “- Ahh, mas precisa fazer<br />

teste?” Não... o Assumpção brincava “- Precisa sim, e vai ser comigo.” Mas na verda<strong>de</strong><br />

não...então as pessoas não precisam <strong>de</strong> nada até hoje pra entrar no grupo.<br />

ER: Nesses anos 60 ainda, nós tivemos o golpe militar em 1964, você que entrou em<br />

68, era muito novinha ainda, mas você tem memória, ou algum registro do grupo com a<br />

censura nesses anos 60?<br />

HB: Temos... é... eu entrei em 68 e logo em seguida nós encenamos uma peça infantojuvenil<br />

do Vendramini, que era “Ponto <strong>de</strong> Partida”. Foi a primeira peça que eu participei e logo<br />

<strong>de</strong>pois ele falou: “- Vamos montar „Liberda<strong>de</strong>, Liberda<strong>de</strong>.” Peça <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> sucesso com o<br />

Paulo Autran, do Millor Fernan<strong>de</strong>s. Oi?<br />

ER: Mas ele também... o Assumpção... justo “Liberda<strong>de</strong>, Liberda<strong>de</strong>”.<br />

92


HB: Ele era... ele falou nós vamos montar essa peça... e nós montamos, aí na época<br />

tinha que mandar pra Brasília os textos, mimeografar, mandar pra Brasília, <strong>de</strong>pois ir na Xavier<br />

<strong>de</strong> Toledo.<br />

ER: Isso foi em que ano ?<br />

HB: 69. Isso a gente tinha que mandar o texto e tinha que liberar isso. Teve liberação,<br />

vieram os censores, teve que buscar em São Paulo, trazer, eles assistiram, praticamente não<br />

teve corte. Claro... na hora <strong>de</strong> fazer censura “- Não fique empolgado em falar certas palavras,<br />

aquelas que eu falei pra dar mais ênfase, faz meio né?!... não faz... faz uma coisinha assim...<br />

que você não sabe nem o que tá falando”, então ele... meio macaco velho “- Não dá aquelas<br />

intenções mais assim... faz nenhum arroubo, faz aquela coisinha bem inocente, bem... <strong>de</strong> quem<br />

não sabia bem o que tava falando..”, era uma estratégia <strong>de</strong>le, ele fez isso durante todo o<br />

período que teve censores com a gente, “- Então essa cena que a gente fez <strong>de</strong>sta forma,<br />

vamos fazer ela mais... “, ele até mudava a marcação às vezes, pra não passar aquela idéia<br />

né?! Então isso também a gente fazia. Era estratégia pra gente burlar a censura. Teve muito<br />

disso.<br />

Veio, nós recebemos o certificado <strong>de</strong> censura, nós começamos uma temporada com<br />

bastante público, nós chegamos a apresentar. Só que durante essa trajetória, <strong>de</strong>sse<br />

espetáculo o Assumpção tinha uma distribuidora <strong>de</strong> jornais e revistas, que distribuía jornais<br />

aqui em São Bernardo, e eu trabalhava lá, porque na época começava a trabalhar bem<br />

jovenzinha, na época eu tinha 14 anos... trabalhando na banca <strong>de</strong> jornais e revistas. E o Sérgio<br />

também.<br />

ER: Sérgio?<br />

HB: Sérgio Luiz Rossetti, ele tinha ganho o prêmio Governador do Estado e também...<br />

fazendo a “Raposa e as Uvas”, isso foi em sessenta e...64, 65, né?<br />

Entrevistadora Paula: 67.<br />

HB: 67, ele tava fazendo a EAD (Escola <strong>de</strong> Artes Dramáticas), então ele falou assim “-<br />

Eu vou participar da peça e ao mesmo tempo também vou ajudar na direção”.<br />

Então estavam os dois juntos fazendo e então o Sérgio todo o dia chegava nessa<br />

distribuidora <strong>de</strong> jornal e revista, pega os jornais, começa a ler, começava a falar com o<br />

Assumpção, e eu trabalhando e aten<strong>de</strong>ndo as pessoas lá, <strong>de</strong>rrepente ele abre o jornal, “O<br />

Estado <strong>de</strong> São Paulo” e fala “- Gente! Olha o que ta escrito aqui!”, tava escrito assim:<br />

“‟Liberda<strong>de</strong>, liberda<strong>de</strong>‟ proibida em todo o território nacional” e tinha outros <strong>grupos</strong> fazendo,<br />

porque o Millôr Fernan<strong>de</strong>s provavelmente <strong>de</strong>ve ter dado pro grupo, então ta proibido a partir <strong>de</strong><br />

hoje em todo território nacional, então falou “- Assumpção o que nós vamos fazer?”, o Sérgio<br />

era assim, a voz grossa, ele era um escândalo, ele chegava num lugar, sabia, ele era bem<br />

assim, tinha aquela voz bem postada, ele chegava todo assim. Bom, enfim, ele falou “- Como<br />

nós vamos fazer? A gente vai” era no salão paroquial atrás da Igreja on<strong>de</strong> o grupo começou, “-<br />

Vamos lá, o público vai aparecer e vamos ver o que a gente faz na hora”, quando nós<br />

chegamos lá, fomos tudo, ai nós perguntamos pro Assumpção “- A gente vai se arrumar? Se<br />

trocar?”, ele falou “- Não”, “- Por que?”, lá do outro lado da rua tinha duas Veraneios, sem<br />

placas, <strong>para</strong>dinha lá, e a gente sabia que essas Veraneios eram...<br />

ER: Eram tradicionais.<br />

HB: É, muita gente que viveu o período sabe, elas vinham assim e ficavam lá, então o<br />

Assumpção falou assim “- Nós vamos ficar aqui <strong>para</strong> dar uma satisfação ao público, mostrar o<br />

recorte <strong>de</strong> jornal” porque não tinha nem como tirar cópia na época, tinha que mostrar, mostrar<br />

<strong>para</strong> as pessoa s que nós estávamos... e assim foi, a noite toda, noite toda não, mas até um<br />

período que a gente sabia que as pessoas vinham, veio muita gente, a gente foi mostrando,<br />

explicando, as pessoas voltavam, ai a gente... apagamos as luzes, resolvemos ir embora e<br />

eles, as duas Veraneios foram embora, quer dizer, em nenhum momento ninguém veio<br />

conversar com a gente, falar nada.<br />

93


ER: Mas já estava lá.<br />

HB: Então aconteceu, esse foi o primeiro contato com a censura, mas teve outros<br />

momentos.<br />

ER: E eu quero que você me conte, mas nesse primeiro momento, quando você diz<br />

que fizeram as copias e mandaram a peça <strong>para</strong> Brasília, tal, quando voltou <strong>de</strong> Brasília veio sem<br />

nenhum corte?<br />

HB: Sem nenhum corte.<br />

ER: Nenhuma palavrinha?<br />

HB: Nada, nada. Foi liberado na íntegra e nós chegamos a apresentar.<br />

ER: Você tem esse certificado <strong>de</strong> censura?<br />

HB: Tenho. Se você quiser <strong>de</strong>pois eu mostro<br />

ER: Depois eu quero que você me mostre sim. E me diz uma coisa...<br />

HB: Eu não lembro se tava <strong>para</strong> ter faixa etária, porque tinha faixa etária.<br />

ER: Ah sim, então essa restrição etária veio?<br />

HB: Provavelmente sim.<br />

ER: Mas sem cortes?<br />

HB: Mas sem cortes.<br />

ER: E o movimento nos anos 70? Como foi a participação <strong>de</strong> vocês nos anos 70 e que<br />

outras experiências vocês tiveram com a censura nos anos 70?<br />

HB: Um pouquinho antes também teve um probleminha...<br />

ER: Ah é?<br />

HB: É, porque logo em seguida, não sei se é o caso <strong>de</strong> contar...<br />

ER: Sim, po<strong>de</strong>!<br />

HB: Com a censura mesmo, o que aconteceu, com a “Liberda<strong>de</strong>, liberda<strong>de</strong>” foi podada,<br />

o Assumpção falou assim “- Não po<strong>de</strong> ser! Nós vamos montar outra peça!” e como estava se<br />

aproximando o período do festival ele falou “- Nós temos que montar uma peça, participar...”,<br />

eu sei que em um mês, o Sérgio falou “- Lá na Escola <strong>de</strong> Arte Dramática tem uma moça que<br />

escreveu um texto assim e assim, ela também ta tentando se projetar como dramaturga”, que<br />

era a Miriam San Juan, ele falou assim “- Que tem „O veredicto‟, e se a gente montasse o<br />

espetáculo <strong>de</strong>la?” e montamos. O espetáculo foi e voltou, acho que teve cortes em duas ou três<br />

ceninhas, mas não impediam muito, coisinha pequena, ai nós fomos apresentar, passamos em<br />

Santo André pela fase regional e fomos <strong>para</strong> Santos na fase semi-final, e durante o espetáculo<br />

tinha um personagem que era um tipo mineiro, o rapaz era preso, então tinha um <strong>dos</strong> rapazes<br />

que era guarda, um <strong>dos</strong> personagens que era guarda, foi feita uma farda <strong>para</strong> ele, que<br />

inclusive era bem alto, tinha quase dois metros <strong>de</strong> altura, foi feito tal e tal, durante o espetáculo,<br />

nós fazendo a cena, a peça e tudo lá, isso <strong>de</strong>pois que nós ficamos sabendo, então foi um<br />

censor e queria saber quem era o responsável pelo espetáculo, era o Assumpção que tinha<br />

dirigido, e ai então vieram conversar com ele, esse censor foi conversar com ele perguntar<br />

sobre essa farda do guarda, como é que ele tinha conseguido, como é que era, ele falou “-<br />

Não, nós fizemos...” (censor) “- Mas vocês não po<strong>de</strong>m! Como é que vocês usam uma roupa<br />

94


militar!” “- Não, mas foi feita <strong>para</strong> a peça, <strong>para</strong> o espetáculo...” “- Não! Eu vou <strong>para</strong>r o<br />

espetáculo!” e a peça correndo, ele falou “- Tem que ir até o fim”, bom no fim ele consegui,<br />

falou “- Tá bom! Vou falar <strong>para</strong> o rapaz não entrar mais”, porque o rapaz não entrava mesmo<br />

<strong>de</strong>pois, falou “- Você vai ver que ele não vai entrar”, “- Mas eu vou ver! Vou chamar não sei o<br />

que” e o Assumpção, enquanto a peça ia, foi, levou, eu sei que é o seguinte: acabou a peça, a<br />

gente entrava <strong>para</strong> se apresentar, conforme a gente saiu pros bastidores que acabou ele falou<br />

“- Corre pegar as coisas que vocês vão se trocar no ônibus, o ônibus está <strong>para</strong>do na porta <strong>de</strong><br />

trás, vocês vão entrar e nós vamos embora!”, então foi assim, nós pegamos as roupas e “- Não<br />

vão nem fazer xixi, sai!” e foi isso, porque ele po<strong>de</strong>ria correr o risco <strong>de</strong> ser preso e eu, por<br />

exemplo, era menor <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> e tinha outra, era muita responsabilida<strong>de</strong>, então nós saímos do<br />

<strong>teatro</strong>, já fomos entrando e o ônibus foi embora, foi embora e foi <strong>para</strong>r só aqui em São<br />

Bernardo, porque era uma preocupação, ele falou “- Nem sei se o homem era... não quero nem<br />

saber!”, isso ele contando <strong>de</strong>pois, que durante todo o espetáculo ele segurou tudo isso ai.<br />

ER: Só uma coisa, foi em 69?<br />

HB: Foi em 69 isso ai.<br />

ER: E o nome da peça era?<br />

HB: “O veredicto”<br />

ER: Agora me diz uma coisa, você está falando <strong>de</strong>sses festivais e <strong>de</strong>ssas<br />

apresentações, o Regina Pacis você me disse que tinha bastante público aqui em São<br />

Bernardo, me diga, e os festivais?<br />

HB: Sempre teve muito público, festival sempre teve, sempre teve justamente porque<br />

participam vários <strong>grupos</strong>, mobiliza a cida<strong>de</strong> que realiza, então sempre tem público, festival... é<br />

isso que eu sinto muita falta <strong>dos</strong> festivais é disso, pela falta <strong>de</strong> público, <strong>de</strong> ter assim uma coisa<br />

mobilizada, e um público diferente, né, e os outros <strong>grupos</strong> também, ter um entrelaçamento.<br />

ER: O que você chama <strong>de</strong> “público diferente”? O que você quer dizer com isso?<br />

HB: Um público diferente é o seguinte: porque <strong>de</strong>rrepente faz um espetáculo, e vai<br />

uma escola, os professores resolvem levar os alunos, ele é diferente esse público <strong>de</strong> escola,<br />

porque <strong>de</strong>rrepente esses alunos não têm fôlego <strong>para</strong> <strong>teatro</strong> e vão porque os professores<br />

querem que eles vão assistir uma peça, então eles azucrinam as vezes, atrapalham e tal; e<br />

agora não, quem vai assistir um festival <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> é um público, assim, muito respeitoso<br />

qualquer que seja o espetáculo, respeitoso assim, que vai lá pra assistir, pra curtir, se a peça é<br />

um drama ou uma comédia não interessa, não interfere, porque as vezes você pega um grupo<br />

<strong>de</strong> estudantes, como eu falei, mais uma vez, eles as vezes interferem na peça, começam a<br />

fazer gracinha.<br />

ER: Isso você diz hoje?<br />

HB: É, mais hoje, mas na época também tinha sim, a partir <strong>dos</strong> anos 70 eu acho que<br />

as pessoas começaram a ficar um pouco mais mal educadas... os alunos começaram a ficar,<br />

infelizmente, mas é uma realida<strong>de</strong>.<br />

né?<br />

ER: E esse “público diferenciado”, além <strong>de</strong> – a palavra “diferenciado” hoje é perigosa,<br />

HB: Talvez eu tenha usado errado, mas além do público que ia <strong>para</strong> assistir os<br />

espetáculos, tinham os próprios componentes <strong>dos</strong> outros <strong>grupos</strong>, quer dizer, tinha <strong>de</strong>z, quinze<br />

<strong>grupos</strong> participantes, que fosse cinco pessoas <strong>de</strong> cada grupo já dava quase cem pessoas na<br />

platéia que também fazia <strong>teatro</strong>, então tinha uma comunhão diferente <strong>de</strong> idéias, nesse sentido.<br />

O “diferenciado” que eu falo é isso.<br />

ER: E <strong>de</strong> várias faixas etárias?<br />

95


HB: É.<br />

ER: Um pessoal mais simples?<br />

HB: Ah, isso também<br />

ER: Era um pessoal do bairro?<br />

HB: Sim, sem dúvida.<br />

ER: E uma coisa que eu não te perguntei é quantas pessoas, quantos componentes<br />

tinha o grupo nessa primeira fase? Tinha muita gente?<br />

HB: Olha, o grupo sempre foi uma coisa assim, é uma pergunta que as pessoas fazem<br />

e que é difícil respon<strong>de</strong>r, por que? Você faz uma montagem, vamos supor, aquela montagem<br />

tem umas quinze pessoas em cena, mais uns três ou quatro na quitéia, tem umas vinte<br />

pessoas, daí você vai fazer na outra montagem, tem <strong>de</strong>z pessoas no elenco, daí acaba tendo<br />

umas doze, treze, tem pessoas que estavam no outro espetáculo e não estão nesse porque ela<br />

não po<strong>de</strong>, por uma série <strong>de</strong> circunstâncias, tem a mãe doente, casou, <strong>de</strong>rrepente tem os filhos<br />

pequenos, mudou, ta indo trabalhar e chegando tar<strong>de</strong>, então tem uma série <strong>de</strong> circunstancias<br />

que fazem, e tem pessoas que falam “- Agora não vai dar mais, porque eu tenho que estudar...<br />

durante um período eu não vou po<strong>de</strong>r” e assim vai, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da montagem, nós já fizemos<br />

montagens com duas pessoas, as vezes por falta <strong>de</strong> mais elementos naquele período, então<br />

assim, é relativo, nós temos que... por exemplo, nós temos um espetáculo agora em cartaz,<br />

tem seis pessoas no elenco, os atores, tem mais dois na técnica, tem mais a diretora, que<br />

sempre acompanha, eu como autora e, como presi<strong>de</strong>nte do grupo, eu acho que a minha<br />

função é acompanhar sempre, fora as pessoas que estão fora <strong>de</strong>sse espetáculo.<br />

ER: Qual é esse espetáculo?<br />

HB: É o “Bate papo na feira”, que é uma peça infantil, só que a gente ta num período<br />

com as adultas, a gente quer dar um tempo porque a gente quer montar um pro ano que vem<br />

que faz cinqüenta anos, só que nós estamos em um período que as pessoas estão pedindo<br />

muitos trechos <strong>de</strong> peças curtas <strong>para</strong> nós, então a gente acaba ensaiando uma semana, uma<br />

semana faz uma cena, na semana passada nós fizemos, a mesma que fizemos aqui, o<br />

“Quarta-feira lá em casa sem falta” pro serviço <strong>de</strong> memória que quis gravar um trecho, também<br />

falando <strong>de</strong> como o grupo começou, serviço <strong>de</strong> memória aqui <strong>de</strong> São Bernardo, nós fizemos, e<br />

nós fizemos a... três semanas atrás nós fizemos um trecho <strong>de</strong> “Mulher”, da “Escola <strong>de</strong><br />

mulheres” <strong>de</strong> Molière, que entrou no Festival do Cassimiro lá <strong>de</strong> Santo André, Cassimiro <strong>de</strong><br />

Abreu no Espaço, e também fizemos um trecho da “A megera domada” <strong>de</strong> Shakespeare, e<br />

agora nós <strong>de</strong>vemos fazer, talvez, <strong>para</strong> setembro, a gente ta pensando qual cena seria, eu não<br />

sei se vai ser um trecho do “Fala baixo senão eu grito” da Leillah Assunção, então to estudando<br />

o que vai ser feito. Então a gente ta num período que está fazendo muita coisa “picadinha”,<br />

como a gente chama, então agora tenho que me antecipar, até o final do ano, <strong>para</strong> começar<br />

uma montagem com mais pessoas, mas no momento é essa que nós estamos fazendo, todo o<br />

final <strong>de</strong> semana.<br />

ER: E voltando um pouco no tempo, nos anos 70 quais foram as principais peças? Que<br />

peças que você lembra que foram relevantes <strong>para</strong> o grupo? E também gostaria, <strong>de</strong>pois, que<br />

você dissesse qual foi o momento difícil do grupo?<br />

EP: Aproveitando, vocês montaram em 74 “Quatro num quarto”, esse espetáculo<br />

também problema com censura?<br />

HB: Teve.<br />

EP: Uma das irmãs Vezzá me contou.<br />

ER: De quem que é a “Quatro...”<br />

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HB: Do Valentin Kataiev. Teve problema, o texto veio censurado, mas a gente já tava<br />

prontinho, porque no inicio... veio censurado em termos, ele foi feito, liberado o texto,<br />

montamos tudo, falaram que podíamos fazer, mas quando vieram os censores, nós não<br />

tivemos a liberação da censura no texto, então a gente montou, não sei nem se chegamos a<br />

fazer o que chamava <strong>de</strong>... “ensaião geral”, que algumas pessoas assistem, então o ensaio<br />

geral que a gente fazia, então ficou até algumas pessoas, muitas até, mas que não era nada<br />

oficial, convidava os amigos e tal, mas naquela época você convidava e eles iam, não é como<br />

hoje que você chama e “- Ah, vou ver”, naquela época todo mundo ia, porque também não<br />

tinha muito... então infelizmente só essas pessoas viram, foi proibido.<br />

ER: No ensaio geral então?<br />

HB: A gente fazia ensaio geral assim... on<strong>de</strong> a gente po<strong>de</strong> melhor, a gente fazia então<br />

sempre tinha público.<br />

ER: Mas na presença <strong>dos</strong> censores?<br />

HB: Foi.<br />

ER: E quando veio a censura ao espetáculo foi no ensaio geral censurado? Foi<br />

proibido?<br />

HB: Foi proibida. A gente acha, e não alegaram por que, a gente acha que foi por<br />

causa <strong>de</strong> um personagem que eu fazia, eu era uma ativista política... (risos)... na Rússia! (risos)<br />

ER: Por que será, né?<br />

(Risos)<br />

HB: Então eles acham que foi por causa do meu personagem, né?<br />

Enfim, tinha isso dai. E antes disso, nós tivemos a proibição <strong>de</strong> “A visita da velha<br />

senhora” <strong>de</strong> Friedrich Dürrenmatt, também dirigida pelo Eugênio Kusnet, ele ficou<br />

fruatradissimo o Eugênio, e também foi proibida, já tinha cenário pronto, figurino, e foi mais ou<br />

menos o mesmo caso, também foi proibida, só algumas poucas pessoas assistiram.<br />

ER: Que ano foi essa segunda?<br />

HB: 73.<br />

ER: Um período duro, do governo Médici, foi um período duro.<br />

HB: Foi, foi. Mas ai nós tivemos outras peças nesse período <strong>de</strong> 70 que você perguntou,<br />

em 72 que foi “O homem do principio ao fim”, foi um sucesso estron<strong>dos</strong>o, e tinha uns textos lá<br />

também que a gente dizia assim “- Acho que os censores não enten<strong>de</strong>ram muito bem o que é<br />

isso”, né? Que era um tipo <strong>de</strong> uma colagem, então como ia <strong>de</strong> um texto <strong>para</strong> o outro, talvez<br />

eles não tivessem idéia <strong>de</strong> tudo aquilo, mas era um texto que tinha trechos fortíssimos nesse<br />

espetáculo, foi “O homem do principio ao fim”, nesse período também teve “A ralé”, do Máximo<br />

Gorki quem dirigiu foi o Silvio Zilber, que também era um espetáculo fortíssimo, que também<br />

ganhamos muitos prêmios, teve muito público, foi muito marcante também.<br />

EP: Montaram o Guarnieri, duas.<br />

HB: É, o “Zumbi” também, “Zumbi” foi um <strong>dos</strong> gran<strong>de</strong>s sucessos <strong>de</strong> público, que na<br />

época além <strong>de</strong> ter o festival do estado, tinha o festival do SESC, festival do SESC que também<br />

era um festival até mais forte o do estado, assim, a gente acha em termos <strong>de</strong>... porque o SESC<br />

sempre foi uma potência, então eles mandavam pessoas <strong>para</strong> assistir cada espetáculo no<br />

estado todinho, então não era por fases, então <strong>de</strong>rrepente tinha dois espetáculos <strong>de</strong> uma<br />

mesma cida<strong>de</strong>, porque a cida<strong>de</strong> tinha dois bons espetáculos, porque o do estado uma acabava<br />

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eliminando uma, esse dai não. Então eles tinham um grupo <strong>de</strong> pessoas, eram sempre as<br />

mesmas, que escolhiam os melhores espetáculos do estado, eles iam em cada cida<strong>de</strong> assistir<br />

e selecionavam, e nós fomos seleciona<strong>dos</strong> com “Zumbi”, por exemplo, em 1970, e nós fomos<br />

no festival do SESC, que era um espetáculo que era feito lá do lado do Mackenzie, na rua<br />

Maria Antônia, que também era um lugar <strong>de</strong> um agito só na época da ditadura, era um lugar<br />

assim, e nós fomos apresentar o “Zumbi” e na época...<br />

ER: Foi em 72?<br />

HB: Foi 70<br />

EP: Depois vocês montaram em 74 <strong>de</strong> novo.<br />

HB: Isso. Então em 70, por exemplo, como era muito perto do Mackenzie ali, aquele<br />

lugar, a Maria Antônia foi uma rua muito agitada na época, então todo mundo ia assistir, lotava<br />

os festivais.<br />

Então era o nosso dia da nossa apresentação, quando nós chegamos que nós fomos<br />

tomar um lanche da tar<strong>de</strong>, nós vimos “- Olha, já tem gente na fila” e tudo bem, e toda noite nós<br />

íamos <strong>para</strong> São Paulo <strong>para</strong> assistir todas as peças, a gente acompanhava tudo. Então, e todas<br />

lotavam e tudo, os que esgotavam eles davam um jeito, que podia naquela época, hoje os<br />

bombeiros não <strong>de</strong>ixam, mas ficavam os corredores lota<strong>dos</strong>, então a gente assistia às peças.<br />

Então foi o nosso espetáculo, só que o Assumpção falou assim pra gente “- Gente, nós vamos<br />

começar um pouquinho antes o espetáculo, tudo bem?”, “- Tudo bem”, “- Porque é o seguinte,<br />

tem tanta gente lá fora que nós vamos ter que fazer dois”, falamos “- Mas ninguém fez”, “- Mas<br />

nós vamos fazer, porque tá lotado e sabem que é o nosso grupo”, e a gente tinha isso também,<br />

a gente carregava público, então foi, nós fizemos o primeiro espetáculo, começamos tipo, uma<br />

hora, meia hora antes, que já tava cheio <strong>de</strong> gente, lotou, e assim, foi um <strong>dos</strong> espetáculos que<br />

nós nos surpreen<strong>de</strong>mos pela reação da platéia, que nós sabíamos o que queria dizer por trás<br />

do texto, o Guarnieri tinha muito disso também, ele fazia muita coisa velada, mas que tinha...<br />

nossa a platéia reagia a certas coisas que nós mesmos, as vezes falávamos “- Nossa!”, porque<br />

a gente estudava muito o texto antes <strong>para</strong> saber o que ele estava dizendo, então a gente sabia,<br />

mas nem sempre a platéia entendia, mas essa platéia era muito intelectualizada, então o <strong>teatro</strong><br />

veio a baixo, a platéia aplaudiu muito tempo, e <strong>de</strong>pois fizemos outro espetáculo lotado também,<br />

ficaram esperando na rua e nós fizemos, bom, ai veio o resultado do festival, e ai toda noite o<br />

público votava, então só o pessoal da primeira turma que votou, o segundo... da segunda<br />

sessão não, e só nós fizemos duas sessões, e o pessoal <strong>de</strong>ssa primeira sessão que votou,<br />

então eles votavam, era “bom”, “mal”, “regular”, “péssimo”, qualquer coisa assim, eu sei que<br />

ente “bom” e “ótimo” nós recebemos noventa e sete por cento, e tinha o troféu popular e o<br />

troféu do júri oficial, o júri oficial por coincidência, nós não conhecíamos ainda, não havíamos<br />

sido dirigi<strong>dos</strong> por Eugênio Kusnet, o Carlos Miranda, que era o gran<strong>de</strong> incentivador <strong>de</strong> <strong>teatro</strong><br />

na época, e o Sidney Siqueira, que levou o “Morte e vida Severina” <strong>para</strong> um na França, então<br />

eram o júri, enfim, nós ganhamos tanto pelo júri oficial como pelo juripopular, então <strong>para</strong> nós foi<br />

uma gran<strong>de</strong> coisa assim, um gran<strong>de</strong> acontecimento, essas coisas que cada vez mais a gente<br />

fala “- Nossa, precisamos montar aquele espetáculo! O que nós vamos ter que fazer?” Então a<br />

gente se suplantava justamente <strong>para</strong> po<strong>de</strong>r continuar mantendo esse nível nosso.<br />

Acho que são esses os anos 70 mais, nem sei se eu esqueci algum ai, tem mais mas<br />

eu não estou lembrando. O “Castro Alves” também foi em 70?<br />

EP: Vocês montaram “O boi e o burro” também, você lembra?<br />

HB: Esse infantil. O “Castro Alves” também é <strong>de</strong> 70 e pouco?<br />

EP: “Castro Alves” foi em 76.<br />

HB: O “Castro Alves” também, que era do Guarnieri, era a história do Castro Alves,<br />

contando também, foi um estron<strong>dos</strong>o sucesso <strong>de</strong> público.<br />

ER: Uma questão nacional que o Guarnieri trata nessa peça, sobre liberda<strong>de</strong>...<br />

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HB: Sobre liberda<strong>de</strong>, o próprio Castro Alves já era um...<br />

ER: Contra a escravidão.<br />

HB: Sim, ele já tinha toda essa parte <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> assim, nós também fizemos.<br />

ER: E me diz uma coisa, essa escolha das peças do Guarnieri, mas vocês em algum<br />

momento se relacionaram com o Teatro <strong>de</strong> Arena?<br />

HB: Não. Quando a gente montou esses espetáculos a gente tinha que pedir<br />

autorização <strong>para</strong> a SBAT, que é a Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Autores Teatrais, que a gente<br />

sempre pedia, e muitas vezes o Assumpção era meio metido, então ele ia conversar com o<br />

Guarnieri, ele falava “- Vou montar seu espetáculo”, a gente ia, conversava, chegamos a ir na<br />

casa do Guarnieri, “- Nós queremos montar, assim, assim, tudo bem?”, “- Tudo bem”, nós<br />

nunca tivemos problemas com os autores <strong>de</strong> conversar, quando a gente foi montar o “Auto da<br />

Compa<strong>de</strong>cida” ele foi, como tinha filho morando em Recife, foi até lá conversar com o<br />

Suassuna, que era na época diretor <strong>de</strong> cultura <strong>de</strong> Recife, então ele sempre falava “- Vamos<br />

conversar com o autor...”, quando a gente fez “Porandubas populares” foi falar com o Carlos<br />

Quiroz Telles, com a Leillah Assunção, ele conversar <strong>para</strong> falar “- Olha, eu quero montar, to<br />

pensando em fazer isso...”, nunca teve problema, então. E quase sempre partia <strong>de</strong>le “- Vamos<br />

montar isso?” e o pessoal “- Vamos!”, a gente sempre aceitava, mesmo porque eu, por<br />

exemplo, era muito criança na época, a gente aceitava, e mesmo essa questão da censura, a<br />

gente sabia tudo, porque passou, sofreu na pele, assim, a gente queria fazer <strong>teatro</strong>, a gente<br />

curtia, queria fazer bem feito, porque ele falava “- Tem que fazer bem feito! Se tiver <strong>de</strong>z<br />

pessoas, três, duas, uma na platéia! Respeite esse público”, ele falava “- Tem que respeitar” e<br />

com o tempo a gente foi percebendo isso mesmo, porque nós chegamos a fazer casa lotada<br />

com pessoas que não estavam afim <strong>de</strong> assistir, como eu disse, as vezes os professores levam<br />

os alunos, e chegamos a fazer com cincos pessoas que elas se transformou, como aconteceu<br />

<strong>de</strong> ter uma pessoa na platéia que nos convidou <strong>para</strong> levar o espetáculo <strong>para</strong> o interior, assim,<br />

duas, três cida<strong>de</strong>s com casas lotadas, então tem tudo isso, ele falou “- Se tem uma pessoa na<br />

platéia tem que respeitar” e até hoje a gente leva isso, quer dizer, é uma semente que ele<br />

plantou e nós tentamos seguir o máximo possível os bons ensinamentos.<br />

EP: Vocês não ajudavam na escolha do texto?<br />

HB: Não, dificilmente, porque a gente era muito jovem.<br />

ER: Era o Assumpção que tinha...<br />

HB: Ele e o Sérgio que tinham mais um... <strong>de</strong>rrepente “- Vamos montar esse? Vocês<br />

querem?”, a gente fazia uma primeira leitura e “- O que vocês acharam?” e todo mundo “-<br />

Maravilhoso!” porque eram textos bons mesmo, então todo mundo logo <strong>de</strong> cara aceitava e<br />

fazia, era bem assim.<br />

ER: Que outros textos importantes que vocês montaram nos anos 70?<br />

EP: Vocês montaram muitas adaptações do evangelho...<br />

HB: Ah não, porque assim como o grupo começou na Igreja, sempre tinha aquele<br />

negócio, porque no começo também, como se fazia na semana santa “A paixão <strong>de</strong> Cristo”,<br />

então a gente fez muita coisa na semana santa durante vários anos, “- Vamos montar „A paixão<br />

<strong>de</strong> Cristo‟?”, “- Ah, vamos”, então montava, como na época do natal montava-se peça infantil,<br />

não era nem infantil, peça <strong>de</strong> natal que reportava o presépio, o nascimento <strong>de</strong> Jesus, então<br />

isso por muitos anos a gente fez, tanto na semana santa quanto no período do natal<br />

ER: E isso ajudou também a formar público?<br />

HB: Sem dúvida, sem dúvida.<br />

99


ER: E patrocínio? Apoios? Como é que vocês nessa época inicial, anos 60 e 70, como<br />

é que vocês resolviam esse problema? Porque vocês montaram textos importantes, iam <strong>para</strong><br />

os festivais, você falou que a Prefeitura acabou dando esse suporte. Era mais a Prefeitura<br />

mesmo? Como era? Tinha política <strong>de</strong> Estado? Tinha Comissão Municipal... Estadual <strong>de</strong><br />

Teatro? Tinha participação disso ou não?<br />

HB: Não, não, na parte oficial que você falou da comissão, na época, como eu falei, a<br />

COTAESP às vezes pagava pessoas <strong>para</strong> darem cursos e palestras, só o que tinha era isso.<br />

Pra uma montagem em si, é o que eu falei, a Prefeitura dava esse suporte <strong>de</strong> cenário, figurino,<br />

figurino não, cenário, transporte, do pessoal, as vezes o ônibus <strong>para</strong> a gente, e o caminhão pro<br />

cenário, que eram aqueles cenários monstruosos, que hoje a gente não faz mais, tinha até o<br />

piso <strong>de</strong>rrepente.<br />

EP: Bem realista.<br />

HB: É, bem assim, <strong>de</strong>pois eu mostro as fotos e vocês po<strong>de</strong>m ver, então era <strong>de</strong>sse jeito.<br />

Agora <strong>de</strong> patrocínio, <strong>de</strong>rrepente tinha, como se diz, você... como que eu vou dizer... você ia<br />

fazer um cartaz, tal, então a gráfica fala “- Eu posso por meu nome ali embaixo? Vou fazer um<br />

preço mais baixo”, não que não cobrasse, mas você sabia que ia fazer um preço menor, então<br />

punha esse apoio, as vezes você... que outra coisa tinha? Ah, você precisava <strong>de</strong> papel pra<br />

montar os textos, então papelaria, Papelaria Banbino, que eu me lembro, na época, então eles<br />

davam as vezes as folhas pra gente, então tinha o nominho <strong>de</strong>les no cartaz que era feito, então<br />

era coisa bem simples, <strong>de</strong>rrepente dava as folhas, mas <strong>para</strong> nós era <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> ajuda, coisas<br />

assim. Ou então fazia uma apresentação num lugar e dizia “- A gente não tem nada, mas a<br />

gente vai dar um bolinho, um chazinho <strong>de</strong>pois” e tudo bem, a gente aceitava também, porque a<br />

gente até hoje vai sem receber nada, então a gente não ligava, então tinha isso assim, tinha<br />

apoio, pequenos apoios, a parte administrativa do grupo, porque o grupo é formado<br />

administrativamente, tem um estatuto e tudo, então o escritório <strong>de</strong> contabilida<strong>de</strong> não<br />

cobrava nada e não cobra até hoje, então põe o nome, então eles não cobram nada até hoje,<br />

era esse tipo <strong>de</strong> apoio, mas <strong>para</strong> nós já era uma gran<strong>de</strong> economia, porque como o grupo<br />

também recebe pouquíssimo, por ano, quase nada, então se você não tiver esse apoio você<br />

não vai, então <strong>de</strong>rrepente precisa <strong>de</strong> uma roupa, eu lembro que teve uma tecelagem, uma...<br />

que <strong>de</strong>u os teci<strong>dos</strong>, e teve o nome da tecelagem lá, uma vez a gente precisou <strong>de</strong> pele,<br />

precisava <strong>de</strong> pele assim tinha aqui em São Bernardo tinha a Peles Merino, eles <strong>de</strong>ram as pele,<br />

então tinha o nominho <strong>de</strong>les lá, então era coisa pouca, mas <strong>para</strong> nós era muito.<br />

ER: E nunca ninguém teve um salário por trabalhar no grupo?<br />

HB: Não, não. Nunca teve, o que teve foi assim como quando veio o Eugênio Kusnet,<br />

ai o grupo pô<strong>de</strong> pagar, porque ele não fazia parte do grupo, então tem recibo assinado por<br />

Eugênio Kusnetsov, era o nome <strong>de</strong>le, então ele recebia porque ele veio trabalhar <strong>para</strong> o grupo.<br />

ER: O grupo é que o contratou?<br />

HB: O grupo contratou.<br />

ER: Nesse período, qual o período que o Eugênio Kusnet ficou com o grupo?<br />

Trabalhando no grupo?<br />

HB: Foi... 74...<br />

EP: Qual a primeira peça que vocês montaram com ele?<br />

HB: Foi “A visita da velha senhora”.<br />

EP: Em 73<br />

HB: É... 73/74<br />

ER: Foi um período difícil, né?<br />

100


HB: Foi, foi. Eu ia busca-lo na casa <strong>de</strong>le lá em São Paulo, lá na rua Painha, atrás do<br />

Teatro Maria <strong>de</strong>lla Costa, que era.<br />

ER: E nos anos 80? O que você teria <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque <strong>de</strong> montagem? De experiência com<br />

a censura... e <strong>de</strong> presença também do público, eu queria que você pensasse um pouco<br />

com<strong>para</strong>tivamente, porque nos anos 80, nós temos ai, nós po<strong>de</strong>ríamos pensar os anos 80 em<br />

duas fases: uma primeira fase ainda daquele período do movimento social pela<br />

re<strong>de</strong>mocratização do país, e <strong>de</strong>pois uma segunda fase da segunda meta<strong>de</strong> da década <strong>de</strong> 80 já<br />

no período da nova Constituição, da Constituinte, um período <strong>de</strong> mais abertura, né ? Queria<br />

que você falasse <strong>de</strong>ssa experiência.<br />

HB: Bom, começando os anos 80 mesmo, então veio a anistia, a anistia irrestrita, como<br />

é que era... ampla, geral e irrestrita, o Assumpção falou “- Vamos remontar „Liberda<strong>de</strong>‟!” (risos)<br />

ele falou “- Não! Tá aqui (sinal <strong>de</strong> até o pescoço) nós vamos remontar „Liberda<strong>de</strong>‟! Vou pedir<br />

autorização”, autorização primeiro é pra SBAT, ai pediu e o Millôr Fernan<strong>de</strong>s disse “- Não,<br />

estava com vocês, vocês não pu<strong>de</strong>ram continuar, continuem a partir dai!”, quer dizer, então nós<br />

pedimos, foi <strong>para</strong> a censura, fizemos toda a papelada outra vez e foi liberada e ai nós<br />

montamos “Liberda<strong>de</strong>, liberda<strong>de</strong>”, nós fomos estrear no Teatro Cacilda Becker, que é um <strong>teatro</strong><br />

aqui do Paço Municipal, que vocês já <strong>de</strong>vem ter visto imagens do Paço nas greves...<br />

ER: Eu assisti a apresentação <strong>de</strong> vocês.<br />

HB: Então ele fica junto ao Paço Municipal, o Teatro Cacilda Becker, ele é anexado ao<br />

Paço Municipal. E ai nós fomos montar o espetáculo, nós nos embonecando no camarim, as<br />

meninas lá tal, e começamos a ouvir um burburinho, burburinho, alguém olhou pela janela,<br />

quando olhou “- Nossa! Tem bastante gente!” disse “- Não dá nem pra ver... Vai ter bastante<br />

público!”. Não é que a gente não tava acostumado, sempre teve muito público, a gente tava<br />

acostumado com gran<strong>de</strong> público, “- Nossa! Mas olhando aqui pela janela não dá pra ver até<br />

on<strong>de</strong> vai a fila” , ai alguém que tava do outro lado do Cacilda Becker olhou pela janela porque<br />

tava ouvindo barulho, a fila, não era uma pessoa, era um grosso assim <strong>de</strong> pessoas, que dava a<br />

volta no Paço todo, falei assim “- Nossa! Mas tem muita gente!”, ai veio o Assumpção e falou<br />

assim “- É o seguinte, tem muito público, não vai dar pra fazer um espetáculo só, vamos fazer<br />

dois, já falei com a administração, nós vamos fazer dois espetáculos, então nós vamos<br />

começar antes, <strong>para</strong> quem está lá fora não esperar tanto”, ai nós fizemos o espetáculo, o<br />

espetáculo foi assim e foi, o <strong>teatro</strong> veio a baixo, e tinha uma frase que era do Abraham Lincoln<br />

que ele falava assim “- Que o governo do povo, pelo ovo e <strong>para</strong> o povo não <strong>de</strong>saparecerá da<br />

face da Terra”, o Hélio, que era nosso gran<strong>de</strong> ator, um <strong>dos</strong> gran<strong>de</strong>s atores que o Regina Pacis<br />

teve, e que também jan faleceu, o Hélio não falou nada nem <strong>para</strong> nós, chegou na hora, ele<br />

falou só com o Assumpção que era o diretor, ou ele combinou com o Assumpção, eu nem sei<br />

<strong>de</strong> quem partiu a idéia, enfim, nós estávamos no meio do espetáculo e ele vai falar essa frase e<br />

ele pega e fala assim “- Que o governo do trabalhador, pelo trabalhador e <strong>para</strong> o trabalhador<br />

não <strong>de</strong>saparecerá da face da Terra!” e foi logo <strong>de</strong>pois das greves, eu sei que a platéia assim<br />

caiu, foi aquele... eu sei que eu fiquei tão emocionada que cai lágrimas, tinha que falar <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> novo, foi uma coisa assim, que é uma emoção que você sente e fala “- Meu <strong>de</strong>us!” então já<br />

começou os anos 80 assim pra nós... e a “Liberda<strong>de</strong>” durante todo o período que nós<br />

montamos pra todo lugar que a gente levava, todo mundo saindo do sufoco, né?! E ela <strong>de</strong>u<br />

essa (respiro forte), foi uma re<strong>de</strong>nção, então o espetáculo fazia isso.<br />

Então esse primeiro espetáculo e o segundo <strong>de</strong>pois também lotou... e foi... nós sempre<br />

levamos a to<strong>dos</strong> os lugares, nós nunca nos importamos <strong>de</strong> fazer...vai fazer no Curucutu –<br />

Curucutu é um bairro que tem <strong>de</strong>pois da balsa, aqui no Riacho Gran<strong>de</strong> – nós vamos. Vai na<br />

escolinha, que não tem palco não tem nada, a gente faz o espetáculo. Então a gente carregou<br />

esse espetáculo com muito sucesso. Então foi assim nossos anos oitenta né?! Então foi muito<br />

bom! E nesses anos 80 nós montamos os espetáculos muitos infantis, mantendo o público e<br />

tal. Nós fizemos Toda Donzela tem pai que é uma fera, que foi um sucesso muito gran<strong>de</strong>, era<br />

uma comédia <strong>de</strong> costumes, mas fez muito sucesso. Fizemos Estranho Procedimento que eram<br />

várias crônicas do Fernando Veríssimo, que também nos <strong>de</strong>u permissão especial. Quem<br />

montou foi o Armando Azzari, foi uma proposta que ele trouxe que ele falou “Posso digir”. Ele<br />

veio pedir pra dirigir o nosso grupo, falou “Posso dirigir, eu tenho uma vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ver vocês.”<br />

Então veio, fez o espetáculo. Também montamos Milagre na Cela, do Jorge Andra<strong>de</strong>, que foi<br />

101


proibida durante todo o período da ditadura, sobre uma freira que foi presa e estuprada na cela<br />

pelo <strong>de</strong>legado,então é uma peça muito pesada que também fizemos. A gente fez nos anos 80<br />

né?!<br />

EP: Isso...<br />

HB: Ahh!! Tem também Em Defesa <strong>de</strong> Gigi Damiani, que é uma peça <strong>dos</strong> operários<br />

anarquistas, <strong>dos</strong> imigrantes da região do Brás principalmente aqui em São Paulo, nós fizemos<br />

esse espetáculo também foi muito sucesso, foi muito bonito, muito legal, que é da Jandira<br />

Martini e Eliana Rocha, foi feita uma pesquisa gran<strong>de</strong> pra esse trabalho, tanto que eu recebi da<br />

Itália um e-mail que entrou no nosso site, uma pessoa que tava estudando Emma Ballerini que<br />

foi a companheira da Gigi Damiani. Ela pediu pra mim como tinha sido feita a pesquisa do<br />

personagem, ela falou que tinha feito a pesquisa e apareceu o nome <strong>de</strong>la no nosso grupo.E aí<br />

eu passei o en<strong>de</strong>reço da Jandira Martini, que eu peguei lá na SBAT, na verda<strong>de</strong> não foi a gente<br />

que fez a pesquisa. Claro que quando a gente monta a gente vai atrás e lê tudo, mas a<br />

pesquisa específica foi feito por elas, eu repassei pra essa pesquisadora italiana, sendo que lá<br />

na Itália não tinha nada, porque eles foram bani<strong>dos</strong> da Itália. Então foram assim...montamos<br />

esse espetáculo. Não sei se teve mais algum espetáculo...E aí fomos montar Martins Penna,<br />

que todo mundo começa com Martins Penna. E todo mundo montava Martins Penna e nós<br />

nunca montamos. E também teve Capitão do Mato que também foi muuito legal fazer, foi muito<br />

bacana. E todo mundo falando “Mas vocês vão fazer o Martins Penna, e todo mundo começa<br />

com Martins Penna, vocês vão fazer...” Isso que o nosso grupo tem: a gente monta o que quer,<br />

quando quer, pra quem quer. A gente não tem uma i<strong>de</strong>ologia que é muitas vezes nós como<br />

grupo <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>, a gente sabe disso pelos nossos colegas <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>, sempre nos cobraram uma<br />

postura às vezes social, política, religiosa, sei lá, mas nós nunca tivemos...tem cada um no seu<br />

grupo tem a sua postura e acho que isso é muito <strong>de</strong>mocrático no nosso grupo, a gente recebia<br />

pessoas <strong>de</strong> qualquer facção, <strong>de</strong> qualquer jeito. Não interessa, nós tivemos pessoas até muito<br />

ricas no nosso grupo e pessoas muito pobres: “mas será que eu vou ter dinheiro, mas será<br />

que..” mas a gente sempre dava um jeitinho, isso não importa, é isso que eu falo, você fazer<br />

<strong>teatro</strong> é o que importa. Então nosso grupo muitas vezes foi cobrado por conta disso, que tinha<br />

que ter postura. Claro que...no período da ditadura, quem gostava? Ninguém gostava,<br />

principalmente a gente que fazia arte, cultura e não podia fazer, a gente foi podado. Mas nós<br />

somos ás vezes, porque <strong>de</strong> repente a gente foi fazer Martins Penna nessa época, nós<br />

queremos, e foi muito bom fazer, porque <strong>teatro</strong> é diversão além <strong>de</strong> tudo pra nós. “Vamos fazer<br />

o espetáculo?Vamos.” Isso que é legal, você não ter que fazer uma coisa que vai nesta<br />

direção, não, até hoje é assim.<br />

ER: Que ótimo. E me diz uma coisa...nesses anos 80, você se lembra <strong>de</strong> algum<br />

momento <strong>de</strong> maior dificulda<strong>de</strong> do grupo, por falta <strong>de</strong> dinheiro, por falta <strong>de</strong> pessoas, <strong>de</strong> público,<br />

ou ainda resquício <strong>de</strong> censura? Que outros, vamos dizer assim momentos <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>, e a<br />

televisão, anos 80, como é que era o público?<br />

HB: Não, não... Vou começar pela sua última pergunta. Não adianta televisão a gente<br />

nunca teve apoio, assim nós fazemos parte da gran<strong>de</strong> São Paulo, então a TV, Ela fica centrada<br />

na capital. Mesmo agora com essas TVs regionais, é muito pequeno o espaço que a gente tem,<br />

mas a gente já se acostumou com isso, então não é uma preocupação nossa ter este apoio. A<br />

imprensa <strong>de</strong> uma maneira geral, sempre <strong>de</strong>u uma coisinha ou outra, manda release eles<br />

publicam, publicavam, tá mais difícil agora. Acho que <strong>de</strong>pois do fim <strong>dos</strong> anos 90 ficou mais<br />

difícil, porque a imprensa recebe release do mundo todo, então <strong>de</strong> repente ter uma notinha <strong>de</strong><br />

sei lá quem, do artista, do Brad Pitt, então ele não vai por, vai interessar mais do que a gente.<br />

Então diminuiu também a imprensa escrita, mas fazer o que? Nós nunca <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>mos muito<br />

disso pro público, claro que hoje é mais difícil ter público do que antes, porque as coisas<br />

mudaram. Mas voltando aos anos 80 eu acho que nós fizemos bastante montagens, foi bem<br />

profícuo em termos <strong>de</strong> montagens, tivemos público, muito público, já escassearam os festivais,<br />

porque a COTAESP também se esfacelou, terminou e tinham mostras <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>. As mostras<br />

assim, você vai manda material, então você é escolhido pra você participar daquela mostra. A<br />

gente participava, era legal, mas não era igual festival. Já não tinha aquela...não era nem pela<br />

premiação que existia, mas ela tinha uma característica diferente, assim...tem outras<br />

priorida<strong>de</strong>s, vai saber quem escolhia...que nem sempre a gente participou, mas toda vez que<br />

participou foi muito bom. E pro grupo assim a gente continuou fazendo, não teve assim, já não<br />

102


tinha problema <strong>de</strong> censura, então a gente <strong>de</strong>itava e rolava porque a gente tinha esse direito.<br />

Mas foi muito legal, e os festivais que teve também foi muito legal, a gente participou. Acho que<br />

o último que a gente participou foi Estanho Procedimento, que vinha no Sesc, que tinha já outra<br />

característica, mas vinha muito bem. Mesmo do Estado também foi muito bem, nós recebemos<br />

alguns prêmios também, foi legal...teve isso também.<br />

ER: E como que era a relação <strong>de</strong> vocês, nesse período que tinha, que havia a<br />

organização maior e tal, anos 70 e 80, com os outros <strong>grupos</strong>? Vocês se encontravam,<br />

trocavam idéias, ou cada grupo ficava no seu pedaço e ninguém se conversava?<br />

HB: Não... a gente se conversava, tinha...que nem a própria FEANTA quando fechou a<br />

COATESP também foi. Aí formaram uma Fe<strong>de</strong>ração... FETASB que seria Fe<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> Teatro<br />

<strong>de</strong> São Bernardo, que foi assim, algum tempo, que o pessoal resolveu formar, mas não como<br />

dirigentes, mas foi... lá a gente tá cuidando do grupo, não vamos cuidar da fe<strong>de</strong>ração que a<br />

gente sabe que dá trabalho. Mas a gente se reunia, nessas mostras a gente se encontrava e<br />

tudo, e coinci<strong>de</strong>ntemente em 82, a Ana e eu, a Ana até hoje também tá no grupo, ela entrou no<br />

mesmo ano que eu...<br />

ER: Como é o nome <strong>de</strong>la?<br />

HB: Ana Maria Medici, ela é a atriz mais premiada do nosso grupo, que a Ana é uma<br />

excelente atriz, ela ganhou inclusive o prêmio Governador do Estado no mesmo ano que o pai<br />

<strong>de</strong>la. Então foi o mesmo ano, pai e filha ganhando Governador do Estado, ela como<br />

coadjuvante, inclusive ela concorreu com a Cássia Kiss, também tava no <strong>teatro</strong> amador foi<br />

em.... São José do Rio preto. E o pai <strong>de</strong>la ganhou ator, foi com o Auto da Compa<strong>de</strong>cida<br />

ganhou governador do Estado. E a Ana, coinci<strong>de</strong>ntemente em 82, teve um concurso público<br />

aqui em São Bernardo pra formar o <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> cultura, porque não existia quase lugar<br />

nenhum, muito menos secretaria <strong>de</strong> cultura. Porque o Tito Corsi veio ser prefeito aqui da<br />

cida<strong>de</strong>, e a parte cultural ele sempre foi muito preocupado com isso, então os <strong>teatro</strong>s que se<br />

formaram em São Bernardo ,centros culturais tudo isso é tudo da época <strong>de</strong>le, foi assim uma<br />

efervescência cultural. Bom...teve o concurso e era pra quem era formado em comunicação<br />

social, eu, a Ana e o Assumpção fizemos a mesma faculda<strong>de</strong>, o Assumpção voltou a estudar<br />

pra se formar jornalista e eu e a Ana fizemos relações públicas, que a comunicação social era<br />

junta, só no último ano que se dividia. Teve esse concurso só pra comunicação social e eu e a<br />

Ana passamos, mesmo porque caiu um monte <strong>de</strong> pergunta sobre <strong>teatro</strong>, cinema. Pô! Pra nós<br />

foi assim... a gente sabia tudo aquilo, a gente vivenciava aquilo, então foi pra nós super<br />

simples, passamos. Nós fomos trabalhar na secretaria <strong>de</strong> cultura, então os <strong>grupos</strong> também<br />

vinham até nós por conta do nosso serviço, nós éramos programadoras da cida<strong>de</strong>. Então a<br />

gente programava os filmes, com mostras, a gente fazia seguimentos <strong>de</strong> mostras <strong>de</strong> cinema<br />

sueco, ou então Fe<strong>de</strong>rico Fellini; artes visuais, que englobava <strong>de</strong>s<strong>de</strong> pinturas, fotografias;<br />

instalações, a gente sempre trabalhou com isso; folclore; com música, festivais <strong>de</strong> música, ou<br />

então apresentação pura e simples <strong>de</strong> shows musicais; <strong>teatro</strong>, toda gama <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>; e dança,<br />

então sempre a gente ficou envolvida nesse meio; concursos literários. Então a gente sempre<br />

ficou envolvida nesse meio, toda essa gama <strong>de</strong>... nós fomos trabalhar com isso, então a gente<br />

tinha muito contato com esses <strong>grupos</strong> <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte disso. E coinci<strong>de</strong>ntemente<br />

<strong>de</strong>pois, alguns dois, três anos <strong>de</strong>pois, o Assumpção foi ser o diretor <strong>de</strong> cultura, ele foi<br />

convidado pra ser diretor <strong>de</strong> cultura <strong>de</strong> São Bernardo, então ele também. Só que pra nós como<br />

grupo <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> aí teve uma coisa: a ética né?! Então o que acontecia, todo mundo queria se<br />

apresentar em final <strong>de</strong> semana no Cacilda Becker e na época tinha uma política assim <strong>de</strong> que<br />

realmente o povo, vinha muita gente pra São Bernardo, porque aqui tinha uma efervescência<br />

cultural muito gran<strong>de</strong>, então nós partimos do princípio <strong>de</strong> que- isso nós falamos em reunião<br />

com todo o pessoal, artistas da cida<strong>de</strong>- falou assim: “- Olha o Cacilda Becker, como nós temos<br />

uma <strong>de</strong>manda muito gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> artistas que vem do Brasil todo pra se apresentar- isso <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

Paulo Autran até Fernanda Montenegro, e os gran<strong>de</strong>s cantores também, músicos- nós vamos<br />

<strong>de</strong>ixar os finais <strong>de</strong> semana pra esse pessoal, porque é muito gran<strong>de</strong>, agora os outros <strong>teatro</strong>s<br />

vai ter final <strong>de</strong> semana pra todo mundo. Durante a semana no Cacilda Becker, também pra<br />

todo mundo, qualquer grupo <strong>de</strong> São Bernardo tem direito a se apresentar. Vai ter direito,<br />

mesmo que seja grupinho <strong>de</strong> escola, sempre vai ter que se (?), mesmo que seja final <strong>de</strong><br />

semana”. Por conta disso to<strong>dos</strong> esses anos que nós ficamos lá o Regina Pacis nunca se<br />

apresentou em nenhum final <strong>de</strong> semana, nunca. Ainda o pessoal nosso foi falar assim “- Mas<br />

103


vocês tão lá!”. Não...nós temos isso, foi um trato, então nenhum grupo também... eles sabiam<br />

<strong>de</strong>ssa ética nossa. E até hoje esses <strong>grupos</strong> que ainda existem eles falam “- Como vocês faziam<br />

legal o negócio, vocês nunca foram privilegia<strong>dos</strong> por conta disso.” Eu falei: “- Não.”. E teve um<br />

espetáculo que... e aí eu ousei também escrever né?! Porque com o tempo você vai<br />

ficando...eu tinha escrito uma infantil nos anos 80 e <strong>de</strong> repente eu resolvi escrever um<br />

espetáculo que era a história da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Bernardo, que ia ter um congresso <strong>de</strong> história.<br />

Eu resolvi escrever, então tinha esse espetáculo que se chamava Que história é essa<br />

Bernardo? E contava a história da cida<strong>de</strong>. Mas assim...ele era um espetáculo ele tinha um meio<br />

musial, ele tinha uma parte <strong>de</strong> drama e contava da escravatura, tinha a colonização italiana,<br />

mas tinha também uma parte, porque assim São Bernardo tem duas versões da fundação da<br />

cida<strong>de</strong>. A primeira que a cida<strong>de</strong> foi fundada em 1553, isto antes <strong>de</strong> São Paulo, um ano antes<br />

então, por João Ramalho e o Cacique Tibiriçá, antes <strong>de</strong>les irem pra São Paulo, quando eles<br />

fugiram que os franceses invadiram o litoral, eles fugiram pra São Paulo, <strong>de</strong> Piratininga, então<br />

tem essa primeira versão que é oficial e contada pelo município. Mas tem uma versão <strong>dos</strong><br />

historiadores, o pessoal que pesquisa aqui em São Bernardo que, na verda<strong>de</strong>, São Bernardo<br />

somente só foi conhecido <strong>de</strong>pois como Vila <strong>de</strong> São Bernardo, como realmente cida<strong>de</strong>, 1779<br />

com a vinda <strong>dos</strong> monges beneditinos aqui pra cida<strong>de</strong>. Tem essas duas versões, eu peguei a<br />

briga do João Ramalho e o Cacique Tibiriçá brigando com Nossa Senhora da Boa Viagem e o<br />

São Bernardo no palco, explicava no palco, cada um brigando assim...e no meio tinha uma<br />

guia <strong>de</strong> turismo. Então ela ficava louca com esses quatro personagens, dois <strong>de</strong> cada lado,<br />

então foi muito feliz, eu não sei <strong>de</strong> on<strong>de</strong> veio a idéia, mas foi muito feliz e eu gostava muito.<br />

Então nesse período que nós trabalhamos lá, a gente não fazia <strong>de</strong> final <strong>de</strong> semana, então<br />

assim, a gente acabava <strong>de</strong> fechar a programação da cida<strong>de</strong>, era eu e a Ana, a gente falava<br />

assim “- Ana, vamos ver o que sobrou, o que ninguém quis – a gente ligava, via se ninguém<br />

queria- bom...sobrou uma terça aqui no (?) , sobrou uma quarta aqui no Cacilda, vamos fazer<br />

„Que história é essa Bernardo?‟?” “- Vamos.” E lotava, era fazer o espetáculo e lotava, porque<br />

os professores recomendavam o espetáculo, porque era bem melhor do que dar uma aula,<br />

porque eu contava a história da cida<strong>de</strong>, que tinha essas duas, até hoje tem, e eu contava<br />

história e ia contando os pontos turísticos, porque ela levava... junto com ela vinham turistas<br />

em São Bernardo, na Bernô City Tour, era o nome da agência <strong>de</strong> viagem. Então contava<br />

essas histórias e por...a Ana fez essa personagem, que era guia turística, falando com sotaque<br />

nor<strong>de</strong>stino, porque a fluência nor<strong>de</strong>stina <strong>de</strong>pois <strong>dos</strong> anos, já 70, em São Bernardo era muito<br />

gran<strong>de</strong>. Então ela fazia com sotaque, eu falei você vai fazer o personagem assim, Clo<strong>de</strong>nilse.<br />

Então isso... você vê, nunca a gente fez <strong>de</strong> final <strong>de</strong> semana. “- Sobrou uma datinha aqui,<br />

vamos fazer?” E tal, então os <strong>grupos</strong> sempre nos respeitaram muito com isso <strong>de</strong> nós nunca<br />

sermos, termos sido privilegia<strong>dos</strong> em função <strong>de</strong> estarmos lá. Então foi um período muito bom.<br />

ER: O Assumpção morreu em que ano?<br />

HB: 1995.<br />

ER: Depois do final da ditadura, e re<strong>de</strong>mocratização e essas mudanças todas que nós<br />

tivemos no panorama, com a globalização e tal, o que você percebe nos anos 90 e na<br />

atualida<strong>de</strong> com relação aos <strong>grupos</strong> <strong>amadores</strong> <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>?<br />

HB: Você falou a palavra <strong>amadores</strong>, eu não sei se é bem <strong>amadores</strong>, porque hoje,<br />

como eu já falei, mas eu cito outra vez eu tenho feito parte <strong>de</strong> uma reunião <strong>dos</strong> <strong>grupos</strong> do<br />

gran<strong>de</strong> ABC, que são as sete cida<strong>de</strong>s, em que eles se reúnem pra discutir justamente a...o que<br />

tá acontecendo e tal. E eu percebo, já percebi, nessas rodadas <strong>de</strong> reuniões que tem que o<br />

pessoal fala <strong>de</strong> suas dificulda<strong>de</strong>s, aliás todo mundo só tem dificulda<strong>de</strong>, mas fala e cada um já<br />

contou sua história. E.. até um dia eles falaram “Hilda, fala do Regina Pacis” E... em quinze<br />

minuitos, eu falei “Tá bom vou resumir, to<strong>dos</strong> os 49 anos, bem rapidinho nesses 15 minutos.” E<br />

realmente eu resumi tentei contar <strong>de</strong> uma forma assim...e as pessoas: “Não, mas <strong>de</strong>pois você<br />

vai ter que contar lá, porque a gente fica curioso.” Eu falei tudo bem... Mas o que eu percebi: o<br />

amador, as pessoas hoje, os <strong>grupos</strong>, o que eles estão fazendo, eu não sei se po<strong>de</strong> se chamar<br />

amador como era o nosso, porque o nosso como eu disse: ninguém ganha nada. Agora esses<br />

<strong>grupos</strong> que eu disse, agora mesmo está tendo um edital pela prefeitura, e todo mundo vai, vai<br />

ganhar um cachê e tal. Mas aí ficam pra essas pessoas. Claro, eu não sei como cada um faz,<br />

mas pelo que eu entendi nessas rodadas <strong>de</strong> conversações aquele dinheiro, eles ficam um<br />

104


pouquinho pra eles, mas também fica um pouquinho pro grupo pra po<strong>de</strong>r manter, fazer<br />

montagens e se manter, então tem um pouquinho <strong>de</strong> diferença aí.<br />

ER: As pessoas estão vivendo do <strong>teatro</strong>?<br />

HB: As pessoas estão vivendo, exatamente, exatamente.<br />

EP:É um amador por condição e não por opção como vocês, é isso?<br />

HB: Eu acho que é mais ou menos isso, mas assim eles tão sobrevivendo, também<br />

acho isso legal, não tenho nada contra, acho que é uma outra realida<strong>de</strong> hoje. E pra nós é até<br />

mais difícil, porque você tem que participar <strong>de</strong> edital. De repente você fala assim “- Não eu<br />

quero fazer <strong>de</strong> graça, não precisa ter nada <strong>de</strong> edital.” Então você tem dificulda<strong>de</strong>, por exemplo,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que entrou essa administração eu fiz duas apresentações, uma no <strong>teatro</strong> e outra ao ar<br />

livre, que teve uma coisa especial, performance que eles chamam, né?! Foi só isso. E eu fazia,<br />

nós apresentávamos na cida<strong>de</strong> praticamente todo mês, nem que fosse uma apresentação,<br />

apresentava. Eu estou apresentando mais fora daqui do que aqui. Por conta do que? De<br />

editais. Então se pro pessoal é bom, acaba no edital você ganha um tanto, mas eu não quero<br />

ganhar, eu quero mostrar o meu trabalho, o trabalho tá pronto eu quero mostrar. Então já fui<br />

até o Secretário Frank Aguiar, já fui conversar com ele, man<strong>de</strong>i e-mail, <strong>de</strong>ixei escrito: eu quero<br />

me apresentar, em qualquer lugar- até no Curucutu – quero apresentar. “- Ahh vou ver” Tal,<br />

tal... já faz praticamente quatro meses e não tem retorno, então eu fico triste por isso, eu quero<br />

mostrar o trabalho. „Eu‟, que eu falo pelo grupo, nós queremos mostrar nosso trabalho e nós<br />

não estamos mostrando por conta disso.Ontem mesmo eu estava lá na Secretaria <strong>de</strong> Cultura,<br />

foi elevado a secretaria, não mudou nada, só o nome. Mas é uma realida<strong>de</strong>... a gente tem que<br />

ser real. Então a gente tava lá esperando e chegou um rapaz que fazia muito tempo que eu<br />

não via: “- Ahh Hilda, que bom, fazia muito tempo que eu queria conversar com você...” Eu falei<br />

“- E você?” “- Eu <strong>de</strong>sisti <strong>de</strong> fazer <strong>teatro</strong>.” “- Mas <strong>de</strong>sistiu?” “- Eu <strong>de</strong>sisti, eu fico muito<br />

<strong>de</strong>sanimado com essas coisas todas e eu acho que esses editais atrapalham mais ainda.”<br />

Você vê, e ele não tem a nossa característica, porque as pessoas ficam viciadas em ter que<br />

ganhar alguma coisa e acabam produzindo em função <strong>dos</strong> editais, não produzindo que nem a<br />

gente produzia em termos <strong>de</strong> criar, em termos <strong>de</strong> fazer, <strong>de</strong> querer mostrar. Eu achei<br />

interessante ele falar isso, porque eu nunca esperava que os outros <strong>grupos</strong> também, pra nós<br />

pra muita gente que fazia <strong>teatro</strong> por exemplo há uns quinze, vinte anos atrás, ele falou assim e<br />

falou “- Eu to participando aqui porque eu sou professor da terceira ida<strong>de</strong> da prefeitura, então<br />

meu grupo vai participar do edital, porque eu tenho um grupo a parte”. Mas ele falou “- Eu sou<br />

professor, não tenho mais porque <strong>de</strong>pois eu <strong>de</strong>sisti, toda aquela efervescência que a gente<br />

tinha das mostras, <strong>dos</strong> <strong>grupos</strong> se encontrando, que nem vocês faziam, enquanto vocês<br />

estavam funcionárias aqui, vocês faziam muitas reuniões com os <strong>grupos</strong>, e eu sei que vocês<br />

faziam não só com os <strong>grupos</strong> <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>, mas <strong>de</strong> dança.” Claro a gente privilegiava assim o<br />

<strong>teatro</strong>, privilegiava não... mas a gente tinha mais afinida<strong>de</strong>, mas a gente fazia mostra <strong>de</strong> dança,<br />

fazia mostras <strong>de</strong> outras coisas, então a gente fazia tudo isso e a gente sempre teve muito<br />

contato, que nem domingo eu fui júri <strong>de</strong> dança. De um festival, mas eu falei “mas eu vou ser?”<br />

“não a gente sabe... você trabalhou com isso” Eu trabalhei a vida toda com isso, então eu fui.<br />

Então, por causa disso aí, a gente sente um pouco <strong>de</strong> falta disso... Esse termo amador eu não<br />

sei até que ponto seria tudo igual. Eu to falando assim pelo que eu senti conversando com os<br />

<strong>grupos</strong>. Talvez você tivesse que conversar com eles pra ver...<br />

ER: E em termos <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, to dizendo assim, artística, teatral mesmo, <strong>de</strong><br />

continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses <strong>grupos</strong>, existe alguma diferença? Você diz, eles estão aten<strong>de</strong>ndo a<br />

editais, eles estão recebendo, o que você tem vivenciado em termos <strong>de</strong>ssa qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

produção, permanência no grupo, envolvimento com o público?<br />

HB: Eu acho que tem muita qualida<strong>de</strong>, muita coisa boa. Claro, sempre tem aqueles<br />

que... principalmente os que estão começando, tem muita dificulda<strong>de</strong>, mesmo porque hoje,<br />

pela falta <strong>de</strong> leitura mesmo...as pessoas não conseguem...montam um espetáculo e não tem<br />

idéia do que está no contexto, principalmente os que estão iniciando né?! Mas muitos <strong>grupos</strong>,<br />

eles estão vindo também <strong>de</strong> pessoas que se formam nas escolas <strong>de</strong>... cursos <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> por aí,<br />

então eles tem uma certa base, então esses daí eu acho que eles tem muita qualida<strong>de</strong> sim,<br />

tenho visto coisa boa.<br />

105


ER: E os <strong>grupos</strong> tem se reunido com constância?<br />

HB: Então... é isso que eu to falando, eu tenho feito parte <strong>de</strong>sse aí, claro que sempre<br />

vão praticamente os mesmos representantes nessas reuniões, mas tem uma reunião... o<br />

pessoal da Matil<strong>de</strong>, acho que é da Matil<strong>de</strong>...<br />

ER: Quem é Matil<strong>de</strong>?<br />

HB: È uma companhia <strong>de</strong> São Caetano.<br />

EP: Companhia da Matil<strong>de</strong>.<br />

HB: É... eu não sei se foi eles, mas pelo menos quem me convidou foi. Mas foi <strong>de</strong>pois<br />

da quarta, quinta reunião. E assim, tem um pessoal que tem ido praticamente sempre na<br />

reunião, mas tem uns que foram um período que já largaram, então eu percebi isso.<br />

ER: São <strong>grupos</strong> da região ou só <strong>de</strong>...<br />

HB: Da região... e assim os que estão mais constantes são os <strong>grupos</strong> <strong>de</strong> Santo André<br />

e São Bernardo que tem mais ido nas reuniões.<br />

ER: É uma região mais tradicional já...<br />

HB: É.. tem São Caetano também, mas é menos e do Rio Gran<strong>de</strong> da Serra nunca foi<br />

nenhuma vez nenhum representante, apesar <strong>de</strong> fazer parte das sete cida<strong>de</strong>s. Dia<strong>de</strong>ma foi só<br />

uma vez. Na verda<strong>de</strong> tá centrada mais na região do ABC, que seriam os <strong>grupos</strong> mais atuantes<br />

mesmo.<br />

ER: Você tem esse conhecimento da região, essa presença da cultura nessa cida<strong>de</strong>,<br />

na região do ABC. Eu... me lembro que as escolas, que as escolas eram um pólo <strong>de</strong> incentivo<br />

<strong>de</strong> produção teatral, os grupinhos <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>, <strong>de</strong> formar, <strong>de</strong> apresentar pelo menos uma vez ao<br />

ano. Como é que é isso hoje? Você tem visto essa participação, esse fomento, esse incentivo?<br />

HB: Olha... eu não posso respon<strong>de</strong>r muito pelas escolas, mas eu vou dar um exemplo<br />

do meu lado em relação às escolas. Essa peça minha “Bate papo na Feira”, que é uma peça<br />

que fala sobre o que? São... é um mamão, o ovo, tomate, a laranja e a biringela, o que eles<br />

fazem? Eles conversam entre eles e quando chega freguês eles ficam quietinhos e tal, então<br />

eles ficam inanima<strong>dos</strong>, vamos dizer assim. E eles falam das proprieda<strong>de</strong>s que cada um tem,<br />

que nem o tomate fala “- Eu sou o rei das vitaminas, porque eu tenho isso, aquilo...”, então eles<br />

ficam discutindo, brigando, em termos, ou falando o que cada um tem <strong>de</strong> melhor, o que é bom<br />

pra alimentação do homem, ao mesmo tempo tem alguma coisa <strong>de</strong> ecologia, em termos <strong>de</strong><br />

reciclar, porque vai um freguês com sacola plástica, então... essas coisas, então você pega um<br />

pouquinho do politicamente correto, da alimentação saudável. Bom enfim... fiz essa peça,<br />

assim logo que estreou no começo <strong>de</strong>sse ano, eu fiz cartaz pra algumas escolas, tanto do<br />

estado quando particular. Man<strong>de</strong>i as cartinhas falando que nós estávamos a disposição pra<br />

fazer uma apresentação <strong>de</strong> graça, bem em negrito, gratuita, que estaríamos a disposição pra<br />

fazer, só que nós só po<strong>de</strong>mos fazer nos sába<strong>dos</strong> à tar<strong>de</strong> e domingos, po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong> tar<strong>de</strong>, por<br />

conta que todo mundo... to<strong>dos</strong> eles trabalham. Nós inclusive temos pessoas estrearam nessa<br />

peça. Nós estaríamos a disposição, o contato e ninguém respon<strong>de</strong>u. Acredita? Ninguém me<br />

respon<strong>de</strong>u. Inclusive man<strong>de</strong>i, porque minha sobrinha, minha sobrinha-neta, ela está na peça,<br />

ela faz a laranja, ela tem 13 anos, ela é mais alta...é grandona, vai ser uma meninona. Ela está<br />

na escola, escola particular, eu peguei o nome da pessoa responsável por essa área e escrevi<br />

assim: inclusive um <strong>dos</strong> personagens interpreta<strong>dos</strong>, que é a laranja, é aluna da escola, assim<br />

assim... expliquei o nome <strong>de</strong>la, tudo... ninguém respon<strong>de</strong>u. Ou seja, a gente percebe... tudo<br />

bem a gente tem os professores que dão aula toda semana, vai pra escola e vai mais pro final<br />

<strong>de</strong> semana, mas eu acho que às vezes abrir uma exceção, ou então vir conversar com a<br />

gente... É complicado né?! Que nem tem um professor que escreveu no nosso site, ele é novo,<br />

veio dar aula aqui, eu não me lembro agora, acho que... é <strong>de</strong> geografia, ele escreveu pedindo<br />

“- Como que eu po<strong>de</strong>ria ajudar e tal?” Aí eu falei pra ele, escrevi, passei o telefone porque<br />

queria conversar. Aí expliquei pra ele, ele falou “- Você não po<strong>de</strong> vir aqui pra ensaiar os alunos<br />

106


assim, assim.” Eu já fiz muito isso, não cobro nada, ensaiei e tal. Eu falei “- Eu não tenho<br />

condições no momento, meu grupo vai fazer 50 anos, nós vamos escrever um livro, tem uma<br />

série <strong>de</strong> coisas, não tenho condições. Mas o que eu posso fazer é ir aí, fazer uma palestra,<br />

levar, fazer duas ou três cenas curtas como eu falei primeiro, mostrar, fazer isso e também<br />

posso levar a peça <strong>de</strong> final <strong>de</strong> semana, é o que eu posso fazer. Estou à disposição pra isso”. E<br />

aí...eu gosto <strong>de</strong> dizer “- De manhã eu posso levar duas ou três pessoas que eu se que vão<br />

trabalhar à tar<strong>de</strong>, à tar<strong>de</strong> eu posso ir com outra e à noite com outra”, porque ele falou que dava<br />

aula nos três perío<strong>dos</strong>. Então você vê que eu estou à disposição. “- Ah, tá bom.” Também não<br />

teve mais, ele queria que eu fosse dar aula, não podia, mas podia isso pra ajudar, então dar<br />

uma orientação, eu falei se vocês tem um grupo <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>, dar uma orientação da on<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ir,<br />

que tipo <strong>de</strong> livros po<strong>de</strong> usar e posso <strong>de</strong> vez em quando até dar uma olhada, não posso é<br />

assumir. Mas também não <strong>de</strong>u mais retorno, é engraçado essas coisas... então eu não sei, eu<br />

estou falando o meu lado <strong>de</strong> contato com a escola, como é o retorno, eu não sei se eu errei no<br />

modo <strong>de</strong> abordar, eu não sei... mas em compensação eu fiz na Metodista esse final <strong>de</strong><br />

semana, que também foi uma...uma pessoa que também tem o título <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nadora <strong>de</strong><br />

educação e lazer da universida<strong>de</strong> Metodista. Ela falou “- Vamos arriscar fazer.” Eu man<strong>de</strong>i todo<br />

o material, também fui lá conversar com ela, falei “- Ó, você tem que fazer isso”. Dei todas as<br />

dicas que eu sei. Lotou o <strong>teatro</strong>, lotou porque ela abriu pro público fora da faculda<strong>de</strong>, pros<br />

funcionários. E antes <strong>de</strong> começar ela falou : “- Ahh eu quero que você fale alguma coisa, tem<br />

um grupo tal,você fala?”, tá bom fui lá falei e falei olha tem uma coisa, se alguém quiser...<br />

foram duas pessoas <strong>de</strong> escola falar comigo, que gostariam muito que levasse o espetáculo,<br />

eu falei ta bom vocês me escrevem passei o e-mail, e a gente vê a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ir , até<br />

agora ninguém me escreveu,porque elas iam falar com a diretora, a responsável, porque elas<br />

são só professoras tal e você vê, até agora não veio , meu contato foi esse, então tem tudo<br />

isso. Esse foi meu contato com escolas até hoje, então eu não sei até que ponto vai.<br />

ER: E com relação à censura? Pra gente terminar... se vocês não tiverem mais<br />

nenhuma questão, censura... hoje.. você enxerga? A censura hoje mudou? Que tipo <strong>de</strong><br />

censura? Se existe censura, ou não tem mais censura?<br />

HB: Não vejo nenhuma censura assim...<br />

HB: O grupo <strong>de</strong>pois da constituição <strong>de</strong> 88 não teve nenhum tipo <strong>de</strong> censura em seus<br />

trabalhos?<br />

HB: Não, não, não vejo assim... não sei... não percebo quando a gente vai<br />

apresentar... não percebo ninguém falando assim “- Aai !... vocês fizeram isso ,fizeram<br />

aquilo...” nunca senti nenhum problema sinceramente falando, pelo menos que eu me lembre<br />

não tem não.<br />

ER: E a presença no grupo agora? A configuração do grupo? Vocês têm muitos<br />

elementos novos ou mantém uma tradição <strong>de</strong> participação <strong>dos</strong> mais antigos?<br />

HB: É uma mistura, é uma mistura, assim a gente sempre faz trabalhos com novos e<br />

velhos. Então assim, por exemplo, esse grupo infantil, tem um rapaz que tem 28 anos <strong>de</strong><br />

grupo, um outro tem 22, tem um que tem 4 anos <strong>de</strong> grupo, tem três que começaram tem dois<br />

anos e tem um que estreou nesse espetáculo, e tem a sonoplasta que tem quarenta e nove<br />

anos <strong>de</strong> grupo enten<strong>de</strong>u? A diretora tem vinte e seis ou vinte e sete anos <strong>de</strong> grupo<br />

ER: E você quanto tempo tem?<br />

HB: De grupo... eu estou com... ai... quarenta e nove tira quatro, estou com quarenta e<br />

cinco – comecei <strong>de</strong> fraldinha... (risos) – não tinha uns quatorze anos quando comecei .<br />

ER: E pra memória do <strong>teatro</strong> que se produziu em São Paulo nesse período, pra<br />

memória da cida<strong>de</strong> e da cultural mesmo, da cida<strong>de</strong>, local, e do nosso estado? Qual foi a<br />

<strong>contribuição</strong>, você acha, do Grupo Regina Pacis?<br />

HB: (risos) Não sei, eu estou falando do meu ponto <strong>de</strong> vista assim, eu acho que<br />

contribuiu muito, eu acredito porque... assim como eu falei no começo, o grupo representava<br />

107


São Bernardo, então todo mundo sabia que nós tínhamos, vamos dizer assim... aquele subtítulo<br />

<strong>de</strong> um bom grupo <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>, com um bom espetáculo, com bons atores. Então tinham<br />

pessoas que vinham questionar e diziam assim “- Como é que vocês têm tão bons atores<br />

(pessoas <strong>de</strong> outros <strong>grupos</strong>) e nós não ?”, não que... são bons atores mas, como eu falei, nós<br />

trabalhamos as pessoas. Eu vou em todas as apresentações (e não sou eu que dirijo), e<br />

quando acaba, antes <strong>de</strong> começar a nova apresentação, eu falo “- Olha....” eu pego no pé até<br />

hoje... “- Olha você não esta pronto errou isso”, não é errar texto não é isso, é errar na<br />

interpretação, na postura, não sei o que... o texto é <strong>de</strong> menos, se ele passar a mensagem<br />

po<strong>de</strong> errar no texto, mas é isso é pegar no pé pra crescer, não <strong>de</strong>ixa, ficou pronto não liga<br />

mais, não, então eu pego no pé toda vez, tem a diretora que pega, mas eu pego mais, e eles<br />

falam “- Ai a tia Hilda...” eles me tiram mesmo, tiram muito sarro. Como um rapaz que chegou<br />

atrasado no sábado mesmo né... eu falei isso.. isso... isso... aí ele falou “- Ai! Hilda num sei o<br />

que, eu me atrapalhei com o horário...” então eu falei “- Não é a primeira vez que acontece<br />

isso” (porque você percebe né ?) então falei “- Num sei que ,num sei que ,num sei que lá...”<br />

falei, falei... ele olho pra mim.. falei “- Pronto <strong>de</strong>i a bronca, agora me da um beijo e fala bom<br />

dia”, porque você não po<strong>de</strong> levar tudo a ferro e fogo, todo mundo esta lá por boa vonta<strong>de</strong>,<br />

peguei no pé, <strong>de</strong>i a bronca, pedi um beijo e vamos pra festa, pra quebra... mas é saber que<br />

você assumiu um compromisso,... ele não chegava,... agente fica preocupada, apesar que hoje<br />

tem celular, mas as vezes a gente fica com o coração na mão, ai ela ligou e ele estava<br />

dormindo, era onze horaas da manha, era oito e meia da manhã que eu marquei pra sair.<br />

Então tem isso, enten<strong>de</strong>u, tem uma mistura <strong>dos</strong> novos com os velhos, sempre teve.<br />

Procuro sempre misturar. Agora, é difícil arrebanhar gente nova pro grupo, tá muito difícil,<br />

porque antigamente as pessoas ou só trabalhavam, vamos supor, trabalhavam das oito da<br />

manhã às cinco da tar<strong>de</strong>, acabou; hoje não, ela trabalha até sete, oito horas da noite e às<br />

vezes liga assim “- Ah, meu chefe me pediu isso, tenho que entregar!”, ai você fala “- Bom, <strong>de</strong><br />

sábado e domingo?”, “- Mas eu trabalho <strong>de</strong> sábado e domingo”, tem pessoas que trabalham <strong>de</strong><br />

sábado e domingo, tem isso, antigamente quem trabalhava <strong>de</strong> sábado e domingo? Ninguém.<br />

Bom, tem esse problema, ou tem aquele que só estuda, ele estuda mas faz escola regular, mas<br />

faz inglês a parte, faz informática a parte, futebol Jiu-jitsu, sei lá o que, então é assim, as<br />

pessoas tão muito...<br />

ER: Ocupadas.<br />

HB: Ocupadas, ou as pessoas, porque as vezes você trabalhava ou estudava, eu<br />

entrei no grupo praticamente estava começando a trabalhar, começando a estudar, mas eu<br />

consegui fazer tudo isso e <strong>de</strong>u certo! Na época <strong>de</strong> férias ensaiava durante a noite, e sábado e<br />

domingo ensaiava, então era diferente, era outro período. Hoje não, as pessoas são diferentes,<br />

tão muito... e os menores <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> pai, <strong>de</strong> mãe pra levar, não, a gente ia...<br />

pegava o ônibus e ia se tinha que ir, se ia a pé a gente ia, tinha toda essa liberda<strong>de</strong> que hoje a<br />

gente não tem.<br />

Isso mudou muito, o que nós vamos fazer? E as pessoas que trabalham também são<br />

muito pressionadas no serviço, eu falo “- Não, vai trabalhar!”, porque a pessoa não po<strong>de</strong> per<strong>de</strong>r<br />

o emprego, a gente faz <strong>teatro</strong> porque gosta, então... tem essa diferença, a diferença social e<br />

econômica, eu acho.<br />

ER: Ninguém tem mais nenhuma pergunta? Então obrigada, nós vamos te incomodar<br />

mais vezes...<br />

(Risos)<br />

HB: Isso não é incomodo, é um prazer, prazer <strong>de</strong> falar do aque a gente gosta e com<br />

pessoas que estão interessadas em ouvir, porque são coisas do nosso passado e também do<br />

nosso presente, mas nem todo mundo gosta <strong>de</strong> ouvir, nós temos que, falo nós porque falo em<br />

nome do grupo, nós ficamos felizes em saber que tem pessoas que se interessam pela, não só<br />

pela história do nosso grupo, mas a história da cida<strong>de</strong> e do país, porque foi uma coisa que foi<br />

vivida em gran<strong>de</strong> escala por to<strong>dos</strong>.<br />

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Então ficou muito feliz e agra<strong>de</strong>ço, espero que não tenha atrapalhado pra falar, porque<br />

eu falo com as mãos, com a boca, passo <strong>de</strong> um assunto pra outro, mas espero que dê <strong>para</strong><br />

enten<strong>de</strong>r, (risos), qualquer dúvida a gente refaz!<br />

ER: Obrigada!<br />

HB: Mas eu é que agra<strong>de</strong>ço, obrigada!<br />

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Anexo VII – Documentos forneci<strong>dos</strong> por Hilda Breda<br />

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