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As Religiões no Rio - João do Rio - Igreja Metodista de Vila Isabel

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- Baba Sanin, o Miguel Peque<strong>no</strong> man<strong>do</strong>u-me aqui para um negócio muito grave. Baba tem<br />

uns feitiços <strong>no</strong>vos.<br />

- Não tem...<br />

- Eu sei que tem. Abri a carteira, uma carteira <strong>de</strong> efeito, como usam os homens da praça,<br />

e<strong>no</strong>rme, com fechos <strong>de</strong> prata. Não tenha me<strong>do</strong>. Se o Baba não me faz o trabalho, estou<br />

perdi<strong>do</strong>. É a minha última esperança.<br />

- Que trabalho?<br />

Revolvi as <strong>no</strong>tas da carteira, <strong>de</strong>vagar, para mostrá-las, tirei um papelzinho e<br />

misteriosamente murmurei:<br />

- Aqui tem o <strong>no</strong>me <strong>de</strong>la...<br />

Na cara <strong>do</strong> feiticeiro <strong>de</strong>slizou um sorriso diabólico:<br />

- Aha! Aha... Está bom.<br />

- Sanin, eu tenho fé <strong>no</strong>s santos, mas os outros feiticeiros não dão volta ao negócio.<br />

- Você vai acabar. Olhe, po<strong>de</strong> contar...<br />

Tu<strong>do</strong> neste mun<strong>do</strong> é esperança <strong>de</strong> dinheiro, <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> paz, e tanto vive <strong>de</strong><br />

esperança o feiticeiro que a dá como as pobres criaturas que com ele a vão procurar.<br />

Sanin começou a falar <strong>do</strong>s feitiços <strong>do</strong>s outros, lembrou-se <strong>do</strong>s seus aos boca<strong>do</strong>s, e em<br />

pouco, com a esperança <strong>de</strong> ganhar mais, fazia-me revelações.<br />

Cada feiticeiro tem feitiços próprios. Abubaca Caolho, o alcoólico da rua <strong>do</strong> Resen<strong>de</strong>, tem o<br />

ibá, cuia com pimenta-da-costa e ervas para fazer mal. Quan<strong>do</strong> se fala <strong>do</strong> ibá, diz-se<br />

simplesmente: o feitiço <strong>do</strong> Abubaca. Gia, cabeça <strong>de</strong> pato com lesmas e o cabelo da pessoa, é<br />

uma <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> Ojô e serve para enlouquecer. Quem quer enlouquecer o próximo, arranja<br />

ou falsifica a obra <strong>de</strong> Ojô.<br />

- Mas Baba Sanin, como é que sabe tu<strong>do</strong> isso?...<br />

- Então, não aprendi? Eu sei tu<strong>do</strong>.<br />

E como sabe tu<strong>do</strong>, dá-me receitas. Fico saben<strong>do</strong>, sem pasmo, senta<strong>do</strong> numa ca<strong>de</strong>ira, que<br />

giba <strong>de</strong> camelo com corpo <strong>de</strong> macaco e um cabrito preto em ervas matam a gente e que esta<br />

<strong>de</strong>scoberta é <strong>do</strong> celebra<strong>do</strong> <strong>João</strong> Alabá, negro rico e sabichão da rua Barão <strong>de</strong> S. Félix, 76. Não<br />

é tu<strong>do</strong>. Sanin faz-me vagarosamente dar a volta ao armazém <strong>do</strong> feitiço. Eu tomo <strong>no</strong>tas curiosas<br />

<strong>de</strong>ssa medicina moral e física.<br />

Para matar, ainda há outros processos. O malandrão Bonifácio da Pieda<strong>de</strong> acaba um<br />

cidadão pacato apenas com cuspo, sobejos e treze orações; <strong>João</strong> Alabá conseguirá matar a<br />

cida<strong>de</strong> com um porco, um carneiro, um bo<strong>de</strong>, um galo preto, um jaboti e a roupa das criaturas,<br />

auxilia<strong>do</strong> apenas por <strong>do</strong>is negros nus com o tessubá, rosário, na mão, à hora da meia-<strong>no</strong>ite;<br />

pipocas, braço <strong>de</strong> meni<strong>no</strong>, pimenta-malagueta e pé-<strong>de</strong>-anjo arranca<strong>do</strong>s ao cemitério matam em<br />

três dias; <strong>do</strong>is jabotis e <strong>do</strong>is caramujos, <strong>do</strong>is abis, <strong>do</strong>is orobós e terra <strong>de</strong> <strong>de</strong>funto sob sete<br />

orações que <strong>de</strong>morem sete minutos chaman<strong>do</strong> sete vezes a pessoa, é a receita <strong>do</strong> Emídio para<br />

expedir <strong>de</strong>sta vida os inimigos..<br />

Há feitiços para tu<strong>do</strong>. Sobejo <strong>de</strong> cavalo com ervas e duas orações, segun<strong>do</strong> Alufá Ginja,<br />

produz ataques histéricos; um par <strong>de</strong> meias com o rastro da pessoa, ervas e duas orações, tu<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma garrafa, fá-la per<strong>de</strong>r a tramontana; cabelo <strong>de</strong> <strong>de</strong>funto, unhas, pimenta-da-costa e<br />

ervas obrigam o indivíduo a suicidar-se; cabeças <strong>de</strong> cobras e <strong>de</strong> cága<strong>do</strong>, terra <strong>do</strong> cemitério e<br />

caramujos atrasam a vida tal qual como os pombos com ervas daninhas, e não há como<br />

pombas para fazer um homem andar para trás...<br />

- Mas para dar sorte, caro tio?<br />

- Há mão <strong>de</strong> anjo roubada ao cemitério em dia <strong>de</strong> sexta-feira.<br />

- E para tornar um homem ladrão, por exemplo?<br />

- Um rato, cabeça <strong>de</strong> gato, ervas, o <strong>no</strong>me da pessoa e orações.<br />

- E para fazer um casal brigar?<br />

- Cabeça <strong>de</strong> macaco, aranha e uma faca <strong>no</strong>va.<br />

- E para amarrá-los por toda a vida?<br />

O negro pensou, olhan<strong>do</strong>-me fixamente:<br />

- Um obi, um orobô, unhas <strong>do</strong>s pés e das mãos, pestanas e lesmas...<br />

- Tu<strong>do</strong> isso?

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