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“Mulher, grande é a tua fé” - Igreja Metodista de Vila Isabel

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<strong>“Mulher</strong>, <strong>gran<strong>de</strong></strong> <strong>é</strong> a <strong>tua</strong> f<strong>é</strong>”<br />

João Wesley Dornellas<br />

Uma homenagem às mulheres no<br />

Dia Internacional da Mulher<br />

2006<br />

1


<strong>“Mulher</strong>, <strong>gran<strong>de</strong></strong> <strong>é</strong> a <strong>tua</strong> f<strong>é</strong>”<br />

Dedicatória:<br />

João Wesley Dornellas<br />

Este livrinho, que fala <strong>de</strong> mulheres <strong>de</strong> f<strong>é</strong>, <strong>é</strong> uma homenagem especial,<br />

neste Dia Internacional da Mulher, a todas as mulheres e, especialmente,<br />

às duas mulheres mais importantes da minha vida: Cilana,<br />

minha mãe, e Alice, que tem sido companheira e amiga nestes 50<br />

anos <strong>de</strong> casados, mãe amorosa <strong>de</strong> meus dois filhos, Wesley Jr. e Luiz<br />

Otávio. Para elas, duas poesias escritas em momentos especiais:<br />

A minha mãe<br />

A minha mãe querida<br />

<strong>é</strong> o segredo <strong>de</strong> toda a minha vida.<br />

Ela me ensinou a orar<br />

para as <strong>de</strong>lícias do amor <strong>de</strong> Deus gozar.<br />

A minha mãe querida<br />

<strong>é</strong> o segredo <strong>de</strong> toda a minha vida.<br />

Ela me criou, ela <strong>de</strong> mim cuidou,<br />

ela <strong>é</strong> uma bênção que Jesus mandou.<br />

(Poesia escrita em 13 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1945, Dia das<br />

Mães, quando eu ainda não tinha 12 anos e estava<br />

distante <strong>de</strong>la)<br />

3


Meu anjo protetor<br />

4<br />

Nunca fui muito <strong>de</strong> acreditar em anjos.<br />

Tirando a beleza <strong>de</strong> algumas narrativas bíblicas,<br />

todas relacionadas com o nascimento <strong>de</strong> Jesus,<br />

em que os anjos aparecem e dão o seu recado,<br />

nas outras vezes eles me pareciam<br />

seres bem contraditórios.<br />

As tendências ao esoterismo<br />

que têm surgido ultimamente,<br />

talvez porque as religiões tenham falhado<br />

em sua missão <strong>de</strong> ensinar a verda<strong>de</strong> da Bíblia,<br />

trouxeram à moda a figura dos anjos.<br />

Não são, contudo, os anjos bíblicos<br />

mas uma s<strong>é</strong>rie <strong>de</strong> “anjos da guarda”<br />

que, sob certas condições, aí estão<br />

para aten<strong>de</strong>r nossos mínimos <strong>de</strong>sejos<br />

e nos proteger nos caminhos da vida.<br />

Ou seja, um bando <strong>de</strong> anjos falsos<br />

que ajudam a ven<strong>de</strong>r livros e, assim,<br />

encher o bolso <strong>de</strong> seus espertos autores.


O incrível, por<strong>é</strong>m, aconteceu.<br />

De uns tempos para cá,<br />

por ter acompanhado pessoalmente,<br />

minuto após minuto, hora após hora,<br />

durante muitos dias e muitas noites,<br />

a ação <strong>de</strong> um anjo em minha vida,<br />

fui praticamente obrigado a acreditar<br />

que os anjos existem.<br />

Um <strong>de</strong>les transformou-se, <strong>de</strong> repente,<br />

em meu anjo da guarda.<br />

Presente ao meu lado em todos os momentos,<br />

cuidando <strong>de</strong> mim com carinho especial,<br />

tem-me ajudado a transpor, sem maiores problemas,<br />

obstáculos terríveis que ameaçavam minha vida.<br />

É isto! Eu tenho hoje o meu anjo da guarda<br />

e me sinto muito feliz.<br />

Ele <strong>é</strong> especial, apesar <strong>de</strong> exigente<br />

e não <strong>de</strong>ixar que eu faça aquilo que <strong>de</strong>sejo.<br />

Anjos normalmente têm nome.<br />

Na Bíblia, Gabriel e muitos outros.<br />

Nesses livros esot<strong>é</strong>ricos, são tantos<br />

que não dá para guardar.<br />

Esse anjo que apareceu na minha vida,<br />

cuidando <strong>de</strong> mim mais at<strong>é</strong> do que preciso<br />

– e do que possa even<strong>tua</strong>lmente merecer –<br />

tamb<strong>é</strong>m tem nome, um lindo nome:<br />

Alice.<br />

(Janeiro <strong>de</strong> 1996, menos <strong>de</strong> um mês <strong>de</strong>pois da<br />

minha cirurgia no coração.)<br />

5


6<br />

Primeira Introdução<br />

Os feministas da família<br />

Papai feminista<br />

Quando meu pai namorava minha mãe, ele estudava Teologia<br />

em Juiz <strong>de</strong> Fora, preparando-se para ser pastor, e ela vivia em Paraíba<br />

do Sul. Namoravam muito por cartas. Tenho guardadas todas as cartas<br />

que trocaram, mais <strong>de</strong> duzentas. As cartas do meu pai eram bem<br />

mais longas e, muitas vezes, ele gastava papel e tinta para falar <strong>de</strong><br />

suas id<strong>é</strong>ias, <strong>de</strong> comentar alguns sermões que havia pregado ou ouvido<br />

e at<strong>é</strong> fazer alguma reflexão religiosa. Meu pai era tão espiri<strong>tua</strong>l,<br />

tão entregue à carreira para a qual foi chamado, que at<strong>é</strong> nas cartas<br />

<strong>de</strong> amor ele mostrava isto.<br />

A que transcrevo abaixo, escrita em 31 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1932, <strong>é</strong><br />

um exemplo. A valorização da mulher <strong>é</strong> uma tônica <strong>de</strong>ssa carta.<br />

Muito antes do movimento feminista, papai o viveu intensamente.<br />

Papai, como pastor e como pessoa, nunca discriminou as mulheres.<br />

Como <strong>de</strong> resto, nunca teve preconceito algum <strong>de</strong> sexo, cor, ida<strong>de</strong> ou<br />

condição social.<br />

“Minha muito amada Cilana,<br />

“Quero enviar-te por estas linhas uma parte da dor que flagela<br />

meu coração numa sauda<strong>de</strong> interminável e infinita, pelo tempo que<br />

parece longo, nesta pequena ausência <strong>de</strong> ti. E quisera eu, bem melhor<br />

me fora, que nunca jamais estivesses longe dos meus olhos para<br />

eu ver os teus que brilham na pureza <strong>de</strong> <strong>tua</strong> alma santa que os sãos<br />

princípios <strong>de</strong> educação moral e religiosa dada por teus pais. Eles<br />

refletem a dignida<strong>de</strong> e a beleza do teu coração tão <strong>gran<strong>de</strong></strong>.<br />

A bênção <strong>de</strong> um coração nobre e virtuoso <strong>é</strong> maior do que a<br />

<strong>gran<strong>de</strong></strong>za que nós humanos po<strong>de</strong>mos pensar. Quando Jesus ensina a<br />

<strong>gran<strong>de</strong></strong>za <strong>de</strong> coração, e a exige <strong>de</strong> seus seguidores, <strong>é</strong> porque o caráter<br />

<strong>de</strong> Deus não permite outra coisa <strong>de</strong> cada indivíduo. Lendo as bemaventuranças<br />

<strong>de</strong> Jesus em Mateus, po<strong>de</strong>mos aquilatar a beleza dos<br />

ensinamentos <strong>de</strong> Jesus, que são proferidos com naturalida<strong>de</strong> extraordinária<br />

mas revelando com exatidão o que o próprio Deus <strong>é</strong>, e<br />

mostrando o que <strong>de</strong>ve ser o homem.<br />

E eu não me canso <strong>de</strong> pensar na beleza dos ensinos <strong>de</strong> Jesus.<br />

Pensando neles, tenho vergonha <strong>de</strong> mim mesmo, por não po<strong>de</strong>r nem<br />

ao menos correspon<strong>de</strong>r àquilo que eu acho que Deus exige <strong>de</strong> mim.


Tirando o homem <strong>de</strong> uma posição <strong>de</strong>sprezível, Jesus o colocou<br />

em condições <strong>de</strong> filho <strong>de</strong> Deus, a quem ama como Pai. No entanto,<br />

Jesus <strong>de</strong>monstrou que o <strong>de</strong>ver supremo do homem <strong>é</strong> servir ao<br />

Senhor. O homem que não tem como motivo <strong>de</strong> sua vida servir ao<br />

Senhor <strong>é</strong> um <strong>de</strong>sgraçado, cuja existência per<strong>de</strong>u a razão <strong>de</strong> ser.<br />

Jesus não enfatizou as cerimônias e ritos como sendo a parte<br />

principal da religião. Para ele, a religião <strong>é</strong> coisa vital. É o coração do<br />

indivíduo que precisa andar em harmonia com a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus. E<br />

só o homem em comunhão vital com Deus <strong>é</strong> que po<strong>de</strong> obter garantia.<br />

Porque não há força, senão Deus, capaz <strong>de</strong> dirigir os pensamentos do<br />

indivíduo.<br />

Jesus ensinou o homem a ser humil<strong>de</strong>. O que se exalta será<br />

humilhado, o que se humilha será exaltado. Mas a humilda<strong>de</strong> que ele<br />

ensina <strong>é</strong> a humilda<strong>de</strong> que leva o homem a <strong>de</strong>sejar servir a Deus. É a<br />

humilda<strong>de</strong> que leva o homem a se colocar diante <strong>de</strong> Deus como um servo<br />

fiel. Essa humilda<strong>de</strong> requer amor, amor que busca o perdão para o próximo.<br />

Amor que procura servir sem esperança <strong>de</strong> recompensa nenhuma.<br />

Essa humilda<strong>de</strong> requer sincerida<strong>de</strong>. Jesus maltratou os fariseus<br />

porque eram hipócritas. Deus <strong>é</strong> sincero nas suas obras e exige sincerida<strong>de</strong><br />

dos que o querem servir. O hipócrita, o <strong>de</strong>sleal, não têm<br />

comunhão com Deus porque Deus <strong>é</strong> verda<strong>de</strong>, Deus <strong>é</strong> luz. Deus exige<br />

sincerida<strong>de</strong>. ‘Seja o vosso falar sim, sim, não, não’. O homem que<br />

precisa fazer um juramento para ser acreditado, não <strong>é</strong> sincero, está<br />

fugindo da comunhão com Deus. Deus <strong>é</strong> verda<strong>de</strong> e exige do homem<br />

verda<strong>de</strong>. A mentira, nem por brinquedo, <strong>é</strong> do caráter <strong>de</strong> Deus. Deus<br />

não <strong>é</strong> mentiroso. O mentiroso mente a si mesmo e não a Deus.<br />

Às vezes, Cilana, eu me esqueço que estou te escrevendo<br />

uma carta e vou discutindo assuntos que talvez não te interessam<br />

muito mas a teólogos e pensadores. Não a ti que andas preocupada<br />

com os afazeres dom<strong>é</strong>sticos e familiares. No entanto, <strong>é</strong> bom que <strong>de</strong><br />

quando em vez vás pensando nestas coisas transcen<strong>de</strong>ntais. Houve<br />

tempo em que a mulher era consi<strong>de</strong>rada como escrava, e falava-se<br />

<strong>de</strong> mulher como <strong>de</strong> objeto qualquer.<br />

Hoje não, tudo mudou. A mulher hoje tem igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direitos<br />

e tem-se provado capaz <strong>de</strong> enfrentar os mesmos problemas e as<br />

mesmas lutas dos homens. A mulher <strong>é</strong> capaz <strong>de</strong> penetrar nos assuntos<br />

mais intrincados dos pensamentos e cogitações e resolvê-los com a<br />

mesma argúcia e perícia do homem. À mulher está confiada <strong>gran<strong>de</strong></strong><br />

parte da regeneração da humanida<strong>de</strong>. Homens e mulheres são iguais.<br />

Eu vejo que assim <strong>é</strong>. É tempo <strong>de</strong> entregarmos à mulher <strong>gran<strong>de</strong></strong><br />

responsabilida<strong>de</strong> na vida. Ela precisa ser um fator na regeneração mo-<br />

7


al e espiri<strong>tua</strong>l da socieda<strong>de</strong>. Uma mulher santa e <strong>de</strong> princípios intangíveis,<br />

po<strong>de</strong> ser uma bênção para o mundo. Desse modo, precisamos<br />

iniciar a mulher da <strong>Igreja</strong> no estudo dos problemas sociais e religiosos.<br />

Precisamos fazê-la pensar al<strong>é</strong>m dos problemas dom<strong>é</strong>sticos.<br />

Hoje tivemos uma boa aula sobre a coragem <strong>de</strong> Jesus e seus<br />

ensinamentos sobre ela. Foi estupenda a aula. Corajoso não <strong>é</strong> quem<br />

procura vencer os mais fracos pela força, pelas armas. Corajoso <strong>é</strong><br />

aquele que, <strong>de</strong>sejando fazer a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus, enfrenta at<strong>é</strong> o sofrimento.<br />

Corajoso <strong>é</strong> quem enfrenta as questões sociais e morais dos<br />

homens com o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> fazer alguma coisa para o bem dos outros.<br />

Aquele que quer vencer para o seu próprio proveito, sem olhar para a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu vizinho, <strong>é</strong> um egoísta e não merece a mínima<br />

consi<strong>de</strong>ração. Para Jesus, ter coragem <strong>é</strong> dar a sua vida em resgate <strong>de</strong><br />

muitos. Deus não po<strong>de</strong> perdoar o homem que vive em luxúria, gozando<br />

a vida, enquanto seu irmão chora e morre <strong>de</strong> fome, antes que<br />

ele tenha feito tudo em seu auxílio. A vida feliz <strong>é</strong> a vida em harmonia<br />

com a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus.<br />

Chega! Sempre me esqueço que estou te escrevendo uma carta,<br />

minha santa e boa noivinha. Sei que gostaria antes <strong>de</strong> ler outras<br />

coisas. Neste tempo, quando há tanto trabalho e tantas lutas, conv<strong>é</strong>m<br />

que a gente passeie um pouco pela região dos sonhos. Sonhar <strong>é</strong> tão<br />

bom!... Mas o melhor <strong>é</strong> sonhar acordado. Vale a pena a gente sonhar<br />

num mundo bem pequeno, on<strong>de</strong> não haja ningu<strong>é</strong>m para perturbar a<br />

gente. Um lugar on<strong>de</strong> haja muita flor, muita música, alguns doces.<br />

Mas em que a gente não fique sozinho.<br />

Deus está por cima e nos dará o privil<strong>é</strong>gio <strong>de</strong> um mundo<br />

pequeno, nosso lar. Home, Sweet Home, lar, doce lar. Eu <strong>de</strong>sejo que<br />

quando Ele nos <strong>de</strong>r a ventura <strong>de</strong> um doce lar, que o mesmo seja<br />

construído sobre a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus. Eu não quero ser egoísta imaginando<br />

que a nossa casa será fechada para os outros. Não. Eu quero<br />

ser feliz. Quero fazer-te feliz, tanto quanto estiver em mim fazê-lo.<br />

Mas quero que a nossa felicida<strong>de</strong> seja repartida com os outros. Nossa<br />

casa <strong>de</strong>ve ser nossa mas dos outros tamb<strong>é</strong>m. Isto <strong>é</strong> verda<strong>de</strong> porque<br />

a nossa vida não pertence a nós mas a Deus”.<br />

Filho (tamb<strong>é</strong>m) feminista<br />

Tendo pais como eu tive, não po<strong>de</strong>ria ser <strong>de</strong> outra forma.<br />

Sempre fui feminista. Muitas vezes <strong>de</strong>i cursos para mulheres executivas<br />

objetivando motivá-las a ocupar o lugar que mereciam nas em-<br />

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presas em que trabalhavam. Sobre isto fiz, num encontro nacional <strong>de</strong><br />

secretárias, uma palestra para quase 5.000 <strong>de</strong>las, reunidas no<br />

Anhembi, em São Paulo. Sou testemunha <strong>de</strong> muitas discriminações<br />

feitas às mulheres, mesmo em organizadíssimas empresas<br />

multinacionais. Tamb<strong>é</strong>m tenho escrito em revistas t<strong>é</strong>cnicas <strong>de</strong> administração<br />

e marketing artigos a respeito.<br />

Num <strong>de</strong>les, eu falava da “Síndrome <strong>de</strong> Yentl”, expressão criada<br />

por uma m<strong>é</strong>dica americana ao comentar a discriminação das mulheres.<br />

“Yentl” <strong>é</strong> o título <strong>de</strong> um filme estrelado por Barbra Streisand. Na história,<br />

Yentl era uma moça do s<strong>é</strong>culo XIX que se faz passar por homem para<br />

po<strong>de</strong>r estudar o Talmu<strong>de</strong> numa escola <strong>de</strong> rabinos, coisa que era proibida<br />

às mulheres. Para conseguir o que <strong>de</strong>sejava, Yentl teve que pagar um<br />

preço bem alto, o mesmo que tem sido pago por mulheres <strong>de</strong> todo o<br />

mundo para obter a plena igualda<strong>de</strong> em relação aos homens.<br />

Muitas críticas eu recebi, do lado dos homens, <strong>é</strong> claro, porque<br />

coloquei abaixo do título do artigo, em <strong>de</strong>staque, uma frase <strong>de</strong> Charlotte<br />

Whitton: “das mulheres, exige-se que façam o dobro dos homens, na<br />

meta<strong>de</strong> do tempo e sem reconhecimento. Felizmente, não <strong>é</strong> difícil”.<br />

Em outro artigo, cujo título era “A Supremacia das Mulheres”, recebi<br />

igualmente algumas críticas bem fortes por parte dos homens.<br />

É claro que a categoria <strong>é</strong> gente, não homens e mulheres,<br />

sendo um absurdo classificar gente pelo sexo já que o mais importante<br />

são as diferenças individuais. No “Pigmaleão”, <strong>de</strong> George Bernard<br />

Shaw, que foi filmado como “My Fair LadY”, o professor Higgins lamenta<br />

por que as mulheres não po<strong>de</strong>m ser como os homens. Na<br />

realida<strong>de</strong>, a <strong>gran<strong>de</strong></strong> força das mulheres baseia-se justamente em não<br />

ser como um homem.<br />

Da mesma forma, tenho tentado ajudar a diminuir o problema<br />

que tamb<strong>é</strong>m ocorre em nossa <strong>Igreja</strong>. Fui um dos votos favoráveis<br />

e entusiásticos, no Concílio Geral <strong>de</strong> 1971, à admissão, com todos os<br />

direitos, das mulheres no minist<strong>é</strong>rio pastoral. E, <strong>é</strong> claro, por via <strong>de</strong><br />

conseqüência, no próprio episcopado.<br />

Essa discriminação, que vemos em muitas páginas da Bíblia,<br />

tem merecido rancores veementes <strong>de</strong> muitas mulheres, sem muita<br />

razão, ao apóstolo Paulo. Sua frase em Gálatas 3:26, “Não po<strong>de</strong> haver<br />

ju<strong>de</strong>u nem grego, nem escravo nem liberto, nem homem nem<br />

mulher; pois todos vós sois um em Cristo Jesus” mostra, ao lado <strong>de</strong><br />

outras atitu<strong>de</strong>s suas, a injustiça daqueles rancores. Apesar <strong>de</strong> tudo,<br />

houve uma <strong>é</strong>poca em que era <strong>gran<strong>de</strong></strong> o preconceito, com afirmativas,<br />

9


que felizmente ficaram no passado, <strong>de</strong> que as mulheres só <strong>de</strong>veriam<br />

cuidar <strong>de</strong> criança, cozinha e crença (igreja), expressão que veio do<br />

alemão kin<strong>de</strong>r, küche, kirche.<br />

Alguns anos atrás, numa campanha promocional que minha<br />

empresa, uma agência <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong>, criou para a Linha <strong>de</strong> Produtos<br />

Ginecológicos <strong>de</strong> importante laboratório farmacêutico, o tema da<br />

mesma era a “luta pelos direitos da mulher”. Planejamos reproduzir<br />

no material promocional, para lastrear a campanha, os “direitos” da<br />

mulher. Apesar <strong>de</strong> ter havido um ano <strong>de</strong>dicado pela ONU às mulheres,<br />

esses direitos não estavam reunidos num só documento. O jeito<br />

foi, então, escrevê-lo. Foi um sucesso, apesar <strong>de</strong> bem simples e at<strong>é</strong><br />

mesmo óbvio, o texto que eu escrevi. A campanha ganhou diversos<br />

prêmios e um pôster colorido com os direitos teve mais <strong>de</strong> 60.000<br />

cópias distribuídas em todo o Brasil. Eu o vi exposto em muitos consultórios<br />

m<strong>é</strong>dicos, mesmo anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> sua distribuição. A ilustração<br />

mostrava a tradicional <strong>de</strong>usa do Direito, Temis, com sua balança<br />

e espada mas com a faixa que tradicionalmente tapa os dois olhos<br />

mantendo um bem aberto. Os “direitos” que “criei” são os seguintes:<br />

Os sagrados Direitos da Mulher<br />

I A mulher tem direito <strong>de</strong> ter saú<strong>de</strong> como mulher.<br />

II A mulher tem direito à maternida<strong>de</strong> e ao aleitamento <strong>de</strong> seus<br />

filhos.<br />

III A mulher tem direito à educação e ao pleno <strong>de</strong>senvolvimento<br />

<strong>de</strong> todas as suas potencialida<strong>de</strong>s.<br />

IV A mulher tem direito <strong>de</strong> iguais oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalho e à<br />

mesma remuneração dos homens.<br />

V A mulher tem direito <strong>de</strong> ser respeitada em todas as suas opiniões.<br />

VI A mulher tem direito à liberda<strong>de</strong> e à auto<strong>de</strong>terminação.<br />

VII A mulher tem direito <strong>de</strong> dizer não.<br />

Segunda (e última) Introdução<br />

Sou apaixonado pela vida e obra <strong>de</strong> muitas mulheres. Tenho<br />

escrito artigos e falado muito a respeito <strong>de</strong>las. E tamb<strong>é</strong>m, como não<br />

10


po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, tenho sido crítico <strong>de</strong> algumas, inclusive da Bíblia.<br />

O texto que se seguirá <strong>é</strong> um comentário sobre algumas mulheres <strong>de</strong><br />

minha apreciação. Nas páginas do Antigo Testamento, pincei algumas<br />

<strong>de</strong>ssas figuras que me comovem, como Sara, a mulher <strong>de</strong> Abraão, Raquel,<br />

Tamar, viúva <strong>de</strong> Er e <strong>de</strong> Onan, filhos <strong>de</strong> Judá, que era bisneto <strong>de</strong><br />

Abraão, Noemi e sua nora Rute. No Novo Testamento, a doce Virgem<br />

Maria, mãe <strong>de</strong> Jesus, as duas <strong>gran<strong>de</strong></strong>s mulheres sem nome, a samaritana<br />

e a siro-fenícia, e as irmãs Marta e Maria.<br />

Na história da <strong>Igreja</strong> <strong>Metodista</strong>, meus <strong>de</strong>staques são Suzana<br />

Wesley, a mãe <strong>de</strong> João Wesley, Bárbara Heck, a chamada mãe do<br />

Metodismo nos Estados Unidos e no Canadá, e Mary (Marta) Walker<br />

que, <strong>de</strong> certa maneira, tamb<strong>é</strong>m po<strong>de</strong>ria ser chamada <strong>de</strong> mãe do<br />

Metodismo brasileiro. Com relação à <strong>Igreja</strong> <strong>Metodista</strong> <strong>de</strong> <strong>Vila</strong> <strong>Isabel</strong>, eu<br />

gostaria <strong>de</strong> homenagear algumas mulheres que ajudaram a construir<br />

sua rica história, especialmente Ana Gonzaga, a mulher que foi fiel no<br />

muito. Para terminar, “last but not least”, “por último e não menos importante”,<br />

como dizem os americanos, uma homenagem à minha mãe, uma<br />

mulher realmente excepcional, cristã como nunca conheci outra, que<br />

viveu para servir.<br />

Se Deus me <strong>de</strong>r tempo e disposição, futuramente incluirei no<br />

meu texto outras mulheres que tamb<strong>é</strong>m acho muito importantes. Na<br />

Bíblia, D<strong>é</strong>bora, a primeira juíza, Ana, a mãe <strong>de</strong> Samuel, Maria Madalena<br />

e Lói<strong>de</strong> e Eunice. Na história <strong>de</strong> nossa <strong>Igreja</strong> na Inglaterra, Mary<br />

Bosanquet, mulher <strong>de</strong> John Fletcher, e Hanna Ball, a criadora da Escola<br />

Dominical. No Brasil, Eunice Weaver, Layonna Glenn, uma Americana<br />

que trabalhou 50 anos no Brasil, e Eula Kennedy Long, historiadora<br />

metodista e autora <strong>de</strong> muitos livros.<br />

Apesar da incapacida<strong>de</strong> do autor, este texto foi escrito com<br />

muito amor e carinho. Espero que gostem. E gostaria muito <strong>de</strong> receber<br />

comentários e sugestões para aperfeiçoá-lo nas próximas edições.<br />

11


Mulheres do Antigo Testamento<br />

Sara, a mulher <strong>de</strong> Abraão<br />

Os comentaristas bíblicos não dão muita importância à pessoa<br />

<strong>de</strong> Sara, a não ser para dizer que era a mulher <strong>de</strong> Abraão. Nas poucas<br />

vezes em que aparece, especialmente em alguns capítulos do livro <strong>de</strong><br />

Gênesis, muito pouca coisa se sabe <strong>de</strong>la. Era a mulher <strong>de</strong> Abraão e,<br />

parece, sua meia irmã, isto <strong>é</strong>, seu pai tamb<strong>é</strong>m era o pai <strong>de</strong> Abraão.<br />

Tamb<strong>é</strong>m se sabe, pela Bíblia, especialmente no capítulo 12 <strong>de</strong> Gênesis,<br />

que era muito bonita. Razão pela qual, ao entrar no Egito, Abraão<br />

recomenda a Sarai, para proteção <strong>de</strong>le, que ela não informasse a condição<br />

<strong>de</strong> esposa mas <strong>de</strong> irmã. Isto gerou, por parte do Faraó, a vonta<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> tê-la como mulher, levando-a para sua casa. Em virtu<strong>de</strong> disto,<br />

Abraão foi muito bem tratado no Egito. Quando foi <strong>de</strong>scoberto, em<br />

virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> pragas que caíram sobre ele, que ela era esposa <strong>de</strong> Abraão,<br />

o Faraó lhe <strong>de</strong>volve Sarai e manda que todos saiam do Egito.<br />

Episódio parecido ocorre mais tar<strong>de</strong> em Gerar. Ao sabê-la irmã<br />

<strong>de</strong> Abraão, Abimeleque, o rei <strong>de</strong> Gerar, mandou buscá-la. Outra vez<br />

revelada a verda<strong>de</strong>, Abrão foi instado a <strong>de</strong>ixar o lugar. Por duas<br />

vezes, portanto, quase que Sarai, apesar <strong>de</strong> esposa <strong>de</strong> Abraão, acaba<br />

caindo em mãos estranhas.<br />

Deus havia feito uma promessa a Abraão, <strong>de</strong> que em sua<br />

<strong>de</strong>scendência seriam benditas todas nações da terra. Só que Sara,<br />

por ser est<strong>é</strong>ril, não dava sequer um filho a Abraão. Decidiu ela então,<br />

como se precisasse, resolver, ela mesma, a promessa ainda não cumprida<br />

por Deus. No versículo 2 <strong>de</strong> Gênesis 16, ela diz ao marido que o<br />

Senhor a tem “impedido” <strong>de</strong> dar à luz filhos. Assim, oferece sua serva<br />

egípcia Hagar para que, atrav<strong>é</strong>s <strong>de</strong>la, fosse permitido a Deus cumprir<br />

sua promessa. Assim, nasceu Ismael. Isto não constituiu nenhuma<br />

solução mas, ao contrário, um <strong>gran<strong>de</strong></strong> problema. De início, por ter<br />

dado um filho a Abraão, Hagar, como seria muito natural na luta pelo<br />

po<strong>de</strong>r, começou a fazer pouco <strong>de</strong> sua senhora. Ela tinha o <strong>gran<strong>de</strong></strong><br />

trunfo <strong>de</strong> ter dado um filho varão a Abraão.<br />

Esse não era, contudo, o plano <strong>de</strong> Deus. Assim, Deus promete<br />

a Abraão que sua esposa Sarai, cujo nome Ele mudou para Sara,<br />

ficaria grávida e lhe daria um filho, que se chamaria Isaque. Ele, e<br />

não Ismael, seria o filho da promessa. Mostrando Abraão preocupação<br />

com seu filho Ismael, Deus o tranqüiliza dizendo que ele tamb<strong>é</strong>m<br />

seria abençoado e pai <strong>de</strong> uma <strong>gran<strong>de</strong></strong> nação, reforçando, ao mesmo<br />

12


tempo, que a Sua aliança seria estabelecida com Isaque, filho <strong>de</strong><br />

Sara. A promessa <strong>é</strong> realizada e, mais tar<strong>de</strong>, quando o filho da escrava<br />

caçoava <strong>de</strong> seu pequeno irmão Isaque, Sara interv<strong>é</strong>m e pe<strong>de</strong> ao<br />

marido que Hagar e seu filho fossem expulsos dali, dizendo “porque<br />

o filho <strong>de</strong>ssa escrava não será her<strong>de</strong>iro com Isaque, meu filho”. Hagar<br />

e Ismael saíram errantes pelo <strong>de</strong>serto <strong>de</strong> Berseba. Os dois irmãos só<br />

se viram novamente no sepultamento do pai.<br />

Tudo o que foi dito acima justifica, sem dúvida, a pouca importância<br />

que a Bíblia e os seus comentaristas dão à figura <strong>de</strong> Sara,<br />

que era certamente uma mulher rancorosa e com muitos <strong>de</strong>feitos.<br />

Voltemos, no entanto, a promessa <strong>de</strong> que Deus lhe permitira ficar<br />

grávida aos 90 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>.<br />

É justamente nesse episódio que se manifesta o caráter e a<br />

personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Sara. A princípio, ela duvidou e riu da si<strong>tua</strong>ção para o<br />

próprio Deus e este chegou a perguntar a Abraão o porquê do riso. É<br />

preciso, agora, fazer um intervalo para dizer que os fatos at<strong>é</strong> agora<br />

narrados foram transmitidos oralmente <strong>de</strong> pais para filhos e <strong>de</strong>stes para<br />

os netos durante mais <strong>de</strong> 500 anos, quando a Bíblia começou a ser<br />

escrita. É realmente um milagre a narrativa tão coerente da Bíblia, cujos<br />

fatos foram retransmitidos <strong>de</strong> maneira tão precária. Havia, <strong>é</strong> claro, a<br />

recomendação <strong>de</strong> Deus feita em Deuteronômio, capítulo 6, versículos 6<br />

a 9: “Estas palavras que hoje te or<strong>de</strong>no, estarão no teu coração; tu as<br />

inculcarás a teus filhos, falarás <strong>de</strong>las assentado em <strong>tua</strong> casa, e andando<br />

pelo caminho, e ao <strong>de</strong>itar-te e ao levantar-te. Tamb<strong>é</strong>m a atarás como<br />

sinal na <strong>tua</strong> mão e te serão como frontal entre teus olhos. E as escreverás<br />

nos umbrais <strong>de</strong> <strong>tua</strong> casa, e nas <strong>tua</strong>s portas”. E parece que elas foram<br />

muito bem seguidas.<br />

Relembrando Sara que ela e Abraão eram velhos, avançados<br />

em ida<strong>de</strong> e que já lhe havia cessado o “costume das mulheres”, expressão<br />

po<strong>é</strong>tica para <strong>de</strong>finir a menstruação, ela riu-se, pois, no seu<br />

íntimo, dizia para consigo mesma: “<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> velha, e velho tamb<strong>é</strong>m o<br />

meu senhor, terei ainda prazer?”. O que estava no seu íntimo, os<br />

sentimentos profundos <strong>de</strong> sua alma sofrida, acabaram sendo repartidos<br />

com algu<strong>é</strong>m, que o texto bíblico não i<strong>de</strong>ntifica , que foram transmitidos,<br />

no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> quatro s<strong>é</strong>culos, por pais a filhos e por<br />

filhos a netos, at<strong>é</strong> que fossem eternizados no texto <strong>de</strong>finitivo da Bíblia.<br />

É essa p<strong>é</strong>rola do pensamento íntimo <strong>de</strong> Sara que a faz ser uma<br />

<strong>gran<strong>de</strong></strong> mulher, digna das maiores homenagens, especialmente no Dia<br />

13


Internacional da Mulher. Porque ela foi uma <strong>gran<strong>de</strong></strong> mulher. Para Adão e<br />

Eva, a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Deus era apenas “crescer e se multiplicar, ser uma só<br />

carne”. Para Sara, <strong>é</strong> muito mais do que isto. O “crescer e multiplicar”<br />

passa a ter um novo significado que acaba caracterizando a esp<strong>é</strong>cie<br />

humana, o amor – espiri<strong>tua</strong>l e tamb<strong>é</strong>m físico – entre um homem e uma<br />

mulher. Pela primeira vez na Bíblia, fala-se do prazer que caracteriza as<br />

relações homem-mulher. Ele foi criado por Deus mas, at<strong>é</strong> hoje, parece<br />

que se tem vergonha <strong>de</strong>le. É Sara quem lhe dá a relevância máxima na<br />

Bíblia. Os homens, parece que em todo o <strong>de</strong>correr da história humana,<br />

foram quase sempre machistas e egoístas, nunca dando muita bola para<br />

a satisfação da mulher.<br />

Um filho não se gera somente com a união no útero <strong>de</strong> um<br />

espermatozói<strong>de</strong> e um óvulo, que se transformam em ovo. Não! Mil<br />

vezes não! Isto <strong>é</strong> coisa só para animais ou pessoas que se comportam<br />

como se fossem. É muito mais do que isto. Um filho tem que ser<br />

gerado por amor, com <strong>de</strong>sejo e prazer. Com romantismo. Somente<br />

assim, por serem <strong>de</strong>sejados, po<strong>de</strong>m ser amados e bem criados. A<br />

Bíblia não revela a resposta à indagação <strong>de</strong> Sara mas o sucesso <strong>de</strong><br />

tudo nos faz crer, sem sombra <strong>de</strong> dúvidas, que ela <strong>é</strong> positiva. Numa<br />

<strong>é</strong>poca mercantilizada como a <strong>de</strong> hoje, <strong>de</strong> mulheres que se transformam<br />

em objetos ou são assim transformadas pelos homens, a lição<br />

<strong>de</strong> Sara <strong>é</strong> <strong>de</strong> uma verda<strong>de</strong>ira humanista, um ser humano integral,<br />

que a absolve, pelas lições que o seu pensamento mais íntimo revela,<br />

<strong>de</strong> tudo o que possa ter feito <strong>de</strong> errado em sua vida. Mais do que<br />

humanista, no entanto, po<strong>de</strong>mos dizer que a visão íntima <strong>de</strong> Sara <strong>é</strong><br />

humanizante. O <strong>de</strong> que o mundo necessita <strong>é</strong> <strong>de</strong> seres humanos que<br />

sejam realmente humanizantes, que aju<strong>de</strong>m a melhorar esse nosso<br />

pobre planeta.<br />

Raquel – uma mulher que sofreu <strong>de</strong> amor<br />

Nenhuma mulher na Bíblia foi tão amada como Raquel e poucas<br />

foram tão bonitas como ela. Foi ela certamente, no entanto, entre<br />

tantas histórias <strong>de</strong> mulheres que a Bíblia narra, uma das que mais<br />

sofreram do mal <strong>de</strong> amor.<br />

Depois <strong>de</strong> brigar com seu irmão pelo direito <strong>de</strong> primogenitura<br />

e por uma bênção especial <strong>de</strong> seu pai Isaque, Jacó sabe, por interm<strong>é</strong>dio<br />

<strong>de</strong> sua mãe Rebeca, que Esaú planejava matá-lo. Aten<strong>de</strong>ndo<br />

aos conselhos da mãe, Jacó foge e se dirige às terras <strong>de</strong> seu avô<br />

14


Betuel e <strong>de</strong> seu tio Labão, irmão <strong>de</strong>la. Em sua caminhada, dormindo<br />

num travesseiro <strong>de</strong> pedra, Jacó teve a visão da escada repleta <strong>de</strong><br />

anjos e recebeu <strong>gran<strong>de</strong></strong>s promessas do Senhor. Acordando, pegou a<br />

pedra que havia posto por travesseiro e a erigiu em coluna, sobre a<br />

qual <strong>de</strong>rramou azeite. Ao lugar on<strong>de</strong> essas coisas aconteceram, que<br />

outrora se chamava Luz, ele <strong>de</strong>u o nome <strong>de</strong> Betel, que significa “casa<br />

<strong>de</strong> Deus”.<br />

Saindo dali, Jacó foi na direção <strong>de</strong> Harã, terra <strong>de</strong> Betuel e<br />

Labão. Já bem perto do seu <strong>de</strong>stino, ele se encontra com rebanhos<br />

<strong>de</strong> ovelhas e seus pastores, que lhes davam água retirada <strong>de</strong> um<br />

poço. Pediu informações e, ao saber que eram <strong>de</strong> Harã, perguntou<br />

sobre Labão e soube que sua filha mais nova Raquel vinha vindo com<br />

ovelhas <strong>de</strong> seu pai para dar-lhes <strong>de</strong> beber.<br />

Esse texto do capítulo 29 <strong>de</strong> Gênesis nos revela que Jacó<br />

beijou a Raquel e, erguendo a voz, chorou, contando-lhe que era<br />

filho <strong>de</strong> Rebeca, irmã <strong>de</strong> seu pai. Ela o levou a Labão que recebeu<br />

muito bem o viajante e o hospedou por um mês em sua casa. Nesse<br />

período, Jacó se apaixonou por Raquel, que era “formosa <strong>de</strong> porte e<br />

<strong>de</strong> semblante”. Como Labão não queria que seu sobrinho trabalhasse<br />

para ele <strong>de</strong> graça, pediu-lhe que <strong>de</strong>clarasse o salário pretendido. Jacó<br />

faz então sua proposta, que era, na verda<strong>de</strong>, um pedido da mão <strong>de</strong><br />

Raquel, como se dizia antigamente. E propôs servi-lo por sete anos<br />

para casar-se com sua filha Raquel. E assim foi feito. Apesar do<br />

longo tempo, a Bíblia nos diz que, para Jacó, os sete anos pareceram<br />

como poucos dias pelo muito que a amava.<br />

Ao fim dos sete anos, Jacó pe<strong>de</strong> então para finalmente casarse<br />

com sua amada. Dissimuladamente, Labão convidou muitas pessoas<br />

para o banquete <strong>de</strong> casamento. Finda a festa, enganosamente<br />

Labão conduziu sua filha Lia a Jacó, que coabitou com ela. Só pela<br />

manhã <strong>é</strong> que Jacó percebeu que fora enganado, possivelmente pelo<br />

costume <strong>de</strong> a noiva permanecer toda a festa coberta por um v<strong>é</strong>u.<br />

Reclamando a Labão, este alegou que não po<strong>de</strong>ria dar “a<br />

mais nova antes da primogênita”. E exigiu, para dar-lhe Raquel, que<br />

Jacó lhe servisse por mais sete anos.<br />

Uma das poesias mais bonitas da língua portuguesa <strong>é</strong>, sem<br />

dúvida, o c<strong>é</strong>lebre soneto <strong>de</strong> Luiz <strong>de</strong> Camões, <strong>de</strong> quem gosto mais do<br />

lírico dos sonetos <strong>de</strong> amor do que do <strong>é</strong>pico <strong>de</strong> “Os Lusíadas”, que<br />

narra a história <strong>de</strong> Jacó, que reproduzo aqui:<br />

15


16<br />

“Sete anos <strong>de</strong> pastor Jacó servia<br />

Labão, pai <strong>de</strong> Raquel, serrana bela;<br />

Mas não servia ao pai, servia a ela,<br />

E a ela só por prêmio pretendia.<br />

Os dias, na esperança <strong>de</strong> um só dia,<br />

Passava, contentando-se com vê-la;<br />

Por<strong>é</strong>m o pai, usando <strong>de</strong> cautela,<br />

Em lugar <strong>de</strong> Raquel lhe dava Lia.<br />

Vendo o triste pastor que com enganos<br />

Lhe fora assim negada a sua pastora,<br />

Como se a não tivera merecida,<br />

Começa <strong>de</strong> servir outros sete anos,<br />

Dizendo: - Mais servira, se não fora<br />

Para tão longo amor tão curta a vida!”<br />

Esperar tanto tempo para a realização do seu sonho <strong>de</strong> amor foi<br />

certamente uma dura provação para o casal <strong>de</strong> apaixonados. Para<br />

Raquel, a provação foi muito maior. Ela parecia ser est<strong>é</strong>ril, não po<strong>de</strong>ndo<br />

pois realizar o sonho <strong>de</strong> toda a mulher que se casa por amor,<br />

ter filhos. Por outro lado, Lia, a irmã mais velha ia tendo, um após<br />

outro. Raquel, <strong>de</strong>sesperada, toma sua serva Bila e a entrega ao marido<br />

para que a fecundasse e, <strong>de</strong> maneira indireta, lhe <strong>de</strong>sse o filho<br />

sonhado. E acabou lhe dando dois. A reação <strong>de</strong> Lia, que já não coabitava<br />

com Jacó, como o texto bíblico indica, foi idêntica à <strong>de</strong> Raquel,<br />

dando sua serva Zilpa a Jacó para que a fecundasse em seu lugar.<br />

Assim, ela lhe <strong>de</strong>u mais dois filhos.<br />

Num episódio que po<strong>de</strong> parecer inexplicável, Raquel “empresta”<br />

seu marido à irmã em troca <strong>de</strong> mandrágoras, que eram plantas com<br />

efeitos afrodisíacos, colhidas por Rubens, filho <strong>de</strong> Lia. A Bíblia nos fala<br />

que à tar<strong>de</strong>, quando Jacó vinha do campo, Lia vai ao seu encontro e<br />

exige o cumprimento do trato feito com Raquel: “esta noite me possuirás,<br />

pois eu te aluguei pelas mandrágoras <strong>de</strong> meu filho”. E assim se fez,<br />

como nos diz a Bíblia, e Lia concebeu seu quinto filho e, a seguir, não se<br />

sabe tamb<strong>é</strong>m o porquê, o sexto e uma filha.<br />

Aí o texto bíblico fala que Deus “se lembrou” <strong>de</strong> Raquel e lhe<br />

fez fecunda. Nasceu então Jos<strong>é</strong>, que tem, como todos sabem, papel<br />

importante na história daquela família e <strong>de</strong> todo o povo. Algum tempo<br />

<strong>de</strong>pois, quando a família toda vinha <strong>de</strong> Harã, passaram em Betel,<br />

erigiram um altar e caminharam em direção à Efrata. A pequena distân-


cia <strong>de</strong>la, Raquel, grávida outra vez, <strong>de</strong>u a luz a outro filho, cujo nascimento,<br />

diz a Bíblia, “lhe foi a ela penoso” e ela morreu. Esse filho, o<br />

caçula <strong>de</strong> Jacó, chamou-se Benjamim.<br />

Po<strong>de</strong>-se imaginar, pelo que foi narrado aqui, o amor sofrido<br />

<strong>de</strong> Raquel por seu marido, tendo sido obrigada (<strong>é</strong> claro que eram<br />

costumes da <strong>é</strong>poca) a “repartir” seu marido e não ter tido tempo para<br />

curtir os filhos do <strong>gran<strong>de</strong></strong> amor a Jacó. Felizmente, no entanto, com<br />

sua morte prematura, ela não sofreu com a ausência <strong>de</strong> Jos<strong>é</strong> que foi<br />

vendido como escravo por seus irmãos invejosos.<br />

Ao final <strong>de</strong> sua vida, reunido com todo o seu clã, ao <strong>de</strong>spedirse,<br />

Jacó relembra Raquel e fala do <strong>gran<strong>de</strong></strong> pesar que sentiu ao sepultála<br />

“ali no caminho <strong>de</strong> Efrata, que <strong>é</strong> Bel<strong>é</strong>m”.<br />

O poeta tinha toda a razão em seu soneto: “mais servira se<br />

não fora para tão longo amor tão curta a vida”.<br />

Tamar, a mulher que foi à luta<br />

Aqui temos uma história bíblica em que o sexo <strong>é</strong> usado <strong>de</strong><br />

forma diferente daquela visão <strong>de</strong> Sara, contudo, não menos válida. A<br />

história <strong>de</strong> Tamar e do seu relacionamento com seu sogro Judá e os<br />

filhos <strong>de</strong>le está no capítulo 38 do livro <strong>de</strong> Gênesis.. A narrativa bíblica<br />

<strong>é</strong> simples e compacta. Não dá muitos <strong>de</strong>talhes, a não ser os principais.<br />

Vale a pena ler, no entanto, a narrativa que está no volume<br />

terceiro (“Jos<strong>é</strong>, o Provedor) da tetralogia <strong>de</strong> Thomas Mann, o <strong>gran<strong>de</strong></strong><br />

escritor alemão, que tem o título geral <strong>de</strong> “Jos<strong>é</strong> e seus Irmãos”.<br />

Em sua narrativa – e vale a pena ler os quatro romances que<br />

compõem a tetralogia – Thomas Mann, com sua imaginação e<br />

criativida<strong>de</strong>, coloca um relacionamento entre ela e Jacó, em cujas<br />

conversas ele lhe mostra a história do seu povo, as narrativas do<br />

começo da Bíblia, o conhecimento <strong>de</strong> Jeová e, <strong>de</strong> ambas as partes,<br />

um possível <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> relacionamento amoroso entre um velho viúvo<br />

e uma jovem que bem po<strong>de</strong>ria ser sua neta. Da mesma forma, a<br />

ambiciosa jovem pensava em Judá. Todavia, como narra Thomas Mann,<br />

“seu amor-ambição se <strong>de</strong>ra fora <strong>de</strong> tempo e <strong>de</strong> lugar”.<br />

Voltou então seus olhos para o primogênito <strong>de</strong> Judá, um jovem<br />

chamado Er, pedindo o apoio a Jacó para obter o que queria, isto <strong>é</strong>,<br />

influenciando Judá a dar-lhe o filho em casamento. Pouco tempo <strong>de</strong>pois<br />

da união, “porque era perverso, o Senhor o fez morrer”. Viúva,<br />

jovem, sem <strong>de</strong>scendência e sem herança, longe <strong>de</strong> <strong>de</strong>dicar-se ao luto<br />

pela separação tão trágica, esforça-se para que os costumes dos ju-<br />

17


<strong>de</strong>us fossem <strong>de</strong>vidamente respeitados. Isto significaria que o seu cunhado<br />

Onan, para suscitar <strong>de</strong>scendência a seu irmão, tinha que se<br />

casar com ela. Mesmo contrariado, houve o casamento. Thomas Mann<br />

fala que ele “se sentiu irritado vendo-se impelido a ser esposo substituto<br />

e fundar uma <strong>de</strong>scendência que não iria ser sua, mas <strong>de</strong> seu irmão”.<br />

A Bíblia relata simplesmente que ele a possuía mas lançava sua semente<br />

na terra, justamente para não gerar os filhos que seriam a garantia<br />

para Tamar receber a herança. Como castigo, Onan tamb<strong>é</strong>m morre.<br />

Tamar, voluntariosa e sem per<strong>de</strong>r o sonho <strong>de</strong> receber sua<br />

herança, quer então, para manter o costume, casar-se com o filho<br />

mais novo <strong>de</strong> Judá, Selá, que tinha apenas 16 anos. Coisa com a qual<br />

não concordaram nem Jacó, o avô, nem Judá, seu sogro. Com artifícios,<br />

o quase adolescente Selá foi enviado para viver longe com alguns<br />

parentes. Judá pensava que, assim que o tempo passasse, ela<br />

se esqueceria da pretensão. Crescendo Selá, já um homem como diz<br />

a Bíblia, ela não lhe fora dada por esposa.<br />

Informada que Judá estava seguindo para Timna para tosquiar<br />

suas ovelhas, Tamar <strong>de</strong>spiu as vestes <strong>de</strong> sua viuvez e, cobrindo-se<br />

com um v<strong>é</strong>u, se disfarçou e se assentou à entrada <strong>de</strong> Enaim, no<br />

caminho <strong>de</strong> Timna. Vendo-a Judá, segundo a narrativa bíblica, tevea<br />

por meretriz, pois ela havia coberto o rosto. Judá quis então possuíla.<br />

Ela lhe pergunta o que ele lhe daria em troca do favor e ele respon<strong>de</strong>u<br />

que um cabrito do seu rebanho. Como o cabrito não estava<br />

com ele, ela exigiu um penhor at<strong>é</strong> recebê-lo, justamente o seu selo<br />

(um anel com seu sinete), o seu cordão e o seu cajado. Ele entregou<br />

os objetos, a possuiu e ela concebeu <strong>de</strong>le. Logo <strong>de</strong>pois, ela tirou <strong>de</strong><br />

sobre si o v<strong>é</strong>u e tornou às vestes <strong>de</strong> sua viuvez. Mandando que um<br />

empregado fosse levar o cabrito prometido, ele não a achou e todos<br />

contestavam que houvesse por ali alguma prostituta cul<strong>tua</strong>l.<br />

Passados três meses, foram informar a Judá que sua nora<br />

estava grávida e Judá dá a or<strong>de</strong>m para que ela fosse trazida para fora<br />

<strong>de</strong> casa para ser queimada, como era do hábito <strong>de</strong>ssa <strong>é</strong>poca. Só<br />

muito mais tar<strong>de</strong>, com Mois<strong>é</strong>s, a pena dos adúlteros seria alterada.<br />

Tamar manda dizer ao seu sogro que ela havia concebido do homem<br />

<strong>de</strong> quem eram as coisas que tinha em mãos, o selo, o cordão e o<br />

cajado. Reconheceu-os Judá e disse (versículo 26): “mais justa <strong>é</strong> ela<br />

do que eu, porque não a <strong>de</strong>i a Selá, meu filho. E nunca mais a possuiu”.<br />

18


Tamar <strong>de</strong>u à luz dois gêmeos, que foram chamados <strong>de</strong> Zera e<br />

Perez. Na genealogia <strong>de</strong> Jesus, <strong>de</strong> acordo com Mateus, estão mencionados<br />

os nomes <strong>de</strong> Tamar e <strong>de</strong> seu filho Perez.<br />

“O que esta mulher está fazendo aqui?”, justamente na<br />

genealogia <strong>de</strong> Jesus. Vale a pena ler o livro que tem como título a<br />

pergunta sublinhada. Ele cont<strong>é</strong>m artigos escritos por diversas pessoas.<br />

A teóloga metodista Nancy Cardoso Pereira, autora do artigo que<br />

dá nome ao livro, nos diz que Tamar “<strong>é</strong> uma mulher incômoda, no<br />

mínimo irreverente. Ela não tem medo dos costumes e tradições; ela<br />

não teme as leis e as instituições. Arranca justiça com seu corpo <strong>de</strong><br />

mulher oprimida. Denuncia com seu corpo prostituído a prostituição<br />

do patriarca e seus mecanismos <strong>de</strong> dominação”.<br />

“Mas o que esta mulher está fazendo aqui? O que o capítulo<br />

38 acrescenta a esta discussão? É que Tamar tem <strong>de</strong>núncias mais<br />

precisas e concretas contra Judá. Se a casa <strong>de</strong> Judá convive com o<br />

po<strong>de</strong>r e com a opressão dos irmãos <strong>é</strong> porque ele quebrou os preceitos<br />

e práticas que sustentavam a família como unida<strong>de</strong> produtora e<br />

reprodutora livre. Judá não somente ven<strong>de</strong>u e escravizou os irmãos<br />

das outras famílias... Judá rompeu com a solidarieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> sua<br />

própria casa. Para estabelecer o seu po<strong>de</strong>r hegemônico, para sustentar<br />

a monarquia, Judá teve que romper com os direitos da mulher<br />

<strong>de</strong>ntro da Família. É justamente sobre isso que Tamar quer falar. E,<br />

para isso, ela vai expor o seu corpo... porque foi o corpo da mulher<br />

que foi violentado pelo patriarca”. Não sei o livro ainda está à venda.<br />

Foi editado pela Editeo, casa publicadora <strong>de</strong> nossa Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Teologia.<br />

No mesmo livro, há um outro artigo muito bom, “Em Deus não<br />

há macho nem fêmea”, <strong>de</strong> autoria do saudoso Rev. Duncan Alexan<strong>de</strong>r<br />

Reily, no qual o autor faz importantes consi<strong>de</strong>rações sobre “o Deus<br />

que <strong>é</strong> pai e <strong>é</strong> mãe”, citando o <strong>gran<strong>de</strong></strong> teólogo Jürgen Moltmann que<br />

dizia que Deus “não <strong>é</strong> meramente um pai no sentido masculino. Ele <strong>é</strong><br />

um pai maternal tamb<strong>é</strong>m... Ele tem que ser compreendido como o<br />

Pai materno do único filho que Ele pariu e, ao mesmo tempo, Mãe<br />

paterna do único Filho que gerou...”<br />

Assim, ren<strong>de</strong>ndo as homenagens a Tamar, a pioneira da luta<br />

feminista na Bíblia, po<strong>de</strong>mos reconhecer a justiça <strong>de</strong> sua inclusão na<br />

genealogia <strong>de</strong> Jesus. Dela só fazem parte quatro mulheres, Tamar, a<br />

que simulou ser prostituta, Raabe, que era prostituta mesmo, e teve<br />

seu nome incluído na galeria dos heróis da F<strong>é</strong> da carta aos Hebreus,<br />

19


Bate-seba, a mãe <strong>de</strong> Salomão, i<strong>de</strong>ntificada apenas como mulher <strong>de</strong><br />

Urias, que foi atraída ao palácio por Davi que a viu tomando banho, e<br />

<strong>de</strong> Rute, cuja história <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> à sua sogra e ao Deus <strong>de</strong>la <strong>é</strong> um<br />

exemplo para todos nós.<br />

Noemi e Ruth, sogra e nora que se amavam<br />

Que a Bíblia <strong>é</strong> um livro escrito por homens, todo o mundo<br />

sabe. Por isto, com alguma justiça, ela carrega o mal <strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado<br />

um livro machista. Luiz Otávio, meu filho mais novo, conta num dos<br />

seus romances, “A Visita”, que um anjo, uma mulher parecida com a<br />

atriz Sharon Stone, faz uma visita ao seu personagem Elliot. Ele duvida<br />

que ela seja realmente um anjo porque, normalmente, os anjos da<br />

Bíblia são homens. Sharon, esse tamb<strong>é</strong>m era o nome da “anja”, contesta<br />

dizendo que essa impressão era normal por serem os autores da<br />

Bíblia homens e machistas. Como argumento, ela diz que o anjo que<br />

anunciou a Maria que ela tinha sido escolhida para conceber o Filho <strong>de</strong><br />

Deus, era uma mulher. O argumento era muito convincente: “Você<br />

acha que ela receberia uma notícia daquelas <strong>de</strong> um homem? Era um<br />

assunto muito <strong>de</strong>licado e íntimo, próprio <strong>de</strong> mulheres”. Os dois livros<br />

da Bíblia que levam o nome <strong>de</strong> mulheres, Ester e Rute, pa<strong>de</strong>cem do<br />

mesmo mal, tudo leva a crer que foram escritos por homens. O <strong>de</strong><br />

Rute conta a história <strong>de</strong>ssa mulher que tamb<strong>é</strong>m faz parte da genealogia<br />

<strong>de</strong> Jesus.<br />

“No tempo em que julgavam os juízes, houve fome na terra”,<br />

assim começa o livro <strong>de</strong> Ruth. Um homem chamado Elimeleque, sua<br />

esposa Noemi e seus filhos Malom e Quiliom, todos efrateus <strong>de</strong> Bel<strong>é</strong>m<br />

<strong>de</strong> Judá, emigraram para a terra <strong>de</strong> Moab. Morrendo o marido, Noemi<br />

e seus filhos ficaram por ali. Eles acabaram se casando com duas<br />

moabitas, Orfa, com Quiliom, e Rute, com Malom, e assim se passaram<br />

<strong>de</strong>z anos. Os dois irmãos morrem tamb<strong>é</strong>m e Noemi <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> voltar<br />

a sua terra e aconselha as duas noras para que voltem ao seio <strong>de</strong><br />

suas próprias famílias. A princípio, as duas resolveram seguir a sogra<br />

em sua caminhada <strong>de</strong> regresso à terra <strong>de</strong> Judá, on<strong>de</strong> a fome tinha<br />

acabado e havia fartura <strong>de</strong> pão. Novamente, com palavras <strong>de</strong> <strong>de</strong>sespero<br />

e acreditando estar dando o melhor conselho, Noemi apela para<br />

que as noras fiquem. Desta vez, Orfa a beijou, <strong>de</strong>spedindo-se <strong>de</strong>la e<br />

voltando para casa. Noemi pe<strong>de</strong> a Rute que tamb<strong>é</strong>m voltasse ao seu<br />

povo e aos seus <strong>de</strong>uses.<br />

20


A Bíblia nos diz que Rute se apegou a Noemi e, assim, por<br />

mais que a sogra insistisse, Rute continuou caminhando com Noemi<br />

no rumo <strong>de</strong> Bel<strong>é</strong>m <strong>de</strong> Judá. Ela havia conhecido um novo Deus no<br />

convívio com Noemi e não queria abandonar nenhum dos dois. Sua<br />

resposta a Noemi <strong>é</strong> uma das passagens mais lindas da Bíblia, relatada<br />

no capítulo 1º <strong>de</strong> Rute: “Não me instes para que te <strong>de</strong>ixe, e me<br />

obrigues a não seguir-te; porque aon<strong>de</strong> quer que fores, irei eu, e<br />

on<strong>de</strong> quer que pousares, ali pousarei eu; o teu povo <strong>é</strong> o meu povo, o<br />

teu Deus <strong>é</strong> o meu Deus. On<strong>de</strong> quer que morreres, morrerei eu, e aí<br />

serei sepultada; faça-me o Senhor o que bem lhe aprouver, se outra<br />

coisa que não seja a morte me separar <strong>de</strong> ti”.<br />

As relações <strong>de</strong> sogra e nora, muitas vezes conflituosas, normalmente<br />

por ciúmes mútuos, por serem muito comuns, já fazem<br />

parte at<strong>é</strong> do anedotário. Nos tempos bíblicos, a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Deus era<br />

seguida à risca. Uma mulher, ao casar-se, <strong>de</strong>ixava sua família e era<br />

absorvida por outra. Nos tempos mo<strong>de</strong>rnos, a coisa ficou diferente.<br />

Muitos casamentos se tornaram infelizes, ou mesmo terminaram, em<br />

virtu<strong>de</strong> da falta <strong>de</strong> entendimento entre sogra e nora. Mais raramente,<br />

entre sogra e genro. Entre nora e sogra, mesmo nas famílias religiosas,<br />

nós encontramos, mesmo que seja quase imperceptível, algum<br />

tipo <strong>de</strong> conflito.<br />

Não foi isto o que aconteceu nas relações entre Noemi e suas<br />

noras. Certamente, não se po<strong>de</strong> criticar a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> Orfa <strong>de</strong> tentar,<br />

em sua própria terra, construir uma nova vida. Nem po<strong>de</strong>ríamos criticar<br />

Rute, apesar do seu afeto a Noemi, se ela tivesse tomado idêntica<br />

<strong>de</strong>cisão. O afeto que ligou <strong>de</strong> maneira in<strong>de</strong>l<strong>é</strong>vel as duas mulheres<br />

certamente foi <strong>de</strong>vido ao Deus <strong>de</strong> Noemi. Apesar das reclamações<br />

que Noemi faz a Deus a respeito do seu sofrimento, tentando<br />

at<strong>é</strong> mudar seu nome para Mara, “porque <strong>gran<strong>de</strong></strong> amargura me tem<br />

dado o Todo-po<strong>de</strong>roso”, o certo <strong>é</strong> que o Deus que ela apresentou a<br />

Rute era um Deus <strong>de</strong> amor e <strong>de</strong> misericórdia. E Rute apren<strong>de</strong>ra a<br />

confiar nEle.<br />

O romance <strong>de</strong> Boaz, meio parente <strong>de</strong> Elimeleque, com Ruth,<br />

com pleno apoio – e at<strong>é</strong> com o ensino, por parte <strong>de</strong> Noemi, <strong>de</strong> algumas<br />

artimanhas próprias das mulheres – foi, segundo narra a Bíblia,<br />

muito bonito. Nunca faltou nada às duas mulheres, pela bonda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Boaz, que começara a gostar <strong>de</strong>la, e pelo caráter <strong>de</strong> Rute, confome<br />

ele se expressa para ela: “toda a cida<strong>de</strong> do meu povo sabe que <strong>é</strong>s<br />

21


mulher virtuosa”.A antiga proprieda<strong>de</strong> da família foi resgatada por<br />

Boaz e eles se casaram.<br />

Rute, uma estrangeira que havia adotado, pelo testemunho<br />

<strong>de</strong> sua sogra, o Deus verda<strong>de</strong>iro, passa a fazer parte da história do<br />

povo escolhido. Todo o povo, inclusive os anciãos, disseram <strong>de</strong> maneira<br />

muito clara a Boaz: “somos testemunhas; o Senhor faça a esta<br />

mulher, que entra na <strong>tua</strong> casa, como a Raquel e a Lia, que ambas<br />

edificaram a casa <strong>de</strong> Israel; e tu, Boaz, há-te valorosamente em Efrata,<br />

e faze-te nome afamado em Bel<strong>é</strong>m. Seja a <strong>tua</strong> casa como a casa <strong>de</strong><br />

Perez, que Tamar teve <strong>de</strong> Judá, pela prole que o Senhor te <strong>de</strong>r <strong>de</strong>sta<br />

jovem”. Esse reconhecimento da importância <strong>de</strong> Tamar como parte<br />

importante do povo <strong>de</strong> Israel justifica bem o que está contido no<br />

capítulo anterior.<br />

Rute concebeu e a chegada <strong>de</strong> seu filho Obe<strong>de</strong> trouxe muita<br />

alegria. As mulheres diziam a Noemi: “ele será o restaurador da <strong>tua</strong><br />

vida e o consolador da <strong>tua</strong> velhice, pois <strong>tua</strong> nora, que te ama, o <strong>de</strong>u<br />

à luz, e ela te <strong>é</strong> melhor do que sete filhos”.<br />

Melhor ainda, Rute tomou o menino e o pôs no regaço <strong>de</strong> sua<br />

sogra e ela começou a cuidar <strong>de</strong>le. Não era a avó carnal do menino<br />

mas o ato <strong>de</strong> amor <strong>de</strong> sua nora era, sem dúvida a alegria que voltava<br />

à vida daquela mulher. Ela ajudaria a criar o seu neto pelo amor, e ele<br />

seria o pai <strong>de</strong> Jess<strong>é</strong> e o avô <strong>de</strong> Davi, que se tornou rei <strong>de</strong> Israel.<br />

Po<strong>de</strong>-se dizer que o relacionamento <strong>de</strong> Noemi e Ruth constitui<br />

num belíssimo exemplo <strong>de</strong> vida, válido at<strong>é</strong> nos dias <strong>de</strong> hoje, quando<br />

tanta coisa mudou neste mundo, da possibilida<strong>de</strong> real – para não dizer<br />

necessida<strong>de</strong> – <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>, confiança e intimida<strong>de</strong> nas relações entre<br />

sogra e nora, que serão cada vez melhores se elas estiverem com Deus,<br />

como disse Ruth: “o teu Deus será o meu Deus”.<br />

22


Mulheres do Novo Testamento<br />

Maria, a doce mãe <strong>de</strong> Jesus<br />

Quando a querida Zel, minha nora, aproximou-se nossa família no<br />

começo do seu namoro com Luiz Otávio, uma das coisas que ela me<br />

disse, em nossa primeira conversa sobre religião, <strong>é</strong> que ela fora criada<br />

no catolicismo, tendo estudado em col<strong>é</strong>gio <strong>de</strong> freiras, e que não<br />

gostava muito dos protestantes porque eles não gostavam da Virgem<br />

Maria. O que lhe respondi, antes <strong>de</strong> muitas explicações, foi simplesmente:<br />

“pois eu gosto muito”.<br />

E ela tinha um pouco <strong>de</strong> razão. Pela ênfase que os católicos<br />

dão a Nossa Senhora, por alguns dogmas da <strong>Igreja</strong> <strong>de</strong> Roma, pelo<br />

“pe<strong>de</strong> à mãe que o filho aten<strong>de</strong>”, plástico aplicado em muitos carros,<br />

etc., etc., os protestantes acabam colocando a figura da mãe <strong>de</strong> Jesus<br />

num plano inferior. Alguns anos atrás, a Voz Missionária publicou<br />

um artigo sobre <strong>gran<strong>de</strong></strong>s mulheres da Bíblia, no qual ficou faltando a<br />

mulher mais importante <strong>de</strong> todas, justamente a mãe <strong>de</strong> Jesus. Muitas<br />

pessoas ficam escandalizadas comigo quando digo que posso perfeitamente<br />

saudar Maria com os católicos dizendo “Ave Maria, cheia<br />

<strong>de</strong> graça, o Senhor <strong>é</strong> convosco, bendita sois vós entre as mulheres e<br />

bendito o fruto do vosso ventre, Jesus”. O que não faço <strong>é</strong> orar “Santa<br />

Maria, mãe <strong>de</strong> Deus, perdoai os nossos pecados, agora e na hora<br />

<strong>de</strong> nossa morte”.<br />

Tamb<strong>é</strong>m já escandalizei muita gente ao dizer, em pleno sermão,<br />

apesar das ressalvas <strong>de</strong> que nós não oramos à Virgem Maria,<br />

porque nosso intercessor <strong>é</strong> Cristo, que, na minha opinião, uma das<br />

poesias mais lindas da língua portuguesa <strong>é</strong> <strong>de</strong> Manoel Ban<strong>de</strong>ira: “Eu<br />

vi minha mãe rezando/ aos p<strong>é</strong>s da Virgem Maria./ Era uma santa<br />

escutando/ o que outra santa dizia”.<br />

A doce Virgem Maria <strong>é</strong> a mulher mais importante da Bíblia<br />

pois o anjo lhe disse que ela havia achado graça diante <strong>de</strong> Deus e que<br />

Deus a convocava para uma <strong>gran<strong>de</strong></strong> missão, ser a mãe <strong>de</strong> Jesus, o<br />

libertador da humanida<strong>de</strong>. Ela era, como acontecia naqueles tempo,<br />

uma jovenzinha, rec<strong>é</strong>m saída da adolescência. A resposta <strong>de</strong> Maria,<br />

simples mas significando uma entrega total à missão que lhe seria<br />

confiada, foi: “Aqui está a serva do Senhor; que se cumpra em mim<br />

conforme a <strong>tua</strong> palavra”.<br />

23


No chamado Cântico <strong>de</strong> Maria, uma poesia linda e cheia <strong>de</strong><br />

significados, ela diz coisas <strong>de</strong> profunda transcendência: “A minha alma<br />

en<strong>gran<strong>de</strong></strong>ce ao Senhor, e o meu espírito se alegra em Deus, meu<br />

Salvador, porque contemplou na humilda<strong>de</strong> da sua serva. Pois agora<br />

todas as gerações me consi<strong>de</strong>rarão bem-aventurada, porque o Po<strong>de</strong>roso<br />

me fez <strong>gran<strong>de</strong></strong>s coisas, Santo <strong>é</strong> o seu nome. A sua misericórdia<br />

vai <strong>de</strong> geração em geração sobre os que o temem. Agiu com seu<br />

braço valorosamente; dispersou os que no coração alimentavam pensamentos<br />

soberbos. Derrubou dos seus tronos os po<strong>de</strong>rosos e exaltou<br />

os humil<strong>de</strong>s. Encheu <strong>de</strong> bens os famintos e <strong>de</strong>spediu vazios os<br />

ricos. Amparou a Israel, seu servo, a fim <strong>de</strong> lembrar-se da sua misericórdia,<br />

a favor <strong>de</strong> Abraão e <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>scendência, para sempre,<br />

conforme prometera aos nossos pais”.<br />

Depois dos sacrifícios da viagem <strong>de</strong> Nazar<strong>é</strong> a Bel<strong>é</strong>m para o recenseamento,<br />

da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter o seu filho numa simples estrebaria,<br />

porque não havia lugar para eles na estalagem, e ter que colocá-lo numa<br />

manjedoura, ela viu surpresa a visita dos pastores e mais surpresa ainda<br />

ficou com o relato das coisas que aconteceram nas campinas <strong>de</strong> Bel<strong>é</strong>m,<br />

como o anúncio do anjo e do coral composto da milícia celestial que<br />

cantava “Glória a Deus nas maiores alturas, e paz na terra entre os<br />

homens a quem ele quer bem”. Ouvindo isto tudo, Maria “guardava<br />

todas estas palavras, meditando-as em seu coração”.<br />

Como guardou certamente os problemas do exílio no Egito,<br />

as dificulda<strong>de</strong>s da criação do menino, a responsabilida<strong>de</strong> que tinha<br />

<strong>de</strong> educá-lo no verda<strong>de</strong>iro caminho e os 30 anos <strong>de</strong> luta at<strong>é</strong> que seu<br />

filho Jesus começasse a sua missão. Esteve sempre presente na vida<br />

<strong>de</strong> Jesus. Estava com ele nos momentos alegres do casamento em<br />

Caná, on<strong>de</strong> fez o seu primeiro milagre. E estava tamb<strong>é</strong>m nos momentos<br />

<strong>de</strong> perseguição e dor. Como presente estava, angustiada, nos<br />

momentos cruciais <strong>de</strong> sua prisão, <strong>de</strong> seu julgamento, <strong>de</strong> sua con<strong>de</strong>nação.<br />

Aos p<strong>é</strong>s da cruz on<strong>de</strong> Jesus estava dando a vida por nós,<br />

assistiu todo o seu suplício e ajudou a recolher o seu corpo sem vida.<br />

Por tudo isto, e at<strong>é</strong> pela preocupação que Jesus teve com ela<br />

já pregado na cruz, nomeando João para que se tornasse seu filho,<br />

isto <strong>é</strong>, cuidasse <strong>de</strong>la em sua ausência, e, ao mesmo tempo, transformando-a<br />

em mãe do seu discípulo amado, provavelmente o mais<br />

jovem <strong>de</strong> todos, Maria <strong>é</strong> a mulher mais importante da história humana.<br />

A Bíblia não revela muitos dos cuidados que ela tinha com Jesus a<br />

longo <strong>de</strong> sua vida. Conhecendo o seu caráter, por<strong>é</strong>m, bem po<strong>de</strong>mos<br />

24


imaginar. E nem os <strong>gran<strong>de</strong></strong>s pintores e escultores da história humana,<br />

nem os que lidam com as palavras, pu<strong>de</strong>ram <strong>de</strong>screver bem o que<br />

aquela mulher sofreu no <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> uma missão que recebera do<br />

Altíssimo quando ainda tão jovem. Por isto tudo, ela <strong>é</strong> chamada <strong>de</strong><br />

“mater dolorosa”. Nada, no entanto, a <strong>de</strong>spiu da condição que ela<br />

expressou no seu cântico <strong>de</strong> ser bem-aventurada. A maior das mulheres,<br />

a maior das mães, aquela que dignificou o papel da mulher na vida<br />

humana, elo entre o divino e o humano, a que possibilitou que os Pais<br />

da <strong>Igreja</strong> pu<strong>de</strong>ssem afirmar, para todo o sempre, que “Jesus <strong>é</strong> verda<strong>de</strong>iramente<br />

Deus e verda<strong>de</strong>iramente homem”, <strong>é</strong> realmente o padrão<br />

<strong>de</strong> mulher cristã e o Senhor sempre esteve com ela.<br />

Mulher, <strong>gran<strong>de</strong></strong> <strong>é</strong> a <strong>tua</strong> f<strong>é</strong><br />

O encontro <strong>de</strong> Jesus com a mulher siro-fenícia, narrada pelos<br />

evangelistas Mateus e Marcos, <strong>é</strong> um episódio crucial da vida <strong>de</strong> Jesus<br />

e tem s<strong>é</strong>rias implicações em sua missão e na missão que ele <strong>de</strong>u aos<br />

seus seguidores. No diálogo, áspero, conflitante e at<strong>é</strong> mal educado,<br />

Jesus nos mostra uma outra visão <strong>de</strong> sua personalida<strong>de</strong>.<br />

Antes <strong>de</strong> mais nada, vamos si<strong>tua</strong>r aquela mulher. Marcos diz<br />

que ela era grega, <strong>de</strong> origem siro-fenícia. Mateus, por sua vez, diz<br />

que ela era canan<strong>é</strong>ia, isto, fazia parte do povo que foi expulso por<br />

Josu<strong>é</strong> da terra prometida. Ou seja, havia ódio entre os ju<strong>de</strong>us e os<br />

cananeus. Ela tinha uma filha que tinha s<strong>é</strong>rios problemas mentais.<br />

Na Bíblia, porque não conheciam nada da doença, era mais fácil dizer<br />

que pessoas assim eram en<strong>de</strong>moninhadas ou eram possuídas <strong>de</strong> espírito<br />

imundo ou <strong>de</strong>mônios.<br />

Cansado <strong>de</strong> sua labuta, Jesus retirou-se para os lados <strong>de</strong> Tiro<br />

e Sidon para <strong>de</strong>scansar. Ouvindo falar <strong>de</strong> seus milagres, as multidões<br />

não o <strong>de</strong>ixavam em paz. Esta foi possivelmente a única vez que Jesus,<br />

tirando o seu exílio no Egito, para fugir <strong>de</strong> Hero<strong>de</strong>s, esteve em<br />

terras estrangeiras e, al<strong>é</strong>m <strong>de</strong> tudo, composta <strong>de</strong> pessoas que eram<br />

inimigas dos ju<strong>de</strong>us. Mesmo assim, Jesus não encontrou <strong>de</strong>scanso e<br />

paz, nem pô<strong>de</strong> se ocultar. Jesus nasceu como ju<strong>de</strong>u e se <strong>de</strong>senvolveu<br />

at<strong>é</strong> a maturida<strong>de</strong> num lar ju<strong>de</strong>u e numa cultura e numa religião judaicas.<br />

Num certo sentido, a universalida<strong>de</strong> do Evangelho <strong>de</strong> Jesus e da<br />

própria missão <strong>de</strong> levá-lo aos gentios, marcas fundamentais da história<br />

da igreja primitiva, começaram nesse episódio.<br />

25


O relacionamento <strong>de</strong> Jesus com as mulheres era muito bom.<br />

Ele as aceitava, gostava <strong>de</strong>las e reconhecia que elas eram capazes <strong>de</strong><br />

enten<strong>de</strong>r as coisas revolucionárias que pregava e ensinava. Conversas<br />

longas entre Jesus e as mulheres não são muito comuns. É certo<br />

que, por estar freqüentemente no lar <strong>de</strong> Betânia, com Lázaro, Marta<br />

e Maria, ele conversava muito com as duas irmãs. No caso da morte<br />

<strong>de</strong> Lázaro, ele teve com Marta discussões teológicas muito s<strong>é</strong>rias,<br />

como se verá em capítulo mais à frente.<br />

As duas conversas mais longas <strong>de</strong> Jesus com mulheres foram,<br />

por paradoxal que seja, com as estrangeiras, a mulher canan<strong>é</strong>ia<br />

e a mulher samaritana com quem se encontrou junto ao poço <strong>de</strong><br />

Jacó, as duas heroínas sem nome. A mais tempestuosa conversa, em<br />

que Jesus se mostrou ríspido, at<strong>é</strong> mesmo grosseiro, preconceituoso e<br />

um pouco mal educado, foi justamente com a mulher canan<strong>é</strong>ia. Ele<br />

a tratou <strong>de</strong> uma forma cruel, parecida com a maneira com que tratava,<br />

nos limites <strong>de</strong> sua terra, os escribas e fariseus. Uma teóloga<br />

americana, ao comentar esse texto, diz que “parece que Jesus <strong>de</strong>ixou<br />

sua condição <strong>de</strong> Messias no lado palestino da fronteira e, tamb<strong>é</strong>m,<br />

sua compaixão e sensibilida<strong>de</strong>”.<br />

Apesar <strong>de</strong> saber <strong>de</strong> todas as questões <strong>de</strong>ssa centenária incompatibilida<strong>de</strong><br />

ente os ju<strong>de</strong>us e os cananeus, aquela mulher, cujo único<br />

<strong>de</strong>sejo na vida era a cura <strong>de</strong> sua filha, e cuja única certeza era <strong>de</strong> que<br />

só Jesus po<strong>de</strong>ria curá-la, assumiu todos os riscos <strong>de</strong>sse encontro. Ela<br />

estava disposta a não sair dali sem beneficiar-se do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Jesus. Ela<br />

percebeu, tamb<strong>é</strong>m, que chamar a atenção <strong>de</strong> Jesus, exigiria uma atitu<strong>de</strong><br />

toda especial para sobrepujar a barreira que os discípulos <strong>de</strong>le faziam<br />

para protegê-lo. Ela clamou, isto <strong>é</strong>, falou alto, gritou, “Senhor, filho<br />

<strong>de</strong> Davi, tem compaixão <strong>de</strong> mim!”. O texto <strong>de</strong> Mateus diz que Jesus<br />

ficou indiferente aos seus apelos, “não lhe respon<strong>de</strong>u palavra”. Incomodados<br />

com a insistência da mulher, os próprios discípulos rogaram a<br />

Jesus para que a <strong>de</strong>spedisse, isto <strong>é</strong>, que aten<strong>de</strong>sse os seus apelos,<br />

curasse a menina para que ela fosse embora.<br />

Nesse momento, começou o diálogo <strong>de</strong> Jesus com ela mas foi<br />

uma conversa muito hostil, apesar <strong>de</strong> que ela clamava respeitosamente,<br />

usando para Jesus os títulos corretos, como Senhor e Filho <strong>de</strong> Davi.<br />

Disse-lhe Jesus, como a <strong>de</strong>sculpar-se por não po<strong>de</strong>r curar sua filha:<br />

“Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa <strong>de</strong> Israel”. Face à<br />

face com uma <strong>gran<strong>de</strong></strong> necessida<strong>de</strong> humana, a resposta <strong>de</strong> Jesus não<br />

foi realmente uma resposta. Jesus não tinha argumentos para convencê-<br />

26


la. Porque, ao levar esse fora, ela veio e o adorou dizendo e pediu a sua<br />

compaixão: “Senhor, socorre-me!”.<br />

Jesus, para espanto <strong>de</strong>la, não só não a socorre, mas usa agora<br />

um argumento injurioso e ofensivo: Não <strong>é</strong> bom tomar o pão dos<br />

filhos e lançá-los aos cachorrinhos”. Os ju<strong>de</strong>us chamavam os estrangeiros,<br />

os gentios, <strong>de</strong> cachorros. Num certo sentido, essa ofensa estava<br />

sendo repetida por Jesus àquela mulher. Ela tinha três coisas<br />

que eram normalmente <strong>de</strong>sprezíveis para os ju<strong>de</strong>us: era uma estrangeira,<br />

ou seja, pagã, sendo vista como impura; por isto, os ju<strong>de</strong>us<br />

guardavam uma distância segura dos gentios. Era mulher, e as mulheres<br />

não mereciam nenhuma consi<strong>de</strong>ração por parte dos ju<strong>de</strong>us.<br />

Os ju<strong>de</strong>us eram proibidos <strong>de</strong> falar com elas a não ser na presença dos<br />

seus maridos. Se o pai da menina <strong>é</strong> que fosse pedir o milagre a Jesus,<br />

talvez fosse diferente. Havia uma terceira coisa a <strong>de</strong>sgastar a imagem<br />

da mulher, ela era a mãe <strong>de</strong> uma menina en<strong>de</strong>moninhada, uma<br />

louca. Os ju<strong>de</strong>us gostavam <strong>de</strong> atribuir as <strong>de</strong>sgraças da saú<strong>de</strong> a pecados<br />

cometidos por pais ou outros antecessores. Quem sabe aquela<br />

mulher canan<strong>é</strong>ia não teria alguma culpa no cartório?<br />

Era o momento <strong>de</strong>cisivo da conversa. Mesmo ofendida, percebendo<br />

muito bem aon<strong>de</strong> Jesus queria chegar, ela foi muito inteligente<br />

em sua fala, na qual começa concordando com Jesus: “Sim,<br />

Senhor!”. Mas, em seguida, para usar uma linguagem do jogo <strong>de</strong><br />

xadrez, ela dá o cheque-mate em Jesus, a jogada <strong>de</strong>finitiva: “por<strong>é</strong>m<br />

os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus<br />

donos”. É exatamente isto. Ela tinha a convicção que mesmo ínfimas<br />

parcelas da graça seriam suficientes para que sua filha fosse curada.<br />

Então, <strong>é</strong> Mateus quem narra, Jesus lhe disse: “Ó mulher, <strong>gran<strong>de</strong></strong><br />

<strong>é</strong> a <strong>tua</strong> f<strong>é</strong>. Faça-se contigo como queres”. E <strong>de</strong>s<strong>de</strong> aquele momento,<br />

sua filha ficou sã.<br />

A partir dali, ningu<strong>é</strong>m mais teve barrado o seu acesso a Deus,<br />

às bênçãos <strong>de</strong> Deus, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus antepassados, da religião<br />

que herdou ou <strong>de</strong> sua cultura. Com sua atitu<strong>de</strong>, a mulher canan<strong>é</strong>ia<br />

verda<strong>de</strong>iramente esten<strong>de</strong>u a mesa do Senhor e, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, há pão<br />

em abundância para todos, gentios, ju<strong>de</strong>us, gregos, escravos, livres,<br />

homens, mulheres e crianças. E na <strong>gran<strong>de</strong></strong> comissão, texto <strong>de</strong> Mateus<br />

28:18-20, a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Jesus <strong>é</strong>: “Toda a autorida<strong>de</strong> me foi dada no<br />

c<strong>é</strong>u e na terra. I<strong>de</strong>, portanto, fazei discípulos em todas as nações,<br />

batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo; ensinan-<br />

27


do-os a guardar todas as coisas que vos tenho or<strong>de</strong>nado. E eis que<br />

estou convosco todos os dias at<strong>é</strong> à consumação do s<strong>é</strong>culo”.<br />

A mulher samaritana<br />

Estamos falando do surpreen<strong>de</strong>nte encontro <strong>de</strong> Jesus com a<br />

mulher samaritana à beira do poço <strong>de</strong> Jacó, em Samaria. Jesus e<br />

seus discípulos estavam caminhando da Jud<strong>é</strong>ia, ao Sul, para a Galil<strong>é</strong>ia,<br />

ao Norte. Passaram por Samaria, território historicamente hostil aos<br />

ju<strong>de</strong>us, apenas para ganharem tempo. Se a tivessem evitado, gastariam<br />

seis dias e não três. Preferiam, portanto, o caminho mais curto.<br />

Numa bifurcação da estrada, perto <strong>de</strong> Sicar, está o que se conhece<br />

pelo nome <strong>de</strong> poço <strong>de</strong> Jacó. O local, que não lhes pertencia, tinha,<br />

contudo, muita importância histórica para os ju<strong>de</strong>us. Ali havia terras<br />

que foram compradas por Jacó (Gn 33:18-19). Em seu leito <strong>de</strong> morte,<br />

Jacó <strong>de</strong>ixou aquelas terras para Jos<strong>é</strong> (Gn 48:22). Depois <strong>de</strong> sua<br />

morte, o corpo <strong>de</strong> Jos<strong>é</strong> foi levado para ser enterrado ali (Js 24:32). O<br />

poço tinha cerca <strong>de</strong> 30 metros <strong>de</strong> profundida<strong>de</strong>.<br />

O calor era forte e era meio dia, a hora sexta dos ju<strong>de</strong>us.<br />

Enquanto os discípulos foram ao centro da cida<strong>de</strong> para comprar alimentos,<br />

Jesus pára à beira do poço para <strong>de</strong>scansar. Uma mulher<br />

samaritana aproximou-se do poço. Por que teria ela vindo àquele<br />

poço? Provavelmente haveria um outro poço perto <strong>de</strong> sua casa. Talvez<br />

sua má reputação fazia com que fosse discriminada por outras<br />

mulheres. O fato <strong>é</strong> que ela chega a um poço distante e na pior hora,<br />

a mais quente do dia, para apanhar água. Trazia certamente algo<br />

com que apanhar a água no fundo, possivelmente um saco feito <strong>de</strong><br />

couro ao qual se amarrava uma corda. A água assim extraída era<br />

transportada num cântaro para casa.<br />

Jesus, com se<strong>de</strong> (e <strong>é</strong> possível que os discípulos tivessem levado<br />

consigo o saco <strong>de</strong> couro que certamente possuíam), pe<strong>de</strong> à mulher<br />

que lhe <strong>de</strong>sse <strong>de</strong> beber. A resposta da mulher foi muito clara:<br />

“Como, sendo tu ju<strong>de</strong>u, pe<strong>de</strong>s <strong>de</strong> beber a mim que sou mulher<br />

samaritana?”. Porque os ju<strong>de</strong>us e os samaritanos não se davam bem.<br />

E nos costumes dos dois povos, nenhum homem dirigia a palavra a<br />

uma mulher. A resposta <strong>de</strong> Jesus aprofundou a conversa: “Se conheceras<br />

o dom <strong>de</strong> Deus e quem <strong>é</strong> que te pe<strong>de</strong> “dá-me <strong>de</strong> beber”, tu lhe<br />

pedirias e ele te daria água viva”.<br />

Coisa curiosa <strong>é</strong> que essa conversação <strong>de</strong> Jesus com a samaritana<br />

segue exatamente o mesmo esquema da conversa que ele tivera,<br />

algum tempo atrás, com Nico<strong>de</strong>mos. Jesus faz uma afirmação, que<br />

28


não <strong>é</strong> entendida e sim tomada num sentido incorreto. Jesus repete a<br />

afirmação <strong>de</strong> maneira mais clara mas não consegue ser interpretado<br />

corretamente. Jesus então obriga a pessoa com quem está falando a<br />

<strong>de</strong>scobrir e enfrentar a verda<strong>de</strong> por si mesma. Tal como Nico<strong>de</strong>mos,<br />

a mulher tomou as palavras <strong>de</strong> Jesus num sentido literal, sem conseguir<br />

compreendê-las no plano espiri<strong>tua</strong>l.<br />

Água viva, para as pessoas comuns, significava simplesmente<br />

água corrente, <strong>de</strong> um rio ou <strong>de</strong> uma fonte, não a água <strong>de</strong> um poço ou<br />

<strong>de</strong> um pântano. É claro, a água viva era sempre melhor. E a mulher<br />

lhe pergunta, como lhe daria essa água se não tinha com que tirá-la<br />

do poço que era bem fundo. “On<strong>de</strong>, pois, tens a água viva?” Ela<br />

agora lhe fala do patriarca Jacó e pergunta se o viajante era maior do<br />

que ele.<br />

A resposta <strong>de</strong> Jesus não foi exatamente sobre o que ela perguntou.<br />

Ele lhe disse: “Quem beber <strong>de</strong>sta água, tornará a ter se<strong>de</strong>;<br />

aquele, por<strong>é</strong>m, que beber da água que eu lhe <strong>de</strong>r, nunca mais terá<br />

se<strong>de</strong>, para sempre; pelo contrário, a água que eu lhe <strong>de</strong>r será nele<br />

uma fonte a jorrar pela vida eterna”.<br />

E ela, ainda sem enten<strong>de</strong>r exatamente o que Jesus lhe queria<br />

dizer, pe<strong>de</strong> que ele lhe dê <strong>de</strong>ssa água, para nunca mais ter que vir<br />

buscá-la do poço.<br />

Os samaritanos só aceitavam os cinco primeiros livros da Bíblia,<br />

os chamados livros da Lei. Por isto, ela <strong>de</strong>sconhecia todo o significado<br />

espiri<strong>tua</strong>l da expressão água viva. A promessa era que o<br />

povo escolhido tiraria com alegria as águas das fontes da salvação (Is<br />

12:3); o salmista falava <strong>de</strong> sua alma se<strong>de</strong>nta <strong>de</strong> Deus, do Deus vivo<br />

(Sl 42:1). A promessa <strong>de</strong> Deus era: “E eu <strong>de</strong>rramarei águas sobre o<br />

se<strong>de</strong>nto” (Is 44:3). O chamado dizia que todo aquele que estivesse<br />

se<strong>de</strong>nto <strong>de</strong>via ir às águas e bebê-las gratuitamente (Is 55:1). Jeremias<br />

se queixava <strong>de</strong> que o povo havia abandonado a Deus, fonte <strong>de</strong> água<br />

viva, e cavara cisternas rotas, que não contêm as águas (Jr 2:13);<br />

Ezequiel teve a visão das águas purificadoras, o rio da vida (Ez 47: 1-<br />

12); Zacarias, por sua vez, dizia que o novo mundo abriria uma fonte<br />

para remover o pecado e a impureza (Zc 13:1) e que as águas vivas<br />

brotariam <strong>de</strong> Jerusal<strong>é</strong>m (Zc 14:8). “Não terão fome nem se<strong>de</strong>”, proclamava<br />

Isaías (Is 49:10); “Contigo está o manancial da vida”, exclamava<br />

o salmista (Sl 36:9); e Isaías profetizava: “a areia embraseada<br />

se transformará em lagos, e a terra se<strong>de</strong>nta em mananciais <strong>de</strong> água<br />

(Is 35:7). Os rabinos antigos i<strong>de</strong>ntificavam essa água viva com a<br />

sabedoria <strong>de</strong> Deus. Outras vezes, a i<strong>de</strong>ntificavam com o Espírito Santo<br />

<strong>de</strong> Deus.<br />

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Essa id<strong>é</strong>ia <strong>de</strong> que a se<strong>de</strong> da alma que só se po<strong>de</strong>ria satisfazer<br />

com a água viva que era o dom <strong>de</strong> Deus não fazia parte da cultura e<br />

da experiência daquela mulher.<br />

Jesus, incompreendido, muda o tom da conversa: “vai, chama<br />

o teu marido e vem cá”. Isto foi um choque para a mulher porque,<br />

<strong>de</strong> repente, Jesus a estava chamando à realida<strong>de</strong> do seu dia-a-dia.<br />

Ela foi obrigada a confessar que não tinha marido. E Jesus, ainda<br />

incisivo, lhe diz que isto era verda<strong>de</strong> mas que ela tinha tido cinco<br />

maridos. Só aí a mulher percebeu que não estava falando com qualquer<br />

um e lhe disse: “Senhor, vejo que <strong>é</strong>s profeta”. Pega no seu<br />

pecado, ela muda <strong>de</strong> assunto e pergunta a Jesus se Deus <strong>de</strong>ve ser<br />

adorado no Monte Gerizim, on<strong>de</strong> Abraão esteve perto <strong>de</strong> sacrificar<br />

Isaque, e era um local sagrado para os samaritanos, ou no monte<br />

Sião, em Jerusal<strong>é</strong>m, lugar sagrado pelos ju<strong>de</strong>us.<br />

A conversa vai chegando ao ponto que Jesus planejara. Dizendo-lhe<br />

que os verda<strong>de</strong>iros adoradores adoram em espírito e em verda<strong>de</strong><br />

– e isto nada tem a haver com o local da adoração – porque são estes<br />

que o Pai procura para seus adoradores, a mulher, começando a compreen<strong>de</strong>r<br />

as coisas, lhe diz: “eu sei que há <strong>de</strong> vir o Messias, chamado<br />

Cristo; quando ele vier, nos anunciará todas as coisas”.<br />

Finalmente, Jesus faz-lhe a <strong>de</strong>claração: “eu o sou, eu que falo<br />

contigo”. A mulher <strong>de</strong>scobriu, atônita, que a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> Jesus não<br />

era um mero sonho mas a verda<strong>de</strong> mesma. E dali para a frente, tudo<br />

iria ser diferente. Nesse ponto, os discípulos chegam <strong>de</strong> volta e se<br />

surpreen<strong>de</strong>m, mesmo sem fazer nenhum comentário, <strong>de</strong> vê-lo conversando<br />

com uma mulher.<br />

Ela, <strong>de</strong>ixando o seu cântaro, foi à cida<strong>de</strong> e anunciou aos homens<br />

com quem se encontrou: “Vin<strong>de</strong> comigo, e ve<strong>de</strong> um homem<br />

que me disse tudo quanto tenho feito. Será este, porventura, o Cristo?”.<br />

Os homens foram ter com Jesus e creram nele, em virtu<strong>de</strong> do<br />

testemunho daquela mulher. Pediram e Jesus permaneceu com eles<br />

dois dias. Muitos creram nele por causa <strong>de</strong> sua palavra e diziam à<br />

mulher: “já agora não <strong>é</strong> pelo que disseste que nós cremos; mas porque<br />

nós mesmos temos ouvido e sabemos que este <strong>é</strong> verda<strong>de</strong>iramente<br />

o Salvador do Mundo”.<br />

A mulher samaritana, cujo nome será sempre <strong>de</strong>sconhecido,<br />

se transformou, ao conhecer Jesus, numa verda<strong>de</strong>ira evangelista.<br />

Não só entregou a sua vida a Cristo, mudou <strong>de</strong> vida, mas imediatamente<br />

levou outros a conhecê-lo. O primeiro instinto da mulher<br />

samaritana foi repartir a sua experiência.. Barclay nos diz que a vida<br />

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cristã se baseia em dois pilares gêmeos, o <strong>de</strong>scobrimento e a comunicação.<br />

“Nenhum <strong>de</strong>scobrimento <strong>é</strong> completo at<strong>é</strong> que nossos corações<br />

se encham do <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> reparti-lo, mas não po<strong>de</strong>mos comunicar<br />

Cristo aos outros at<strong>é</strong> que o tenhamos <strong>de</strong>scoberto para nós mesmos.<br />

Os dois <strong>gran<strong>de</strong></strong>s passos da vida cristã são, em primeiro lugar,<br />

encontrar a Cristo e, em segundo, falar <strong>de</strong>le”.<br />

Como a samaritana, um homem po<strong>de</strong> escon<strong>de</strong>r o seu pecado<br />

mas quando encontra a Jesus Cristo e o reconhece como seu Salvador,<br />

seu primeiro instinto è dizer aos outros: “Ve<strong>de</strong> o que eu era e olhai para<br />

o que sou agora: <strong>é</strong> isto o que Cristo tem feito por mim”.<br />

Assim era Jesus, um homem sem preconceitos, nem contra<br />

as mulheres e nem para com os estrangeiros, quaisquer que fossem<br />

os seus erros, que ele estava sempre disposto a perdoar e conce<strong>de</strong>r<br />

a chance <strong>de</strong> um novo nascimento.<br />

Essa história nos mostra que a mulher samaritana, uma das<br />

<strong>gran<strong>de</strong></strong>s mulheres da Bíblia, <strong>é</strong> um exemplo <strong>de</strong> cristã. Precisamos todos,<br />

homens e mulheres, ser evangelistas como ela foi.<br />

Marta e Maria – ambas escolheram a melhor parte<br />

Lázaro e suas irmãs Marta e Maria viviam em Betânia. Muitas<br />

vezes Jesus os visitou. Aquela família era muito amiga <strong>de</strong> Jesus. Vamos<br />

no ater, porque esse <strong>é</strong> o objetivo <strong>de</strong>ste texto somente às duas mulheres.<br />

O primeiro texto, <strong>de</strong> Lucas 10, narra uma daquelas visitas <strong>de</strong> Jesus.<br />

Maria ficou sentada aos p<strong>é</strong>s <strong>de</strong> Jesus, escutando-lhe com atenção. Marta,<br />

por sua vez, estava atarefada nas coisas da casa, como qualquer<br />

mulher ao receber hóspe<strong>de</strong> tão importante. Marta queixa-se a Jesus <strong>de</strong><br />

que sua irmã não a estava ajudando. Jesus a repreen<strong>de</strong> dizendo: “Marta!<br />

Marta! Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas. Entretanto,<br />

pouco <strong>é</strong> necessário, ou mesmo uma só coisa; Maria, pois, escolheu a<br />

boa parte e esta não lhe será tirada”.<br />

A partir <strong>de</strong>sse texto, criou-se um crit<strong>é</strong>rio <strong>de</strong> valorizar Maria contra<br />

Marta. E poucos se lembram que esse texto vem logo <strong>de</strong>pois da<br />

parábola do bom samaritano, na qual as obras <strong>de</strong> benignida<strong>de</strong> são não<br />

apenas elogiadas mas tamb<strong>é</strong>m recomendadas. O objetivo <strong>de</strong> Lucas não<br />

seria dizer que uma <strong>é</strong> melhor do que a outra mas, apenas, que uma <strong>é</strong><br />

diferente da outra e cada uma <strong>de</strong>las tem o seu lugar <strong>de</strong> honra entre os<br />

discípulos <strong>de</strong> Jesus. Por isto, as mulheres <strong>de</strong>sejam ser como Maria e não<br />

como Marta e isto talvez reflita, <strong>de</strong> algum modo, uma certa revolta contra<br />

os trabalhos caseiros, que afadigam, são mal reconhecidos e que têm<br />

ser repetidos a cada dia.<br />

31


At<strong>é</strong> Santo Agostinho vai nesse tom <strong>de</strong> crítica a Marta, por não<br />

reconhecer a natureza <strong>de</strong> Jesus. Para ele, em seu sermão 104, “Marta <strong>é</strong><br />

uma imagem da posse; Maria a da Esperança”. France Qu<strong>é</strong>r<strong>é</strong>, em “As<br />

mulheres do Evangelho”, diz que Marta, para espanto seu, vê a distância<br />

repentinamente estabelecida entre Maria, discípula, e ela, serva.<br />

Em João 11:2, <strong>é</strong> narrado que Maria, imã <strong>de</strong> Lázaro, havia<br />

ungido os p<strong>é</strong>s <strong>de</strong> Jesus com perfume e os enxugou com os seus<br />

cabelos, o que dá , como disse Donald English, “um toque comovente<br />

à afeição <strong>de</strong> Jesus por todos daquela família”. Aquele capítulo, at<strong>é</strong> o<br />

versículo 46, acaba redimindo Marta das acusações que se lhe faziam<br />

e mostra <strong>de</strong> maneira bem clara não só a sua <strong>gran<strong>de</strong></strong> f<strong>é</strong> mas o conhecimento<br />

da Escritura e da missão <strong>de</strong> Jesus É o texto que se encontra<br />

em João que comprova isto.<br />

Na realida<strong>de</strong>, não se po<strong>de</strong> colocar uma irmã sobre a outra.<br />

“Marta mostra vonta<strong>de</strong> e opinião. Maria mostra emoção”, nos diz<br />

Donald English. É como se João nos quisesse mostrar que, sozinhas,<br />

nenhuma das irmãs seria capaz da afirmação integral que Jesus esperava<br />

mas que, juntas, conseguiram.<br />

A tentação <strong>de</strong> Maria em aproveitar o máximo possível da conversa<br />

com Jesus, como indicado no texto <strong>de</strong> Lucas, tem muito parentesco<br />

com a reação <strong>de</strong> João, Tiago e Pedro por ocasião da Transfiguração<br />

<strong>de</strong> Jesus. Eles já queriam arranjar tendas para Jesus, Mois<strong>é</strong>s e<br />

Elyas e aproveitar, com muita atenção, as conversas entre Jesus e<br />

eles. Isto era uma tentação porque a missão estava no vale, on<strong>de</strong><br />

moravam as pessoas, que careciam do amor <strong>de</strong> Deus, e não naquele<br />

monte. No episódio da morte <strong>de</strong> Lázaro, Marta foi esperar por Jesus<br />

no caminho e Maria quedou-se em casa. Disse, pois Marta a Jesus,<br />

“Senhor, se estiveras aqui não teria morrido o meu irmão. Mas tamb<strong>é</strong>m<br />

sei que, mesmo agora, tudo quanto pedires a Deus, Deus to<br />

conce<strong>de</strong>rá”. Esta foi uma afirmação <strong>de</strong> f<strong>é</strong>, <strong>de</strong> muita f<strong>é</strong>. E provocou<br />

uma resposta <strong>de</strong> Jesus que <strong>é</strong> fundamental para o entendimento <strong>de</strong><br />

quem ele era e <strong>de</strong> sua promessa <strong>de</strong> amor: “Eu sou a ressurreição e a<br />

vida, quem crê em mim, ainda que morra, viverá”. Jesus lhe pergunta<br />

se ela cria nisso e sua resposta mostra sua f<strong>é</strong>: “Eu tenho crido que tu<br />

<strong>é</strong>s o Cristo, o filho <strong>de</strong> Deus”.<br />

De qualquer forma, sem que se discuta a superiorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma<br />

sobre a outra, porque todos temos diferentes dons, diferentes talentos,<br />

diferentes temperamentos e at<strong>é</strong> diferentes personalida<strong>de</strong>s, nós tamb<strong>é</strong>m<br />

somos chamados a ser amigos <strong>de</strong> Jesus. Elas são, cada uma à sua<br />

maneira, por terem sido sempre amigas <strong>de</strong> Jesus, um exemplo para nós.<br />

32


Mulheres do Movimento <strong>Metodista</strong><br />

Suzana, a mãe <strong>de</strong> João Wesley<br />

A mãe <strong>de</strong> João Wesley teve<br />

uma importância <strong>gran<strong>de</strong></strong> em sua vida.<br />

Casou-se, com 20 anos, com Samuel<br />

Wesley, em 1689, no mesmo ano em<br />

que ele foi or<strong>de</strong>nado ministro da <strong>Igreja</strong><br />

Anglicana. Seu pai, o Dr. Samuel<br />

Annesley, era um dos mais importantes<br />

lí<strong>de</strong>res do grupo não-conformista.<br />

Apesar <strong>de</strong> toda a herança nãoconformista,<br />

Samuel Wesley e<br />

Susanna optaram pela igreja oficial.<br />

Depois <strong>de</strong> servir em Londres por um<br />

ano e <strong>de</strong> ter sido, tamb<strong>é</strong>m durante<br />

um ano, capelão a bordo <strong>de</strong> um navio,<br />

Samuel recebeu a paróquia <strong>de</strong><br />

Epworth, no condado <strong>de</strong> Lincolshire, na qual ficou at<strong>é</strong> morrer.<br />

Susanna teve <strong>de</strong>zenove filhos mas a maioria <strong>de</strong>les morreu ao<br />

nascer ou logo <strong>de</strong>pois. Quando João nasceu, o segundo menino, seus<br />

irmãos vivos eram Samuel e as meninas Emília, Susana, Mary e Mehetabel.<br />

Era hábito <strong>de</strong> Susana, no dia em que os filhos completavam cinco anos,<br />

ensinar-lhes o alfabeto e, em seguida, utilizando a Bíblia, a ler.<br />

Um dos acontecimentos que, sem dúvida, marcaram a vida<br />

<strong>de</strong> João Wesley e sua <strong>gran<strong>de</strong></strong> ligação com a mãe, foi o incêndio da<br />

casa pastoral, que ocorreu no dia 9 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1709, quando<br />

Wesley ainda não tinha seis anos. O fato <strong>é</strong> que alguns paroquianos,<br />

insatisfeitos com o pastor, colocaram fogo no pr<strong>é</strong>dio enquanto a família<br />

dormia. Quando todos já se encontravam fora da casa, notou-se<br />

a falta do pequeno Jack – era assim que família lhe chamava – que<br />

dormia no segundo andar. Tentaram resgatá-lo mas era impossível<br />

pois a escada <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira já estava em chamas. Samuel pediu aos<br />

que estavam ali para ajoelhar-se e pedir a Deus para que recebesse<br />

em seu seio a alma <strong>de</strong> seu filho. De repente, ouvem o choro do<br />

menino que, subindo numa cômoda, chegava à janela do seu quarto.<br />

Fizeram então uma escada humana, um homem nos ombros <strong>de</strong> um<br />

outro, e salvaram o menino. Logo em seguida, o teto caiu em chamas<br />

para <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casa.<br />

33


Esse episódio <strong>de</strong>u a Susana, que via no salvamento do filho<br />

algum objetivo <strong>de</strong> Deus em relação a ele, uma preocupação maior<br />

com a educação <strong>de</strong> João Wesley. Em oração que escreveu logo <strong>de</strong>pois<br />

do incêndio, ela dizia: “pretendo ser particularmente cuidadosa,<br />

como nunca antes, com a alma <strong>de</strong>sta criança, que tu tens cuidado<br />

tão misericordiosamente, para que eu possa inculcar em sua mente<br />

os princípios da verda<strong>de</strong>ira religião e virtu<strong>de</strong>”.<br />

Al<strong>é</strong>m dos seus afazeres como mãe <strong>de</strong> tantos filhos, ela tinha<br />

uma preocupação muito <strong>gran<strong>de</strong></strong> com a <strong>Igreja</strong>. Pregava muito bem, o<br />

que aborrecia seu marido. Chegava a reunir na sua casa mais <strong>de</strong> 200<br />

mulheres. Samuel or<strong>de</strong>nou-lhe que parasse e ela exigiu uma or<strong>de</strong>m<br />

formal, para que a responsabilida<strong>de</strong> perante Deus caísse sobre a cabeça<br />

<strong>de</strong>le e não <strong>de</strong>la. Ela continuou pregando...<br />

Quando João Wesley se formou, ainda não tinha <strong>de</strong>finido que<br />

profissão escolher. A sua posição <strong>de</strong> lente lhe permitia escolher entre<br />

as mais importantes da <strong>é</strong>poca, o Direito, a Medicina ou a <strong>Igreja</strong>. A<br />

<strong>Igreja</strong> foi para ele inevitável e ele foi or<strong>de</strong>nado diácono no dia 19 <strong>de</strong><br />

setembro <strong>de</strong> 1725. Pregou o seu primeiro sermão em South Leigh,<br />

pequena vila na vizinhança <strong>de</strong> Whitney. Em 1726, foi nomeado professor<br />

<strong>de</strong> grego e presi<strong>de</strong>nte das classes. Gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>sse ano ele<br />

passou em Epworth ajudando seu pai na <strong>Igreja</strong>. Era sonho <strong>de</strong> Samuel<br />

transmitir-lhe por “herança” a sua pequena paróquia. Wesley, contudo,<br />

volta a Oxford, on<strong>de</strong> recebeu o grau <strong>de</strong> Mestre em artes em 1727.<br />

Ao tomar sua <strong>de</strong>cisão pelo minist<strong>é</strong>rio pastoral, Susanna lhe<br />

aconselhou: “o verda<strong>de</strong>iro fim da pregação <strong>é</strong> endireitar a vida dos<br />

homens e não entulhar as suas cabeças com especulação inútil”.<br />

Em agosto <strong>de</strong> 1727, volta a Epworth, on<strong>de</strong> passa dois anos<br />

ajudando seu pai. Anos <strong>de</strong>pois, em avaliação do seu trabalho naquele<br />

período, ele dizia com sincerida<strong>de</strong> : “preguei muito, mas vi pouco<br />

fruto do meu trabalho. Nem podia ser <strong>de</strong> outra forma, pois eu nem<br />

firmava as bases do arrependimento nem a f<strong>é</strong> no Evangelho, julgando<br />

que aqueles a quem eu pregava fossem todos crentes, e que<br />

muitos <strong>de</strong>les não necessitassem <strong>de</strong> arrependimento”.<br />

Iniciado o movimento metodista, logo <strong>de</strong>pois da morte <strong>de</strong><br />

Samuel, Suzana foi uma <strong>gran<strong>de</strong></strong> colaboradora <strong>de</strong> seus filhos João e<br />

Carlos. De uma certa forma, ela foi responsável por uma das <strong>gran<strong>de</strong></strong>s<br />

novida<strong>de</strong>s do metodismo, responsável por seu <strong>gran<strong>de</strong></strong> crescimento,<br />

ou seja, a pregação dos leigos. Pregação era coisa <strong>de</strong> ministros<br />

or<strong>de</strong>nados e não <strong>de</strong> leigos. Wesley tamb<strong>é</strong>m pensava assim. No princípio,<br />

só os pastores or<strong>de</strong>nados <strong>é</strong> que participavam das ativida<strong>de</strong>s da<br />

34


pregação. O problema <strong>é</strong> que o número <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> fi<strong>é</strong>is crescia<br />

mais do que o <strong>de</strong> pastores or<strong>de</strong>nados pela <strong>Igreja</strong> da Inglaterra. Como<br />

o Movimento <strong>Metodista</strong> não era uma igreja legalmente constituída, só<br />

eram utilizados os pastores daquela igreja que tivessem a<strong>de</strong>rido a ele.<br />

Não eram muitos. Al<strong>é</strong>m <strong>de</strong> sua mãe Susanna, que ensinava e pregava,<br />

apareceu, logo no início, um jovem que pregava muito bem. Seu nome<br />

era Thomas Maxfield, pedreiro <strong>de</strong> profissão. Wesley havia feito uma<br />

longa viagem. Quando soube que havia um homem sem or<strong>de</strong>nação<br />

eclesiástica pregando na Fundição, ele mudou seus planos e, <strong>de</strong> Bristol,<br />

voltou incontinente para Londres para pôr fim a tal <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m. Quem<br />

evitou o atrito foi Susanna, mãe <strong>de</strong> Wesley, que lhe <strong>de</strong>u um sábio<br />

conselho: “Tem cuidado, João, com o que vai fazer daquele jovem,<br />

pois ele <strong>é</strong> certamente tão chamado para pregar como tu. Examina<br />

quais os frutos <strong>de</strong> sua pregação e, então, ouve-o tu mesmo”.<br />

Aceitando o conselho, ouviu Maxfield e afirmou: “É do Senhor,<br />

faça Ele como lhe aprouver” A partir daí, os leigos foram admitidos nas<br />

socieda<strong>de</strong>s como pregadores. Cinco anos <strong>de</strong>pois, ou seja, em 1744, já<br />

eram mais <strong>de</strong> quarenta os pregadores leigos que Wesley usava. Enquanto<br />

ele e Carlos viajavam <strong>de</strong> um lado para outro da Inglaterra, os<br />

pregadores leigos cuidavam das socieda<strong>de</strong>s e pregavam a Palavra.<br />

O amor que Wesley <strong>de</strong>dicava a sua mãe era muito <strong>gran<strong>de</strong></strong>. Muitas<br />

vezes ele disse que gostaria <strong>de</strong> morrer antes <strong>de</strong>la, para não ter o<br />

sofrimento <strong>de</strong> perdê-la. Suzana faleceu com 73 anos no ano <strong>de</strong> 1742,<br />

logo no princípio do Movimento <strong>Metodista</strong>. Mesmo assim, com seu exemplo<br />

e <strong>de</strong>dicação, ela <strong>é</strong> consi<strong>de</strong>rada uma das mulheres mais importantes<br />

do Metodismo. Vale a pena conhecer a sua história e as suas realizações.<br />

Bárbara Heck – a mãe do metodismo americano<br />

Precisamos conhecer um pouco<br />

melhor a história da <strong>Igreja</strong> <strong>Metodista</strong> em<br />

território americano. Ela começou, ainda nos<br />

tempos <strong>de</strong> João Wesley, quando a Am<strong>é</strong>rica<br />

ainda era uma colônia inglesa e tinha um<br />

território bem menor do que os Estados<br />

Unidos têm hoje. Bárbara Heck fazia parte<br />

<strong>de</strong> um <strong>gran<strong>de</strong></strong> grupo <strong>de</strong> imigrantes alemães<br />

que foram para a Irlanda fugindo <strong>de</strong> perseguições<br />

religiosas. Essas pessoas eram chamadas<br />

na Irlanda <strong>de</strong> os “palatinos”. Elas<br />

moravam no condado <strong>de</strong> Limerick.<br />

35


Em 1758, João Wesley passou por Limerick e foram muitos os<br />

convertidos por sua instrumentalida<strong>de</strong>. Entre eles, Bárbara Heck (sobrenome<br />

alemão original Hescht), seu irmão Paulo e seu primo Philip<br />

Embury. Este, instruído por Wesley, acabou sendo pregador leigo<br />

metodista. Por volta <strong>de</strong> 1760, eles emigraram para a Am<strong>é</strong>rica, indo<br />

residir em Nova York, naquela <strong>é</strong>poca uma cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pouco mais <strong>de</strong><br />

20.000 habitantes. Como não havia igreja, sua f<strong>é</strong> ficou estagnada. No<br />

fundo, Philip Embury, como Bárbara, tinham sauda<strong>de</strong>s da Irlanda,<br />

on<strong>de</strong> haviam conhecido um pouco <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> ao participarem das<br />

emoções do <strong>gran<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong>spertamento religioso que os irmãos Wesley<br />

haviam provocado na Inglaterra. Mas, apesar <strong>de</strong> ler constantemente<br />

a sua Bíblia, o que lhe importava agora?.<br />

As famílias, mesmo sem vida religiosa, continuaram unidas, a<br />

amiza<strong>de</strong> e os encontros acontecendo normalmente. Numa noite, Bárbara<br />

dirigiu-se à casa <strong>de</strong> seu irmão Paulo para visitá-lo. Ela ouviu,<br />

vindo <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro da casa, o barulho <strong>de</strong> vozes que se elevavam em tom<br />

irritado. Então a porta e se abriu e ela viu a silhueta <strong>de</strong> seu irmão, que<br />

estava à volta <strong>de</strong> uma mesa com outros homens. Ali estavam cartas <strong>de</strong><br />

baralho voltadas para baixo e dinheiro espalhado no centro da mesa.<br />

Aquele dinheiro era justamente o dinheiro que tinham trazido para<br />

instalar-se com suas esposas e filhos naquela terra estranha. Era um<br />

dinheiro que po<strong>de</strong>ria significar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um lar <strong>de</strong>cente em<br />

contraste com a triste si<strong>tua</strong>ção moral em que se encontravam.<br />

Os olhos <strong>de</strong> Bárbara tinham um brilho diferente. Ela permaneceu,<br />

surpresa com o que via, em p<strong>é</strong>, mas por poucos segundos, o<br />

tempo suficiente para que eles homens percebessem o seu estado <strong>de</strong><br />

espírito. Então, com um movimento irreprimível, ela varreu as cartas<br />

<strong>de</strong> baralho <strong>de</strong> sobre a mesa e as atirou no fogo da lareira.<br />

– “Então seus fracassados!”, rompeu ela afinal.”Vocês se queixam<br />

das durezas da vida aqui e dissipam no jogo o seu tempo e o seu<br />

dinheiro durante a noite? Foi esta a razão porque vocês <strong>de</strong>ixaram a<br />

Irlanda? A casa <strong>de</strong> meu irmão <strong>é</strong> um antro on<strong>de</strong> os maridos <strong>de</strong> minhas<br />

amigas e parentas vêm se arruinar a si mesmos! Eu pensei que eram<br />

homens e não jogadores que vieram da Irlanda”. Os homens ainda<br />

estavam assustados quando ela os <strong>de</strong>ixou e bateu a porta violentamente<br />

e <strong>de</strong>ixou aquela casa. Dali foi para a casa <strong>de</strong> seu primo Philip<br />

Embury. Bateu a porta insistentemente e foi atendida por ele, um<br />

carpinteiro, que não entendia o porquê <strong>de</strong> todo o seu nervosismo.<br />

36


Ela o explicou narrando que tinha vindo da casa <strong>de</strong> seu irmão<br />

Paulo, on<strong>de</strong> ele e seus amigos <strong>de</strong>sbaratavam a noite no jogo. E ela<br />

fala <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>cisão: “Resolvi, irmão, que já não po<strong>de</strong>mos continuar<br />

mais sem orientação espiri<strong>tua</strong>l”. Philip, já acostumado com o temperamento<br />

impetuoso <strong>de</strong> Bárbara, apenas esboçou um sorriso.<br />

– Está certo, irmã Heck, mas por que se dirige a mim?<br />

Os olhos <strong>de</strong> Bárbara chamejaram ainda mais:<br />

– E por que não? Por que razão você se converteu na Irlanda?<br />

Com que finalida<strong>de</strong> você era guia <strong>de</strong> classe entre os fi<strong>é</strong>is <strong>de</strong> nossa<br />

socieda<strong>de</strong>? Que motivos o impulsionaram a tornar-se pregador local<br />

metodista antes <strong>de</strong> virmos para a Am<strong>é</strong>rica?<br />

Não <strong>de</strong>ixando que Philip sequer se <strong>de</strong>sculpasse, ela insistiu:<br />

– Você <strong>de</strong>ve pregar para nós, do contrário todos iremos para o<br />

inferno e Deus requererá o nosso sangue das mãos <strong>de</strong> você.<br />

Philip Embury, constrangido com aquelas palavras tão duras,<br />

lhe perguntou, meio aborrecido: “Como po<strong>de</strong>rei pregar? Não tenho<br />

casa nem congregação”. A resposta <strong>de</strong> Bárbara foi incisiva: “Pregue<br />

em sua própria casa, a princípio para os seus somente”. No outono<br />

<strong>de</strong> 1766, reuniu-se a primeira congregação metodista em Nova York,<br />

na casa alugada por Philip, no nº 10 das Rua Augustus, nas proximida<strong>de</strong>s<br />

da rua do Quartel, on<strong>de</strong> havia um <strong>de</strong>stacamento inglês. Apenas<br />

sete pessoas participaram do primeiro culto, Philip, sua mulher,<br />

Paulo, Bárbara, John Lawrence, Betty e um escravo negro.<br />

O trabalho cresceu, alguns soldados foram convertidos e muita<br />

gente, pela operosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Philip Embury e <strong>de</strong> Bárbara Heck, se<br />

agregou ao grupo. Dois anos <strong>de</strong>pois, em 1768, a igreja mudou-se<br />

para a Rua João. At<strong>é</strong> hoje, a <strong>Igreja</strong> <strong>Metodista</strong> da John Street <strong>é</strong> um<br />

marco histórico da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Nova York. Os maiores nomes do<br />

metodismo americano, como o Bispo Francis Asbury, pregaram no<br />

seu púlpito.<br />

Anos mais tar<strong>de</strong>, Bárbara Heck e sua família se mudaram<br />

para o Canadá, on<strong>de</strong> ela tamb<strong>é</strong>m iniciou o movimento metodista,<br />

contando com a ajuda da família Embury que tamb<strong>é</strong>m se mudara<br />

para lá. Bárbara Heck <strong>é</strong> consi<strong>de</strong>rada tamb<strong>é</strong>m a mãe do metodismo<br />

cana<strong>de</strong>nse. A <strong>Igreja</strong> <strong>Metodista</strong> do Canadá <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> existir em 1925<br />

quando passou a fazer parte <strong>de</strong> uma nova igreja, a <strong>Igreja</strong> Unida <strong>de</strong><br />

Cristo. que foi criada, e existe at<strong>é</strong> hoje, para juntar fi<strong>é</strong>is <strong>de</strong> várias<br />

<strong>de</strong>nominações. Bárbara Heck morreu no Canadá em 1804.<br />

37


Martha Walker – a heroína brasileira<br />

A história do metodismo brasileiro começa com a histórica viagem<br />

do Rev. Fountain Pitts ao Brasil em 1835 para fazer um estudo da<br />

si<strong>tua</strong>ção. Logo <strong>de</strong>pois, em 1836, chegou o Rev. Justin Spaulding, que<br />

estabeleceu a Missão <strong>Metodista</strong>, abrindo escola e criando a primeira<br />

escola dominical do Brasil. Depois chegaram outros obreiros e o trabalho<br />

prosseguia. Em 1841/42, em virtu<strong>de</strong> dos problemas políticos e financeiros<br />

surgidos na <strong>Igreja</strong> <strong>Metodista</strong> dos Estados Unidos, o trabalho<br />

missionário foi interrompido. Em 1841, Cynthia Kid<strong>de</strong>r, esposa do missionário<br />

Daniel P. Kid<strong>de</strong>r, morreu <strong>de</strong> febre amarela, sendo sepultada no<br />

cemit<strong>é</strong>rio dos Ingleses na Gamboa. Logo a seguir, antecipando o fim<br />

da missão, Kid<strong>de</strong>r e seu filho voltaram aos Estados Unidos.<br />

A interrupção do trabalho metodista <strong>é</strong>, sem dúvida, um erro <strong>de</strong><br />

muitos livros que contam a nossa história. Na realida<strong>de</strong>, interrompeuse<br />

a missão, não o trabalho, que certamente continuou vivo na casa <strong>de</strong><br />

Martha (Mary) Walker, mantendo acesa no Brasil a chama do metodismo.<br />

A verda<strong>de</strong> bíblica <strong>é</strong> que uma <strong>Igreja</strong>, para ser <strong>Igreja</strong>, não precisa <strong>de</strong><br />

templos nem <strong>de</strong> organização: precisa <strong>de</strong> gente disposta a ser igreja. O<br />

apóstolo Paulo, em quatro ocasiões, faz referência à igreja que está na<br />

casa <strong>de</strong> algu<strong>é</strong>m. Em Rm 16:5 e I Co 16:19, ele se refere à igreja que<br />

está na casa <strong>de</strong> Priscila e Áquila. No versículo 2 da carta a Filemon, ele<br />

menciona a igreja que está em sua casa e, da mesma forma, em Cl<br />

4:15, ele menciona a igreja que Ninfa hospeda em sua casa.<br />

Não foi diferente o que ocorreu na casa dos Walker. Não se<br />

sabe o que ocorreu com o chefe da casa mas a história registra que,<br />

mais <strong>de</strong> 25 anos <strong>de</strong>pois, a igreja que estava na casa <strong>de</strong> Mary Walker<br />

se encontra com o novo pastor tão esperado por ela, que se tornou<br />

oficialmente, em 11 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1873, membro nº 1 da <strong>Igreja</strong><br />

<strong>Metodista</strong> do Brasil, arrolando-se, por assunção <strong>de</strong> votos, ela que já<br />

pertencera à <strong>Igreja</strong> <strong>Metodista</strong> <strong>de</strong> sua pátria, a Inglaterra, na <strong>Igreja</strong><br />

<strong>Metodista</strong> do Catete, a primeira igreja do metodismo brasileiro.<br />

Dando r<strong>é</strong><strong>de</strong>as à minha imaginação, eu vejo, com os olhos da<br />

alma, aquela mulher, que mantinha a igreja em seu lar, firme na<br />

esperança da chegada <strong>de</strong> um novo pastor. Posso bem imaginar: a<br />

cada vez que era anunciada a chegada <strong>de</strong> um navio proce<strong>de</strong>nte dos<br />

Estados unidos, Mary Walker arrumava-se toda e se dirigia à Praça do<br />

Paço Imperial, hoje Praça XV, on<strong>de</strong> se encontrava o porto do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, para dar as boas-vindas ao novo pastor. Com que ansieda<strong>de</strong><br />

ela <strong>de</strong>via abordar os passageiros que <strong>de</strong>sembarcavam, perguntando<br />

38


se entre eles havia um pastor metodista. Posso imaginar tamb<strong>é</strong>m sua<br />

tristeza ao constatar, durante tantos anos e tantas idas e vindas, que<br />

seu sonho estava tardando em realizar-se. Passado, por<strong>é</strong>m, cada <strong>de</strong>sapontamento,<br />

a esperança se restabelecia e ela voltava ao cais do<br />

porto à espera <strong>de</strong> um novo pastor.<br />

Al<strong>é</strong>m do mais, ela tinha outra preocupação, entregar ao novo<br />

pastor uma Bíblia <strong>de</strong> Almeida, em português, que ela recebera do<br />

Rev. Kid<strong>de</strong>r para entregar ao pastor que viesse substituí-lo. Para<br />

cumprir essa tarefa, ela tinha que ser diligente, persistente e confiante<br />

E ela o foi. Quando Junius Newman chegou ao Brasil em 1867,<br />

mais <strong>de</strong> um quarto <strong>de</strong> s<strong>é</strong>culo <strong>de</strong>pois, Mary, aquela que combateu o<br />

bom combate, pô<strong>de</strong> <strong>de</strong>sincumbir-se <strong>de</strong> sua missão e entregou a Bíblia<br />

ao seu novo pastor. Essa Bíblia, que <strong>de</strong>pois foi entregue por<br />

Newman ao Rev. Hugh C. Tucker, se encontra hoje no Museu da<br />

nossa Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Teologia em São Paulo.<br />

Mary Walker, que po<strong>de</strong>ria ser consi<strong>de</strong>rada mãe do metodismo<br />

brasileiro, <strong>é</strong> o elo perdido entre as duas fases <strong>de</strong> nossa história. Deus<br />

seja louvado porque Mary Walker iniciou um caminho sobremodo excelente,<br />

que tem sido fielmente seguido por milhares <strong>de</strong> mulheres metodistas<br />

que estão no seu dia-a-dia, na igreja, no lar e em todas as trincheiras da<br />

vida mo<strong>de</strong>rna, mantendo acesa, bem alta e forte, a chama do metodismo.<br />

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Mulheres <strong>de</strong> <strong>Vila</strong> <strong>Isabel</strong><br />

A história da <strong>Igreja</strong> <strong>Metodista</strong> <strong>de</strong> <strong>Vila</strong> <strong>Isabel</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o seu<br />

início, <strong>é</strong> o relato <strong>de</strong> homens e mulheres que consagraram suas vidas<br />

ao trabalho <strong>de</strong> Cristo. O Bispo Sante Uberto Barbieri bem po<strong>de</strong>ria<br />

estar pensando neles ao escrever o texto que se segue: “Na verda<strong>de</strong>,<br />

não po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r o movimento metodista sem levar em consi<strong>de</strong>ração<br />

a obra efetiva <strong>de</strong> tantos que trabalharam em posições secundárias<br />

e sem or<strong>de</strong>nação eclesiástica <strong>de</strong> nenhuma esp<strong>é</strong>cie, mas que<br />

receberam, sem dar margem à dúvida, a or<strong>de</strong>nação invisível do Espírito<br />

Santo. Porque levar a cabo a obra <strong>de</strong> Cristo não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

or<strong>de</strong>nação humana e sim <strong>de</strong> uma paixão por Cristo e seu Evangelho”.<br />

Há mulheres muito importantes naquela história. Seria fastidioso<br />

citá-las todas, mesmo porque <strong>de</strong> muitas <strong>de</strong>las não ficaram<br />

registros a<strong>de</strong>quados. Elas amaram a igreja e <strong>de</strong>dicaram sua vida a ela<br />

mas o tempo, e a falta <strong>de</strong> uma visão histórica e <strong>de</strong> registros, as<br />

<strong>de</strong>ixou no anonimato, da mesma forma como, na própria Bíblia, não<br />

se encontra a história <strong>de</strong> muita gente que estava ao lado <strong>de</strong> Jesus em<br />

suas peregrinações nos ásperos caminhos da Galil<strong>é</strong>ia. Algumas, no<br />

entanto, a história registrou e vamos mencioná-las aqui como homenagem<br />

neste Dia Internacional da Mulher.<br />

A igreja começou na casa <strong>de</strong> Ana Pereira <strong>de</strong> Souza Duarte, no<br />

número 96 do chamado Boulevard. Foi na sala da frente daquele<br />

sobradinho que, em 15 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1902, foi fundada a nossa igreja.<br />

Maria Gomes <strong>de</strong> Oliveira, a avó da saudosa Dona Ondina Franco, <strong>é</strong> uma<br />

daquelas valorosas mulheres. Foi <strong>de</strong>dicada e fiel e a primeira presi<strong>de</strong>nte<br />

<strong>de</strong> nossa Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Mulheres, fundada em 1902. De suas fundadoras,<br />

só três nomes ficaram conhecidos, o <strong>de</strong>la e os <strong>de</strong> Rosa Soares,<br />

mulher <strong>de</strong> Antônio Soares, e Maria Gonçalves, respectivamente, mães<br />

<strong>de</strong> Elyas Soares e Almeirinda Soares. Eram portanto as avós <strong>de</strong> Alice,<br />

minha mulher, e bisavós <strong>de</strong> meus filhos. Outras mulheres enriqueceram<br />

<strong>de</strong>pois essa galeria <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iras heroínas da f<strong>é</strong>. Diná Dias Alves, mãe<br />

<strong>de</strong> Pedro Am<strong>é</strong>rico e sogra <strong>de</strong> Alice Dias Alves, Filismina Bento, a evangelista<br />

que convidou o casal Duarte, Jos<strong>é</strong> e Isaura, pais da saudosa Alzira Duarte,<br />

para virem à igreja, isto no ano <strong>de</strong> 1917. Vieram, viram e gostaram e<br />

aqui ficaram at<strong>é</strong> que Deus os chamasse ao lar.<br />

Há uma história muito bonita que envolveu, no início dos anos<br />

20 do s<strong>é</strong>culo passado as mulheres <strong>de</strong> nossa igreja. O sonho do novo<br />

templo as envolveu em trabalhosas campanhas para angariar fundos<br />

para a construção. Elas faziam doces e salgadinhos que vinham ven<strong>de</strong>r,<br />

40


todos os dias, fizesse sol ou chuva, no local estrat<strong>é</strong>gico que era a calçada<br />

<strong>de</strong> nosso terreno. Algumas aventuravam-se a vendê-los na esquina <strong>de</strong><br />

28 <strong>de</strong> Setembro com Souza Franco, que, na <strong>é</strong>poca, era chamada <strong>de</strong><br />

“Ponto do Cem R<strong>é</strong>is”, isto <strong>é</strong> um ponto <strong>de</strong> seção, on<strong>de</strong> as pessoas, para<br />

economizar um tostão, assim se chamada a moeda <strong>de</strong> cem r<strong>é</strong>is, <strong>de</strong>sciam<br />

dos bon<strong>de</strong>s, mesmo quando iam para as proximida<strong>de</strong>s da Praça Sete,<br />

hoje chamada Barão <strong>de</strong> Drummond, e completavam o percurso a p<strong>é</strong>.<br />

A compra do nosso terreno, adquirido da Cia. <strong>de</strong> Carris, Luz e<br />

Força, a Light”, foi um verda<strong>de</strong>ira epop<strong>é</strong>ia. Foi muita visão daquele<br />

grupo <strong>de</strong> membros, pobres e humil<strong>de</strong>s, mas que queriam o melhor<br />

para a igreja. Pois bem, quando se planejavam os “finalmentes”, isto<br />

<strong>é</strong>, a construção do templo, a “Light” se arrepen<strong>de</strong>u da venda e quis<br />

comprar o terreno <strong>de</strong> volta. Ofereceu então “um negócio da China”,<br />

assim se chamavam os bons negócios na <strong>é</strong>poca. Ela receberia o seu<br />

terreno <strong>de</strong> volta, perdoaria o restante da dívida e, em troca, daria à<br />

igreja, numa rua lateral, na certa distante da 28 <strong>de</strong> Setembro, um<br />

templo pronto. Preocupados com a dívida, os anciãos da igreja estava<br />

quase topando o negócio. Que só não foi feito porque as mulheres<br />

não <strong>de</strong>ixaram e seu argumento foi <strong>de</strong>cisivo. “O nosso sonho era ter<br />

um templo na rua principal do bairro. Não se po<strong>de</strong> abrir mão <strong>de</strong> um<br />

sonho”. E o negócio não foi feito, graças à obstinação e visão das<br />

mulheres <strong>de</strong> <strong>Vila</strong> <strong>Isabel</strong>. A história mostrou que elas estavam com a<br />

razão. O nosso templo foi inaugurado e consagrado em agosto <strong>de</strong><br />

1922. Naquele tempo, para ser consagrado um novo templo, era preciso<br />

que não restasse nenhuma dívida da construção.<br />

Naqueles tempos difíceis, muita gente morava longe da <strong>Igreja</strong><br />

e os <strong>de</strong>slocamentos não eram fáceis como hoje. E havia ainda a<br />

falta <strong>de</strong> recursos porque as pessoas eram muito pobres. Devemos<br />

citar aqui, em homenagem às mulheres daquela geração, o sacrifício<br />

que as que residiam em <strong>Vila</strong> <strong>Isabel</strong> faziam para receber com almoço<br />

as pessoas que moravam longe e que assim, passavam a tar<strong>de</strong> na<br />

igreja ou em visitação para po<strong>de</strong>rem participar do culto da noite e, só<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong>le, voltavam às suas casas. A saudosa Alzira Duarte relatava<br />

esses almoços amorosos na casa <strong>de</strong> seus pais Jos<strong>é</strong> e Isaura.<br />

Gastaríamos páginas e mais páginas só para mencionar a legião<br />

<strong>de</strong> heroínas que nossa igreja teve. Vamos mencionar algumas,<br />

pedindo perdão pela omissão <strong>de</strong> outras já que as informações são<br />

poucas. Na nossa escola paroquial, <strong>de</strong>stacamos sua primeira professora,<br />

Am<strong>é</strong>lia An<strong>de</strong>rs, bem como Eunice Corrêa Dias, que foi sua diretora<br />

muitos anos, e as professoras Ondina Franco, Cladyr Oliveira <strong>de</strong> Cas-<br />

41


tro, Nair Pinto, Maria Carolina <strong>de</strong> Araújo, Antônia e Adair Ventura.<br />

Uma das professoras, a única sobrevivente, foi Alice Dias Alves.<br />

Outras mulheres se <strong>de</strong>stacaram muito em nossa igreja, como<br />

Laurinda Soares, nossa primeira organista, Araci Nery Gonçalves, Laura<br />

Lobo Carneiro Monteiro, Wanda Torres, Nice Daltro Santos, Letícia<br />

Pantaleão, a criadora do Dia do Pastor Aposentado, Georgina Silveira,<br />

Santa Clara <strong>de</strong> Moraes, Albertina Pimenta, Celina, Ismênia Campante,<br />

Norma Nunes e muitas outras que merecem o nosso respeito e a<br />

nossa gratidão.<br />

Um capítulo especial reservamos para outra mulher <strong>de</strong> <strong>Vila</strong><br />

<strong>Isabel</strong>, Ana da Conceição Gonzaga, aquela que foi fiel no muito e<br />

<strong>de</strong>ixou uma obra imorredoura.<br />

Anna da Conceição Gonzaga<br />

Não se po<strong>de</strong> falar <strong>de</strong> Ana Gonzaga sem falar, ao mesmo tempo,<br />

<strong>de</strong> sua amiga Layona Glenn, uma missionária da <strong>Igreja</strong> <strong>Metodista</strong><br />

americana, aqui chegada no final do s<strong>é</strong>culo XIX e que prestou relevantes<br />

serviços ao Brasil, tendo recebido do nosso Governo sua mais<br />

alta con<strong>de</strong>coração, a Or<strong>de</strong>m do Cruzeiro do Sul. Sobre a amiza<strong>de</strong> que<br />

juntou essas duas mulheres, a própria Layona Glenn testemunhou:<br />

“Raras vezes acontece que duas pessoas estranhas que se encontram<br />

nos anos avançados da vida, sintam-se mú<strong>tua</strong> e irresistivelmente atraídas<br />

e formem uma amiza<strong>de</strong> sincera, inabalável e duradoura”. Ela<br />

falava <strong>de</strong> seu primeiro encontro com Anna Gonzaga. Esta tinha 66<br />

anos e Layona, 61.<br />

Um dos sonhos <strong>de</strong> Layona era um orfanato, uma instituição<br />

para abrigar crianças órfãs ou carentes. Conseguindo aprovação <strong>de</strong><br />

suas id<strong>é</strong>ias, mas sem recurso financeiro <strong>de</strong> nenhuma esp<strong>é</strong>cie, coube<br />

a ela o encargo <strong>de</strong> li<strong>de</strong>rar o projeto e arrecadar recursos para a obra.<br />

Isto ocorreu em 1927, quando ela dirigia a escola do Instituto Central<br />

do Povo, no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Como ela mesmo <strong>de</strong>clarou, “poucas pessoas<br />

mostravam-se interessadas no projeto”. A primeira oferta foi do<br />

Dr. Antenor Dias, <strong>de</strong>ntista que trabalhou com muita <strong>de</strong>dicação, por<br />

mais <strong>de</strong> 30 anos, no Instituto Central do Povo. O valor <strong>de</strong>ssa doação<br />

foi <strong>de</strong> 500$000, isto <strong>é</strong>, na moeda da <strong>é</strong>poca, quinhentos mil r<strong>é</strong>is.<br />

Outro <strong>gran<strong>de</strong></strong> amigo do projeto era o Rev. Osório Caire, que<br />

era, pastor da <strong>Igreja</strong> <strong>Metodista</strong> <strong>de</strong> <strong>Vila</strong> <strong>Isabel</strong>. Quando em visita ao<br />

Instituto Central do Povo (ICP), Layona Glenn lhe falou da oferta<br />

recebida, cujo valor era bem razoável. Entusiasmado, o Rev. Osório<br />

42


disse a Layona que gostaria <strong>de</strong> apresentar a ela uma senhora membro<br />

<strong>de</strong> sua igreja, que era crente fervorosa, caritativa e bem abastada.<br />

“Creio eu” – disse-lhe ele – “que ela será capaz <strong>de</strong> lhe dar outro tanto”.<br />

Combinaram então que, no dia seguinte, ele a acompanharia à casa <strong>de</strong><br />

Anna da Conceição Gonzaga, que morava no bairro da Tijuca.<br />

Caminhando para a visita, o Rev. Osório lhe aconselhou a não<br />

fazer qualquer pedido direto mas que apenas lhe apresentasse os<br />

seus planos. Se ela fosse simpática à id<strong>é</strong>ia, haveria <strong>de</strong> ofertar o quanto<br />

quisesse. Sábio conselho aquele porque, nem <strong>de</strong> leve, ningu<strong>é</strong>m<br />

po<strong>de</strong>ria sequer imaginar o tamanho do coração <strong>de</strong> Anna da Conceição<br />

Gonzaga.<br />

Apesar <strong>de</strong> ser uma mulher <strong>de</strong> recursos, vivia simplesmente<br />

no bairro da Tijuca, numa casa <strong>de</strong> vila que tinha um pequeno jardim<br />

e, no muro, uma trepa<strong>de</strong>ira corona regina, que cobria as pedras com<br />

uma profusão <strong>de</strong> flores cor <strong>de</strong> rosa. Como disse Layona Glenn, “violetas<br />

e amores-perfeitos la<strong>de</strong>avam o caminho <strong>de</strong> cimento que ia do<br />

portão <strong>de</strong> entrada à porta da casa. As duas flores <strong>de</strong>finiam certamente<br />

o caráter <strong>de</strong> Anna. A violeta, pela humilda<strong>de</strong>, e o amor-perfeito,<br />

que era exatamente o tipo <strong>de</strong> amor que ela nutria pelas pessoas”.<br />

Ao apresentar com muita singeleza os planos e mostrar um<br />

álbum <strong>de</strong> fotografias <strong>de</strong> alguns orfanatos da <strong>Igreja</strong> <strong>Metodista</strong> nos Estados<br />

Unidos, os visitantes foram surpreendidos com uma pergunta feita<br />

por Anna Gonzaga: “A senhora conhece minha fazenda em Inhoaíba?”<br />

A visitante respon<strong>de</strong>u que conhecia apenas <strong>de</strong> vista.<br />

– “Pois bem” – continuou ela – “não acha que seria um bom<br />

lugar para um orfanato?”<br />

Pensando que Dona Anna Gonzaga queria lhe ven<strong>de</strong>r a fazenda<br />

para o estabelecimento do orfanato, Layona respon<strong>de</strong>u:<br />

– “Sem dúvida, Dona Anna, seria muito apropriada mas não<br />

po<strong>de</strong>mos nem sonhar com uma fazenda tão vasta e <strong>de</strong> preço tão<br />

elevado”.<br />

– “Não estou falando <strong>de</strong> preço” – insistiu Dona Anna – estou<br />

me referindo à localização”.<br />

Sem po<strong>de</strong>r sequer imaginar sua intenção e receando magoála,<br />

Layona Glenn lhe respon<strong>de</strong>u diplomaticamente:<br />

– “Na verda<strong>de</strong>, Dona Anna, o lugar seria i<strong>de</strong>al mas nós nem<br />

<strong>de</strong> leve po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar tal coisa, por estar muito al<strong>é</strong>m <strong>de</strong> nossas<br />

possibilida<strong>de</strong>s”.<br />

– “Pois está muito bem” – continuou Anna com naturalida<strong>de</strong> –<br />

“Está muito bem! Vou doar a fazenda <strong>de</strong> Inhoaíba para o Orfanato”.<br />

43


Ao ouvir isto, Layona levou um susto, sem po<strong>de</strong>r acreditar no<br />

que ouvira. A expressão do seu rosto era tão forte que Anna Gonzaga<br />

riu muito e, “muito espontaneamente”, fê-la voltar à realida<strong>de</strong> com as<br />

seguintes palavras:<br />

– Po<strong>de</strong> crer, Miss Glenn, estou falando s<strong>é</strong>rio! Vou doar ao<br />

Orfanato minha fazenda <strong>de</strong> Inhoaíba!”<br />

Os diálogos acima fazem parte da narrativa <strong>de</strong> Miss Glenn,<br />

como era conhecida. O alvo inicial <strong>de</strong> sua campanha era arranjar 30<br />

contos <strong>de</strong> r<strong>é</strong>is para adquirir um sítio mo<strong>de</strong>sto para dar início à obra. A<br />

proprieda<strong>de</strong> doada valia na <strong>é</strong>poca muito mais <strong>de</strong> 1.000 contos <strong>de</strong><br />

r<strong>é</strong>is, uma verda<strong>de</strong>ira fortuna.<br />

Anna Gonzaga, que era solteira, estava há muito tempo preocupada<br />

com o problema da disposição que <strong>de</strong>veria dar aos bens que<br />

herdara <strong>de</strong> seus pais. Pouco antes do encontro das duas, ela orando<br />

à noite, ajoelhada, resolvera dar tudo o que possuía a Deus. Como<br />

diz Miss Glenn, “ficou tão impressionada que, levantando-se dos joelhos,<br />

embora sozinha, exclamou em alta voz: ´Vou dar tudo a Deus,<br />

que tudo me <strong>de</strong>u!´. Continuando, ela <strong>de</strong>clarou aos dois visitantes<br />

que estava certa <strong>de</strong> que era esta a oportunida<strong>de</strong> que Deus lhe apresentava<br />

para cumprir a promessa feita naquela noite”.<br />

Apesar da generosa oferta <strong>de</strong> amor, não foi fácil transformar<br />

o sonho em realida<strong>de</strong>. A burocracia jurídica para a transferência da<br />

fazenda <strong>de</strong>morou muito. Foram necessários alguns anos para a regularização<br />

da proprieda<strong>de</strong>. Finalmente, as obras começaram, a diretora<br />

foi escolhida pela duas, a professora Amália Andra<strong>de</strong>, <strong>de</strong> Juiz <strong>de</strong> Fora,<br />

que <strong>de</strong>u mais <strong>de</strong> 20 anos <strong>de</strong> relevantes serviços à instituição. Finalmente,<br />

foi marcada a data da inauguração, 1º <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1932.<br />

Vamos ao relato <strong>de</strong> Layona Glenn escrito por ela em 1949: “a<br />

saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> D. Anna não permitia que ela fosse a Inhoaíba para tomar<br />

parte ativa nos preparativos mas, <strong>de</strong> dois em dois dias, eu a visitava,<br />

relatava sobre os progressos feitos e consultava sobre os próximos<br />

planos. Era interessante ver-se o seu vivo interesse sobre tudo o que<br />

se relacionava com o Orfanato. Tomava parte em todos os assuntos e<br />

discutia-os animadamente. Ficou jubilosa quando lhe comunicamos<br />

que seria possível ter tudo pronto para a festa <strong>de</strong> inauguração no dia<br />

1º <strong>de</strong> maio. Ela se comprometia a estar presente às solenida<strong>de</strong>s embora<br />

insistindo que sua parte no programa <strong>de</strong>via ser muito mo<strong>de</strong>sta,<br />

pois não gostava <strong>de</strong> salientar-se muito”.<br />

44


Os <strong>de</strong>sígnios <strong>de</strong> Deus não são os nossos. Como Mois<strong>é</strong>s, que<br />

não conseguiu concluir a tarefa <strong>de</strong> levar o povo à Terra prometida,<br />

Anna Gonzaga tamb<strong>é</strong>m não viu a realização do seu sonho <strong>de</strong> amor.<br />

Na noite <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> março, estando sozinha em sua casa, ela caiu e<br />

quebrou uma das pernas, ao tentar fechar a porta do seu quarto. Não<br />

po<strong>de</strong>ndo mover-se, gritou por socorro, mas sendo quase onze da<br />

noite, ningu<strong>é</strong>m a ouviu. Afinal, batendo com um sapato no chão,<br />

uma vizinha ouviu o barulho e foi ver o que era. A <strong>de</strong>mora no seu<br />

atendimento foi <strong>gran<strong>de</strong></strong>, não só porque não havia telefone como tamb<strong>é</strong>m<br />

porque já era tar<strong>de</strong> da noite. Finalmente, não se conseguindo<br />

nenhum m<strong>é</strong>dico para atendê-la, foi chamado o Posto <strong>de</strong> Assistência e<br />

para ele foi levada pelas três da madrugada. Não havia m<strong>é</strong>dico <strong>de</strong><br />

plantão e ela ficou <strong>de</strong>itada sobre uma mesa por muitas horas at<strong>é</strong><br />

receber atendimento. Só <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> amanhecer <strong>é</strong> que se pô<strong>de</strong> tomar<br />

algumas providências. Depois, foi internada no Hospital Evang<strong>é</strong>lico,<br />

on<strong>de</strong> faleceu <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> quinze dias <strong>de</strong> horrível sofrimento, exatamente<br />

no dia 1º <strong>de</strong> abril. Na mesma tar<strong>de</strong> foi sepultada no cemit<strong>é</strong>rio <strong>de</strong> S.<br />

Francisco Xavier, no do Caju, no jazigo <strong>de</strong> seu pai.<br />

Admitindo-se que seria <strong>de</strong> sua vonta<strong>de</strong> não adiar a festa, embora<br />

sob tristeza geral, o Orfanato foi inaugurado no dia previsto, 1º<br />

<strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1932 na presença <strong>de</strong> muitas autorida<strong>de</strong>s da <strong>Igreja</strong><br />

<strong>Metodista</strong>. Em homenagem àquela que fora fiel no muito e que havia<br />

dado tudo o que tinha para a realização do seu sonho <strong>de</strong> amor, o seu<br />

nome foi dado à instituição.<br />

A exemplo <strong>de</strong> seu pai, Anna Gonzaga não gostava que tirassem<br />

o seu retrato. Uma vez, quando insistiram muito para que ela se<br />

<strong>de</strong>ixasse fotografar, ela disse: “o orfanato será o meu retrato”. O<br />

Instituto <strong>Metodista</strong> Ana Gonzaga, nome a<strong>tua</strong>l da instituição, <strong>é</strong>, pois, o<br />

retrato <strong>de</strong> sua <strong>gran<strong>de</strong></strong> benfeitora. Essa obra <strong>de</strong> amor precisa, <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> 74 anos <strong>de</strong> preciosos serviços, manter-se afinada com o sonho <strong>de</strong><br />

Anna da Conceição Gonzaga, para que o seu “retrato” continue claro,<br />

bonito, acolhedor, cumprindo bem as funções para as quais foi i<strong>de</strong>alizado.<br />

Essa será, sem dúvida, a melhor homenagem que a <strong>Igreja</strong><br />

<strong>Metodista</strong> e nós, seus membros, po<strong>de</strong>mos fazer em honra <strong>de</strong> Anna<br />

Gonzaga. Ela foi realmente a mulher que foi fiel no muito. Nossas<br />

atitu<strong>de</strong>s, como cristãos e como igreja/instituição, <strong>de</strong>vem aprimorar<br />

aquele retrato, embelezá-lo ainda mais, por ter sido uma doação <strong>de</strong><br />

<strong>gran<strong>de</strong></strong> amor, e não manchá-lo, como muitas pessoas, que não ajudaram<br />

a erguer a instituição, estão fazendo.<br />

45


Presciliana (Cilana) Dornellas, minha mãe<br />

Quase não se passa um só domingo<br />

em nossa igreja sem que algu<strong>é</strong>m<br />

fale comigo em minha mãe. Mesmo passados<br />

12 anos <strong>de</strong> sua morte e quase 15<br />

<strong>de</strong> sua mudança, logo <strong>de</strong>pois que papai<br />

morreu, para um apartamento bem próximo<br />

da <strong>Igreja</strong> do Catete, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong><br />

estar sempre presente no dia-a-dia <strong>de</strong><br />

<strong>Vila</strong> <strong>Isabel</strong>, ela continua sendo lembrada<br />

e os testemunhos que ouço a respeito<br />

<strong>de</strong> sua vida exemplar e <strong>de</strong> seu amor pelas<br />

pessoas me dão muitas sauda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>la. Na realida<strong>de</strong>, sem nenhum<br />

exagero <strong>de</strong> minha parte, ela foi a pessoa mais querida que eu<br />

conheci.<br />

Algumas pessoas me revelam que estão na <strong>Igreja</strong> por causa<br />

dos seus amorosos chamados. Outros me falam <strong>de</strong> seus conselhos e<br />

me lembram <strong>de</strong> suas inspiradas falas. Suas visitas a pessoas enfermas<br />

e suas orações piedosas são lembradas at<strong>é</strong> hoje. As mulheres<br />

me recordam sua a<strong>tua</strong>ção no Circulo Esperança <strong>de</strong> nossa socieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> mulheres. A Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Mulheres era uma verda<strong>de</strong>ira paixão<br />

para ela. Entrou como sócia com menos <strong>de</strong> 15 anos em Paraíba do<br />

Sul, on<strong>de</strong> morava, porque lá não havia socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> jovens, muito<br />

menos <strong>de</strong> juvenis, que só passou a existir muitos anos mais tar<strong>de</strong>.<br />

Foi sócia, portanto, por quase 70 anos. Fundou diversas socieda<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> mulheres e foi presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> tantas outras. Presi<strong>de</strong>nte da Fe<strong>de</strong>ração<br />

por muitos anos, só <strong>de</strong>ixou o cargo em virtu<strong>de</strong> do aci<strong>de</strong>nte que<br />

teve em 1970. Quando se recuperou totalmente, alguns anos <strong>de</strong>pois,<br />

recusou as propostas que muitas mulheres faziam por seu retorno à<br />

presidência mas continuou ativa nos trabalhos da socieda<strong>de</strong>, sendo<br />

sempre convidada a repartir suas experiências religiosas.<br />

Minha mãe foi assim, uma verda<strong>de</strong>ira cristã, uma pessoa que<br />

amava ao próximo, mais at<strong>é</strong> do que a si mesma. Foi uma mulher que<br />

caminhou sempre, juntamente com meu pai, a segunda milha da f<strong>é</strong>.<br />

Tinha um coração <strong>gran<strong>de</strong></strong> e muito orgulho <strong>de</strong> ser <strong>Metodista</strong>. Mulher<br />

<strong>de</strong> pastor, colaborava xom ele em tudo e, mesmo <strong>de</strong> maneira discreta<br />

e silenciosa, ajudou-o a resolver problemas difíceis que apareciam e<br />

que precisavam <strong>de</strong> uma mulher discreta, e <strong>de</strong> confiança e com muita<br />

46


sabedoria. E nunca reclamou das injustiças, das incompreensões da<br />

vida <strong>de</strong> uma mulher <strong>de</strong> pastor. Ela ensinou a seus filhos a sacralida<strong>de</strong><br />

do trabalho do pai, que trabalhava diretamente para Deus e não para<br />

os homens.<br />

Sofreu muita em sua vida por causa <strong>de</strong> sua saú<strong>de</strong>. Ter chegado<br />

aos 82 anos, que ningu<strong>é</strong>m acreditava ser possível, já que ela<br />

passou, somando os tempos <strong>de</strong> internação, uns quatro anos <strong>de</strong> sua<br />

vida em hospitais, foi uma bênção para nós. Nunca ningu<strong>é</strong>m a ouviu<br />

fazer qualquer reclamação. Atropelada por um ônibus, teve fraturas<br />

expostas e teve que passar meses internada. No meio <strong>de</strong> tudo, duas<br />

cirurgias s<strong>é</strong>rias, que nada tinham a ver com o aci<strong>de</strong>nte. Quando algu<strong>é</strong>m<br />

lhe perguntava como ia, sua resposta, com aquele sorriso que<br />

sempre enfeitava o seu rosto, era a mesma: “Eu vou muito bem,<br />

graças a Deus”. Mesmo tendo ficado com uma perna mais curta do<br />

que a outra e ter usado bengala durante mais <strong>de</strong> 20 anos, nada tirou<br />

sua alegria <strong>de</strong> viver. Porque ela tinha intimida<strong>de</strong> com Jesus, a verda<strong>de</strong>ira<br />

alegria dos homens.<br />

Pregadora inspirada, professora <strong>de</strong> escola dominical, especialmente<br />

para crianças, nunca vi outra igual. Conhecia a Bíblia como<br />

ningu<strong>é</strong>m. Conhecia, só, não. Ela vivia a Bíblia em tudo o que fazia.<br />

Tinha um talento especial para preparar pessoas para a carreira da<br />

f<strong>é</strong>. Com relação à poesia que lhe fiz por ocasião <strong>de</strong> minha infância,<br />

posso dizer, dando graças a Deus por sua vida, que ela não foi uma<br />

bênção só para mim mas para centenas <strong>de</strong> pessoas que foram abençoadas<br />

por sua f<strong>é</strong>, por sua <strong>de</strong>dicação, por seu amor a Cristo e à<br />

<strong>Igreja</strong>, e pelo amor que ela <strong>de</strong>votava a todos. Tem sido um privil<strong>é</strong>gio<br />

ter sido filho <strong>de</strong> mulher tão admirável. Tudo isto foi reconhecido pela<br />

<strong>Igreja</strong> <strong>Metodista</strong>. Ela foi a primeira mulher, em nossa Região, a ter o<br />

seu nome incluído, juntamente com o papai, na Or<strong>de</strong>m do M<strong>é</strong>rito<br />

<strong>Metodista</strong>. Ela realmente mereceu porque viveu vitoriosamente, tendo<br />

sido uma bênção maravilhosa na vida <strong>de</strong> muita gente.<br />

47


48<br />

<strong>“Mulher</strong>, <strong>gran<strong>de</strong></strong> <strong>é</strong> a <strong>tua</strong> f<strong>é</strong>”<br />

ÍNDICE PÁGINA<br />

Dedicatória<br />

1<br />

A minha mãe 1<br />

Meu anjo protetor 2<br />

Primeira Introdução - os feministas da família 4<br />

Papai feminista 4<br />

Filho tamb<strong>é</strong>m feminista 7<br />

Os direitos da mulher 8<br />

Segunda (e última) introdução 8<br />

Mulheres do Antigo Testamento 9<br />

Sara, a mulher <strong>de</strong> Abraão 9<br />

Raquel – uma mulher que sofreu <strong>de</strong> amor 12<br />

Tamar, a mulher que foi à luta 15<br />

Noemi e Ruth, sogra e nora que se amavam 17<br />

Mulheres do Novo Testamento 20<br />

Maria, a doce mãe <strong>de</strong> Jesus 20<br />

Mulher, <strong>gran<strong>de</strong></strong> <strong>é</strong> a <strong>tua</strong> f<strong>é</strong> 22<br />

A mulher samaritana 25<br />

Marta e Maria, ambas escolheram a melhor parte 28<br />

Mulheres do Movimento <strong>Metodista</strong> 30<br />

Suzana, a mãe <strong>de</strong> João Wesley 30<br />

Bárbara Heck, a mãe do metodismo americano 33<br />

Mary Walker – a heroína brasileira 35<br />

Mulheres <strong>de</strong> <strong>Vila</strong> <strong>Isabel</strong> 37<br />

Anna da Conceição Gonzaga 39<br />

Presciliana (Cilana) Dornellas, minha mãe 43

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