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As Religiões no Rio - João do Rio - Igreja Metodista de Vila Isabel

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Antônio, que conversava <strong>do</strong>s progressos da magia na África, disse-me um dia que era<br />

como Renan e Shakespeare: vivia na dúvida. Isso não o impedia <strong>de</strong> acreditar nas pragas e <strong>no</strong><br />

trabalhão que os santos africa<strong>no</strong>s dão.<br />

- V. s. não imagina! Santo tem a festa anual, aparece <strong>de</strong> repente à pessoa em que se quer<br />

meter e esta é obrigada logo a fazer festa; santo comparece ao juramento das Iauô e passa<br />

fora, <strong>do</strong> Carnaval à Semana Santa; e logo quer mais festa... Só <strong>de</strong>scansa mesmo <strong>de</strong> fevereiro a<br />

abril.<br />

- Estão veranean<strong>do</strong>.<br />

- No carnaval os negros fazem ebó.<br />

- Que vem a ser ebó?<br />

- Ebó é <strong>de</strong>spacho. Os santos vão to<strong>do</strong>s para o campo e ficam lá <strong>de</strong>scansan<strong>do</strong>.<br />

- Talvez estejam em Petrópolis.<br />

- Não. Santo <strong>de</strong>ixa a cida<strong>de</strong> pelo mato, está mesmo entre as ervas.<br />

- Mas quais são os cargos religiosos?<br />

- Há os babalaôs, os açoba, os aboré, grau máximo, as mães-pequenas, os ogan, as<br />

agibonam...<br />

A lista é como a <strong>do</strong>s santos, muito comprida, e cada um <strong>de</strong>sses personagens representa<br />

papel distinto <strong>no</strong>s sacrifícios, <strong>no</strong>s can<strong>do</strong>mblés e nas feitiçarias. Antônio mostra-me os mais<br />

<strong>no</strong>táveis, os pais-<strong>de</strong>-santo: Oluou, Eruosaim, Alamijo, Adé-Oié, os babalaôs Emídio, Oloô-teté,<br />

que significa treme-treme, e um ban<strong>do</strong> <strong>de</strong> feiticeiros: Torquato requipá ou fogo pára-chuva,<br />

Obitaiô, Vagô, Apotijá, Veridiana, Crioula Capitão, Rosenda, Nosuanan, a célebre Chica <strong>de</strong><br />

Vavá, que um político eco<strong>no</strong>mista protege...<br />

- A Chica tem proteção política?<br />

- Ora se tem! Mas que pensa o senhor? Há homens importantes que <strong>de</strong>vem quantias<br />

avultadas aos alufás e babalaôs que são grau 32 da Maçonaria.<br />

Dessa gente, poucos lêem. Outrora ainda havia sábios que <strong>de</strong>strinçavam o livro sagra<strong>do</strong> e<br />

sabiam porque Exu é mau - tu<strong>do</strong> direitinho e claro como água. Hoje a aprendizagem é feita <strong>de</strong><br />

ouvi<strong>do</strong>. O africa<strong>no</strong> egoísta pai-<strong>de</strong>-santo, ensina ao aboré, as iauô quan<strong>do</strong> lhes entrega a<br />

navalha, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que não só a arte per<strong>de</strong> muitas das suas fases curiosas como as histórias são<br />

adulteradas e esquecidas.<br />

- Também agora não é preciso saber o Saó Hauin. Negro só olhan<strong>do</strong> e saben<strong>do</strong> o <strong>no</strong>me da<br />

pessoa po<strong>de</strong> fazer mal, diz Antônio.<br />

Os orixás são em geral polígamos. Nessas casas das ruas centrais <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> cida<strong>de</strong>,<br />

há homens que vivem ro<strong>de</strong>a<strong>do</strong>s <strong>de</strong> mulheres, e cada <strong>no</strong>ite, como <strong>no</strong>s sertões da África, o leito<br />

<strong>do</strong> babaloxás é ocupa<strong>do</strong> por uma das esposas. Não há ciúmes, a mais velha anuncia quem a<br />

<strong>de</strong>ve substituir, e todas trabalham para a tranqüilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> pai. Oloô-Teté, um velho que tem<br />

<strong>no</strong>venta a<strong>no</strong>s <strong>no</strong> mínimo, ainda conserva a companheira nas <strong>de</strong>lícias <strong>do</strong> himeneu, e os mais<br />

sacudi<strong>do</strong>s transformam as filhas-<strong>de</strong>-santo em huris <strong>de</strong> serralhos.<br />

Os alulás têm um rito diverso. São maometa<strong>no</strong>s com um fun<strong>do</strong> <strong>de</strong> misticismo. Quase to<strong>do</strong>s<br />

dão para estudar a religião, e os próprios malandros que lhes usurpam o título sabem mais que<br />

os orixás.<br />

Logo <strong>de</strong>pois <strong>do</strong> suma ou batismo e da circuncisão ou kola, os alufás habilitam-se à leitura<br />

<strong>do</strong> Alcorão. A sua obrigação é o kissium, a prece. Rezam ao tomar banho, lavan<strong>do</strong> a ponta <strong>do</strong>s<br />

<strong>de</strong><strong>do</strong>s, os pés e o nariz, rezam <strong>de</strong> manhã, rezam ao pôr-<strong>do</strong>-sol. Eu os vi, retintos, com a cara<br />

reluzente entre as barbas brancas, fazen<strong>do</strong> o aluma gariba, quan<strong>do</strong> o crescente lunar aparecia<br />

<strong>no</strong> céu. Para essas preces, vestem o abadá, uma túnica branca <strong>de</strong> mangas perdidas, enterram<br />

na cabeça um filá vermelho, <strong>do</strong>n<strong>de</strong> pen<strong>de</strong> uma faixa branca, e, à <strong>no</strong>ite, o kissium continua,<br />

senta<strong>do</strong>s eles em pele <strong>de</strong> carneiro ou <strong>de</strong> tigre.<br />

- Só os alufás ricos sentam-se em peles <strong>de</strong> tigre, diz-<strong>no</strong>s Antônio.<br />

Essas criaturas contam à <strong>no</strong>ite o rosário ou tessubá, têm o preceito <strong>de</strong> não comer carne <strong>de</strong><br />

porco, escrevem as orações numas taboas, as atô, com tinta feita <strong>de</strong> arroz queima<strong>do</strong>, e jejuam<br />

como os ju<strong>de</strong>us quarenta dias a fio, só toman<strong>do</strong> refeições <strong>de</strong> madrugada e ao pôr-<strong>do</strong>-sol.<br />

Gente <strong>de</strong> cerimonial, <strong>de</strong>pois <strong>do</strong> assumy, não há festa mais importante como a <strong>do</strong> ramadan,<br />

em que trocam o saká ou presentes mútuos. Tanto a sua administração religiosa como a<br />

judiciária estão por inteiro in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes da terra em que vivem.

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