30.05.2013 Views

Suplemento%20Especia%20-%20Maio

Suplemento%20Especia%20-%20Maio

Suplemento%20Especia%20-%20Maio

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

a NoVa poesia brasileira<br />

EU CAMINHAVA<br />

ASSIM TÃO DISTRAÍDO<br />

maurício arruda meNdoNÇa<br />

olha eu ando louco à procura<br />

de um olhar que como o seu<br />

me acalme um pouco<br />

e eu possa chamar poema<br />

salto de cervo<br />

lua de outono<br />

olha a parede se descasca<br />

poeira em tudo o que fica<br />

pense um pouco cinza de<br />

cigarro tubo de caneta<br />

não foi assim que eu te<br />

ensinei a mentir tenho<br />

febre algum tipo de dor<br />

mas ainda que eu erre<br />

olha velocidade é uma fissura<br />

da juventude solidão é<br />

um método maluco de saber<br />

quem está dentro de você<br />

quando a cidade inteira<br />

te odeia mas<br />

entre almas de jeans<br />

você segue<br />

olha nada na neblina além de<br />

borboletas transando<br />

estátuas se mexendo<br />

pessoas que se esqueceram<br />

de sorrir e você vai<br />

se matando<br />

de tanto dizer sim<br />

mas<br />

olha a chuva fina no asfalto<br />

meu suor em sua pele<br />

pra sempre<br />

25<br />

Como poema memorável escolheria “Eu Caminhava Assim tão Distraído”, de<br />

Maurício Arruda Mendonça (Londrina, PR, 1964), um poeta que precisa ser<br />

mais lido e conhecido. Este é um daqueles poemas que volta e meia voltam<br />

a minha mente. O poema dá título ao seu primeiro livro (Sette Letras,<br />

1997). Para mim, é uma peça com versos contundentes, de rara beleza, que<br />

apresenta também um retrato de época, em que ainda se acreditava que a<br />

poesia poderia mudar o mundo. Em tempos em que o que parece importar<br />

é mais a pose do que a poesia, com poetas que não dizem absolutamente<br />

nada, com uma poética vazia e prosaica, o poema do Maurício mostra a<br />

capacidade lírica da poesia contemporânea brasileira. Não a toa, foi transformado<br />

em canção pelo compositor Bernardo Pellegrini, que a intitulou<br />

“Olha” (http://www.youtube.com/watch?v=iYLknQsSoS8).<br />

Rodrigo Garcia Lopes<br />

Há mais de quinze anos convivo com este poema de Maurício Arruda<br />

Mendonça e sempre que o releio (ou o escuto, na versão musical feita pelo<br />

compositor Bernardo Pellegrini) sinto um misto de encantamento e desconforto.<br />

Há nele um lirismo conciso, sutil, com imagens que resvalam a<br />

atmosfera do haicai (“nada na neblina além / de borboletas transando /<br />

estátuas se mexendo”) e uma vaporosidade habilmente construída. Lirismo<br />

e vaporosidade que dialogam mais com a poesia de e. e. cummings do que<br />

de Manuel Bandeira (penso, por exemplo, no poema de cummings, traduzido<br />

por Augusto de Campos, com seu derradeiro verso: “ninguém, nem mesmo a<br />

chuva, tem mãos tão pequenas”). Por outro lado, o poema de Maurício tem<br />

também um “espírito de época” acentuado — uma época de desencontros,<br />

de conformismos, de velocidade, de esvaziamento de sentidos. Esse espírito<br />

de época se insinua logo na primeira estrofe, se acentua nos versos “cinza<br />

de cigarro, tubo de caneta / não foi assim que eu te ensinei a mentir” (não<br />

sei se todos compreendem a sutileza) e evidencia todos os sinais (como um<br />

luminoso piscando na noite) no verso “e você vai se matando de tanto dizer<br />

sim”. Esse lirismo não-ingênuo (até uma certa nostalgia de grandes encontros,<br />

eu diria) e essa solidão urbana tão atual me encantam e me desconfortam.<br />

Tenho a impressão de que vou me lembrar deste poema até o fim.<br />

Ademir Assunção

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!