Suplemento%20Especia%20-%20Maio
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a NoVa poesia brasileira<br />
DE NOVO NADA<br />
paulo Ferraz<br />
(trecho inicial do poema)<br />
SÓ O IMPENSÁVEL É IMPOSSÍVEL<br />
Deixa ler sua sorte. Mal me<br />
dei conta e já tinha a mão da<br />
velha agarrada à minha. Bela<br />
mão, Velha, menos cigana<br />
que mendiga. pele fina,<br />
mas essas linhas O que me<br />
disse em seguida perdeu-se<br />
na poluição; minha mente<br />
revolveu, para salvar a<br />
sua quiromancia, o monturo,<br />
depois, faxina completa,<br />
decifrei: La buena dicha<br />
de sua existên sobreposta<br />
Esse longo poema de Paulo Ferraz (do livro De novo nada,<br />
Selo Sebastião Grifo, 2007), reflete algumas das inquietações<br />
do homem contemporâneo que observa os conflitos e<br />
contradições da cidade grande.<br />
O poema é composto por versos que têm uma métrica<br />
bastante peculiar e pelos quais ecoam vozes que se<br />
entrelaçam, se confrontam e questionam a realidade, a<br />
existência e a própria linguagem num caleidoscópio de referências<br />
que dialogam com a cultura popular e a cultura<br />
erudita, com a tradição e a vanguarda. Fazer o novo? Novo<br />
Eclesiastes?<br />
Jogo de espelhos onde reside a palavra. Jogo de espelhos<br />
onde só o impensável é impossível.<br />
Victor Del Franco<br />
soa estridente uma sirene<br />
cia, sua singularidade<br />
talvez, está em seu destino<br />
(creio que a tradução correta<br />
seria: sua fatalidade).<br />
Coma esta resma, coma esta<br />
resma, esta resma alimenta<br />
seu ventre e enche os intestinos,<br />
talvez lhe seja indigesta.<br />
Será. Logo, escolha como<br />
sairão de seu corpo as letras<br />
em cada página escritas.<br />
SEUS CACOS ao alcance do olho<br />
estilhaços: um cão late<br />
ao longe, talvez ao acaso<br />
o que sobra da vida<br />
entre um e outro passo<br />
poça, o que fica da chuva<br />
como uma flor — precisa<br />
em seus disparos; a dor<br />
como presença<br />
nos detalhes; o corpo de<br />
uma cor, seus claros<br />
espaço que se abre<br />
temporário<br />
no agosto desse concreto<br />
armado<br />
Acompanho a poesia de Tarso de Melo desde a publicação de A lapso (Alpharrabio, 1999)<br />
e da edição da revista literária Monturo. Sempre me causou espanto o trato rigoroso<br />
com a linguagem, sem cair no preciosismo e no decorativo, aliado à consciência crítica<br />
sobre as misérias do cotidiano, as contradições entre realidade e seu registro lírico, ou o<br />
lapso entre a imagem engendrada no poema e as ranhuras e ruínas da metrópole. Essa<br />
vertigem do abismo em que se meteu o sujeito moderno não bloqueia, no entanto, a vaga<br />
esperança de que se possa construir algo diverso, utopia em negativo nos textos de Tarso.<br />
O poema “19”, da série Deserto, publicado originalmente em plaquete e depois incluído<br />
em Carbono (Nankin/Alpharrabio, 2002), talvez ilustre a poética do estilhaço como ícone<br />
e mote da lucidez fraturada entre as sobras da vida, os disparos, a dor, as colorações do<br />
corpo e o espaço de concreto que nos configura e aprisiona. Precisa ter pulso firme e<br />
coragem para fazer a poesia da “poça, o que fica da chuva”. Não ceder às ilusões do ego e<br />
às armadilhas da ideologia, joguetes sedutores para o artista e o cidadão comum.<br />
Reynaldo Damazio<br />
19<br />
Tarso de melo<br />
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