É seguro realizar exames radiológicos durante a gestação ? AUTORES: Alexandre Marchini Silva 1 , Anarégia Ferreira 2 , Gustavo S. P. Meirelles 3 1 Médico Radiologista do Grupo Fleury e da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo 2 Residente de Pneumologia da Unifesp/Escola Paulista de Medicina (EPM) 3 Médico Radiologista da Unifesp/EPM e do Grupo Fleury Introdução O emprego dos métodos de diagnóstico por imagem apresentou grande aumento nos últimos anos, com importância crescente na elaboração das mais variadas condutas terapêuticas, inclusive em pacientes gestantes. Contudo, a exposição a alguns exames diagnósticos durante a gravidez é habitualmente uma preocupação para médicos e pacientes, com informações confusas e contraditórias, resultando em ansiedade, cancelamento inadequado de procedimentos e contraindicação da utilização de meios de contraste, mesmo em casos de indicações formais. Em casos de necessidade do emprego de métodos que utilizem radiação ionizante, como estudos radiográficos, exames de tomografia computadorizada (TC) e cintilografia, bem como em ocasiões onde a ressonância magnética (RM) está indicada, é de grande importância ponderar os riscos e benefícios de tais exames. Atualmente, o que se sabe é que as doses de radiação decorrentes da exposição à maior parte dos exames é bem inferior aos limites de dose considerados seguros para o feto, dando suporte à tese que os riscos fetais são mínimos quando exames radiológicos são realizados com técnica adequada e com indicações corretas. O objetivo desta revisão é demonstrar os riscos e benefícios para o feto dos exames radiológicos mais usualmente realizados, bem como dos meios de contraste empregados em tais exames. Riscos fetais relacionados à radiação ionizante Embora o conceito de exposição à radiação esteja muito relacionado a exames radiológicos, é importante lembrar que todos os seres humanos estão expostos a uma radiação ambiental, com dose da ordem de 1,1 a 2,5 mGy por ano, proveniente da exposição aos raios cósmicos. Alguns exames radiológicos, quando realizados com técnica adequada, têm doses semelhantes ou até inferiores à exposição ambiental anual. Na paciente gestante, o cuidado deve ser maior, pois o feto está em formação e mais sujeito a eventuais efeitos deletérios da exposição à radiação. O risco fetal relacionado à exposição à radiação ionizante está ligado a 2 efeitos: estocástico e determinístico. O efeito estocástico da radiação ionizante tem origem a partir de possíveis danos celulares que possam levar a carcinogênese. Não tem limiar de dose, mas o risco de efeitos deletérios decorrentes do efeito estocástico aumenta com a dose de radiação. A estimativa atual de desenvolver câncer na infância é de aproximadamente 1:500 na população geral; doses de radiação fetal de até 1 mGy (dose inferior à recebida pelo feto, por exemplo, em uma tomografia computadorizada do tórax materno) são consideradas aceitáveis, estando ligadas a um risco incremental de carcinogênese inferior a 1 em 10.000. A maioria dos exames radiológicos de estruturas anatômicas abaixo dos joelhos (por exemplo, tomografia da perna) e acima do diafragma (por exemplo, tomografia computadorizada do tórax) entra nessa categoria. A exposição estimada de radiação é baixa quando o feto está fora do campo de visão, como nas tomografias do crânio, pescoço, tórax, coluna cervical e de extremidades. Nestes casos, apenas a radiação espalhada atinge o feto. O risco de carcinogênese aumenta por um fator de dois em exames com maiores doses de radiação, como no exame de tomografia computadorizada pélvica, onde ocorre irradiação direta do feto; mesmo assim, o risco de câncer infantil ainda é considerado baixo (menos de 1 em 250). A Tabela 1 demonstra a dose de radiação estimada para o concepto nos exames radiológicos tradicionais. O efeito determinístico da radiação ionizante resulta do dano a um número de células, apresentando um limiar de dose a partir da qual o dano ocorre. Este efeito inclui o risco de malformações fetais, retardo do crescimento, retardo mental e morte. O estágio mais vulnerável à teratogênese se encontra entre a 2 a e 20 a semanas de gestação, particularmente no período entre a 8 a e 15 a semanas. As doses pré-natais de radiação da maioria dos exames radiológicos não determinam um risco aumentado de morte pré-natal, malformações e retardo mental frente à incidência natural dessas entidades. As recomendações de 2007 do ‘’International Commitee on Radiological Protection’’ concluem que nenhum efeito determinístico de significância prática ocorre abaixo da dose de 100 mGy. Por exemplo, mesmo para uma gestante submetida a um protocolo amplo 26 Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012
Tabela 1. Doses de radiação fetal associadas com exames de diagnóstico por imagem Exame Radiografia Dose Fetal (mGy) Radiografia coluna cervical (AP e lateral)