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Suplemento%20Especia%20-%20Maio

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38<br />

CORRA DE OLHOS FECHADOS<br />

daNilo moNTeiro<br />

Corra de olhos fechados como um filho da puta<br />

nesta praia deserta<br />

porque tudo se desintegra às suas costas<br />

e você sabe,<br />

dentro de instantes o Departamento do Patrimônio<br />

Histórico da sua mente selecionará os rostos,<br />

paisagens e sensações que deverão ser tombados<br />

a qualquer custo,<br />

a mão do carrasco tem um carimbo onde se lê “sublime”;<br />

corra de olhos fechados e grite se possível como um<br />

filho da puta,<br />

e pule nesta brecha sem abrir os olhos nem<br />

parar de gritar,<br />

uma coluna de ar que sustenta um espaço vazio,<br />

ou isto<br />

ou um lento suicídio.<br />

Como escolher, de toda a produção de poesia brasileira dos últimos 20 anos (mesmo com<br />

a delimitação secundária da idade dos autores, que devem ter nascido de 1960 em diante),<br />

apenas um poema? Não é precisamente nas relações com outros poemas, do passado (como<br />

memória), mas também, talvez sobretudo, do presente (como comunidade), e quem sabe até<br />

do futuro (como desejo), que qualquer poema singular ganha seu verdadeiro sentido? Tento,<br />

então, dar um significado mais preciso para a palavra impacto, que nomeia o critério que<br />

deve nortear minha eleição. Interpreto-a, etimologicamente, como designação do efeito daquilo<br />

que vem de encontro a mim e tem o poder de abalar a percepção que tenho das coisas<br />

(da própria poesia, mas também do mundo e dos seres que o habitam). O grande problema<br />

é que todo poema digno desse nome – toda obra de arte, quando é arte, e especialmente<br />

quando já se dispõe a deixar de sê-lo e aspira a outra coisa (vida, ou seu contrário) – age<br />

assim, seja com violência, seja com sutileza. “Força é mudares de vida”, diz o torso arcaico<br />

de Apolo a Rilke (aqui, na tradução magistral de Bandeira). Fico com o poema (de Hoje outro<br />

nome tem a chuva, Azougue, 2004), de Danilo Monteiro, que li há anos, antes mesmo de sair<br />

em livro, e que tive a honra de publicar na revista Cacto, de que fui um dos editores, e que<br />

ainda não parou de me desconcertar. Mas se anote que, ao fazê-lo, deixo de fora outros<br />

textos que também têm tal potência desordenadora, como “No botequim”, de Sérgio Alcides<br />

(cujo refrão “Oiti, oiti” – no qual também escuto o Outis, “Ninguém”, que é o outro nome de<br />

Odisseu – volta e meia retorna ao meu ouvido interno), “Boca da noite”, de Ruy Proença (cuja<br />

figuração dos jovens, na academia de ginástica, “berrando como javalis de seita” impedeme<br />

de ver outra coisa quando passo por um desses templos), “Assuntos”, de Tarso de Melo,<br />

“O coração dos homens”, de Veronica Stigger, “História sentimental do teatro”, de Leandro<br />

Sarmatz, “Pai”, de Fabio Weintraub, “Uma mulher limpa”, de Angélica Freitas, “Coisas putas<br />

emitem luz”, de Pádua Fernandes, “H.”, de Carlito Azevedo...<br />

Eduardo Sterzi

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