Suplemento%20Especia%20-%20Maio
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28<br />
MÚSICA<br />
eduardo sTerzi<br />
Rien, cette écume, vierge vers<br />
Stéphane Mallarmé<br />
a musa voluptuosa<br />
pede passagem<br />
e lhe damos —<br />
prosa:<br />
qualquer imagem<br />
vale mais<br />
que a floração sentimental de uma<br />
rosa:<br />
gás lacrimogêneo,<br />
luto, melancolia,<br />
estrofe, catástrofe,<br />
catarse:<br />
deposita-se, linear<br />
(limpa e suja como um verso)<br />
pela praia pedregosa da palavra<br />
— esta espuma.<br />
Do livro Prosa (2001), estreia de Eduardo Sterzi no alvorecer do novo século,<br />
escolho o inesquecível poema “Música”. É uma peça que tem um quê de<br />
decisiva – para a formulação da poética do próprio autor e também como<br />
diálogo com a melhor lírica brasileira dos últimos 50 anos. Estão no poema,<br />
cristalizadas e devidamente deglutidas, as muitas leituras desse especialista<br />
em Dante (mas também em Murilo Mendes, Augusto de Campos e<br />
poesia contemporânea). Todas essas referências, no entanto, parecem servir<br />
menos como índice de erudição e mais como diálogo fecundo com a<br />
tradição, e da forma mais irônica e tardia possível: a lírica se imiscuindo<br />
naquela “prosa do mundo”, contaminando-se com ela, deixando a elevação<br />
para buscar não o prosaísmo banal, mas o entrechoque –quase terrorista,<br />
até – com a realidade. Por essas razões, e algumas outras, penso que este é<br />
um poema muito representativo em nosso cenário.<br />
Leandro Sarmatz<br />
IMAGINASSEM AS<br />
AMENDOEIRAS<br />
eucaNaà Ferraz<br />
Imaginassem as amendoeiras<br />
que estamos em pleno outono.<br />
Vestem-se como.<br />
Púrpura, ouro,<br />
estão perfeitas como estão:<br />
erradas.<br />
Pudesse um poema, um amor,<br />
pudesse qualquer esperança<br />
viver assim o engano:<br />
beleza, beleza,<br />
beleza,<br />
mais nada.<br />
Para contar porque escolhi este poema (do livro Desassombro), começo<br />
pesquisando em minha caixa de e-mails as vezes em que o compartilhei<br />
com alguém. E o que eu queria dizer, marcar, festejar. O que encontro entre<br />
as mensagens são momentos de decisão, de expansão; de esperança.<br />
O poema me volta sempre como uma lembrança da minha fé na beleza.<br />
E da vontade de transcender, que pressupõe erro, desvio, coragem. Assim,<br />
também representa liberdade e criação.<br />
É um poema que me dá a mão, sempre ali um pouco além de onde<br />
estou. Perfeitas e erradas, além de qualquer engano, as amendoeiras do<br />
Eucanaã me ajudam a escolher.<br />
Mônica De Aquino