As Religiões no Rio - João do Rio - Igreja Metodista de Vila Isabel
As Religiões no Rio - João do Rio - Igreja Metodista de Vila Isabel
As Religiões no Rio - João do Rio - Igreja Metodista de Vila Isabel
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Bumba, bumba, ó calunga,<br />
Tanto quebra ca<strong>de</strong>ira como quebra sofá<br />
Bumba, bumba, ó calunga.<br />
Houve uma pausa e Antônio concluiu:<br />
- Por negro cambinda é que se compreen<strong>de</strong> que africa<strong>no</strong> foi escravo <strong>de</strong> branco.<br />
Cambinda é burro e sem-vergonha!<br />
Disse e voltou à narrativa da iniciação das iauô.<br />
Antes <strong>de</strong> entrar para camarinha, a mulher, predisposta pela fixi<strong>de</strong>z da atenção a todas as<br />
sugestões, presta juramento <strong>de</strong> guardar o segre<strong>do</strong> <strong>do</strong> que viu, toma um banho purifica<strong>do</strong>r e à<br />
meia-<strong>no</strong>ite começa a cerimônia. A iauô senta-se numa ca<strong>de</strong>ira vestida <strong>de</strong> branco com o ojá<br />
apertan<strong>do</strong> a cintura. To<strong>do</strong>s em <strong>de</strong>rre<strong>do</strong>r entoam a primeira cantiga a Exu.<br />
Echu tiriri, lô-nam bará ô bebê.<br />
Tiriri lo-nam Echu tiriri.<br />
O babaloxá pergunta ao santo para, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ir o cabelo que vai cortar à futura filha, e,<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ar<strong>de</strong>nte meditação, indica com aparato a or<strong>de</strong>m divina. Essas <strong>de</strong>scobertas são<br />
fatalmente as mesmas <strong>no</strong> centro <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> populosa como a <strong>no</strong>ssa. Se o santo é a mãe<br />
d'agua <strong>do</strong>ce, Oxum, o cabelo vai para a Tijuca, a Fábrica das Chitas; se é Ié-man-ja fica na praia<br />
<strong>do</strong> Russel, em Santa Luzia; se é outro santo qualquer, basta um trecho <strong>de</strong> praça em que as ruas<br />
se cruzem.<br />
<strong>As</strong> rezas começam então; o pai-<strong>de</strong>-santo molha a cabeça da iauô com uma composição <strong>de</strong><br />
ervas e com afiadíssima navalha faz-lhe uma coroa, enquanto a roda canta triste.<br />
Orixalá otô ô yauô!<br />
Essa parte <strong>do</strong> cabelo é guardada eternamente e a iauô não <strong>de</strong>ve saber nunca on<strong>de</strong> a<br />
guardam, porque lhe acontece <strong>de</strong>sgraça. Em seguida, o lúgubre barbeiro raspa-lhe<br />
circularmente o crânio, e quan<strong>do</strong> a carapinha cai <strong>no</strong> alguidar, a operada já per<strong>de</strong>u a razão.<br />
Babaloxá, lava-lhe ainda a cabeça com o sangue <strong>do</strong>s animais esfaquea<strong>do</strong>s pelos ogans, e<br />
as iauô antigas levam-na a mudar a roupa, enquanto se preparam com ervas os cabelos <strong>do</strong><br />
alguidar.<br />
Daí a momentos a iniciada aparece com outros fatos, pega <strong>no</strong> alguidar e sai acompanhada<br />
das outras, que a amparam e cantam baixo o ofertório ao santo. Em chegan<strong>do</strong> ao lugar<br />
indica<strong>do</strong>, a hip<strong>no</strong>tizada <strong>de</strong>ixa a vaso, volta e é recebida pelo pai, que entorna em frente à porta<br />
um copo d'água.<br />
A <strong>no</strong>va iauô vai então <strong>de</strong>scansar, enquanto os outros rezam na camarinha em frente ao<br />
esta<strong>do</strong>-maior.<br />
- O esta<strong>do</strong>-maior? - indago eu, assusta<strong>do</strong> com o exército misterioso. O esta<strong>do</strong>-maior é a<br />
coleção <strong>de</strong> terrinas e sopeiras colocadas numa espécie <strong>de</strong> prateleiras <strong>de</strong> bazar. Nas sopeiras<br />
estão to<strong>do</strong>s os santos peque<strong>no</strong>s e gran<strong>de</strong>s. Há <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as terrinas <strong>de</strong> granito às <strong>de</strong> porcelanas<br />
com frisos <strong>de</strong> ouro, ro<strong>de</strong>an<strong>do</strong> armações <strong>de</strong> ferro, on<strong>de</strong> se guarda o Ogum, o São Jorge da<br />
África.<br />
No dia seguinte à cerimônia, a iauô lava-se e vai à presença <strong>do</strong> pai para ver se tem<br />
espíritos contrários.<br />
Se os espíritos existem, o pai po<strong>de</strong>roso afasta a influência nefasta por meio <strong>de</strong> ebós e<br />
ogunguns. A iauô é obrigada a não falar a ninguém: quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>seja alguma coisa, bate palmas e<br />
só a ajuda nesses dias a mãe-pequena ou Iaque-que-rê. <strong>As</strong> danças para preparo <strong>de</strong> santo<br />
realizam-se <strong>no</strong>s 1.º, 3.º, 7 .º, 12.º, e <strong>no</strong> 16.º dia o santo revela-se.<br />
- Mas que adianta isso às iauô?<br />
- Nada. O pai-<strong>de</strong>-santo <strong>do</strong>mina-as. O erô ou segre<strong>do</strong> que lhe dá, po<strong>de</strong> retirá-lo quan<strong>do</strong> lhe<br />
apraz; o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> as transformar e fazer-lhes mal está em virar o santo sempre que tem<br />
vonta<strong>de</strong>.<br />
- E quan<strong>do</strong> essas criaturas morrem?