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GRAVIDEZ<br />
E DOENÇAS<br />
RESPIRATÓRIAS<br />
TEMAS EM DESTAQUE<br />
Particularidades do tabagismo e<br />
seu tratamento na gestante<br />
Infecções respiratórias<br />
durante a gestação<br />
RELATO DE CASO<br />
Gestação em paciente<br />
com Fibrose Cística
DIRETORIA - BIÊNIO 2012 | 2013 SUMÁRIO<br />
Presidente: Mônica Corso Pereira<br />
Vice-Presidente: Oliver Augusto Nascimento<br />
Secretária Geral: Maria Raquel Soares<br />
1ª Secretário: Igor Bastos Polonio<br />
2º Secretário: Carlos Vianna Poyares Jardim<br />
Diretor de Finanças: Lara Maris Napolis<br />
Diretor de Assuntos Científicos: Elcio dos Santos Oliveira<br />
Vianna<br />
Diretor de Divulgação: Hugo Bok Yoo<br />
Diretora Informática: Roberta Pulcheri Ramos<br />
COMISSÕES<br />
Assuntos do Interior: Mauricio Sousa de Toledo Leme<br />
Defesa Profissional: Altair da Silva Costa Júnior<br />
Ensino: Federico Leon Arrabal Fernandes<br />
Promoções: Valéria Cristina Vigar Martins<br />
Assuntos da Grande São Paulo: Mônica Silveira Lapa<br />
DEPARTAMENTOS<br />
Cirurgia Torácica:<br />
Ricardo Mingarini Terra<br />
Roberto Gonçalves<br />
Daniele Cristina Cataneo<br />
Endoscopia Respiratória:<br />
Viviane Rossi Figueiredo<br />
Ascedio Rodrigues<br />
Péricles Barbato<br />
Pediatria:<br />
Marina Buarque de Almeida<br />
Adyleia Aparecida Dalbo Contrera Toro<br />
Beatriz Neuhaus Barbisan<br />
Fisioterapia Respiratória:<br />
Adriana Claudia Lunardi<br />
Luciana Dias Chiavegato<br />
Felipe Augusto Rodrigues Mendes<br />
Conselho Fiscal<br />
Efetivos:<br />
Ana Luisa Godoy Fernandes<br />
Carlos Alberto de Castro Pereira<br />
Irma de Godoy<br />
Suplentes:<br />
Jaquelina Sonoe Ota Arakaki<br />
José Antônio Baddini Martinez<br />
Ricardo Milinavicius<br />
Conselho Deliberativo<br />
Francisco Vargas Suso<br />
Jorge Nakatani<br />
José Eduardo Delfini Cançado<br />
Manuel Lopes dos Santos<br />
Miguel Bogossian<br />
Nelson Morrone<br />
Rafael Stelmach<br />
Ricardo Beyruti<br />
Roberto Stirvulov<br />
Sônia Maria Faresin<br />
Virgílio Alexandre Nunes de Aguiar<br />
PNEUMOLOGIA PAULISTA<br />
Órgão Informativo da Sociedade Paulista de<br />
Pneumologia e Tisiologia<br />
Editor Responsável:<br />
Oliver Augusto Nascimento<br />
Editoração Eletrônica:<br />
Miriam Miranda<br />
Impressão: Gráfica Riopedrense Tiragem: 1200 exemplares<br />
4<br />
6<br />
7<br />
30<br />
44<br />
55<br />
PALAVRA DA PRESIDENTE<br />
Consultas públicas – do que se trata?<br />
O papel dos especialistas e da sociedade<br />
de especialidade<br />
PALAVRA DO EDITOR<br />
Gravidez e Doenças Respiratórias<br />
TEMAS EM DESTAQUE<br />
Particularidades do tabagismo e seu<br />
tratamento na gestante<br />
TEV na gestante: prevenção, investigação e<br />
tratamento<br />
Infecções respiratórias durante a gestação<br />
É seguro realizar exames radiológicos durante<br />
a gestação ?<br />
RESUMINDO E RECORDANDO<br />
Asma na gestação: Quadro clínico e<br />
tratamento<br />
Distúrbios respiratórios do sono na gravidez<br />
Fisiologia respiratória durante a gestação<br />
Alterações do crescimento e desenvolvimento<br />
pulmonar fetal<br />
RELATO DE CASO<br />
Alterações do crescimento e desenvolvimento<br />
pulmonar fetal<br />
Gestação em paciente com Fibrose Cística<br />
Uso do sildenafil em gestação de paciente<br />
com Hipertensão Arterial Pulmonar<br />
secundária à cardiopatia congênita (Síndrome<br />
de Eisenmenger)<br />
Tuberculose e gestação<br />
ESTATÍSTICAS<br />
Testes de concordância estatística<br />
NOSSA CAPA<br />
Ilustração:<br />
Libero
PALAVRA DA PRESIDENTE<br />
Consultas públicas – do que se trata?<br />
O papel dos especialistas e da sociedade<br />
de especialidade<br />
Cada vez mais as decisões que<br />
dizem respeito à saúde pública<br />
tem se tornado realmente<br />
públicas, no sentido de ficarem de<br />
algum modo permeáveis às ações,<br />
opiniões, sugestões e contribuições<br />
da sociedade civil. Falo<br />
da prática das consultas públicas,<br />
evento novo para a maioria dos<br />
médicos, não apenas para os que<br />
militam somente na saúde<br />
suplementar (dita também<br />
privada, que inclui as medicinas<br />
de grupo, os convênios médicos,<br />
as cooperativas médicas e as<br />
consultas particulares), mas<br />
também para aqueles que<br />
trabalham na sáude pública, de<br />
variadas instâncias (municipal, estadual e federal) e<br />
complexidades (básica, níveis secundário e terciário).<br />
As consultas públicas são documentos criados pelo<br />
Ministério da Saúde (ou pelas Secretarias Estaduais de<br />
Saúde) que tratam de temas sobre saúde e que ficam<br />
disponíveis por um prazo determinado (em geral 20 a 30<br />
dias a partir de sua publicação em documentos oficiais,<br />
como o Diário Oficial da União ou o Diário Oficial do Estado)<br />
para receber con-tribuições tanto de setores especializados<br />
e técnicos (e é aí que nós entramos), quanto da sociedade<br />
e em geral (cidadãos, usuários dos sistemas de saúde,<br />
organizaçãoes não governamentais, enfim, quaisquer<br />
pessoas ou organizações).<br />
A proposta da consulta pública é que ela seja um<br />
instrumento útil para que a população em geral, a<br />
comunidade científica, os especialistas no assunto e as<br />
diversas partes interessadas se manifestem e participem<br />
na elaboração e no aprimoramento das políticas públicas.<br />
Em tese, com isso há a possiblidade de maior transparência<br />
nas ações governamentais, eventualmente permeadas e<br />
4 Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012
modificadas por sugestões de todas as partes interessadas.<br />
Tal instrumento vem sendo utilizado há alguns anos, e<br />
embora louvável, ainda é um instrumento imperfeito. Cabe<br />
a nós, especialistas, cidadãos e representantes nas<br />
sociedade de especialidade, aperfeiçoá-lo.<br />
Por exemplo, em 16 de maio de 2012 o Ministério da<br />
Saúde abriu consulta pública para modificações no<br />
Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas em DPOC, e era<br />
possível acessar o conteúdo do Protocolo através do<br />
link: www.saude.gov.br/consultapublica .<br />
Toda a comunidade médica que cuida da saúde<br />
respiratória se mobilizou para chamar a atenção sobre a<br />
importância da participação dos representantes da<br />
especialidade neste processo.<br />
A iniciativa de elaborar um protocolo abrangente de<br />
atendimento para a DPOC com o objetivo de melhorar o<br />
atendimento dos pacientes e reduzir o impacto negativo<br />
causado aos pacientes e seus familiares, bem como o custo<br />
familiar e geral causado pela doença sem dúvida foi<br />
louvável, pois evidenciou o reconhecimento da alta<br />
prevalência e gravidade da doença pulmonar obstrutiva<br />
crônica no mundo e no nosso país.<br />
A Sociedade Paulista de Pneumologia sentiu-se na<br />
obrigação de realizar uma manifestação formal, institucional<br />
sobre o assunto, e produziu um documento, o qual foi<br />
disponilizado para todos os associados, conforme<br />
mensagem enviada na ocasião.<br />
Como é do conhecimento de praticamente todos que<br />
cuidam na saúde respiratória no nosso estado, o estado de<br />
São Paulo tem um protocolo para tratamento dos<br />
portadores de DPOC desde 2007 (Resolução SS nº 278, de<br />
26 de julho de 2007). Este protocolo, de cuja gestão nos<br />
orgulhamos de ter participado, proporcionou aos pacientes<br />
atendidos pelo Sistema Único de Saúde – SUS, do Estado<br />
de São Paulo, acesso à medicação para tratamento da<br />
doença, resultando em grande benefício à saúde e qualidade<br />
de vida dos nossos pacientes.<br />
A experiência acumulada nestes cinco anos gabarita a<br />
todos nós pneumologistas paulistas a opinar e avalizar o<br />
protocolo federal.<br />
Embora tenhamos emitido uma opinião enquanto<br />
sociedade – na qual procuramos primar por avaliações<br />
baseadas em evidências científicas bem fundamentadas –<br />
a opinião individualmente manifesta por todos os<br />
especialistas da medicina torácica foi fundamental.<br />
Por um tempo demasiado longo nos acostumamos talvez<br />
a não nos manifestarmos, na expectativa que outros o façam<br />
por nós. Nada substitui, no entanto, em importância e<br />
representatividade, a manifestação individual e cidadã em<br />
consultas como estas. Temos o conhecimento, a<br />
fundamentação, a experiência e a legitimidade para tal.<br />
Nesta consulta pública houve quase 400 manifestações,<br />
incluindo médicos, associações, pacientes e quem mais<br />
quisesse. Esta é a primeira etapa do processo. A<br />
manutenção e a valorização destas ações dependem de<br />
todos nós, de fiscalização e cobrança tônicas por parte da<br />
especialidade, tanto das pessoas físicas quanto jurídicas<br />
(Sociedades de Especialidades).<br />
Quero, sobretudo, conclamar a todos nós a exercer<br />
nosso direito e dever cidadãos em ocasiões como a ocorrida,<br />
pois somos a reserva técnica e legítima na área da Medicina<br />
Respiratória, não somente no estado de São Paulo, mas<br />
também no país.<br />
Abraços<br />
Mônica Corso<br />
Presidente da SPPT (biênio 2012-2013)<br />
corso@mpcnet.com.br<br />
Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012 5
PALAVRA DO EDITOR<br />
Gestação e<br />
doenças respiratórias<br />
A maioria das gestações é saudável e ocorre sem<br />
intercorrências. Porém, a presença de doença respiratória na<br />
mulher em idade fértil constitui um desafio importante<br />
durante o período pré-concepção, na gravidez e no pósparto,<br />
quer pela influência que pode ter no desenrolar da<br />
gravidez e no bem estar materno-fetal, quer pelo modo como<br />
a gravidez pode alterar o curso dessa mesma doença. É<br />
fundamental o controle da doença de base, o reconhecimento<br />
e prevenção da sua descompensação, ao mesmo tempo que<br />
se minimizam os efeitos secundários das terapêuticas<br />
utilizadas sobre a mãe e o feto. Esta abordagem é<br />
multiprofissional, incluindo muitas vezes o pneumologista,<br />
radiologista, obstetra, enfermeiro e fisioterapeuta.<br />
Em muitas circunstâncias, a gravidez afeta claramente o<br />
comportamento da doença e, em outros, a doença afeta<br />
fortemente os resultados da gravidez. Além do mais, expor as<br />
gestantes a riscos como tabagismo e radiações podem alterar<br />
o desenvolvimento fetal. Dano fetal associado à farmacoterapia<br />
das doenças respiratórias e preocupações de teratogenicidade<br />
e oncogenicidade complicam o quadro ainda mais.<br />
Portanto, nós profissionais da área respiratória devemos<br />
estar preparados para abordar e tratar gestantes, visto a alta<br />
prevalência das doenças respiratórias. Em acréscimo, com<br />
os avanços no tratamento, crianças com graves doenças<br />
hereditárias como a fibrose cística estão vivendo mais e<br />
chegam a idade reprodutiva.<br />
Portanto, o objetivo desta edição é alertar e preparar os<br />
profissionais da área respiratória com conhecimentos básicos<br />
que abordam desde o desenvolvimento pulmonar fetal até a<br />
prevenção e tratamento de doenças muito comuns em nosso<br />
meio e que podem ser negligenciados. Certamente, devem<br />
existir muitos outros assuntos relacionados a gestação que<br />
necessitam ser abordados. Contudo, este é o primeiro<br />
fascículo destinado exclusivamente a este tema e esperamos<br />
que sirva de inspiração a muitos colegas para a continuidade<br />
de seus estudos.<br />
Esperamos que todos aproveitem a leitura!!<br />
Oliver A. Nascimento<br />
Vice-presidente da SPPT e Editor do Pneumologia Paulista<br />
olivernascimento@yahoo.com.br<br />
Carlos Jardim<br />
Co-editor do Pneumologia Paulista<br />
jardim.carlos@uol.com.br<br />
6 Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012
TEMAS EM DESTAQUE<br />
Particularidades do tabagismo e seu<br />
tratamento na gestante<br />
AUTORES: Kênia Schultz 1 ; Angelo Xerez Cepêda Fonseca 1 ; Maria Vera Cruz de Oliveira Castellano 2<br />
1Residente de Pneumologia do Serviço de Doenças do Aparelho Respiratório (DAR) do Hospital<br />
dos Servidores Públicos Estaduais<br />
2Diretora do Serviço de Doenças do Aparelho Respiratório (DAR) do HSPE / Coordenadora do<br />
Ambulatório de Tabagismo (DAR) do HSPE<br />
Introdução<br />
Nos últimos 20 anos, a prevalência do tabagismo tem<br />
diminuído nos países desenvolvidos e aumentado nos países<br />
em desenvolvimento. Prevê-se que o total de mortes<br />
atribuíveis ao tabaco aumentará de 5,4 milhões em 2005 para<br />
6,4 milhões em 2015 e 8,3 milhões em 2030, com 80% dessas<br />
mortes adicionais ocorrendo em nações em<br />
desenvolvimento. 1 As taxas de prevalência de tabagismo<br />
ainda são maiores entre os homens, mas há uma tendência<br />
de aumento do tabagismo entre as mulheres jovens, apesar<br />
dos obstáculos culturais e religiosos. O baixo nível de<br />
escolaridade é um fator de risco para iniciação ao tabagismo<br />
entre as mulheres como relata Nisar após avaliação de uma<br />
amostra de mulheres de uma comunidade no Paquistão,<br />
sendo as analfabetas mais susceptíveis a iniciar o hábito<br />
de fumar, do que aquelas com mais de cinco anos de<br />
escolaridade. 2<br />
Nas mulheres ocorrem consequências do tabagismo<br />
específicas como osteoporose, infertilidade, câncer de colo<br />
de útero e problemas relacionados com a gravidez. Também<br />
doenças relacionadas ao tabagismo, comuns a ambos os<br />
sexos estão em ascensão entre as mulheres, como a doença<br />
pulmonar obstrutiva crônica, e o câncer de pulmão que já<br />
ultrapassou o câncer de mama como a principal causa de<br />
morte nos Estados Unidos (EUA). 3<br />
No Brasil as doenças cardiovasculares (infarto agudo do<br />
miocárdio e acidente vascular encefálico), as neoplasias<br />
(mama, pulmão e colo de útero) e as doenças respiratórias<br />
são as principais causas de morte na população feminina. 4,5<br />
Além do tabagismo ativo, a exposição ao fumo passivo é<br />
uma grande ameaça para a saúde das mulheres, fetos e<br />
crianças, com prevalência estimada de 37 a 70%, e maior<br />
exposição a mulheres em idade reprodutiva.<br />
Não existem dados sobre a prevalência do tabagismo entre<br />
as gestantes no Brasil. Nos EUA levantamento de 2004<br />
mostra uma prevalência do tabagismo de 18% entre as<br />
gestantes, sendo que entre 15-17 anos esta taxa sobe para<br />
26%, contra 20% entre não gestantes na mesma faixa etária. 6<br />
Na Inglaterra em 2005 17% das gestantes eram tabagistas. 7<br />
Consequências do tabagismo na gestação 8,9,10<br />
Na gestação, o metabolismo da nicotina é mais rápido e<br />
os níveis de nicotina no feto são 15% maiores que os<br />
maternos. Na gestante tabagista há uma maior expressão do<br />
receptor da ocitocina, o que se relaciona com a maior<br />
ocorrência de partos prematuros e abortos. A menor<br />
concentração de gonadotrofina coriônica presente nas<br />
gestantes que fumam também se asssocia à maior prevalência<br />
de abortos nesta população. A ação vasoconstritora da<br />
nicotina nos vasos uterinos e da placenta está associada à<br />
redução do fluxo sanguíneo, menor oferta de oxigênio e<br />
nutrientes para o feto, maior concentração de<br />
carboxihemoglobina que também concorre para menor<br />
concentração de oxigênio na placenta e feto, além de<br />
potencializar o risco de eventos trombóticos.<br />
O aumento da homocisteína presente na gestante<br />
tabagista pode causar retardo do crescimento intrauterino,<br />
placenta prévia, ruptura prematura de membranas, fetos<br />
PIG (pequeno pra a idade gestacional), sangramentos e<br />
gravidez ectópica.<br />
É descrita uma diminuição do colágeno tipo III que se<br />
relaciona com o descolamento prematuro de membranas. O<br />
aborto espontâneo tem sido relacionado ao tabagismo ativo<br />
e passivo da gestante. Em 2009, uma metanálise 11 foi<br />
publicada evidenciando um aumento significativo na<br />
probabilidade de aborto espontâneo em gravidez realizada<br />
por reprodução assistida no grupo de fumantes.<br />
Outras complicações da gestação como placenta prévia<br />
Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012 7
são mais frequentes em gestantes tabagistas como<br />
documentou Castels 12 , apontando um risco relativo de 1,58.<br />
A gravidez ectópica estaria relacionada com o sinergismo<br />
do tabagismo com a doença inflamatória pélvica. Bouyer e<br />
colaboradores avaliaram os fatores de risco em 803 casos de<br />
gravidez ectópica ocorridos na França entre 1993 e 2000.<br />
Entre os principais fatores de risco encontraram o tabagismo<br />
(RR=3,9) e a doença pélvica infecciosa (RR=3,4). Foi descrita<br />
relação direta com a intensidade do tabagismo, sendo o risco<br />
relativo para as fumantes de 1 a 9 cigarros/dia 1,6 e para as<br />
que consumiam mais de 20 cigarros 3,9. 13<br />
A ação vasoconstritora da nicotina e o menor aporte de<br />
oxigênio e nutrientes para o feto podem resultar em retardo<br />
do crescimento fetal nas gestantes fumantes culminando com<br />
o nascimento de recém nascidos pequenos para a idade<br />
gestacional. Estudo realizado no município de Rio Grande<br />
(RS) em 2007 avaliou 2484 gestantes, com prevalência de<br />
tabagismo ativo de 23% e passivo de 29%. Os recém nascidos<br />
de mães fumantes tiveram, em média, redução de 223,4 gr<br />
(IC95%:156,7-290,0) no peso. 14<br />
Os danos celulares e moleculares causados pelo<br />
tabagismo materno podem afetar o desenvolvimento fetal,<br />
havendo relatos de maior frequência de hiperglobulia fetal,<br />
natimortos, maior mortalidade neonatal e perinatal,<br />
malformações congênitas, sendo a fissura labial e palatina a<br />
mais prevalente, síndrome da morte súbita do bebê, e baixo<br />
desenvolvimento físico e intelectual. 15<br />
Há evidência de que o tabagismo materno pode reduzir o<br />
suprimento de leite materno pela diminuição dos níveis de<br />
prolactina, sendo que Liu 16 demonstrou uma maior frequência<br />
de desmame precoce.<br />
Particularidades do tabagismo entre as<br />
gestantes<br />
Segundo DiClemente 8 as mulheres grávidas tabagistas<br />
podem ser divididas em três grupos: aquelas que param de<br />
fumar porque planejaram engravidar (grávidas desistentes),<br />
mulheres que param de fumar imediatamente após saberem<br />
sobre a gravidez (desistentes espontâneas), e mulheres que<br />
fumam durante a gestação. As grávidas desistentes são mais<br />
conscientes de que o tabagismo representa risco para a saúde<br />
fetal e tendem a permanecer como não fumantes, se<br />
motivadas. As desistentes espontâneas conseguem<br />
permanecer sem fumar na gravidez numa taxa em torno de<br />
80%, porém 70% delas recaem num intervalo de até seis meses<br />
após o parto. As tabagistas gestantes frequentemente advêm<br />
de classe socioeconômica menor, tem mais problemas<br />
emocionais e psicológicos, mais problemas familiares, maior<br />
dependência à nicotina, em geral se alimentam de forma<br />
inadequada, podem ser dependentes de outras drogas e fazem<br />
o pré natal de forma irregular.<br />
Em estudo realizado com 1264 gestantes foi observada<br />
uma prevalência de 21,1% de depressão, sendo o tabagismo<br />
um dos fatores de risco mais importante (RR=1,53). 17<br />
Fang 18 descreve que as mulheres que retornam ao<br />
tabagismo no pós parto tendem a ser mais jovens, fumantes<br />
de maior número de cigarros e param de fumar no terceiro<br />
trimestre da gestação; e que as razões para a recaída são a<br />
vulnerabilidade para fumar, a interrupção prévia não por si<br />
mas pelo filho, nostalgia pessoal do passado, utilização<br />
do cigarro para controle de emoções e stress e preocupação<br />
com o peso. 19 As mulheres com duas ou mais gestações<br />
apresentam maior tendência de manter o tabagismo<br />
inalterado, ou até mesmo aumentado durante a gestação e<br />
o aleitamento. 20<br />
Tratamento<br />
A gestação representa uma situação especial e nova na<br />
vida da mulher. Assim, pode ser um bom momento para a<br />
promoção da cessação do tabagismo, uma vez que os<br />
benefícios extrapolam a saúde da mulher e abrangem também<br />
a saúde do feto.<br />
O conhecimento sobre os riscos do tabagismo é um fator<br />
importante para a sua interrupção definitiva. As campanhas<br />
educativas sobre o tabagismo muitas vezes enfocam<br />
principalmente os riscos para os homens. As mulheres<br />
frequentemente não associam o tabagismo aos problemas<br />
que podem ocorrer na gestação. O estudo de Bhanji com<br />
250 mulheres em idade reprodutiva mostrou que enquanto<br />
um terço delas relacionavam o tabagismo com doença<br />
pulmonar, apenas 7% o relacionavam com menor peso do<br />
recém nascido e menos de 1% com aborto, parto prematuro<br />
e natimorto. 21<br />
A gestação e o puerpério são momentos importantes para<br />
a cessação do tabagismo, pois as mulheres se encontram<br />
motivadas por vários motivos: preocupação com a saúde<br />
do bebê, presença de emese gravídica, desejo de amamentar<br />
e pressão familiar e social. A consulta pré natal pode ser a<br />
forma mais eficiente de esclarecimento sobre os riscos do<br />
tabagismo, e para a promoção da cessação do tabagismo.<br />
Soma-se ainda o fato de que as gestantes podem durante a<br />
consulta expor dúvidas, medos e angústias decorrentes da<br />
gestação, que eventualmente causam ansiedade e<br />
depressão.<br />
A intervenção comportamental no pré natal é uma boa<br />
ferramenta na diminuição da prevalência do tabagismo entre<br />
as gestantes. O atendimento individual propicia uma relação<br />
de confiança entre a gestante e o médico. Também os maridos<br />
devem ser orientados uma vez que o cônjuge fumante é<br />
fator preditivo de insucesso para a cessação do tabagismo.<br />
O INCA sugere que o aconselhamento à gestante<br />
tabagista deve sempre incluir a caracterização da história<br />
tabagística, a avaliação do grau de motivação, a escolha da<br />
data para parar de fumar, e assistência para a manutenção<br />
da abstinência a longo prazo.<br />
No aconselhamento devem ser incluídas perguntas sobre<br />
8 Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012
a decisão da paciente em parar de fumar, as expectativas<br />
em permanecer livre do cigarro, conhecer o suporte familiar<br />
da paciente, avaliar o conhecimento sobre o impacto<br />
positivo de abandonar o tabagismo, e o potencial para<br />
recaída, alertando para os eventos que podem<br />
desencadeá-lo. Também deve ser desmistificada a crença<br />
de que fumar melhora as sensações desagradáveis da<br />
gravidez. Além da orientação sobre o treinamento de<br />
habilidades para lidar com a vontade de fumar, deve ser<br />
estimulada a prática de exercícios físicos e formas de<br />
relaxamento.<br />
Lumley 22 e colaboradores avaliaram 65 estudos e<br />
concluíram que as intervenções cognitivo-comportamentais<br />
e a entrevista motivacional reduziram a prevalência de<br />
tabagismo na gestação, o baixo peso ao nascer e o número<br />
de partos prematuros. O uso de incentivos no pré natal<br />
auxiliaram 24% das mulheres a pararem de fumar na gestação.<br />
Existem vários estudos que apontam o incentivo<br />
financeiro como fator importante para a cessação do<br />
tabagismo no acompanhamento pré natal. 23<br />
São preditores de recaída durante a gravidez a pouca<br />
credibilidade sobre os malefícios do tabaco ao feto, a crença<br />
da baixa capacidade de se manter sem fumar, multiparidade,<br />
falta de suporte social, stress, período curto de cessação<br />
antes da primeira visita pré natal, baixa escolaridade e gravidez<br />
precoce. Em um estudo prospectivo com 106 mulheres que<br />
haviam parado de fumar durante a gestação foi observado<br />
que na sexta semana pós parto 24% já haviam retomado o<br />
tabagismo de forma regular e ao término do sexto mês a taxa<br />
de racaída era 40%. 24<br />
A prevenção e o tratamento da recaída pós parto devem<br />
ser intensamente trabalhados, para que não seja<br />
comprometida a cessação definitiva do tabagismo.<br />
Terapia farmacológica<br />
A terapia farmacológica auxiliar tem uso muito restrito<br />
para a gestante devido à possibilidade de toxicidade fetal,<br />
sendo que o emprego destas drogas tem uma relação custobenefício<br />
incerta.<br />
Nos casos em que a gestante não for capaz de interromper<br />
o tabagismo apenas com o auxílio de intervenções não<br />
farmacológicas, deve-se considerar o uso da terapia de<br />
reposição de nicotina. 25<br />
Na gravidez as formulações de liberação intermitente<br />
(goma de mascar, pastilhas) devem ser preferidas por<br />
disponibilizarem ao feto uma dose total diária de nicotina<br />
menor do que as apresentações de liberação lenta (adesivo).<br />
Wisborg avaliou 250 gestantes sendo que 124 receberam<br />
adesivos com 15mg de nicotina por oito semanas e 10mg por<br />
três semanas. A taxa de abstinência foi 14% um ano após o<br />
parto, e a conclusão é de que o uso de adesivo de nicotina<br />
não aumentou as taxas de abstinência de forma significativa<br />
em comparação ao placebo, porém o peso dos recém<br />
nascidos foi 186 gramas maior no grupo tratado com<br />
reposição de nicotina. 26<br />
Em estudo randomizado Coleman e colaboradores<br />
avaliaram o efeito do adesivo de nicotina de 15 mg por oito<br />
semanas em 1050 gestantes. O desfecho primário era a<br />
abstinência no momento do parto validado pela monoximetria<br />
ou cotinina salivar. O grupo que recebeu a reposição de<br />
nicotina apresentou taxa de abstinência de 9,4% enquanto<br />
que no grupo que recebeu placebo a taxa foi de 7,6% / RR1,26<br />
– IC95%:0,82-1,96. Os efeitos colaterais foram semelhantes<br />
nos dois grupos corroborando com a segurança do uso da<br />
reposição de nicotina neste grupo de pacientes. 27<br />
É recomendado o uso de repositores de nicotina de liberação<br />
rápida para mães que amamentam já que a quantidade de nicotina<br />
excretada no leite materno é bem pequena, trazendo um risco<br />
menor ao bebê, frente ao grande benefício da proteção contra<br />
as consequências do tabagismo passivo.<br />
A bupropiona e a vareniclina estão contraindicadas na<br />
gestação por não haver segurança estabelecida para<br />
gestante. A bupropiona está relacionada com uma maior<br />
incidência de abortos.<br />
Conclusão<br />
O tabagismo na gestação é um fator prevenível de<br />
complicações materno-fetais. A gestação é um ótimo momento<br />
para a interrupção do tabagismo, pois a gestante muitas<br />
vezes se encontra em fase adequada de motivação. A<br />
intervenção comportamental deve ser sempre a primeira<br />
opção. O tratamento farmacológico para cessação do<br />
tabagismo na gestante é restrito devido a possibilidade de<br />
toxicidade fetal.<br />
O acompanhamento após o parto é obrigatório para<br />
prevenir recaídas e manter a abstinência alcançada na gestação.<br />
Devem ser implantadas políticas públicas de tratamento<br />
do tabagismo nas gestantes uma vez que o custo benefício<br />
em relação à saúde materno-fetal é significativo.<br />
Para prevenir-se os efeitos do tabagismo na gestação toda<br />
mulher em idade fértil, que esteja ou não considerando a<br />
hipótese de engravidar, deve ser aconselhada pelo seu<br />
ginecologista a parar de fumar antes da concepção.<br />
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Kênia Schultz<br />
keniaschultz@click21.com.br<br />
10 Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012
TEV na gestante: Prevenção,<br />
Investigação e Tratamento<br />
AUTORAS: Eloara Vieira Machado Ferreira 1 ; Danielle Silva Almeida 2 ; Jaquelina Sonoe Ota Arakaki 3<br />
1Médica do Grupo de Circulação Pulmonar e Função Pulmonar e Fisiologia Clínica do Exercício da<br />
Unifesp/Escola Paulista de Medicina (EPM)<br />
2Residente do Programa de Pneumologia da Unifesp/EPM<br />
3Médica Assistente da Disciplina de Pneumologia e Coordenadora do Grupo de Circulação Pulmonar<br />
da Unifesp/EPM<br />
A gestação é um importante fator de risco para o<br />
surgimento de tromboembolismo venoso (TEV), sendo 4-5<br />
vezes mais frequente quando comparado a mulheres nãográvidas,<br />
mas com risco absoluto baixo, em torno de 2:1000<br />
gestações. 1 A embolia pulmonar (EP) ainda é uma das<br />
principais causas de mortalidade materna, principalmente<br />
devido à falta de diagnóstico e tratamento corretos, seja por<br />
receio em se utilizar métodos diagnósticos que envolvam<br />
radiação ou pelo uso de anticoagulantes. Estima-se que nos<br />
EUA e na Europa, o risco de morte secundário à EP esteja<br />
entre 1,1 a 1,5 óbitos a cada 100.000 partos nos Estados<br />
Unidos e Europa. 2 Em mulheres em idade reprodutiva, mais<br />
da metade dos eventos trombóticos estão relacionados à<br />
gestação. Esta predisposição é resultante da soma dos<br />
componentes da tríade de Virchow: I) estado de<br />
hipercoagulabilidade (procoagulantes > anticoagulantes), de<br />
forma a proteger a mulher de hemorragia durante o parto e<br />
puerpério, II) estase venosa, por dilatação e compressão<br />
dos vasos com diminuição do retorno venoso e (III) injúria<br />
endotelial, por lesão dos vasos durante a evolução do parto<br />
e/ou da cesárea (lesão cirúrgica). Apesar da fase pós-parto<br />
acarretar em maior risco de TEV (ao redor de 60%), este<br />
persiste por todo o período gestacional, incluindo os dois<br />
primeiros trimestres. 3 Desta forma, o aconselhamento e<br />
avaliação de risco para TEV devem ocorrer antes da gestação<br />
propriamente dita. Apesar do reconhecimento da morbimortalidade<br />
materna envolvida num evento de TEV, faltam<br />
estudos controlados, principalmente em relação a um<br />
algoritmo diagnóstico, a ser instituído durante a gestação e<br />
puerpério.<br />
I. Fatores de Risco<br />
Os fatores de risco maternos para TEV podem estar<br />
relacionados com aqueles da população geral, por ex.,<br />
obesidade e tabagismo, assim como relacionados à própria<br />
gestação (tabela 1). Num levantamento realizado no Reino<br />
Unido, mais de 75% dos óbitos maternos por EP foram<br />
identificados fatores de risco. 4 O principal deles é a história<br />
de TEV prévio, principalmente quando a etiologia não foi<br />
identificada ou quando relacionado à utilização de<br />
hormônios. 4,5 A cesárea é um fator de risco independente no<br />
pós-parto e quando utilizado a tromboprofilaxia regularmente,<br />
o risco de EP diminuiu em 50% (0,45 vs 0,22 para 1000<br />
partos). 3,6 A presença de trombofilias é encontrada na mesma<br />
proporção em mulheres gestantes e não gestantes com TEV,<br />
não sendo uma condição que deva ser pesquisada em<br />
mulheres assintomáticas quando da decisão em engravidar<br />
ou utilizar reprodução assistida para este fim. As trombofilias<br />
mais comuns são o fator V de Leiden e a mutação do gene da<br />
protrombina, sendo que o primeiro, por ex., apesar de alto<br />
Idade > 35 anos Anemia<br />
Obesidade (IMC > 35 kg/m2 Tabela 1: Fatores de risco para TEV durante a gestação e no puerpério:<br />
) Anemia falciforme<br />
Ganho de peso > 21 kg Lúpus eritematoso sistêmico<br />
Imobilidade Transfusão sanguínea<br />
Tabagismo Doenças cardíacas<br />
Trombofilia Parto cesárea<br />
História pessoal ou familiar de TEV Pré-eclâmpsia<br />
Fertilização in vitro Hemorragia pós-parto<br />
Paridade > 1 Infecção puerperal<br />
Gestação múltipla<br />
Adaptado da referência<br />
Retardo do crescimento fetal<br />
8 .<br />
Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012 11
Tabela 2: Estratégias sugeridas para profilaxia durante a gestação e no pós-parto em mulheres sem anticoagulação prolongada:<br />
Baixo risco:<br />
1.Qualquer trombofilia (exceto fator V Leiden<br />
e mutação da protrombina G20210A<br />
homozigotas) sem TEV prévio ou história<br />
familiar de TEV<br />
Risco intermediário:<br />
1.Episódio único de TEV provocado por fator<br />
de risco transitório, não relacionado à<br />
gestação ou uso de contraceptivo oral.2.<br />
Sem TEV anterior com trombofilia (exceto<br />
fator V Leiden e mutação da protrombina<br />
G20210A homozigotas) e história familiar<br />
positiva<br />
Risco alto:<br />
1.Fator V Leiden e mutação da protrombina<br />
G20210A homozigotas.2.Episódio único de<br />
TEV não provocado3. Episódio único de TEV<br />
provocado por uso contraceptivo oral ou<br />
relacionado à gestação ou pósparto.4.Episódio<br />
único de TEV associado à<br />
qualquer trombofilia.5.Vários eventos prévios<br />
de TEV sem uso de anticoagulação<br />
prolongada.<br />
Adaptado da referência 8 .<br />
risco relativo (aumenta em 8x) tem baixo risco absoluto para<br />
o surgimento de TEV na gestação (1,1%). 7 O risco absoluto<br />
de TEV aumentará nas gestantes portadoras de trombofilia<br />
quando tiverem história familiar positiva.<br />
Prevenção<br />
A ACCP publicou em 2012 novas orientações quanto à<br />
indicação ou não de tromboprofilaxia na gestação 8 ,<br />
entretanto, a maioria das recomendações foi baseada em<br />
estudos observacionais ou extrapolação de outras<br />
populações, demonstrando a necessidade de estudos<br />
controlados nesta população especial. Em linhas gerais, a<br />
prevenção com tromboprofilaxia deve ser instituída quando<br />
da presença de fatores de alto risco e/ou associados,<br />
devendo ser ponderado o risco-benefício para profilaxia no<br />
pós-parto ou durante a gestação (tabela 2). A escolha da<br />
droga deve ser baseada nos potenciais riscos de sangramento<br />
e anormalidades fetais assim como eficácia e adequação da<br />
posologia e via de aplicação para conforto da paciente, sendo<br />
as heparinas as droga de escolha por não atravessarem a<br />
placenta. As HBPM têm como vantagens menor risco de<br />
HIT assim como administração uma vez ao dia. Os<br />
antagonistas de vitamina K (AVK) atravessam a barreira<br />
placentária com risco de má-formação fetal no 1º trimestre e<br />
hemorragia fetal periparto no 3º trimestre. 9 Vide tabela 3 para<br />
Gestação<br />
Vigilância clínica<br />
Vigilância clínica<br />
Dose profilática ou<br />
intermediária de HBPM.<br />
Pós-parto<br />
Vigilância clínica<br />
1.Dose profilática ou intermediária<br />
de HBPM por 6 semanas. 2.Em<br />
mulheres sem deficiência da<br />
proteína C ou S, antagonistas da<br />
vitamina K podem ser usados de<br />
forma alternativa (para RNI 2,0-3,0).<br />
1.Dose profilática ou intermediária<br />
de HBPM por 6 semanas. 2.Em<br />
mulheres sem deficiência da<br />
proteína C ou S, antagonistas da<br />
vitamina K podem ser usados de<br />
forma alternativa (para RNI 2,0-3,0).<br />
doses de profilaxia e tratamento sugeridos para HBPM (via<br />
subcutânea) e heparina não-fracionada (HNF).<br />
Orientações da profilaxia farmacológica (baseada na<br />
ACCP 2012) 8 :<br />
1. HBPM ao invés de HNF;<br />
2. HBPM ao invés de AVK, em toda a gestação e parto;<br />
3. AVK poderão ser utilizados na profilaxia estendida após<br />
o parto;<br />
4. Utilização limitada do fondaparinux e inibidores diretos<br />
da trombina parenteral naquelas com alergia importante à<br />
heparina e que não possam receber danaparoides;<br />
5. Evitar o uso de inibidores orais diretos da trombina<br />
(dabigratan) e do fator anti Xa (rivaroxaban, apixaban).<br />
Principais indicações de profilaxia de TEV na gestação<br />
e puerpério (baseada na ACCP 2012) 8 :<br />
1. Em pacientes submetidas à cesárea sem outros fatores<br />
de risco, a profilaxia não está indicada, entretanto, naquelas<br />
com risco aumentado deve-se manter a profilaxia<br />
farmacológica (ou mecânica se contraindicação) após o parto,<br />
enquanto hospitalizada;<br />
2. Para pacientes com alto risco e que persistem após o<br />
parto, sugere-se manter a profilaxia estendida pós-alta por<br />
no mínimo 6 semanas após o parto;<br />
12 Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012
3. Nas gestantes com TEV prévio, estender a profilaxia<br />
por 6 semanas após o parto (HBPM ou AVK para RNI entre<br />
2,0-3,0). Se o risco de recorrência for baixo, manter a vigilância<br />
clínica e não instituir profilaxia farmacológica durante a<br />
gestação. Se risco moderado a alto, manter a profilaxia<br />
farmacológica durante toda a gestação com HBPM.<br />
4. Em relação às trombofilias, gestantes homozigotas para<br />
o fator V de Leiden ou da mutação do gene da protrombina<br />
sem antecedente de TEV mas com história familiar positiva<br />
para TEV, profilaxia farmacológica durante toda a gestação<br />
(com HBPM) e estendida por mais 6 semanas após o parto<br />
(HBPM ou AVK para RNI entre 2,0-3,0). Para outras<br />
trombofilias, vigilância clínica durante a gestação e profilaxia<br />
farmacológica estendida após o parto.<br />
5. Naquelas homozigotas para o fator V de Leiden ou da<br />
mutação do gene da protrombina sem antecedente de TEV e<br />
sem história familiar para TEV, vigilância clínica durante a<br />
gestação e profilaxia farmacológica estendida por 6 semanas<br />
após o parto. Para outras trombofilias, somente vigilância<br />
clínica.<br />
6. Em pacientes submetidas à reprodução assistida, não<br />
se recomenda o uso de tromboprofilaxia, entretanto, se<br />
desenvolverem a síndrome de hiperestimulação ovariana,<br />
manter por 3 meses após o resolução da síndrome;<br />
7. Pacientes com síndrome do anticorpo antifosfolípide<br />
(confirmação laboratorial e história clínica de 3 ou mais<br />
abortos) recomenda-se profilaxia durante a gestação com<br />
HNF ou HBPM combinada com baixa dose de aspirina (75-<br />
100 mg/dia).<br />
8. Pacientes com prótese cardíaca valvar mecânica, manter<br />
anticoagulação com duas doses diárias de HBPM ou HNF<br />
(ajustada pelo fator antiXa ou TTPa respectivamente) ou<br />
após a 13ª semana, trocar por antagonista da vitamina K até<br />
próximo do parto. Nestes casos, o tratamento deve ser<br />
individualizado de acordo com a vontade da paciente,<br />
pesando-se os riscos entre a trombose da valva ou<br />
anormalidades fetais.<br />
Investigação<br />
Devido ao risco aumentado de TEV durante toda a<br />
gestação e puerpério, um diagnóstico acurado é<br />
imprescindível para diminuir a morbimortalidade materna e<br />
para o planejamento da anticoagulação (para que não seja<br />
instituída de forma inadequada), do parto e da profilaxia em<br />
futuras gestações, assim como para o uso de contraceptivos.<br />
A. História médica e métodos laboratoriais:<br />
A suspeita clínica nem sempre é fácil, uma vez que os<br />
sintomas sugestivos de TEV podem estar presentes durante<br />
uma gestação normal: dispneia, taquicardia, dor torácica e<br />
edema de membros inferiores (MMII). Hipoxemia e colapso<br />
circulatório são menos frequentes. 10 Os escores preditivos,<br />
como o Escore de Wells, não foram validados na gestação,<br />
desta forma, o algoritmo utilizado para não-gestantes,<br />
acessando inicialmente a probabilidade pré-clínica para<br />
determinação do melhor método diagnóstico a ser iniciado,<br />
inexiste.<br />
A utilização do D-Dímero (DD) (produto da degradação<br />
da fibrina) é controversa durante a gestação. Na população<br />
geral é comumente dosado quando da probabilidade clínica<br />
baixa e intermediária, entretanto, durante a gestação seus<br />
níveis aumentam progressivamente (aumento relativo de 39%<br />
para cada trimestre quando comparado à pré-concepção) 11 ,<br />
não sendo possível a utilização dos mesmos níveis de corte<br />
da população geral. 12 No puerpério seus níveis diminuem,<br />
mas não se normalizam até o 1 o mês. Além disto, há relatos de<br />
casos de falsos-negativos durante a gestação, não sendo<br />
um método seguro para a exclusão de TEV em gestantes. 13<br />
Em virtude do exposto, não há um consenso sobre a utilização<br />
do DD na gestação. 14-17<br />
A gasometria arterial não é um exame com boa sensibilidade<br />
nem especificidade e alcalose respiratória pode ser<br />
encontrada em gestação sem complicações. 18<br />
B. Métodos de imagem:<br />
Apesar de se evitar exames invasivos, desconfortáveis e<br />
que necessitem de radiação durante a gravidez, as possíveis<br />
complicações desses exames são menos deletérias tanto para<br />
a mãe quanto para o feto que o não diagnóstico de TEV.<br />
1.Avaliação de Trombose Venosa Profunda (TVP):<br />
Ultra-som doppler (USG):<br />
A maioria das TVP ocorrem nos MMII e pelve, sendo que<br />
a localização é diferente quando comparado gestantes e não<br />
gestantes. Nas gestantes, 82% dos trombos são na perna<br />
esquerda sendo que 71% são proximais (femoral ou ilíaca),<br />
com risco aumentado de embolização nesta topografia. 19,20.<br />
Numa revisão sistemática recente foi demonstrado que 64%<br />
das TVP ocorrem nas veias ilíaca-femorais e 17% nas ilíacas<br />
isoladamente. 20<br />
Não há escores validados, mas num estudo onde foi<br />
solicitado avaliação empírica dos médicos sobre a suspeita<br />
ou não de TVP, quando houve a suspeita clínica, a<br />
positividade para TVP foi maior, tendo sido sugerido a<br />
utilização de três regras: (1) sintomas na perna esquerda, (2)<br />
diferença da circunferência das panturrilhas > 2 cm e (3)<br />
apresentação no 1 o trimestre da gestação. 21. Apesar de não<br />
ter sido diagnosticado TVP naquelas sem nenhum dos 3<br />
sintomas e aumento da chance com a presença de um (16,4%)<br />
ou dois e três dos sintomas (58,3%), este “escore” ainda<br />
precisa de validação.<br />
O método de escolha para detecção de TVP é a USG de<br />
MMII, mas que deve ser adaptado para gestantes, ou seja,<br />
avaliação de veias proximais deve ser sempre incluída devido<br />
à maioria das TVP acontecer neste sítio. É um exame rápido,<br />
não invasivo, com sensibilidade e especificidade de 95 e<br />
96%, respectivamente, para casos de trombo em veias<br />
proximais. 22 Se a suspeita clínica for alta e a USG for negativa,<br />
repetir o exame no 3 o e 7 o dias, ou prosseguir com outros<br />
métodos de imagem. Num estudo com 149 gestantes para<br />
Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012 13
Peso<br />
Enoxaparina Dalteparina Tinzaparina (75 U/Kg/dia) Heparina não fracionada<br />
< 50 Kg<br />
20 mg/dia 2500 U/dia 3500 U/dia<br />
50 – 90 Kg<br />
40 mg/dia 5000 U/dia 4500 U/dia<br />
91 – 130 Kg<br />
60 mg/dia* 7500 U/dia* 7000 U/dia*<br />
130 – 170 Kg<br />
80 mg/dia* 10000 U/dia* 9000 U/dia*<br />
> 170 Kg<br />
0,6 mg/Kg/dia* 75 U/Kg/dia* 75 U/Kg/dia*<br />
Dose profilática alta<br />
(intermediária) 50-90 Kg<br />
40 mg 12/12h 5000 U 12/12h 4500 U 12/12h<br />
Dose ajustada<br />
5000-10.000 UI 12/12h<br />
ajustado para TTPa 2-3x<br />
basal<br />
Tratamento<br />
1 mg/Kg 12/12h 100 U/Kg 12/12h 175 U/Kg/dia<br />
80 UI/kg em bolus<br />
ou1,5 mg/Kg/dia ou 200 U/Kg/dia<br />
endovenoso seguido de<br />
18UI/kg/h para TTPa 2-3x<br />
o basal<br />
* pode ser dividido em duas doses. Adaptado da referência 8,15 Tabela 3: Regimes para profilaxia e tratamento sugeridos para heparina de baixo peso molecular (via subcutânea) e heparina<br />
não-fracionada:<br />
.<br />
avaliação da positividade do USG proximal no diagnóstico<br />
de TVP, foi demonstrado que o risco de falso-negativo em 3<br />
meses deste tipo de avaliação (na suspeita clínica e seriado<br />
se negativo nos dias 3 e 7, sem introdução de anticoagulação)<br />
foi de 0,7%. 23<br />
Na suspeita de EP associada, se a USG for positiva para<br />
TVP, não há necessidade da realização de outros métodos<br />
de imagem, visto que o tratamento (anticoagulação) será o<br />
mesmo. 16<br />
Outros métodos de imagem:<br />
A ressonância magnética venosa (venoRNM) pode ser<br />
usada em casos que não foi possível chegar ao diagnóstico<br />
através da USG, sem a necessidade da utilização de contraste,<br />
principalmente para avaliação de veias proximais. Tem boa<br />
sensibilidade (87-100%) e especificidade (95-100%) para<br />
detectar obstrução na veia cava, região pélvica e MMII<br />
(menor para região abaixo do que acima dos joelhos). Sua<br />
segurança na gestação ainda não foi comprovada, mas<br />
apesar de não haver evidências de efeitos adversos,<br />
recomenda-se evitar no 1 o trimestre. 15<br />
A venografia é o método considerado padrão áureo,<br />
entretanto, devido à radiação, será utilizado somente se alta<br />
suspeita de TVP sem confirmação por outros exames. Lembrar<br />
que é um método invasivo, incômodo e em alguns estudos,<br />
mesmo com radiologistas experientes, tem chance da técnica<br />
ser inadequada ao diagnóstico em quase 20% dos casos. 24<br />
Recomendações para o diagnóstico de TVP em gestantes<br />
(baseado na ACCP 2012) 24 :<br />
1. Na suspeita de TVP distal, avaliação inicial sempre com<br />
a USG proximal em relação aos outros métodos.<br />
2. Na suspeita de TVP com USG proximal inicial negativo,<br />
reavaliar com USG no 3 o e 7 o dias ou a dosagem de DD de alta<br />
sensibilidade na apresentação sem outros exames. Se USG<br />
negativo e DD negativo ou USG seriada negativa, não realizar<br />
outros exames. Todavia, se o DD for positivo, uma avaliação<br />
adicional com repetição de USG proximal deve ser realizada<br />
predominantemente em relação à venografia ou USG perna<br />
inteira.<br />
3. Se sugestivo de TVP isolada de ilíaca e sem evidência<br />
de TVP na USG proximal, outros testes deverão ser<br />
realizados, como USG Doppler de veia ilíaca, venografia ou<br />
venoRNM do que USG seriada.<br />
2. Avaliação de Embolia Pulmonar (EP):<br />
Ao se decidir sobre qual o melhor método a ser utilizado<br />
na gestação para o diagnóstico da EP, deve-se levar em<br />
consideração os riscos-benefícios em relação à exposição à<br />
radiação ionizante materna e fetal (tabela 4), o contraste a<br />
ser utilizado (tabela 5) e na probabilidade de se fazer o<br />
diagnóstico com o método escolhido, evitando exposições<br />
subsequentes. 16,25 É considerado uma exposição menor do<br />
que 50mGy como segura. 25 O risco potencial<br />
(matematicamente calculado e não por seguimento a longo<br />
prazo) seria de carcinogênese materna para câncer de mama<br />
e de pulmão e para o feto, de leucemia. 16 Em relação ao uso<br />
de substâncias endovenosas (contraste iodado ou<br />
gadolíneo), ambas atravessam a placenta e entram na<br />
circulação fetal e líquido amniótico (tabela 5). 25 Por fim, ainda<br />
não há respostas em relação ao qual o método de escolha a<br />
ser utilizado, com acurácia semelhante entre a<br />
angiotomografia de tórax (angioTC) e a cintilografia<br />
pulmonar. Um algoritmo diagnóstico (figura 1) foi proposto<br />
como sugestão, devendo ser individualizado e adaptado<br />
conforme a situação e compreensão materna dos riscosbenefícios<br />
de cada método a ser empregado.<br />
Radiograma de tórax (Rx tórax):<br />
É um exames inespecífico, com baixa dose de radiação<br />
materno-fetal (tabela 4), que poderia contribuir para a<br />
14 Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012
Tabela 4: Doses de radiação materna e fetal associada aos testes diagnósticos para embolia pulmonar.<br />
Teste diagnóstico<br />
Dose total permitida<br />
Rx tórax (2 incidências)<br />
Cintilografia V/Q<br />
Angio TC tórax<br />
Angiografia digital<br />
Tabela 5: Considerações e recomendações para o uso de contraste iodado e baseado com gadolíneo<br />
durante a gestação e lactação.<br />
Contraste iodado<br />
Contraste com gadolíneo<br />
Considerações<br />
Gestação<br />
1. Dados em relação à dose 1. Poucos estudos avaliaram<br />
fetal são escarsos.<br />
a exposição fetal.<br />
2. Sem relatos de má<br />
2. Não há estudos de longo<br />
formações ou efeitos<br />
prazo para avaliação de riscos<br />
colaterais em recémnascidos.<br />
em humanos.<br />
3. Pode induzir hipotireodismo 3. O gadolíneo livre pode ser<br />
neonatal.<br />
potencialmente neurotóxico.<br />
Recomendações<br />
Considerações<br />
Dose fetal (mGy)<br />
< 50<br />
0,0005-0,01<br />
0,32-0,74<br />
0,01-0,66<br />
0,5<br />
1. Triagem neonatal para<br />
hipotireodismo na 1ª sem de<br />
vida.<br />
2. A indicação da utilização do<br />
contraste deve ser<br />
imprescindível para o<br />
diagnóstico.<br />
3. O consentimento informado<br />
sobre os riscos e benefícios<br />
deve ser obtido.<br />
Lactação<br />
1. A dose absorvida pelo<br />
lactente através do leite<br />
materno é 0,5% da dose<br />
materna.<br />
2. A amamentação após o<br />
contraste é segura.<br />
Recomendações 1. Mães “preocupadas” podem<br />
ser instruídas a desprezar o<br />
leite por 24h após o contraste.<br />
Adaptado da referência 25 .<br />
exclusão de diagnósticos alternativos, como pneumotórax.<br />
Entretanto, sua maior importância é em relação ao próximo<br />
método diagnóstico a ser escolhido para a investigação, ou<br />
seja, se normal, aumenta a chance de diagnóstico por<br />
cintilografia e, se alterado, pela angioTC. 16,26<br />
Dose de radiação (mGy)<br />
< 0,1<br />
0,1-10<br />
0,1-10<br />
0,1-10<br />
Dose materna (dose total efetiva<br />
para o corpo todo em mSv)<br />
1. É consenso de que o<br />
gadolíneo não deve ser usado<br />
na gestação a menos que os<br />
benefícios ultrapassem os<br />
riscos.<br />
1. Aproximadamente 0,01% é<br />
excretado pelo leite materno.<br />
2. A amamentação após o<br />
contraste é segura.<br />
0,1<br />
1-2,5<br />
4-18<br />
7-28<br />
Abreviaturas: Rx: radiograma; V/Q: ventilação e perfusão; TC: tomografia computadorizada. Adaptado da referência 16,25 .<br />
1. Mães “preocupadas” podem<br />
ser instruídas a desprezar o<br />
leite por 24h após o contraste.<br />
Cintilografia de ventilação-perfusão (V/Q)<br />
É um método diagnóstico que utiliza radioisótopos<br />
endovenoso e inalatório. Apesar da utilização da perfusão e<br />
da ventilação aumentarem a probabilidade de diagnóstico,<br />
um Rx tórax normal prescinde a fase de ventilação, diminuindo<br />
Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012 15
Fig. 1: Algoritmo diagnóstico para suspeita de embolia pulmonar na gestação.<br />
Vide texto para maiores explicações. Abreviaturas: MMII: membros inferiores; USG: ultra-som doppler; Rx tórax: radiograma de tórax;<br />
angio TC: angiotomografia computadorizada de tórax; V/Q: cintilografia de ventilação-perfusão. Adaptado das referências 8 e 16 .<br />
à exposição materno-fetal com resultados normal ou de alta<br />
probabilidade em 94-96% dos casos com valor preditivo<br />
negativo de 100%. 16,26 A radiação materna, especialmente<br />
nos seios, é 40 vezes menor quando comparado à angioTC.<br />
A exposição fetal está dentro do aceitável (< 50mGy) (tabela<br />
4). Dose usuais de radioisótopos não expõem o feto a doses<br />
altas, entretanto, quando utilizado durante a amamentação,<br />
o leite deve ser desprezado nas próximas 12h. 16,17,25<br />
Angiotomografia computadorizada de tórax (angioTC)<br />
A angioTC tem boa sensibilidade e especificidade (83 e<br />
95%, respectivamente), mas com exposição materna e dos<br />
seios um pouco maior do que a cintilografia, mas com uma<br />
menor dose fetal. Para minimizar à exposição materno-fetal<br />
pode-se utilizar protocolos de baixa dosagem sem que isto<br />
prejudique a qualidade da imagem (tabela 4). 16,25 A vantagem<br />
da angioTC é a possibilidade de diagnósticos alternativos,<br />
como pneumonia e edema pulmonar e a menor chance de<br />
não-diagnóstico em relação à cintilografia. 16 Há estudos que<br />
comprovam que a cintilografia tem maior acurácia que a<br />
angioTC, com a ressalva de que os estudos foram<br />
retrospectivos e sem a técnica multi-detectora (MDTC). Um<br />
estudo retrospectivo utilizando esta técnica 27 (MDTC com 4<br />
canais) em 343 gestantes detectou TEV em 2,9% dos casos<br />
(9 pacientes), sendo que entre os resultados negativos, a<br />
técnica mostrou-se adequada (boa imagem obtida) em 79,1%<br />
e inadequada em 20% (a maioria no nível subsegmentar). No<br />
acompanhamento de 3 meses ou 6 semanas de pós-parto<br />
após a exclusão do diagnóstico de EP, nenhuma paciente<br />
apresentou eventos sintomáticos de TEV, demonstrando ser<br />
uma técnica segura para excluir EP em gestantes.<br />
Angioressonância magnética de tórax (angioRNM):<br />
Não há estudo de acurácia ou manejo de EP em gestantes<br />
utilizando a angioRNM. Na população geral, a técnica foi<br />
considerada inadequada para avaliação em 25% dos casos.<br />
Durante a gestação, o uso de contraste com gadolíneo tem<br />
contra-indicação relativa (tabela 5), visto que não se sabe<br />
ao certo os riscos impostos ao feto a longo prazo, uma vez<br />
que tem maior tempo de recirculação, além do risco em animais<br />
de teratogenicidade e neurotoxicidade. A utilização da<br />
angioRNM durante a gestação só deve ser feita em casos<br />
excepcionais. 16,25<br />
Tratamento para TEV<br />
O tratamento a ser instituído tanto para TVP quanto para<br />
EP será o mesmo assim como seguirá recomendação<br />
semelhante para pacientes não-gestantes. A ACCP 2012<br />
16 Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012
ecomenda o uso de HBPM em relação aos outros<br />
anticoagulantes uma vez que foi demonstrada eficácia e<br />
segurança nesta população. 28 Além disso, é uma classe com<br />
melhor biodisponibilidade, maior meia-vida, dose-resposta<br />
mais previsível e maior segurança materna em relação à<br />
osteoporose e à trombocitopenia. 8 Também é mais<br />
conveniente para ser utilizada em relação às HNF devido à<br />
possibilidade de ser aplicada uma vez ao dia e sem<br />
necessidade de monitoramento. A dose deverá ser ajustada<br />
para o peso, podendo ser aplicada uma ou duas vezes ao<br />
dia. 8,15,17 Ainda é controverso se após um período inicial de<br />
anticoagulação plena, se a dose poderia ser reduzida para<br />
uma dose intermediária ou 75% da dose plena. A manutenção<br />
do tratamento deverá ser por no mínimo 3 meses. 8<br />
A HNF ficará reservada para pacientes instáveis com TEP<br />
maciço, para pacientes em trabalho de parto ou aquelas com<br />
alto risco de sangramento (seu efeito poderá ser revertido<br />
com o uso de protramina e plasma fresco congelado), alergia<br />
à heparina ou insuficiência renal importante. A dose sugerida<br />
para HNF é de 80 UI/kg como dose de ataque e infusão<br />
continua de 18 UI/Kg/h com monitorização do TTPa, para<br />
manutenção de 2-3x o valor basal. 15 A trombólise só será<br />
considerada se houver risco de morte materna. 8<br />
Na proximidade do parto, o tratamento deverá ser utilizado<br />
de acordo com a decisão da equipe multidisciplinar (obstetra,<br />
hematologista, pnemologista e anestesiologista). Idealmente,<br />
o parto deverá ser programado, seja por indução ou por cesárea<br />
eletiva, mas não há contra-indicação se a opção for de parto<br />
espontâneo. 8,15,17 Para se evitar risco de sangramentos<br />
indesejados em partos planejados, no regime de duas vezes ao<br />
dia de HBPM ou HNF, a dose deverá ser suspensa 24h antes,<br />
se estiver recebendo uma dose de HBPM, a paciente receberá<br />
50% da dose no dia anterior ao parto. Naquelas pacientes que<br />
desejarem parto espontâneo, o bloqueio neuroaxial estará<br />
contra-indicado. Naquelas com alto risco de TEV ou de<br />
sangramento, o parto deverá ser planejado e sugere-se trocar a<br />
HBPM por HNF endovenosa, sendo suspensa 4-6h antes do<br />
parto ou do bloqueio epidural. A anticoagulação deverá ser<br />
reintroduzida após o parto, sendo 6-12 horas após parto vaginal<br />
e 12-24h se cesárea, se não houver sangramentos. 8,15,17<br />
1. Complicações maternas da terapia anticoagulante: 8<br />
As possíveis complicações maternas com a terapia<br />
anticoagulante na gestação são as mesmas vistas em<br />
pacientes não-gestantes.<br />
Heparina não-fracionada (HNF): Durante a gestação, a<br />
resposta do TTPA é amenizada devido ao aumento de fatores<br />
que se ligam à heparina, do fator VIII e do fibrinogênio. A<br />
taxa de sangramento pré-parto em gestantes atinge 1%<br />
(semelhante em não gestantes). Quando feito por via<br />
subcutânea, pode haver um efeito anticoagulante<br />
prolongado, devendo seu uso ser mais cauteloso antes do<br />
parto. A HIT não é incomum (em não-gestantes o risco é de<br />
3%). O uso prolongado (> 1 mês) parece ter relação com o<br />
aparecimento de osteoporose. Reações cutâneas adversas<br />
como hematomas, lesões urticariformes, vasculites e necrose<br />
de pele também podem acontecer.<br />
Heparina de baixo peso molecular (HBPM): A frequência<br />
de sangramento significante em gestante atinge 1,98%<br />
durante toda a gestação. A incidência de osteoporose e lesões<br />
cutâneas também é menor quando comparada a da HNF.<br />
2.Complicações fetais da terapia de anticoagulação: 8<br />
Antagonistas da vitamina K (AVK): são capazes de<br />
ultrapassar a placenta e podem acarretar em perda fetal,<br />
hemorragia e teratogenicidade, especialmente quando usados<br />
no primeiro trimestre da gestação.<br />
Heparinas: Tanto a HNF quanto e HBPM não atravessam<br />
a placenta e não têm o potencial de gerar sangramento ou<br />
teratogenicidade no feto, apesar de facilitar o sangramento<br />
na junção útero-placentária.<br />
Outros anticoagulantes: em relação aos pentas-sacarídeos,<br />
inibidores parenterais diretos da trombina, novos inibidores<br />
orais diretos da trombina e do fator anti Xa ainda não há<br />
evidências suficientes dos riscos fetais, devendo ser evitados<br />
na gestação. Há alguns casos reportados com o fondaparinux,<br />
mas utilizado no final da gestação, entretanto, a droga atravessa<br />
a placenta, não sendo possível afastar riscos para o feto.<br />
Conclusão<br />
O TEV é uma das principais causas de morbi-mortalidade,<br />
mas muitas vezes subdiagnosticado, principalmente durante<br />
a gestação. Não há contra-indicação (avaliando sempre o<br />
período gestacional) para o uso de métodos diagnósticos<br />
que usem radiação ou contraste ou a utilização de<br />
anticoagulantes, devendo sempre pesar os riscos-benefícios<br />
de forma minimizar riscos potenciais para o feto e a mãe. É<br />
de extrema importância que todas as condutas em relação à<br />
prevenção, diagnóstico e tratamento do TEV sejam<br />
esclarecidos e compartilhados com a mãe, de forma a se<br />
optar pela melhor decisão.<br />
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Eloara Vieira Machado Ferreira<br />
eloaravmf@yahoo.com.br<br />
18 Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012
Infecções respiratórias durante<br />
a gestação<br />
AUTORES: Flávio Arbex 1 , Mauro Gomes 2<br />
1Pós-graduando da Programa de Pós-Graduação em Pneumologia( da Unifesp/Escola Paulista de<br />
Medicina (EPM)<br />
2Professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e medico do Ambulatório<br />
de DPOC da Disciplina de Pneumologia( da Unifesp/EPM<br />
Introdução<br />
A pneumonia é uma das principais causas de internação<br />
hospitalar no Brasil, com cerca de dois milhões de casos e<br />
um milhão de internações ao ano segundo o DATASUS. 1<br />
Apesar dos avanços na terapêutica antimicrobiana e em<br />
terapia intensiva, a pneumonia que ocorre durante a gestação<br />
ainda associa-se com significante morbidade e mortalidade<br />
maternofetal. 2 Na gestante, a pneumonia é a terceira causa<br />
mais frequente de morte por fatores não obstétricos e é a<br />
causa mais importante de infecção não obstétrica. 3,4 Estudos<br />
recentes mostram que a pneumonia em gestantes não é mais<br />
comum ou mais grave em relação à população geral, todavia,<br />
por afetar mãe e filho, pode levar a um aumento na<br />
probabilidade de partos e puerpérios complicados quando<br />
comparamos com grávidas nas quais a infecção não está<br />
presente. 4 Além disso, a pneumonia durante a gestação<br />
aumenta a probabilidade de parto prematuro, necessidade<br />
de tocólise, de baixo peso ao nascer e de mortalidade fetal. 2<br />
Antes de 1965, a incidência de pneumonia em grávidas<br />
era de 6,5-8,5/1000 partos, taxa esta que declinou para 0,44-<br />
0,78/1000 partos entre o final da década de 1970 e o início de<br />
1980. 5 Estudos recentes mostraram um novo aumento na<br />
incidência devido à possibilidade de mulheres com moléstias<br />
crônicas como, por exemplo,a AIDS, estarem aptas a<br />
engravidar, além do aumento do uso de drogas ilícitas durante<br />
a gravidez. 4 (Tabela 1)<br />
Tabela 1: Incidência de pneumonia em gestantes em várias séries<br />
Estudo<br />
Ano de publicação<br />
Cenário<br />
Benedetti et al<br />
1982 89.219 partos em um hospital universitário<br />
Madinger et al<br />
1989 32.179 em hospital comunitário<br />
Berkowitz e LaSalsa 1990 1120 registros de casos em hospital geral<br />
Munn et al<br />
1999 Estudo comparativo para identificar fatores<br />
de risco associados a Pneumonia na<br />
Gestação (59 casos VS 118 controles)<br />
Jin et al<br />
2003 Incidência de pneumonia na província de<br />
Alberta, Canadá<br />
Fonte: adaptado de Brito V, 2011 (4)<br />
Fisiologia<br />
A gravidez produz no organismo materno uma série de<br />
alterações mecânicas, fisiológicas e bioquímicas em diversos<br />
órgãos e sistemas, incluindo o respiratório.Essas alterações<br />
apresentam-se desde o início da gravidez, persistem até o<br />
puerpérioe devem ser conhecidaspara uma melhor avaliação das<br />
queixas cardiorrespiratórias e/ou doenças pulmonares na gestante.<br />
No início da gravidez há alterações nas vias aéreas<br />
superiores em consequência da elevação dos níveis de<br />
estrogênio, tais como edema, hiperemia, congestão,<br />
fragilidade capilarde mucosa e hipersecreção nasal,<br />
caracterizando uma rinite hormônio-dependente. Essas<br />
modificações afetam 30% das mulheres grávidas,<br />
independente de história prévia de atopia ou do relato em<br />
gestações anteriores, persistem durante todo o período<br />
gestacional e atingem o pico no terceiro trimestre.Obstrução<br />
nasal, espirros, epistaxe, mudança na tonalidade da voz e<br />
respiração bucal são queixas frequentes. Adicionalmente<br />
pode ocorrer diminuição do diâmetro da faringe segundo os<br />
critérios de Mallapanti. Usualmente esse quadro é refratário<br />
ao tratamento e desaparece 48h após o parto. 6,7<br />
Na gestação também ocorrem modificações na<br />
conformação torácicae abdominalda gestante, com<br />
consequente modificação na mecânica respiratória e<br />
diminuição da expansibilidade pulmonar, o que altera os<br />
volumes e capacidades pulmonares. 6,7,8,9<br />
Resultados<br />
0,4 por 1000<br />
0,78 por 1000<br />
2,72 por 1000<br />
0,78 – 2,7 por 1000<br />
1,47 por 1000<br />
Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012 19
Tabela 2: Efeitos da gravidez na fisiologia respiratória<br />
Vias aéreas<br />
Tórax<br />
Abdômen<br />
Sistema Cardiovascular<br />
Fonte: Adaptado de Hanania, 2006 (10)<br />
Anatômicas<br />
Edema, fragilidade de mucosa, Rinite.<br />
Aumento do diâmetro e ângulo subcostal,<br />
elevação do diafragma.<br />
Uterino<br />
Complacência<br />
Aumento da massa do VE<br />
Volume sanguíneo<br />
Concomitantemente, a progesterona estimula o centro<br />
respiratório levando a hiperventilação e aumento do volume<br />
corrente (VC) e do volume-minuto (VM), sem alterações na<br />
frequência respiratória (f). Isso resulta em alcalose respiratória<br />
moderada, compensada pelo aumento da excreção renal de<br />
bicarbonato e queda dos valores séricos para cerca de 20<br />
mEq/L. O consumo de oxigênio aumenta 20-30% devido às<br />
maiores necessidades metabólicas.Como a alcalose altera a<br />
curva de dissociação da hemoglobina, a grávida com<br />
doenças pulmonares hipoxêmicas tem uma liberação de<br />
oxigênio diminuída nos tecidos. 6,8,9<br />
Essas alterações podem explicar o número de queixas<br />
subjetivas de dispneia durante a gestação. A dispneia tem<br />
sido relatada em cerca de 60%-70% das gestantes saudáveis,<br />
sendo mais intensa no terceiro trimestre, 9 o que dificulta ou<br />
retarda o diagnóstico de doenças cardiorrespiratórias<br />
subjacentes. (Tabela 2)<br />
Imunologia<br />
O maior fator predisponente para pneumonias graves em<br />
gestantes é o fator imunológico. A despeito de a imunidade<br />
humoral permanecer inalterada, há uma alteração na<br />
imunidade celular para permitir a sobrevivência do feto. Há<br />
decréscimo na resposta proliferativa dos linfócitos, na<br />
atividade das células natural killer e no número de células<br />
T4 helper. Há um bloqueio na secreção de citocinas e na<br />
resposta linfoproliferativa aos antígenos. Além disso, os<br />
linfócitos fetais podem inibir a resposta imunitária materna<br />
por supressão das células T e substâncias produzida pelo<br />
trofoblasto bloqueiam o reconhecimento materno dos<br />
antígenos fetais de histocompatibilidade maior (MHC). Essas<br />
alterações, mais intensas no segundo e terceiro trimestre<br />
podem, em tese explicam a suscetibilidade aumentada da<br />
gestante a pneumonias graves, pneumonias virais, fúngicas<br />
e à tuberculose. 3,4,10 (Tabela 3)<br />
A gestação também predispõe para a possibilidade de<br />
pneumonia por aspiração. Mendelson originariamente<br />
descreveu a síndrome avaliando a refluxo e a aspiração de<br />
material gástrico no trabalho de parto. A síndrome de<br />
Mendelson já foi causa de 2% de todas as mortes maternas.<br />
Funcionais<br />
Aumento do drive respiratório e hiperventilação<br />
VR<br />
CRF<br />
CV preservada<br />
Alcalose Respiratória<br />
Oxigenação normal<br />
Aumento do Debito Cardíaco<br />
Tabela 3: Alterações na gravidez que levam aumento da<br />
incidência e risco de complicações por pneumonia<br />
Alterações Imunológicas<br />
Proliferação de linfócitos<br />
Citotoxidade mediada por células<br />
Células T helper<br />
Resposta linfocítica<br />
Alterações Maternas<br />
Consumo de Oxigênio<br />
Elevação diafragma<br />
Aumento no risco de aspiração<br />
Hábitos e Doenças Associadas<br />
Tabagismo<br />
Anemia<br />
Asma<br />
Fibrose Cística<br />
Drogas ilícitas<br />
HIV<br />
Infecção Viral por Influenza<br />
Terapia e doenças imunossupressoras<br />
Durante o trabalho de parto<br />
Aumento do risco de pneumonia aspirativa<br />
Adaptado de Brito, 2011 (4)<br />
A grávida está predisposta a aspiração do material gástrico<br />
por meio de dois mecanismos: (1) elevação da pressão<br />
intragástrica devido ao aumento uterino; (2) relaxamento do<br />
esfíncter esofagiano consequente ao aumento da<br />
concentração sanguínea de progesterona e do esvaziamento<br />
gástrico lento que acompanha a gravidez. 4<br />
Pneumonia bacteriana<br />
Os fatores que aumentam o risco de pneumonias em<br />
grávidas incluem asma brônquica, uso de corticóides,<br />
anemia, necessidade de tocólise 1,4 - Tabela 3. Os patógenos<br />
mais comumente envolvidos costumam ser os mesmos da<br />
pneumonia comunitária em não gestantes:<br />
Streptococcuspneumoniae, Mycoplasma pneumoniae,<br />
Chlamydia pneumoniae, Haemophillus influenza e, menos<br />
20 Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012
frequentemente, Legionellapneumophilla e vírus (influenza<br />
e varicela), além da pneumonia por aspiração, especialmente<br />
no pós parto (1,4) - (Tabela 4).<br />
Tabela 4: Etiologia das pneumonias bacterianas na gravidez<br />
(ordem decrescente)<br />
Streptococcus pneumoniae<br />
Haemophilus influenzae<br />
Patógeno não identificado<br />
Patógenos Atípicos<br />
Legionellapneumophila<br />
Mycoplasma pneumoniae<br />
Chlamydophila pneumoniae<br />
Patógenos Virais<br />
Influenza A<br />
Varicela<br />
Staphylococcus aureus<br />
Pseudomonas aeruginosa (bronquiectasia, fibrose<br />
cística)<br />
Aspirativa<br />
Fúngica<br />
Pneumocystisjiroveci (HIV)<br />
Adaptado de Brito, 2011 (4)<br />
Diagnóstico<br />
Os sintomas característicos da pneumonia na gestante<br />
não diferem da pneumonia na população geral, tais<br />
comodispneia, febre, dor torácica e tosse. O que pode ocorrer<br />
comumente é um retardo no diagnóstico (10 a 20%) pela<br />
interpretação inadequada de sintomas respiratórios comuns<br />
na gestação normal. 6 O diagnóstico diferencial deve incluir<br />
pielonefrite, embolia pulmonar, edema agudo de pulmão,<br />
apendicite e cardiopatias, em particular a estenose mitral. 1<br />
O raio-X de tórax deve ser realizado com proteção<br />
abdominal e não há justificativa para não realizá-lo, uma vez<br />
que a dose de radiação é mínima e inócua para o feto. 1<br />
Tratamento<br />
Devido às poucas evidências sobre a segurança do uso<br />
durante a gestação, alguns antibióticos devem ser evitados<br />
tais como as quinolonas, claritromicina, tetraciclinas e o<br />
estolato de eritromicina. 1 Para estabelecer padrões de<br />
segurança para o uso de fármacos durante a gestação e<br />
fornecer aos médicos referências para a prescrição, o FDA<br />
(FoodandDrugAdministration) divide os fármacos em cinco<br />
categorias (Tabela 5). Para o tratamento ambulatorial da<br />
pneumonia comunitária na gestante podem ser<br />
empregados:<br />
1- Amoxicilina 500–1000mg via oral de 8 em 8 horas por 10<br />
a 14 dias, ou<br />
2- Eritromicina (estearato) 500mg via oral de 6 em 6 horas<br />
por 10 a 14 dias, ou<br />
3- Azitromicina 500mg ao dia por 7 a 10 dias<br />
Tabela 5: Antibióticos e suas categorias quanto a aprovação<br />
do FDA para segurança do uso na gestação.<br />
Antibiótico Passagem pela<br />
barreira placentária<br />
FDA<br />
Aciclovir B<br />
Amicacina + C/D<br />
Amoxacilina ++ B<br />
Amoxacilina/Ácido clavulânico ? B<br />
Ampicilina +++ B<br />
Ampicilina/Sulbactam ? B<br />
Anfotericina B B<br />
Azitromicina + B<br />
Aztreonam + B<br />
Caspofungina ++ C<br />
Cefadroxil +++ B<br />
Cefalexina +++ B<br />
Cefazolina +++ B<br />
Cefepima ++ B<br />
Cefotaxima + B<br />
Ceftazidima ++ B<br />
Ceftriaxona + B<br />
Cefuroxima ? B<br />
Cloranfenicol +++ C<br />
Ciprofloxacino +++ C<br />
Claritromicina ? C<br />
Clindamicina ++ B<br />
Cotrimazol +++ C<br />
Doxiciclina ++ D<br />
Gentamicina D<br />
Ertapenem ? B<br />
Eritromicina ? B<br />
Estreptomicina D<br />
Etambutol +++ B<br />
Etionamida ? C<br />
Fluconazol ++ C<br />
Fosfomicina ++ B<br />
Gentamicina ++ C<br />
Imipenem/Cilastina +++ C<br />
Isoniazida +++ B/C<br />
Levofloxacina +++ C<br />
Itraconazol C<br />
Linezolida ? C<br />
Meropenem ? B<br />
Metronidazol +++ B<br />
Moxifloxacina ? C<br />
Norfloxacina ? C<br />
Ofloxacina ? C<br />
Oseltamivir C<br />
Oxacilina + B<br />
Penicilina G/V B<br />
Piperacilina/Tazobactam ? B<br />
Pirazinamida ? C<br />
Polimixina B ?<br />
Rifampicina ++ C<br />
Sulfametaxazol/Trimetropim +++ C<br />
Teicoplamina ? C<br />
Vancomicina +++ C<br />
Voriconazol D<br />
Fonte: adaptado das referências (21)(22)(23)<br />
Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012 21
Obervações<br />
• Categoria A: Estudos controlados conduzidos em<br />
mulheres não demonstraram risco para o feto no primeiro<br />
trimestre de gestação (também não há risco durante os<br />
trimestres subsequentes) e a possibilidade de dano ao feto<br />
parece remota<br />
•Categoria B: Estudos de reprodução animal não<br />
demonstraram riscos de malformações fetais. Não existem<br />
estudos controlados em gestantes ou em animais que<br />
demonstraram algum efeito adverso e não foram confirmados<br />
em estudos controlados conduzidos em humanos<br />
•Categoria C: Estudos conduzidos em animais têm<br />
demonstrado efeitos adversos nos fetos, como malformações<br />
ou embriotoxicidade ou não há estudos controlados em<br />
humanos<br />
• Categoria D: Existe forte evidência de risco fetal, porém<br />
os benefícios do uso na gestante podem superar o risco<br />
para o feto<br />
• Categoria X: Forte evidência de risco fetal. Estudos em<br />
animais e humanos têm demonstrado anormalidades fetais.<br />
O risco do uso desses fármacos durante a gestação supera<br />
qualquer possível benefício.2 0<br />
Pelo risco aumentado de edema agudo de pulmão e<br />
alterações de vitalidade fetal por hipóxia, a internação não<br />
deve ser postergada para gestantes com evidências, ainda<br />
que duvidosas, de comprometimento respiratório mais grave<br />
(1). Em gestantes internadas deve ser colhido escarro para<br />
bacterioscopia e cultura, hemocultura, hemograma<br />
egasometria arterial, além de se checar o status sorológico<br />
para o HIV. Não há indicação de antecipação do parto, o que<br />
pode agravar a condição clínica materna. 1 Para as gestantes<br />
que necessitem de internação hospitalar podem ser<br />
empregados:<br />
1- Amoxicilina-clavulanato 500mg EV de 8 em 8 horas, ou<br />
2- Ceftriaxone1g-12/12h, associado ou não a Azitromicina.<br />
Infecções virais respiratórias na gestante<br />
Varicela e influenza são os patógenos que mais comumente<br />
se associam a pneumonia virótica na gravidez, que pode se<br />
complicar com insuficiência respiratória aguda, infecção<br />
bacteriana secundária e síndrome dodesconforto respiratória<br />
no adulto (SDRA). Infecções pelo coronavírus foram<br />
recentemente descritas e também possuem alta letalidade. 2,3,4<br />
Influenza<br />
O vírus influenza pertence à família dos Ortomixovírus e é<br />
composto por RNA de hélice única. É subdividido em tipos<br />
A, B, C e classificado, ainda, com base em seus constituintes<br />
de superfície: HA (hemaglutinina) e NA (neuraminidase). Os<br />
tipos A e B causam maior morbidade e mortalidade do que o<br />
tipo C, sendo o tipo A, geralmente, mais associado às<br />
epidemias e pandemias. 11<br />
A gestante apresenta um alto risco de contrair a influenza.<br />
O risco aumenta com a idade, com doenças associadas e no<br />
terceiro trimestre. A influenza está historicamente associada<br />
a aumento importante de morbidade e mortalidade na<br />
gestação. Durante a pandemia de “gripe espanhola” (A/<br />
H1N1), em 1918, 1350 gestantes com a doença foram<br />
avaliadas, sendo que 43% apresentaram pneumonia como<br />
complicação e, destas, em 52% foi necessário interromper a<br />
gravidez. A mortalidade (23%) foi maior quando a infecção<br />
ocorreu no terceiro trimestre ou a paciente apresentava<br />
pneumonia. 12,13 Metade das gestantes que desenvolveram<br />
pneumonia morreu enquanto a taxa foi de 30% entre as não<br />
grávidas. 14 Durante a epidemia global de 1957 [A/Ásia<br />
(H2N2)], na cidade de Nova Iorque, as gestantes contribuíram<br />
com metade das mortes das mulheres em idade fértil. 13 Estudo<br />
realizado no Reino Unido avaliou 1659 gestantes e 11%<br />
apresentaram evidência sorológica de infecção por influenza<br />
durante a gestação. 14<br />
Na última epidemia pelo influenza A-H1N1, em 2009,<br />
segundo o CDC, metade dos pacientes que requerem<br />
internação apresentaram doenças associadas ou eram<br />
gestantes, com maior risco de morbidade e mortalidade em<br />
gestantes. O impacto no recém-nato é desconhecido, mas a<br />
experiência prévia sugere maior risco de doença grave. Há<br />
também maior chance de abortamento espontâneo e parto<br />
pré-termo. No Brasil, dados do Ministério da Saúde<br />
destacaram que, entre as mulheres, houve o percentual de<br />
39,5% de gestantes, dentre os casos de Síndrome Respiratória<br />
Aguda Grave, que evoluíram para óbito.<br />
O quadro clínico da influenza na grávida não difere da<br />
não grávida e a pneumonia é a complicação mais comum nas<br />
gestantes. 3 O período de incubação é de 1 a 4 dias e os<br />
sintomas incluem tosse, febre, indisposição, rinite, mialgias,<br />
cefaleia e tosse seca.Os sinais incluem taquipneia, rubor<br />
facial, adenopatia cervical. As hospitalizações por influenza<br />
aumentam cerca de cinco vezes nas grávidas no terceiro<br />
trimestre, em comparação com as mulheres não grávidas. 12,13,14<br />
Clinicamente, é difícil distinguir a pneumonia bacteriana<br />
daquela por influenza. 14 Comumente ocorre um agravamento<br />
do quadro clínico com queda na saturação de oxigênio. Os<br />
exames radiológicos demonstram um processo intersticial<br />
difuso, embora não seja rara a ocorrência de<br />
consolidações(Figura 1). Podem ocorrer infecções bacterianas<br />
secundárias como otite, sinusite, pneumonia e, nessa situação,<br />
é necessária a introdução de antibióticos apropriados. 3 Doenças<br />
associadas como asma, diabetes, doenças cardiovasculares,<br />
tabagismo e obesidade aumentam o risco de pneumonia e/<br />
ou hospitalização em gestantes com influenza. 14<br />
O tratamento inclui repouso e cuidados de suporte. A<br />
febre pode ser controlada com acetaminofeno. 13 Existem dois<br />
grupos de drogas antivirais com efetividade nessa doença:<br />
• análogos do aminoadamantano (amantadina e<br />
rimantadina):não têm atividade contra o vírus B e apresenta<br />
resistência crescente para o vírus A. Em anos recentes, sua<br />
utilização não temsido mais recomendada nos Estados<br />
Unidos 14 ;<br />
• inibidores da neuraminidase viral (zanamivir e<br />
22 Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012
Fig. 1:Pneumonia em infecção pelo influenza A-H1N1 e mulher grávida. Condensação com broncogramas aéreos na língula, demonstrando<br />
que as lesões predominam no lobo superior esquerdo<br />
oseltamivir): tem atividade contra os vírus A e B. 13 O oseltamivir<br />
via oral é utilizado para tratamento e quimioprofilaxia. O início<br />
do tratamento deve serem 48h após os primeiros sintomas e a<br />
dose recomendada é de 75 mg duas vezes ao dia, por cinco<br />
dias. Para quimioprofilaxia, a dose recomendada é de 75mg 1x<br />
ao dia durante 10 dias. O zanamivir é utilizado por via inalatória<br />
e apresenta broncoespasmo em asmáticos como efeito<br />
colateral importante. 12,13<br />
Varicela Zoster<br />
Apesar de a varicela ser considerada uma enfermidade<br />
que afeta principalmente as crianças, 5 a 10% ocorrem após<br />
a idade de 15 anos e afeta as grávidas na proporção de 5-7<br />
em cada 10000 gestações. Dez a vinte por cento das mulheres<br />
com infecção primária por varicela podem desenvolver uma<br />
pneumonia fulminante. 13 Antes da introdução da terapêutica<br />
antiviral, a mortalidade materna em casos de pneumonia por<br />
varicela era maior que 40%, mas, ainda hoje, apesar da<br />
terapêutica a mortalidade aindaé preocupante (14%). 13,14<br />
São considerados fatores de risco para pneumonia por<br />
varicela o tabagismo, gestação tardia e a presença de mais<br />
de 100 lesões cutâneas. Os sinais e sintomas respiratórios<br />
surgem de 2 a 5 dias após o rash cutâneo e a febre e incluem<br />
dispneia, taquipneia, tosse, hemoptóicos e dor torácica. O<br />
RX de tórax pode mostrar um processo intersticial difuso<br />
com o padrão reticulonodular. A ventilação mecânica pode<br />
ser necessária em 50% das pacientes. 13,14 Apesar de alguns<br />
estudos sugerirem que a pneumonia por varicela aumenta a<br />
possibilidade de parto prematuro, ainda há controvérsias. 13<br />
O manejo da exposição materna à varicela depende do<br />
estado imunológico da gestante. Infecção e vacinação prévia<br />
comprovada ou IgG sérica contra varicela conferem<br />
imunidade e não há risco pela exposição. No entanto, se a<br />
gestante não apresentar imunidade, imunoglobulina humana<br />
antivaricela zoster dever ser administrada em até 96 horas<br />
com o intuito de atenuar ou prevenir a infecção materna. A<br />
vacina é contraindicada. Gestante com varicela primária deve<br />
fazer uso de aciclovir (800 mg) na tentativa de prevenir<br />
complicações como a pneumonia, sendo mais efetivo se<br />
administrado em até 24 após o inicio do rash. Se a gestante<br />
apresentar sintomas respiratórios, é aconselhável a utilização<br />
de aciclovir parenteral (5-10 mg/kg cada 8h durante 7-10<br />
dias). Há maior eficácia se administrado nas primeiras 72h<br />
após o inicio da doença ou 24h após o inicio do rash. 13,14,15<br />
Coronavirus<br />
Síndrome respiratória aguda grave causada pelo<br />
coronavirus é uma nova enfermidade virótica descrita em<br />
2002. O vírus causa uma pneumonia atípica que evolui<br />
rapidamente para falência respiratória. Segundo a<br />
Organização Mundial de Saúde no período compreendido<br />
entre novembro de 2002 e julho de 2003 afetou 8.098<br />
indivíduos e provocou 774 mortes em 26 países a nível<br />
mundial. 16 A transmissão se faz através de gotículas<br />
respiratórias ou contato pessoal próximo. O vírus se mantém<br />
ativo por 1 a 2 dias na urina ou nas fezes. Os sintomas são os<br />
mesmos para a grávida e a não grávida e inclui febre,<br />
tremores, calafrios, indisposição e mialgias. O RX de tórax<br />
mostra, frequentemente, infiltrado intersticial difuso. Exames<br />
laboratoriais mostram diminuição na saturação de oxigênio,<br />
linfopenia e trombocitopenia, elevação das<br />
aminotransferases (2 a 6 seis vezes acima dos valores de<br />
referência) e da CPK (acima de 3000 UI/l). Três testes (ELISA,<br />
PCR e IFI) têm sido utilizados para o diagnóstico etiológico,<br />
porém nenhum deles ainda se mostrou útil para a detecção<br />
precoce de casos. 3,13<br />
Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012 23
As complicações mais frequentes são: insuficiência<br />
respiratória necessitando de ventilação mecânica, infecção<br />
bacteriana secundária e coagulação intravascular<br />
disseminada, aborto espontâneo no primeiro trimestre, parto<br />
prematuro e recém-nato de baixo peso. Não foi relatada<br />
transmissão vertical. O tratamento inclui antibióticos de largo<br />
espectro para infecções bacterianas secundárias, altas doses<br />
de corticosteróides e, possivelmente, ribavirina. A ribavirina<br />
tem efeitos tetarogênicos em animais e o uso na gestação<br />
ainda não está bem estabelecido. 4<br />
Pneumonia na gestante imunodeprimida<br />
Mais de 80% de todos os casos de infecção por HIV<br />
atinge mulheres em idade fértil. A gravidez pode,<br />
teoricamente, acelerar a progressão da infecção por HIV e<br />
infecções respiratórias na gestação pode aumentar o risco<br />
de mortalidade materna e fetal. 4 Além disso, a transmissão<br />
vertical para o recém-nato é ainda uma preocupação.A<br />
infecção respiratória bacteriana é a complicação mais comum<br />
na infecção por HIV.<br />
Pneumocystis jirovecy (PCP)<br />
Contagem de CD4
fúngicas é anfotericina B seguida de fluconazol no pósparto.<br />
2,4<br />
Vacinação na gestante<br />
A vacinação contra influenza deve ser recomendada para<br />
todas as gestantes e mulheres que planejam engravidar nas<br />
estações de maior prevalência de gripe. Mulheres que estejam<br />
amamentando devem também ser vacinadas. 18<br />
Com relação a vacinação contra o influenza A-H1N1,<br />
segundo o CDC, toda a população mundial a partir de 6 meses<br />
de idade deve ser vacinada assim que a vacina estiver<br />
disponível em seu país. Crianças que não completaram 6 meses<br />
e são muito jovens para serem vacinadas devem ter seus<br />
cuidadores vacinados para evitar a transmissão da doença.<br />
Além disso, a vacinação da mãe durante a gestação protege<br />
tanto ela quanto o bebê, até que ele complete seismeses 19 .<br />
Com relação à vacinação antipneumocóccica, aquela que<br />
contém os polissacarídeos capsulares dos 23 sorotipos de<br />
S. pneumoniae foi licenciada desde 1983 para uso em<br />
populações de alto risco. A imunização materna é uma<br />
estratégia com o potencial de oferecer proteção passiva ao<br />
recém-nascido durante os mais vulneráveis primeiros meses<br />
de vida, antes de imunização ativa do recém-nascido. No<br />
entanto, esta vacina é pouco imunogênica em crianças<br />
menores de dois anos de idade e, para esta população, são<br />
indicadas as vacinas conjugadas pneumocócicas,<br />
imunogênicas em lactentes jovens. A vacinação, associada<br />
ao aleitamento materno, pode ser uma abordagem útil para<br />
prevenir a infecção pneumocócica em crianças jovens.<br />
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Flávio Ferlin Arbex<br />
ffarbex@hotmail.com<br />
Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012 25
É seguro realizar exames radiológicos<br />
durante a gestação ?<br />
AUTORES: Alexandre Marchini Silva 1 , Anarégia Ferreira 2 , Gustavo S. P. Meirelles 3<br />
1 Médico Radiologista do Grupo Fleury e da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo<br />
2 Residente de Pneumologia da Unifesp/Escola Paulista de Medicina (EPM)<br />
3 Médico Radiologista da Unifesp/EPM e do Grupo Fleury<br />
Introdução<br />
O emprego dos métodos de diagnóstico por imagem<br />
apresentou grande aumento nos últimos anos, com<br />
importância crescente na elaboração das mais variadas<br />
condutas terapêuticas, inclusive em pacientes gestantes.<br />
Contudo, a exposição a alguns exames diagnósticos durante<br />
a gravidez é habitualmente uma preocupação para médicos<br />
e pacientes, com informações confusas e contraditórias,<br />
resultando em ansiedade, cancelamento inadequado de<br />
procedimentos e contraindicação da utilização de meios de<br />
contraste, mesmo em casos de indicações formais.<br />
Em casos de necessidade do emprego de métodos que<br />
utilizem radiação ionizante, como estudos radiográficos,<br />
exames de tomografia computadorizada (TC) e cintilografia,<br />
bem como em ocasiões onde a ressonância magnética (RM)<br />
está indicada, é de grande importância ponderar os riscos e<br />
benefícios de tais exames. Atualmente, o que se sabe é que<br />
as doses de radiação decorrentes da exposição à maior parte<br />
dos exames é bem inferior aos limites de dose considerados<br />
seguros para o feto, dando suporte à tese que os riscos<br />
fetais são mínimos quando exames radiológicos são<br />
realizados com técnica adequada e com indicações corretas.<br />
O objetivo desta revisão é demonstrar os riscos e<br />
benefícios para o feto dos exames radiológicos mais<br />
usualmente realizados, bem como dos meios de contraste<br />
empregados em tais exames.<br />
Riscos fetais relacionados à radiação ionizante<br />
Embora o conceito de exposição à radiação esteja muito<br />
relacionado a exames radiológicos, é importante lembrar que<br />
todos os seres humanos estão expostos a uma radiação<br />
ambiental, com dose da ordem de 1,1 a 2,5 mGy por ano,<br />
proveniente da exposição aos raios cósmicos. Alguns exames<br />
radiológicos, quando realizados com técnica adequada, têm<br />
doses semelhantes ou até inferiores à exposição ambiental anual.<br />
Na paciente gestante, o cuidado deve ser maior, pois o<br />
feto está em formação e mais sujeito a eventuais efeitos<br />
deletérios da exposição à radiação. O risco fetal relacionado<br />
à exposição à radiação ionizante está ligado a 2 efeitos:<br />
estocástico e determinístico.<br />
O efeito estocástico da radiação ionizante tem origem a<br />
partir de possíveis danos celulares que possam levar a<br />
carcinogênese. Não tem limiar de dose, mas o risco de efeitos<br />
deletérios decorrentes do efeito estocástico aumenta com a<br />
dose de radiação. A estimativa atual de desenvolver câncer<br />
na infância é de aproximadamente 1:500 na população geral;<br />
doses de radiação fetal de até 1 mGy (dose inferior à recebida<br />
pelo feto, por exemplo, em uma tomografia computadorizada<br />
do tórax materno) são consideradas aceitáveis, estando<br />
ligadas a um risco incremental de carcinogênese inferior a 1<br />
em 10.000. A maioria dos exames radiológicos de estruturas<br />
anatômicas abaixo dos joelhos (por exemplo, tomografia da<br />
perna) e acima do diafragma (por exemplo, tomografia<br />
computadorizada do tórax) entra nessa categoria. A exposição<br />
estimada de radiação é baixa quando o feto está fora do<br />
campo de visão, como nas tomografias do crânio, pescoço,<br />
tórax, coluna cervical e de extremidades. Nestes casos,<br />
apenas a radiação espalhada atinge o feto. O risco de<br />
carcinogênese aumenta por um fator de dois em exames com<br />
maiores doses de radiação, como no exame de tomografia<br />
computadorizada pélvica, onde ocorre irradiação direta do<br />
feto; mesmo assim, o risco de câncer infantil ainda é<br />
considerado baixo (menos de 1 em 250). A Tabela 1 demonstra<br />
a dose de radiação estimada para o concepto nos exames<br />
radiológicos tradicionais.<br />
O efeito determinístico da radiação ionizante resulta do<br />
dano a um número de células, apresentando um limiar de<br />
dose a partir da qual o dano ocorre. Este efeito inclui o risco<br />
de malformações fetais, retardo do crescimento, retardo<br />
mental e morte. O estágio mais vulnerável à teratogênese se<br />
encontra entre a 2 a e 20 a semanas de gestação,<br />
particularmente no período entre a 8 a e 15 a semanas. As doses<br />
pré-natais de radiação da maioria dos exames radiológicos<br />
não determinam um risco aumentado de morte pré-natal,<br />
malformações e retardo mental frente à incidência natural<br />
dessas entidades. As recomendações de 2007 do<br />
‘’International Commitee on Radiological Protection’’<br />
concluem que nenhum efeito determinístico de significância<br />
prática ocorre abaixo da dose de 100 mGy. Por exemplo,<br />
mesmo para uma gestante submetida a um protocolo amplo<br />
26 Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012
Tabela 1. Doses de radiação fetal associadas com exames de<br />
diagnóstico por imagem<br />
Exame<br />
Radiografia<br />
Dose Fetal (mGy)<br />
Radiografia coluna cervical (AP e lateral)
procedimento mais recente, ainda com poucos estudos,<br />
deve-se injetar gadolínio apenas quando o mesmo for<br />
essencial para o diagnóstico, na ausência de outros exames<br />
alternativos ou na impossibilidade de se postergar o exame<br />
para o período pós-natal.<br />
Amamentação<br />
Com relação à amamentação, é seguro que a mãe continue<br />
amamentando normalmente o concepto após realização de<br />
exames radiológicos, sem ou com injeção de contraste iodado<br />
ou gadolínio. Caso a mãe se sinta mais segura, pode-se<br />
orientar a suspensão temporária da amamentação por 24 horas<br />
após a administração de meios de contrastes, embora<br />
diretrizes recentes não recomendem a interrupção da<br />
amamentação nestes casos.<br />
Utilização de exames diagnósticos com<br />
radiação ionizante em Pneumologia<br />
Em Pneumologia, uma das afecções que mais demanda<br />
atenção em gestantes é o tromboembolismo pulmonar (TEP)<br />
que continua a ser uma das grandes causas de mortalidade<br />
materna. A gravidez aumenta em cinco vezes o risco de<br />
tromboembolismo venoso (TEV), que ocorre em 0,5 a 3<br />
ocasiões para cada 1000 gestações (vide artigo específico<br />
nesta edição). A ultrassonografia (USG) com doppler de<br />
membros inferiores é um método não invasivo e seguro na<br />
gravidez, podendo ser o primeiro exame de diagnóstico por<br />
imagem realizado na suspeita de trombose venosa profunda.<br />
A TC de tórax possui algumas vantagens em relação à<br />
cintilografia pulmonar, ao demonstrar diretamente o trombo,<br />
permitir exclusão de diagnósticos alternativos e, de modo<br />
geral, estar mais disponível em situações de urgência. A<br />
redução da quilovoltagem e da miliamperagem empregadas<br />
na TC, além da redução da área de cobertura do exame,<br />
reduzem a dose de radiação para níveis muito baixos, sem<br />
perda da qualidade do exame.<br />
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Gustavo Meirelles<br />
gmeirelles@gmail.com<br />
Centros de Referência em<br />
HAP no Estado de São Paulo<br />
SÃO PAULO CAPITAL<br />
FMUSP - InCOr - Pneumologia do Hospital das Clínicas(*)<br />
Responsável: Prof. Dr. Rogério Souza e Dr. Carlos<br />
Jardim<br />
Endereço: Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar 44<br />
Horário Atendimento: 4º e 6º feira a partir das 8h<br />
Tel: 11 3069-5034<br />
e-mail: rogerio.souza@incor.usp.br<br />
Hospital Servidor Público Estadual de São Paulo<br />
Dr. Responsável: Dr. Carlos Alberto de Castro Pereira<br />
Endereço: Rua Pedro de Toledo, 1800<br />
Horário Atendimento: 2ª feira a partir das 8h<br />
Tel: 11 5088-8648<br />
Instituto Dante Pazzanese (*)<br />
Endereço: Avenida Dr. Dante Pazzanese, 500 - Vila<br />
Mariana<br />
Tel: 11 5085-6413 ou 5085-6412<br />
UNIFESP - Hospital São Paulo - Pneumologia (*)<br />
Responsável: Dra. Jaquelina Sonoe Ota<br />
Endereço: Rua José de Magalhães, Vila Clementino<br />
Horário Atendimento: 5° feira a partir das 13h<br />
Tel: 11 5549-1830<br />
e-mail: jaqueota@uol.com.br<br />
UNIFESP – Hospital São Paulo - Cardiologia (*)<br />
Responsável: Dra. Célia Maria Camelo Silva<br />
Endereço: Rua dos Otonis, 897<br />
Horário Atendimento: 2ª feira a partir das 8h<br />
Tel: 11 5549-9064<br />
Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São<br />
Paulo - Cardiologia (*)<br />
Endereço: Rua Cesário Motta Júnior, 112 - Vila Buarque<br />
Tel: 11 2176-7000<br />
CAMPINAS<br />
UNICAMP - Hospital das Clínica - Pneumologia (*)<br />
Responsável: Dra. Monica Corso Pereira e Prof.Dra.<br />
Ilma Aparecida Paschoal<br />
Endereço: Rua Zeferino Vaz S/N Prédio HC-UNICAMP<br />
Horário Atendimento: 4º feira a partir das 13h30<br />
Tel: 19 3521-7776 e 3521-7907<br />
Hospital Municipal Dr. Mário Gatti<br />
Endereço: Av. Prefeito Faria Lima, 340 - Pq. Itália<br />
Tel: 19 3772-5700<br />
BOTUCATU<br />
UNESP - Hospital das Clínicas de Botucatu (*)<br />
Responsável: Prof. Dr. Hugo Hyung Bok Yoo<br />
Endereço: Distrito Rubião Jr.<br />
Horário Atendimento: 4º feira a partir das 8h<br />
Tel: 14 3882-2969<br />
RIBEIRÃO PRETO<br />
FMUSP Ribeirão Preto - Hospital das Clínicas de<br />
Ribeirão Preto (*)<br />
Responsável: Dr. Adriana Ignácio de Pádua<br />
Endereço: Av. Bandeirantes 3900 - Monte Alegre<br />
Horário Atendimento: 3º feira a partir das 13h (Triagem)<br />
Tel: 16 3602-2631<br />
São José do Rio Preto<br />
Hospital de Base (*)<br />
Endereço: Av. Brig. Faria Lima, 5544 - Vila São Pedro<br />
Tel: 17 3201-5000<br />
Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012 29
RESUMINDO E RECORDANDO<br />
Asma na gestação: quadro clínico<br />
e tratamento<br />
AUTORAS: Regina Maria de Carvalho Pinto 1 ; Maria Cecília Nieves Teixeira Maiorano 2 ;<br />
Priscila Cilene León Bueno de Camargo 3<br />
1Médica Assistente da Disciplina de Pneumologia, Instituto do Coração (InCor)/Faculdade de<br />
Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP)<br />
2Médica Preceptora da Disciplina de Pneumologia, InCor/FMUSP<br />
3Médica Residente de Pneumologia, InCor/FMUSP<br />
Introdução<br />
A presença de asma durante a gestação pode trazer<br />
complicações no binômio mãe-feto, sendo correlacionada<br />
principalmente com baixo peso ao nascer, necessidade de<br />
partos cesarianos, pré eclampsia e parto prematuro, além de<br />
1, 2<br />
malformações e aumento de mortalidade perinatal.<br />
Entretanto, os dados dos estudos geralmente são<br />
discrepantes3-7 mas aponta que tais complicações estão<br />
relacionadas principalmente à asma não controlada e<br />
exacerbações. 8-14 A principal medicação usada atualmente<br />
para o controle da doença é o corticóide inalatório (CI),<br />
medicação que em doses habituais não ocasiona risco para<br />
o desenvolvimento fetal, apresentando segurança para ser<br />
utilizada durante a gestação. 15-17<br />
Epidemiologia<br />
A asma afeta entre 3 a 12% das gestantes ao redor do<br />
mundo, sendo que a prevalência de asma entre gestantes<br />
vem aumentando nos últimos anos 18 . Essa prevalência é<br />
variável devido às diferentes definições de asma utilizadas<br />
nos estudos 4 . As exacerbações podem acontecer em<br />
qualquer momento da gestação, mas existe uma maior<br />
tendência da ocorrência ao final do segundo trimestre.<br />
Durante a gravidez aproximadamente 20% das gestantes<br />
asmáticas têm uma exacerbação que necessita intervenção<br />
medicamentosa, com aproximadamente 6% das mulheres<br />
sendo admitidas no hospital. 19<br />
Como é possível perceber, trata-se de condição<br />
prevalente que representa um importante problema em termos<br />
de saúde pública.<br />
Quadro clínico e efeitos da doença sobre a<br />
mãe e o feto<br />
O quadro clínico da asma na gestação é semelhante ao<br />
observado em mulheres fora do período gravídico-puerperal,<br />
mas apresenta algumas peculiaridades. O curso da asma é<br />
variável sendo que um terço das mulheres poderá apresentar<br />
melhora dos sintomas, um terço irá piorar e um terço<br />
permanecerá sem alterações. Não se sabe se isso ocorre por<br />
mudanças na gravidade da asma, pior controle ou<br />
exacerbações ao acaso. 4<br />
O curso da doença, na maioria das vezes, é semelhante<br />
nas gestações sucessivas20 , por outro lado, a evolução da<br />
asma irá depender de fatores que vão desde a aderência ao<br />
tratamento, presença de exacerbações e gravidade da<br />
doença, além de aspectos associados a características<br />
materno-fetais como mudanças hormonais, sexo do feto e<br />
18, 20, 21<br />
função imunológica da mãe.<br />
Os mecanismos que levam a mudança de apresentação<br />
dos sintomas da asma durante a gestação não são bem<br />
compreendidos (Figura 1). O aumento do cortisol livre<br />
durante a gestação e o efeito relaxante da progesterona sobre<br />
a musculatura lisa podem levar a melhora dos sintomas. Por<br />
outro lado, alterações com redução da responsividade do<br />
receptor beta-2 agonista e aumento na inflamação das vias<br />
aéreas devido a progesterona circulante podem, de maneira<br />
inversa, levar a um pior controle da doença. A exposição a<br />
antígenos fetais ou alteração na função imune também pode<br />
ocasionar uma piora do quadro clínico durante a gestação. 4<br />
Alguns estudos realizados em mulheres não gestantes<br />
mostraram que as asmáticas têm concentrações anormais de<br />
estrógeno e progesterona quando comparadas a não<br />
asmáticas. 22 Anormalidades individuais poderiam explicar a<br />
variação do comportamento da asma nas gestantes. 4<br />
Os principais efeitos da asma nos desfechos da gestação<br />
são baixo peso, prematuridade, pré-eclampsia e partos<br />
cesarianos (Figura 2). Tais complicações estão relacionadas<br />
principalmente à asma não controlada e exacerbações. 8-14<br />
Apesar da falta de estudos para esclarecer os mecanismos<br />
que relacionam esses efeitos deletérios na gestação, acreditase<br />
que a hipóxia, a inflamação, medicamentos, tabagismo<br />
30 Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012
materno e alterações na função placentária possam estar<br />
relacionados. A hipóxia pode contribuir com baixo peso, préeclâmpsia,<br />
abortamento e placenta prévia em gestantes<br />
asmáticas. A hipoxemia pode estar presente em pacientes<br />
com exacerbações graves e existem evidencias de que<br />
pequenas reduções na pressão parcial de oxigênio arterial<br />
materno podem ser responsáveis por efeitos extremamente<br />
deletérios ao feto. 4<br />
<br />
Baixo peso<br />
Asma e Gestação<br />
Asma e Gestação<br />
<br />
Mecanismos possíveis:<br />
Inflamação materna<br />
Corticóide<br />
Hipóxia materna<br />
Exacerbações da asma<br />
Alteração da função placentária<br />
Tabagismo materno<br />
Sexo do feto<br />
<br />
<br />
Mecanismos possíveis:<br />
Hormônios maternos (cortisol,<br />
estradiol, progesterona)<br />
Responsividade dos receptores Beta-2<br />
adrenérgicos<br />
Sexo do feto<br />
Alteração da função imune<br />
<br />
Piora<br />
<br />
Sem mudança Melhora<br />
Fig. 1: Mudanças na asma durante a gestação<br />
<br />
Prematuridade Pré-eclâmpsia Cesariana<br />
Fig.2: Efeitos da asma nos desfechos da gestação.<br />
Alguns aspectos da fisiologia placentária em gestantes<br />
asmáticas podem ser responsáveis por afetar o crescimento<br />
fetal, incluindo o fluxo sanguíneo placentário e a atividade<br />
enzimática da 11β-hidroxiesteróide desidrogenase tipo 2 (11<br />
β-HSD2), a qual protege o feto do excesso de<br />
glicocorticóides maternos. O fluxo placentário pode estar<br />
reduzido em gestantes com asma moderada a grave, podendo<br />
levar a redução de suprimento de nutrientes para o feto.<br />
Outra alteração encontrada foi a redução da enzima 11β –<br />
HSD2 na placenta de asmáticas que não faziam uso de CI. A<br />
própria atividade inflamatória da doença pode se relacionar<br />
com o crescimento fetal prejudicado e pode ser minimizada<br />
com o tratamento com CI. 4<br />
<br />
<br />
O receio das gestantes com possíveis efeitos colaterais<br />
causados pelos CI no feto reduz a adesão ao tratamento da<br />
asma, com consequente perda de controle da doença. 18<br />
Outros fatores relacionados ao não controle são as infecções<br />
virais e a gravidade da doença previamente à gestação<br />
precipitando a ocorrência de exacerbações. 19 Estudos<br />
realizados previamente ao advento dos CI mostraram índices<br />
maiores de crises em gestantes asmáticas, além de maior<br />
incidência de baixo peso ao nascer, pré-eclampsia e parto<br />
prematuro, comparados a grupos de gestantes sem asma 23,24 .<br />
Outros estudos realizados em gestantes asmáticas, após a<br />
introdução de CI, demonstraram que exacerbações e sintomas<br />
durante a gestação estavam relacionados a baixo peso ao<br />
nascer e que essas mulheres tinham uma tendência a apresentar<br />
maior incidência de pré-eclampsia e parto prematuro. 8,14 Tais<br />
estudos, no entanto, apresentam diversos fatores<br />
confundidores como a falta de sistematização da classificação<br />
da asma, a não uniformização do tratamento instituído e a<br />
inclusão de gestantes tabagistas, adolescentes e de diferentes<br />
graus de instrução. O risco de parto prematuro pode estar<br />
relacionado ao uso de corticóide sistêmico ou pela própria<br />
exacerbação da asma. Outros desfechos relatados em gestantes<br />
admitidas em hospital por exacerbações são a maior incidência<br />
de pré-eclâmpsia, diabetes gestacional, rotura prematura de<br />
membranas, parto prematuro e aumento da mortalidade<br />
perinatal 19 . Portanto, os dados referentes às repercussões da<br />
asma no recém-nascido ainda são controversos 3-7 , mas as<br />
evidencias sugerem que as complicações relacionadas à asma<br />
durante a gestação estão em grande parte associadas à falta<br />
de controle e presença de exacerbações. 8-14<br />
As mudanças hormonais que ocorrem na mulher neste<br />
período, bem como idade gestacional e o sexo do feto, podem<br />
alterar o controle da doença. 15, 25 Gestantes em uso de CI<br />
apresentaram necessidade de aumento da dose quando o<br />
feto era do sexo feminino. 25 Nesse mesmo estudo, mulheres<br />
que não usaram CI e apresentavam feto do sexo feminino<br />
tinham níveis de monócitos circulantes aumentados e pior<br />
controle da doença. Recentemente, a comparação da<br />
dosagem de cortisol, estriol, osteocalcina e hormônio<br />
liberador de corticotrofina em mulheres gestantes sem asma,<br />
com asma moderada e asma grave, considerando ainda o<br />
uso ou não de CI, evidenciou que durante o primeiro trimestre<br />
as gestantes asmáticas com fetos do sexo feminino<br />
apresentavam inibição dos níveis de cortisol, associado a<br />
maior dose de CI, o que não foi observado nos demais<br />
trimestres ou em gestantes asmáticas com fetos masculinos,<br />
sugerindo que o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal materno<br />
fique mais sensível aos efeitos de glicocorticóides naquele<br />
grupo. 15 Apesar dos CI afetarem vias maternas dependentes<br />
de glicocorticóides, não se observou interferência na atividade<br />
adrenal e no crescimento e desenvolvimento fetal com o uso<br />
da medicação. 15 O aumento da expressão de proteínas de<br />
barreira dos glicocorticóides na placenta poderia explicar a<br />
alteração do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal materno pelo<br />
CI, sem interferência na função adrenal do feto. 19<br />
Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012 31
Tratamento e manejo da asma durante a<br />
gestação<br />
O manejo da asma durante a gestação é semelhante ao<br />
recomendado fora do período gestacional 26-28 , incluindo a<br />
necessidade de evitar fatores desencadeantes, realização de<br />
avaliações espirométricas regulares, orientação da medicação<br />
e de planos de ação terapêuticos, além do controle das<br />
exacerbações, visando o bem estar da mãe e do feto. O sucesso<br />
depende da correta avaliação da gravidade, identificação e<br />
conduta adequada e precoce das exacerbações, procurando<br />
um tratamento individualizado, de acordo com as diretrizes de<br />
manejo da asma. 26-28 É importante integrar os cuidados com a<br />
asma, aos obstétricos, principalmente nos casos de asma não<br />
controlada ou grave/de difícil controle.<br />
Apenas metade das mulheres asmáticas que fazem uso<br />
de medicação preventiva para asma, continua a utilizá-la<br />
durante a gravidez 29 , ressaltando os aspectos importantes<br />
relacionados à necessidade de orientação adequada quanto<br />
à relevância do tratamento e da sua continuidade durante o<br />
período gestacional. Diversos estudos, compilados em uma<br />
meta-análise 1 , confirmam que um melhor controle da asma<br />
durante a gravidez reduz os riscos de efeitos deletérios tanto<br />
para a mãe quando para o feto.<br />
Existem evidências de segurança na utilização da maioria<br />
das classes de drogas empregadas para o controle da asma<br />
durante a gestação, cabendo ressaltar que a escolha dos<br />
medicamentos deve levar em consideração os benefícios do<br />
seu uso em relação aos potenciais riscos, tanto para a mãe<br />
quanto para o feto. O Food and Drug Administration (FDA),<br />
classifica os medicamentos utilizados no manejo da asma durante<br />
a gestação em categorias: A, B, C, D e X, de acordo com a<br />
segurança, baseando-se em estudos realizados em animais e<br />
seres humanos, sendo que a maioria dos medicamentos<br />
empregados no tratamento da asma é da classe B ou C. 26<br />
Os CI são seguros durante a gestação. 15-17,30-32 Não foi<br />
encontrada nenhuma alteração em relação ao crescimento<br />
fetal com o uso de beclometasona e budesonida, sendo esta<br />
última o corticosteróide inalatório que apresenta mais dados<br />
quanto a sua segurança e eficácia na gestação. 26 A<br />
beclometasona, embora com menos dados disponíveis,<br />
também apresenta baixo risco para o feto 33 , podendo ser<br />
utilizada com segurança na falta de disponibilidade da<br />
budesonida. Faltam estudos de relevância em relação a<br />
possíveis efeitos adversos dos novos CI, entretanto, estes<br />
são classificados na categoria C pelo FDA, na qual os estudos<br />
ainda são insuficientes e o risco não pode ser excluído,<br />
todavia, os benefícios podem justificar os riscos potenciais.<br />
Em relação à segurança dos corticosteróides orais (CO)<br />
os dados são menos claros. Entretanto, o seu uso para<br />
controle da asma grave e de exacerbações 34 , já está bem<br />
estabelecido. A sua prescrição deve ser realizada sempre<br />
que indicado, pois estas situações são condições de risco<br />
tanto para a mãe quanto para o feto e os benefícios superam<br />
os riscos. São descritos alguns efeitos colaterais com os<br />
CO, como lábio leporino e fenda palatina, quando utilizados<br />
no primeiro trimestre da gestação, além de baixo peso e<br />
aumento da incidência de parto prematuro. 35-37<br />
Apesar de diversos estudos mostrando segurança do<br />
tratamento da asma na gestação, tanto as gestantes quanto<br />
os médicos têm receio do uso das medicações nesse período,<br />
o que se deve ao conceito amplamente difundido de que<br />
muitas medicações têm efeitos teratogênicos quando<br />
utilizadas gestantes. Comparando-se gestantes e não<br />
gestantes que procuravam um serviço de emergência por<br />
exacerbação da asma constatou-se que as gestantes recebem<br />
corticóide sistêmico com uma frequência muito menor do<br />
que as não gestantes, apesar de sintomas e valores de pico<br />
de fluxo semelhante. 34 Nota-se, portanto que apesar de<br />
evidência bem estabelecida quanto à necessidade de manejo<br />
adequado para prevenção dos efeitos deletérios da asma<br />
não controlada sobre a mãe e o feto, o tratamento correto<br />
não é instituído plenamente na prática clínica. 4<br />
Dados sugerem a associação do uso de altas doses de CI<br />
no primeiro trimestre da gestação com malformação fetal 38 , no<br />
entanto, o não controle da asma, a ocorrência de exacerbações<br />
e visitas a sala de emergência levam a pior desfecho<br />
gestacional. Alguns estudos também associam uma maior taxa<br />
de desfechos negativos ao uso de CO e teofilina, porém<br />
acredita-se que tais alterações não se devam à medicação em<br />
si, mas à própria doença, de controle mais difícil, com<br />
necessidade de uso de tais medicações. As repercussões<br />
negativas sobre o feto seriam decorrentes do efeito da asma,<br />
principalmente nos episódios de exacerbação grave, algumas<br />
vezes podendo cursar com hipóxia, o que representa risco<br />
importante para o feto 4 . Deste modo, o aconselhamento<br />
materno sobre os riscos do tratamento e seu abandono, e a<br />
terapêutica farmacológica visando o controle da asma devem<br />
ser estimulados durante o período pré-natal.<br />
A segurança do uso de beta2 agonista de curta ação, o<br />
salbutamol, por via inalatória, durante a gestação, já foi<br />
demonstrada. 39 Porém, existem poucos dados avaliando a<br />
utilização dos beta2 agonistas de longa duração (formoterol<br />
e salmeterol). Tanto a ação farmacológica, quanto a<br />
toxicidade dos beta-agonistas de longa duração são<br />
semelhantes aos de curta ação e de acordo com a<br />
classificação do FDA para o grau de risco dos medicamentos<br />
utilizados no tratamento da asma, tanto o salbutamol, quanto<br />
o salmeterol e formoterol encontram-se na categoria C. 26<br />
As metilxantinas, embora seguras na gestação, não são o<br />
tratamento de escolha. 27 São escassas as informações em<br />
relação aos agentes anticolinérgicos e embora não sejam<br />
considerados de escolha para o tratamento da asma, o<br />
ipratrópio é classificado na categoria B do FDA. Antagonistas<br />
de leucotrienos são classificados na categoria B e em virtude<br />
de dados limitados em humanos, não é tratamento de primeira<br />
linha. O uso de anticorpo anti-Imunoglobulina E, o<br />
omalizumabe, não apresenta dados suficientes até o momento<br />
que justifique a sua indicação em gestantes.<br />
Gestantes com asma de maior gravidade e as com doença<br />
não controlada devem ter avaliações mensais, tanto com o<br />
32 Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012
obstetra quanto com o pneumologista, com o objetivo de<br />
acompanhamento constante quanto ao crescimento do feto,<br />
sinais de pré-eclâmpsia e verificação em relação à aderência<br />
ao tratamento, eficácia da medicação prescrita e controle da<br />
asma. No ambulatório de asma do Hospital das Clínicas da<br />
FMUSP, o acompanhamento das gestantes asmáticas é<br />
realizado quinzenalmente ou em consultas mensais,<br />
dependendo da evolução das pacientes.<br />
A recomendação atual, baseada em revisões recentes, é<br />
de que gestantes devem ser tratadas da mesma maneira que<br />
mulheres não gestantes, inclusive durante as exacerbações.<br />
A educação em asma e a relação médico-paciente são<br />
fundamentais em termos de um melhor conhecimento da<br />
doença e segurança da gestante, contribuindo com aumento<br />
da aderência e, portanto, melhor controle e redução de<br />
desfechos negativos.<br />
Conclusões<br />
Apesar de dados conflitantes de diversos estudos sabese<br />
que o curso da asma pode ser alterado pela gestação e<br />
que a doença se relaciona com efeitos indesejados durante<br />
esse período. A asma que requer hospitalização e a não tratada<br />
com CI, estão associadas com pior desfecho gestacional.<br />
O controle adequado da asma reduz o número de<br />
exacerbações e admissões hospitalares, reduzindo a necessidade<br />
do uso de CO. O tratamento correto com CI irá reduzir as taxas<br />
de parto prematuro, mortalidade perinatal e baixo peso ao<br />
nascer a níveis comparados aos de gestantes não asmáticas.<br />
O manejo da asma durante a gestação deve ser<br />
individualizado, e uma análise minuciosa do risco-benefício<br />
deve ser constantemente realizada. Ressalta-se a importância<br />
do seguimento conjunto da gestante pelo pneumologista e<br />
pelo obstetra e o conceito mais importante que deve ser<br />
passado para a paciente é que o controle inadequado da<br />
doença e as exacerbações são muito mais prejudiciais para o<br />
feto do que qualquer forma de tratamento instituído.<br />
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Regina Maria de Carvalho Pinto<br />
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34 Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012
Distúrbios respiratórios do sono na<br />
gravidez<br />
AUTORES: Adriana Hora de M. Fontes 1 , Eduardo Menezes Lopes 2 , Sonia Maria G. P. Togeiro 3<br />
1 Médica Especializanda em Pneumologia da Unifesp/Escola Paulista de Medicina (EPM)<br />
2 Médico pneumologista e Especializando em medicina do sono AFIP<br />
3 Doutora em pneumologia e Pesquisadora do Instituto do Sono- São Paulo<br />
Introdução<br />
Grávidas relatam, frequentemente, mudanças no padrão e<br />
duração do sono. A Insônia, a síndrome das pernas inquietas<br />
e os distúrbios respiratórios do sono (DRS) são prevalentes<br />
nesta população e ocorrem, principalmente, no último<br />
trimestre da gestação. O conceito de DRS refere-se ao<br />
conjunto de alterações que vão desde o ronco isoladamente<br />
e ou limitações do fluxo aéreo às manifestações mais graves,<br />
como apneia-hipopneia obstrutiva do sono. Essas desordens<br />
respiratórias são caracterizadas por episódios repetidos de<br />
obstrução parcial ou completa das vias aéreas superiores<br />
durante o sono, resultando em alteração na ventilação<br />
normal, hipoxemia intermitente e fragmentação do sono. 1-4<br />
A prevalência dos DRS na gravidez não é bem estabelecida<br />
na literatura, entretanto estudos sugerem a presença de<br />
ronco isoladamente em 14-45% das grávidas comparadas a<br />
15 % nas mulheres não grávidas. No entanto, faltam estudos<br />
com polissonografia para avaliar sua real frequência durante<br />
a gestação. 4<br />
O espectro clínico da doença varia de leve a grave, incluindo<br />
sintomas como: ronco habitual, fadiga, sonolência diurna,<br />
engasgos noturnos e pausas respiratórias. Entretanto, essas<br />
5, 6,7<br />
manifestações são ainda menos específicas nas grávidas.<br />
O diagnóstico e tratamento dos DRS na gestante são de<br />
fundamental importância, dada a sua associação às<br />
complicações obstétricas, principalmente desordens<br />
hipertensivas da gestação, além de diabetes gestacional e<br />
alterações no crescimento e vitalidade do feto. 1,4,5<br />
Fisiopatologia<br />
Nas gestantes, as evidências sugerem que o ronco, a<br />
apneia e a fragmentação do sono predispõem às<br />
complicações obstétricas. 2,8<br />
Alterações fisiológicas da gravidez que podem predispor<br />
a distúrbios respiratórios do sono incluem: ganho<br />
progressivo de peso, elevação do diafragma, alteração da<br />
mucosa nasofaringeana (por ação da rinite vasomotora e<br />
dos estrógenos levando a hiperemia e edema de mucosa).<br />
Tais condições podem reduzir significativamente a via aérea<br />
das gestantes, que associadas à redução da CRF podem<br />
aumentar a colapsibilidade desta, sobrepondo os efeitos<br />
protetores do aumento da ventilação mediado pela<br />
progesterona, da preferência pelo decúbito lateral<br />
(especialmente na fase mais tardia da gestação) e da própria<br />
4, 7, 9,10<br />
arquitetura do sono (redução do sono REM).<br />
As apneias e hipopneias cursam com hipóxia e hipercapnia<br />
intermitentes bem como a fragmentação do sono que, por sua<br />
vez, ativam os mecanismos envolvidos na gênese da hipertensão<br />
arterial, das alterações metabólicas e do desenvolvimento fetal.<br />
Aumento da atividade simpática, estresse oxidativo, inflamação,<br />
e ativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal com consequente<br />
hipercortisolismo são os mecanismos envolvidos na cadeia<br />
3, 7, 8,11<br />
de complicações referidas. (Figura 1).<br />
Outro aspecto a ser discutido é que boa parte das<br />
gestantes apresentam roncos e episódios de limitação ao<br />
fluxo aéreo, mas sem a presença de apneias ou hipóxia.<br />
Sugere-se, nestas circunstâncias, que o aumento do esforço<br />
respiratório levando ao aumento da pressão negativa<br />
intratorácica e fragmentação do sono com consequente<br />
ativação simpática estariam envolvidos nos desfechos<br />
3, 7-10<br />
obstétricos desfavoráveis.<br />
Complicações Obstétricas<br />
Os DRS podem estar associados com complicações na<br />
gravidez como: desordens hipertensivas, diabetes<br />
gestacional, restrição de crescimento intrauterino, trabalho<br />
de parto prematuro e escores mais baixos de Apgar. 2,12,13<br />
As desordens hipertensivas estão entre as complicações<br />
médicas mais comuns na gravidez e são uma importante causa<br />
de morbimortalidade materna e perinatal no mundo. Com<br />
prevalência em torno de 6-8% nas grávidas estão divididas<br />
em três categorias: hipertensão crônica, hipertensão<br />
gestacional e pré-eclâmpsia. Esta última é a apresentação<br />
clínica mais grave e é definida como o aparecimento de<br />
hipertensão e proteinúria após 20 semanas de gestação em<br />
previamente normotensas ou piora da hipertensão e<br />
surgimento de nova proteinúria em hipertensas prévias.<br />
Associação entre as desordens hipertensivas gestacionais<br />
e os distúrbios respiratórios do sono foi descrita em diversos<br />
estudos. 5-8 A disfunção endotelial foi identificada como<br />
anormalidade chave na patogênese da hipertensão arterial e<br />
possivelmente, está presente nas gestantes com DRS,<br />
especialmente nas com apneia do sono mais grave. 2,3,12-16<br />
Diabetes gestacional e hiperglicemia isolada também<br />
Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012 35
G<br />
R<br />
A<br />
V<br />
I<br />
D<br />
E<br />
Z<br />
<br />
DRS<br />
<br />
<br />
Fragmentação<br />
do sono<br />
Hipóxia/<br />
Hipercapnia<br />
intermitentes<br />
} }<br />
Stress<br />
oxidativo<br />
Atividade<br />
simpática<br />
Inflamação<br />
36 Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012<br />
HHA<br />
Adipocinas<br />
Complicações<br />
Hipertensivas<br />
e de<br />
Desenvolvimento<br />
fetal<br />
Fig. 1. Mecanismos relacionados aos distúrbios respiratórios do sono sobre os desfechos maternos e fetais.<br />
Adaptado do Bilgay Izci-Balserak and Grace W. Pien. Sleep-disordered breathing and pregnancy: potential mechanisms and evidence for<br />
maternal and fetal morbidity Curr Opin Pulm Med 16:574–582.<br />
DRS: Distúrbios respiratórios do sono.<br />
HHA: hipotálamo-hipófise-adrenal.<br />
estão associadas com risco aumentado para complicações<br />
materno-fetais, como pré-eclâmpsia e retardo de<br />
crescimento fetal. Com prevalência em torno de 1-8% nas<br />
grávidas, os estudos sugerem associação com os<br />
distúrbios respiratórios do sono. É provável que a<br />
inflamação e o aumento da atividade simpática sejam os<br />
mecanismos envolvidos na intolerância a glicose e<br />
resistência à insulina a semelhança da hipertensão<br />
2, 4, 7, 17<br />
arterial.<br />
Diagnóstico<br />
Não existem consensos específicos para a triagem de DRS<br />
na gestação. Devido ao risco de complicações materno-fetais,<br />
o diagnóstico deve sempre ser feito o mais precoce possível.<br />
Alguns autores sugerem que grávidas com sonolência<br />
excessiva diurna, ronco intenso e testemunho de paradas<br />
na respiração durante o sono devem ser avaliadas para DRS. 5<br />
A avaliação da queixa de sonolência na gestante requer<br />
atenção dos especialistas. Este sintoma, muitas vezes é<br />
considerado “normal” na gestação, associado ao fato de<br />
que nem sempre é evidenciada mesmo quando objetivamente<br />
avaliada (p. ex: Escala de Sonolência de Epworth). Os<br />
sintomas mais frequentemente descritos são “cansaço” e<br />
“fadiga”. O uso de questionários para rastreamento de<br />
doenças respiratórias no sono também apresentam um valor<br />
preditivo baixo na gestante. Um estudo encontrou<br />
sensibilidade de 35% e especificidade de 63% quando aplicou<br />
o questionário de Berlim neste grupo de pacientes.<br />
Mulheres com hipertensão arterial sistêmica prévia à<br />
gravidez ou mesmo relacionada à gestação, pré-eclampsia,<br />
diabetes gestacional ou história de restrição de crescimento<br />
intrauterino de forma não explicada, devem ser avaliadas<br />
com atenção para distúrbios respiratórios do sono, especialmente<br />
se há fatores predisponentes como obesidade. 19<br />
O diagnóstico deve ser realizado por meio do exame de<br />
polissonografia de noite inteira. O estudo polissonográfico<br />
geralmente é realizado sem dificuldades e está validado na<br />
gestante, devendo ser realizado na sua forma usual. 20<br />
Dentro do espectro dos eventos respiratórios anormais<br />
na polissonografia além das apneias e hipopneias, podem<br />
ocorrer episódios isolados de limitação ao fluxo aéreo,<br />
2, 18<br />
caracterizada pelo achatamento da curva de fluxo, que<br />
decorrem do aumento da resistência das vias aéreas<br />
superiores. Nestes casos há limitação ao fluxo aéreo frente<br />
ao aumento do esforço respiratório que termina com despertar<br />
6, 21<br />
do sono. (Figura 2)<br />
Tratamento<br />
Gestantes com síndrome da apnéia do sono (SAOS)<br />
devem seguir medidas conservadoras como: ganho ponderal<br />
adequado, assumir a posição lateral para dormir, elevar a<br />
cabeceira da cama e evitar o uso de medicações com efeito<br />
sedativo ou mesmo álcool. 3-5<br />
O tratamento específico para a SAOS é similar ao aplicado<br />
em pacientes não gestantes. Destaca-se a importância de se<br />
corrigir a hipoxemia noturna (implicação na saúde materno-<br />
fetal).<br />
1,3,14, 20<br />
O CPAP nasal é o tratamento padrão para as gestantes<br />
com SAOS severa (IAH > 30 eventos/hora). Quadros leves<br />
ou moderados quando acompanhados de sintomas ou<br />
dessaturações recorrentes (SpO2 < 90%), também devem<br />
ser tratados com CPAP. Estudos confirmam a segurança,<br />
eficácia e tolerabilidade do uso do CPAP durante a gestação<br />
e nenhum efeito adverso foi diretamente atribuído a este<br />
tratamento. 5, 14, 20 (Figura 3)<br />
Na presença de eventos de limitação de fluxo aéreo e sem<br />
a presença de apneia e hipopneias, o CPAP com pressão fixa<br />
ou auto- ajustável torna-se uma alternativa atrativa.<br />
5,14, 22<br />
Desfechos favoráveis do uso do CPAP em grávidas<br />
como a redução da pressão arterial e melhora na vitalidade<br />
fetal foram demonstrados em vários estudos. No entanto,<br />
ainda que o CPAP possa ser útil em reduzir as<br />
complicações na gravidez, a presença da obesidade e préeclampsia<br />
em gestações anteriores foram associadas a<br />
complicações como pré-eclampsia, aborto e prematuridade<br />
e, portanto o tratamento individualizado deve sempre ser<br />
considerado. 14, 20, 22<br />
O uso de aparelhos intraorais é geralmente impraticável<br />
durante a gestação. Para a perfeita adaptação do dispositivo<br />
são necessárias múltiplas sessões com intervalos de<br />
algumas semanas, tornando-os inviáveis nesta condição.<br />
No entanto, pode ser uma alternativa às gestantes que não
Fig. 2. Traçado polissonográfico de 30 segundos com presença de achatamento da curva de fluxo (canal de fluxo).<br />
Circundado de vermelho: limitação fluxo aéreo com esforço respiratório. Circundado de azul: despertar<br />
Sintomas sugestivos ou fatores de risco para DRS na gestação.<br />
Não<br />
Sem necessidade de investigação adicional.<br />
Observar durante a evolução da gestação a<br />
ocorrência dos sintomas.<br />
Sem evidência de SAOS (IAH <<br />
5 eventos/hora) e sem<br />
dessaturação da SpO2
Seguimento Pós-parto<br />
A SAOS geralmente melhora após o parto devido à rápida<br />
redução do edema da nasofaringe e pela perda do excesso<br />
de peso. 24 Melhora significativa no IAH, nas dessaturações<br />
e no índice de despertares, geralmente são observados após<br />
3 a 6 meses pós-parto. 24<br />
Sugere-se que o manejo clinico no pós-parto em mulheres<br />
que apresentaram SAOS durante a gestação sejam de acordo<br />
com as recomendações a seguir: 5<br />
• SAOS severa: terapia deve ser continuada até o retorno<br />
do peso a 10-15% do peso basal. Nova polissonografia de<br />
controle deve ser realizada;<br />
• SAOS leve-moderada: o CPAP pode ser descontinuado<br />
no pós-parto. Entretanto requer atenção aos sintomas e<br />
sinais sugestivos de SAOS. Caso exista dúvida diagnóstica,<br />
deve-se repetir a polissonografia.<br />
• Todas as mulheres com SAOS relacionadas à gestação<br />
devem ser monitorizadas nas gravidezes subsequentes.<br />
Conclusões<br />
A gestação predispõe aos DRS pelo ganho de peso, edema<br />
de estruturas nasofaríngeas, aumento da pressão intraabdominal<br />
com subsequente elevação do diafragma e<br />
alterações hormonais. Existem fortes evidências que a<br />
presença de DRS durante a gravidez aumenta o risco de<br />
complicações hipertensivas e desfechos desfavoráveis tanto<br />
maternos quanto fetais. Mulheres com sintomas de DRS,<br />
hipertensão gestacional ou pré-eclâmpsia devem ser<br />
submetidas à avaliação diagnóstica de SAOS. O uso do CPAP<br />
nasal é o tratamento de escolha nos casos graves, ou mesmo<br />
dos casos leves a moderados, pois é eficaz em controlar o<br />
DRS e reduzir os desfechos desfavoráveis maternos e fetais.<br />
O término do tratamento no pós-parto esta ligado ao retorno<br />
ponderal próximo do basal pré-gestacional.<br />
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Sonia Maria G. P. Togeiro<br />
sonia.togeiro@sono.org.br<br />
38 Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012
Fisiologia respiratória durante<br />
a gestação<br />
AUTOR: João Marcos Salge 1<br />
1 Médico Assistente da Disciplina de Pneumologia, Instituto do Coração (InCor)/Faculdade de<br />
Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e médico do Grupo Fleury<br />
Introdução<br />
A gravidez é condição fisiológica temporária que faz parte<br />
do ciclo de vida da mulher. Durante este processo, o<br />
desempenho de diversos sistemas orgânicos é testado em<br />
condições de exigência acima do habitual. Mecanismos<br />
adaptativos e reserva funcional são necessários para que<br />
sejam atendidas as necessidades desta nova situação.<br />
Especificamente para o sistema respiratório, adaptações de<br />
conformação da caixa torácica e da musculatura respiratória,<br />
rearranjo dos compartimentos volumétricos pulmonares,<br />
ajustes da ventilação e das trocas gasosas no repouso e em<br />
resposta ao exercício ocorrem de maneira harmônica e<br />
integrada. Nesta revisão são apresentados os principais<br />
aspectos destas modificações adaptativas respiratórias.<br />
Caixa Torácica, Musculatura Respiratória e<br />
Volumes Pulmonares:<br />
Durante o ciclo gravídico, ocorrem diversos ajustes<br />
hormonais que, associados aos efeitos mecânicos<br />
decorrentes do aumento do volume uterino e às modificações<br />
circulatórias, resultam em alterações relevantes da fisiologia<br />
respiratória. Adaptações fisiológicas são fundamentais para<br />
atender as necessidades metabólicas, que estão muito<br />
aumentadas durante este período. 1<br />
A caixa torácica sofre alterações significativas na sua<br />
conformação desde fases precoces da gestação. Observase<br />
aumento do ângulo subxifoídeo (praticamente dobra de<br />
60º para 110º) e da circunferência do tórax, preparando o<br />
compartimento torácico para adaptar-se ao aumento uterino<br />
que virá a seguir. Este efeito decorre de ação hormonal,<br />
sobretudo da relaxina produzida pelo corpo lúteo e placenta,<br />
que induz afrouxamento de ligamentos pélvicos e também<br />
torácicos. Tais ajustes permitem aumento nos diâmetros<br />
ântero-posterior e transverso do tórax e garantem que não<br />
ocorra impacto relevante sobre os volumes pulmonares,<br />
compensando a elevação de até cerca 4 cm na posição das<br />
2,3, 4,5<br />
cúpulas diafragmáticas observada ao final da gestação.<br />
Apesar das alterações posicionais do diafragma e de<br />
conformação da caixa torácica, habitualmente não se observa<br />
prejuízo no desempenho da musculatura respiratória, estando<br />
preservadas as pressões ins e expiratórias máximas, assim<br />
como a pressão trans-diafragmática. O aumento da aposição<br />
diafragmática sobre a caixa torácica, decorrente de seu<br />
deslocamento cranial, reflete em aumento da incursão máxima<br />
deste músculo observada na gestação. 6,7<br />
Os volumes pulmonares estáticos permanecem inalterados<br />
durante a gestação, exceto pela redução da capacidade<br />
residual funcional (CRF) e de seus componentes, o volume<br />
residual (VR) e o volume de reserva expiratório (VRE). Em<br />
decorrência da elevação diafragmática e da redução da<br />
elasticidade do gradeado costal, a tração exercida pelo<br />
componente tóraco-abdominal para baixo e para fora tornase<br />
reduzida, em oposição a uma tensão elástica do parênquima<br />
pulmonar preservada durante a gestação, fazendo com que<br />
o equilíbrio de forças elásticas, que caracteriza a CRF, ocorra<br />
em volume pulmonar ligeiramente menor que na mulher não<br />
grávida. A complacência pulmonar não é afetada pela<br />
gestação. 6-8,9 A capacidade pulmonar total (CPT)<br />
habitualmente não se altera, ou por vezes sofre redução<br />
mínima, enquanto que a capacidade inspiratória (CI) aumenta.<br />
A Figura 1 ilustra os efeitos da gestação no 3º trimestre<br />
sobre os volumes pulmonares estáticos.<br />
Fig. 1: Efeito da gestação sobre os volumes pulmonares estáticos<br />
.Abreviações - CPT: capacidade pulmonar total; CRF: capacidade<br />
residual funcional; CI: capacidade inspiratória; VRE: volume de<br />
reserva inspiratório; VR: volume residual.<br />
Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012 39
Fluxos expiratórios e resistência das<br />
vias aéreas<br />
Durante a gestação, diversos fatores poderiam afetar o<br />
calibre das vias aéreas, com potencial influência sobre os<br />
fluxos expiratórios máximos e a resistência de vias aéreas.<br />
Edema da mucosa pela embebição gravídica,<br />
broncoconstricção pela redução das concentrações<br />
alveolares de dióxido de carbono (CO 2 ) e o efeito da redução<br />
de volume pulmonar (CRF) sobre as vias aéreas constituem<br />
exemplos de mecanismos que poderiam gerar redução de<br />
fluxos e aumento da resistência das vias aéreas. 9,10<br />
Entretanto, estas alterações teóricas não são confirmadas<br />
pelos diversos estudos que compararam variáveis<br />
espirométricas durante a gestação e após o parto. Não foram<br />
caracterizadas alterações relevantes na grávida quanto à<br />
capacidade vital forçada (CVF), volume expiratório forçado<br />
do 1º segundo (VEF 1 ) ou relação VEF 1 /CVF, o mesmo<br />
ocorrendo com os fluxos expiratórios e com a morfologia da<br />
alça fluxo-volume. Há alguma divergência na literatura quanto<br />
à caracterização de aumento, redução ou manutenção da<br />
CVF porém, mesmo nos estudos que mostraram aumento ou<br />
redução deste parâmetro, a modificação ocorreu em pequena<br />
magnitude e sem relevância clínica. 10,11,12,13,14,15<br />
Difusão<br />
Assim como em relação às vias aeras, diversas adaptações<br />
que ocorrem na gestação normal têm potencial influência<br />
sobre a difusão pulmonar, frequentemente medida na prática<br />
clínica pelo teste de difusão do monóxido de carbono (D L CO).<br />
O aumento da volemia capilar pulmonar e o consequente<br />
recrutamento capilar, associados ao aumento do débito<br />
cardíaco, constituem mecanismos potenciais para aumento<br />
da D L CO. Por outro lado, a redução da taxa de hemoglobina<br />
e os efeitos, ainda que leves em intensidade, de redução da<br />
CPT, tenderiam a promover sua redução. Estudo prospectivo<br />
avaliou o comportamento da difusão ao longo da gestação,<br />
por meio da realização de medidas seriadas mensais da D L CO<br />
desde o primeiro trimestre até o período pós-parto. 16 A D L CO<br />
no primeiro trimestre da gestação foi maior que nas mulheres<br />
não grávidas, ocorrendo pequena queda até 26ª semana, a<br />
partir de quando não se observou redução adicional. As<br />
modificações observadas ao longo da gestação não foram<br />
explicadas pelas variações das taxas de hemoglobina ou do<br />
volume alveolar. Não houve também correlação entre as<br />
variações da D L CO e os níveis séricos de estrogênio.<br />
Interessante particularidade ocorre na avaliação do efeito<br />
do decúbito sobre a D L CO em gestantes. Ao contrário do<br />
comportamento observado em mulheres não grávidas, as<br />
gestantes não apresentam aumento da D L CO na posição<br />
supina em comparação com a posição sentada. Este<br />
comportamento sugere efeito da gestação sobre o retorno<br />
venoso, provavelmente secundário à compressão da veia<br />
cava pelo útero gravídico. 17 De qualquer forma, as pequenas<br />
variações observadas em associação com a gravidez não<br />
mostraram impacto clínico nos diversos estudos disponíveis<br />
que abordaram este tópico. 16-18,19<br />
A relativa estabilidade das variáveis funcionais respiratórias<br />
que caracteriza o curso de uma gestação normal alerta para uma<br />
importante implicação prática: a identificação de alterações na<br />
função pulmonar de uma gestante deve ser valorizada e avaliada<br />
dentro do contexto clínico apropriado, considerando-se a real<br />
possibilidade de existência de doença pulmonar e evitando o<br />
equívoco de imputar as eventuais alterações funcionais às<br />
modificações gravídicas fisiológicas. Dados reais evolutivos<br />
dos parâmetros de função pulmonar de uma jovem saudável<br />
pré e durante as fases da gestação estão apresentados, a título<br />
de exemplo, na Tabela 1. Todos os parâmetros mantiveramse<br />
dentro das faixas previstas ao longo da gravidez.<br />
Ventilação, trocas gasosas e resposta ao<br />
exercício<br />
O padrão ventilatório sofre alterações adaptativas no<br />
decorrer da gestação. Marcado aumento na ventilação<br />
Tabela 1: Evolução de parâmetros de função pulmonar em mulher jovem saudável em condição basal e durante gestação<br />
normal (2º e 3º trimestres).<br />
Pré-Gestação 2º Trimestre 3º Trimestre VariaçãoPré x 3ºT<br />
CVF (L) 4,33 (114%) 4,38 4,38 + 0,05 L (1,5%)<br />
VEF (L) 1 3,39 (106%) 3,44 3,48 + 0,09 L (2,6%)<br />
VEF /CVF 1 0,78 (94%) 0,79 0,79<br />
FEF (L/s) 25-75% 2,93 (103%) 3,00 3,06<br />
CPT (L) 6,02 (111%) 5,75 5,75 - 0,27 L (-5,5%)<br />
VR (L) 1,62 (101%) 1,32 1,39 - 0,23 L (-14%)<br />
CI (L) 3,42 (132%) 3,36 3,44 + 0,02 L (0,5%)<br />
CRF (L) 2,60 (92%) 2,39 2,31 - 0,29 L (-11%)<br />
VRE (L) 0,98 (81%) 1,07 0,92 -0,06 L (-6%)<br />
D CO (mL/min.mmHg) L 26,1 (92%) 25,0 26,6<br />
Abreviações – CVF: Capacidade Vital Forçada; VEF : Volume expiratório forçado do 1º segundo; FEF : fluxo expiratório forçado<br />
1 25-75%<br />
médio, entre 25-75% da CVF; CPT: capacidade pulmonar total; CRF: capacidade residual funcional; CI: capacidade inspiratória; VRE:<br />
volume de reserva inspiratório; VR: volume residual; D CO: difusão medida pelo monóxido de carbono<br />
L<br />
Fonte dos Dados: Laboratório de Função Pulmonar – Serviço de Pneumologia do Incor / FMUSP 2012<br />
40 Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012
minuto (V E ) é observado, achado concordante nos diversos<br />
estudos da literatura. O aumento da V E ocorre precocemente<br />
na gestação, ao longo das primeiras 12 semanas, mantém-se<br />
neste patamar aumentado, sem incremento adicional<br />
relevante até o termo. A magnitude deste aumento é<br />
significativa, atingindo níveis em torno de 20% a 50% acima<br />
da ventilação em repouso em comparação com nãogestantes<br />
2,3,20,21 O padrão de aumento da V E também é<br />
bastante característico, ocorrendo essencialmente às custas<br />
de aumento do volume corrente (V T ) da ordem de 30 a 50%,<br />
equivalente a incremento de cerca de 200 mL. O aumento da<br />
frequência respiratória é bem mais modesto, entre 1 a 2<br />
inspirações por minuto, o que faz com que a duração do<br />
ciclo respiratório pouco se altere. O padrão ventilatório da<br />
gestante, que combina aumento do V T sem alteração<br />
relevante da frequência respiratória, gera como consequência<br />
o aumento dos fluxos ins e expiratórios, uma vez que passa<br />
a ser mobilizado maior volume de ar dentro de um mesmo<br />
intervalo de tempo. 20,21,22<br />
A gravidez está associada a um incremento do metabolismo<br />
basal, levando a aumento do consumo de oxigênio (VO 2 ) e<br />
da produção de dióxido de carbono (VCO 2 ). Entretanto, a<br />
hiper-ventilação da gestante não é apenas uma adaptação a<br />
este incremento de demanda ventilatória; mecanismos<br />
hormonais estão também envolvidos com a origem deste<br />
comportamento. A progesterona exerce reconhecido efeito<br />
estimulante sobre o centro de controle da respiração.<br />
Mulheres não-grávidas na fase lútea do ciclo menstrual e<br />
homens submetidos à administração de progesterona<br />
exógena apresentam respostas ventilatórias aumentadas. Os<br />
mecanismos moleculares relacionados a este efeito hormonal<br />
não são completamente esclarecidos, porém sabe-se que a<br />
ação do hormônio gera aumento da sensibilidade dos<br />
receptores de dióxido de carbono (CO 2 ) e estimulação dos<br />
centros neurais envolvidos com o controle da ventilação. O<br />
resultado é uma redução do ponto-alvo de ajuste CO 2 para<br />
níveis mais baixos. Estes efeitos ocorrem pela ação da<br />
progesterona isoladamente e são ainda potencializados pela<br />
associação com estrogênios. 23,24,25<br />
As modificações dos níveis de CO 2 no sangue arterial<br />
(paCO 2 ) observadas ao longo da gestação reforçam a tese<br />
de que a intensidade do incremento da ventilação na gestante<br />
excede a demanda metabólica. No primeiro trimestre observase<br />
redução da paCO 2 de 37 mmHg para ao redor de 27 mmHg,<br />
nível este que se mantém até o termo. Este comportamento<br />
caracteriza grau de ventilação alveolar desproporcionalmente<br />
maior que a necessidade ventilatória requerida para<br />
acomodar o aumento da VCO 2 . Em linha com este fenômeno,<br />
observa-se também uma elevação da pressão arterial de<br />
oxigênio (paO 2 ). A paO 2 aumenta de 95 para 105 mmHg já no<br />
primeiro trimestre e mantém-se elevada durante o restante<br />
da gravidez. 26,27 A alcalose respiratória gerada por esta adaptação<br />
do padrão ventilatório faz com que haja maior eliminação renal<br />
de bicarbonato, como mecanismo compensatório para ajuste<br />
do pH plasmático. Esta alcalose, mantida durante a gravidez,<br />
estimula a produção de 2,3 difosfo-glicerato (2,3-DPG), agente<br />
que interfere na curva de dissociação da hemoglobina,<br />
tornando-a mais apta a liberar o oxigênio na troca gasosa<br />
periférica. Estes efeitos constituem importantes mecanismos<br />
adaptativos que contribuem para a otimização da entrega de<br />
oxigênio para a circulação fetal. 26-28,29<br />
Dispnéia “Fisiológica” da Gestação<br />
A prática de exercício aeróbico em intensidade moderada<br />
é segura durante a gestação e parece exercer efeitos<br />
benéficos sobre o risco de adventos mórbidos como diabetes<br />
gestacional e pré-eclâmpsia. As respostas fisiológicas ao<br />
exercício apresentam características particulares na grávida.<br />
Estudos que avaliaram as respostas funcionais ao exercício<br />
incremental em gestantes saudáveis, comparando-as com<br />
as respostas observadas após o parto ou com grupo de<br />
mulheres não-grávidas. Não foram caracterizadas diferenças<br />
relevantes quanto ao VO 2 no pico do esforço, porém a V E<br />
atingiu níveis significativamente maiores para a mesma<br />
intensidade de carga de exercício nas gestantes (Figura 2a)<br />
6,1,10 Além do aumento da V E , há também aumento dos<br />
índices de dispnéia (escala de Borg) (Figura 2-b) e da<br />
intensidade do esforço muscular na respiração corrente<br />
durante o exercício (Figura 2-c); o esforço respiratório foi<br />
medido através da amplitude de variação da pressão<br />
esofágica, expressa como porcentagem da pressão<br />
inspiratória máxima (P ES /PImax %). Entretanto, ambas as<br />
variáveis não apresentaram diferenças quando corrigidas<br />
para a V E (Figura 2-d). Estes dados sugerem que o incremento<br />
da resposta ventilatória promove a necessidade de maior<br />
esforço inspiratório e que de fato não há caracterização de<br />
maior sensação de dispnéia na gestante, sobretudo quando<br />
corrigida para a intensidade da V E .<br />
O relato de sensação de dispnéia no curso de uma<br />
gestação normal é muito frequente, atingindo cerca de dois<br />
terços das gestantes, sintoma frequentemente chamado de<br />
dispnéia “fisiológica” da gestação. Interessante estudo<br />
comparou as respostas fisiológicas ao esforço em gestantes<br />
com e sem a queixa de dispnéia para atividades habituais,<br />
por meio da avaliação de um grupo de mulheres saudáveis<br />
no 3º trimestre da gestação e cerca de 4 a 5 meses após o<br />
parto. 30,31 No grupo sem dispnéia, a gestação não produziu<br />
diferença na escala de Borg em condições de mesma carga<br />
durante exercício incremental. Entretanto, a gestação<br />
proporcionou menor sensação de dispnéia quando corrigida<br />
pela ventilação minuto (Figura 3-a). Em contraste com este<br />
comportamento, no grupo com dispnéia a gestação foi fator<br />
associado ao aumento na escala de Borg em condições de<br />
iso-carga, mas não quando corrigida para a ventilação minuto,<br />
quando não diferiu do período tardio pós-parto (Figura 3-b).<br />
Estes dados sugerem que a dispnéia fisiológica da gestação<br />
consiste na percepção normal do estado de hiper-ventilação<br />
que acompanha a gravidez, ao passo que a gestante que<br />
não tem dispnéia apresenta uma redução da percepção que<br />
auxilia na tolerância do estado de hiper-ventilação próprio<br />
da gestação. Este estado de hiper-ventilação é mediado pelos<br />
ajustes hormonais promovidos sobre os centros de regulação<br />
da ventilação e tem importante papel adaptativo para<br />
Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012 41
Fig. 2: Comparação da resposta ventilatória e da sensação de dispnéia em mulheres saudáveis no 3º trimestre da gestação e no período<br />
tardio pós-parto. Fonte: Referência (31)<br />
Fig. 3: Comparação da resposta ao exercício no 3º trimestre da gravidez e no período tardio pós-parto de mulheres com e sem queixa de<br />
dispnéia durante a gestação. Fonte: Referência (30)<br />
42 Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012
atendimento das necessidades metabólicas da mãe e do feto.<br />
A queixa de dispnéia da gestante frequentemente é leve e<br />
apresenta pouco impacto para as atividades habituais, porém<br />
em alguns casos demanda avaliação médica. O conhecimento<br />
de seus mecanismos e características clínicas é fundamental<br />
para permitir a diferenciação entre dispnéia fisiológica da<br />
gestação daquela decorrente de alguma doença subjacente.<br />
Conclusão<br />
Alterações relevantes estruturais e funcionais ocorrem<br />
no transcurso de uma gestação normal. Aumento dos<br />
diâmetros ântero-posterior e transverso do tórax ocorrem<br />
precocemente para compensar a elevação diafragmática que<br />
progressivamente ocorrerá em consequência do aumento<br />
do tamanho uterino. Pequenas reduções da CRF são<br />
observadas, decorrentes da redução do VR e VRE, porém a<br />
CPT mantém-se estável. Fluxos expiratórios e difusão também<br />
não sofrem alterações relevantes. Portanto, a função<br />
pulmonar é essencialmente preservada em gestação normal<br />
e a presença de teste de função pulmonar alterado em uma<br />
gestante deve suscitar investigação diagnóstica adicional<br />
de acordo com o contexto clínico.<br />
Adaptações ventilatórias ocorrem de maneira relevante<br />
em repouso e como resposta ao esforço. A combinação de<br />
efeitos hormonais reajusta o ponto-alvo da paCO2 para<br />
patamar inferior, gerando estado de hiperventilação<br />
característico da gestante. A preservação da percepção deste<br />
estado crônico de hiper-ventilação está associada com a<br />
gênese da chamada dispnéia “fisiológica” da gestação.<br />
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João Marcos Salge<br />
jmsalge@me.com<br />
Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012 43
Alterações do crescimento e<br />
desenvolvimento pulmonar fetal<br />
AUTOR: Adyléia A Dalbo Contrera Toro<br />
1Medica Assistente do Departamento de Pediatria/ Pneumologia Pediátrica da Faculdade de Ciências<br />
Médicas /UNICAMP<br />
Introdução<br />
O desenvolvimento intrauterino do sistema respiratório é<br />
crucial para determinar a qualidade das trocas gasosas e a<br />
possibilidade de doenças durante a vida. Qualquer agressão<br />
nessa fase está relacionada com sintomas respiratórios na<br />
infância e na vida adulta em decorrência de alterações na<br />
formação dos alvéolos e dos brônquios. Fatores genéticos,<br />
ambientais, hormonais e nutricionais podem alterar o<br />
desenvolvimento pulmonar. Além disso, existem diferenças<br />
individuais em relação ao tamanho e calibre das vias aeríferas<br />
o que pode determinar um pior desfecho diante de um agravo.<br />
Eventos pós-natal como parto prematuro, infecções,<br />
ventilação mecânica também podem resultar em alterações<br />
persistentes na estrutura e função pulmonar. 1<br />
O desenvolvimento do pulmão compreende os estágios<br />
embrionário, pseudo glandular, canicular, sacular , alveolar,<br />
prossegue após o nascimento e termina quando para o<br />
crescimento do indivíduo. 2 Fig-1<br />
Fig-1. Fases do desenvolvimento das vias aéreas Modificado de Miller e Marty, 2010 6 .<br />
Desenvolvimento pulmonar durante a<br />
gestação<br />
a.Fase embrionária<br />
Na quarta semana de gestação a partir do tubo digestivo<br />
se diferencia um broto que origina a laringe e a traqueia.<br />
Essa se subdivide em dois ramos, os brônquios principais<br />
direitos e esquerdo. 2<br />
b.Fase Pseudo glandular<br />
A árvore traqueobrônquica se origina nas primeiras semanas<br />
de gestação. A via de condução está completa perto da 16ª<br />
semana de gestação durante a fase pseudo-glandular, quando<br />
ocorre o desenvolvimento das vias aéreas inferiores em 20<br />
ramificações. Os 8 primeiros são os brônquios com cartilagem<br />
em sua estrutura e os demais ramos de 9 a 20 gerações, são os<br />
bronquíolos. Os vasos linfáticos e a membrana pleural se<br />
desenvolvem nesse período. Durante esse período pode<br />
ocorrer anormalidades das conexões dos brônquios como o<br />
cisto brônquico e o enfisema lobar congênito.<br />
44 Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012
c.Fase Canicular<br />
Entre as 16ª e 24ª semana é a fase canicular em que as<br />
estruturas condutoras têm seu calibre aumentado. Ocorre<br />
diferenciação dos espaços aéreos e da vasculatura pulmonar,<br />
o que permite a troca gasosa. Isso explica o fato de<br />
prematuros com 24 semanas de gestação poder apresentar<br />
oxigenação do sangue embora não tenham completado a<br />
diferenciação da membrana alvéolo-capilar e dos septos<br />
interalveolares.<br />
d.Fase Sacular<br />
Na fase seguinte entre as 24 e 36 semanas, as vias aéreas<br />
pré-acinares crescem, os bronquíolos se desenvolvem e os<br />
ácinos são formados. O alvéolo pode ser reconhecido a partir<br />
da 30ª semana de gestação. 3<br />
e.Fase Alveolar<br />
Compreende o período de 37 semanas a 3 anos pós-termo.<br />
Com a evolução das estruturas alveolares ocorre um aumento<br />
da superfície das trocas gasosas.<br />
O crescimento das vias aéreas prossegue após o<br />
nascimento, tendo seu diâmetro dobrado e seu comprimento<br />
triplicado até a idade adulta. 4 Recém-nascidos com a mesma<br />
idade gestacional e peso apresentam diferenças no calibre e<br />
número de alvéolos ao nascimento. Essas diferenças também<br />
são encontrados nas meninas e meninos. 5<br />
Determinantes pré-natais do desenvolvimento<br />
das vias aéreas<br />
a.Fatores Mecânicos<br />
O desenvolvimento estrutural e funcional das vias aéreas<br />
inferiores durante a gestação é determinado também por fatores<br />
mecânicos 7 . A limitação do espaço torácico em geral em presença<br />
de hérnia diafragmática está associado ao um menor crescimento<br />
e desenvolvimento pulmonar. O volume do líquido amniótico<br />
também está associado com alterações, como a hipoplasia<br />
pulmonar encontrada em crianças com oligodrâmnio.<br />
A destruição seletiva da medula cervical ao nível do<br />
núcleo do frênico resulta em parada dos movimentos<br />
respiratórios fetais e alterações no desenvolvimento<br />
pulmonar. A redução ou parada dos movimentos respiratórios<br />
fetais pode ser responsável pelo crescimento anormal do<br />
pulmão visto em condições tais como a Doença de Werdig–<br />
Hoffman ou a distrofia miotônica. 8<br />
b.Fatores Genéticos<br />
As características genéticas individuais influenciadas<br />
pelo meio ambiente são determinantes para o crescimento<br />
estrutural e funcional das vias aéreas . Algumas doenças tais<br />
como doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), Asma e<br />
Fibrose Cística podem estar relacionadas com o<br />
desenvolvimento anormal do pulmão na vida intrauterina e<br />
nos primeiros anos de vida. 9 Diferentes características<br />
genéticas individuais que influenciam o crescimento<br />
pulmonar podem contribuir com a futura vulnerabilidade dos<br />
pulmões aos agravos do meio ambiente e suscetibilidade a<br />
futuras doenças. 9<br />
A epigenética, controle do fenótipo ao nível molecular,<br />
refere-se a todas as mudanças reversíveis e herdáveis no<br />
genoma funcional que não alteram a sequência de<br />
nucleotídeos do DNA. Nesse sentido ocorre a mudança de<br />
expressão espaço-temporal de genes durante a diferenciação<br />
de um tipo de célula através da influência do meio ambiente<br />
e esses são passados para os descendentes. 10<br />
As mudanças epigenéticas são fortemente influenciadas<br />
pelo ambiente. Qualquer alteração ambiental como poluição,<br />
tabagismo tipo de alimentação e infecção pode acarretar em<br />
mudanças epigenéticas. Sendo assim, a epigenética está<br />
intimamente relacionada com o aumento de variabilidade<br />
fenotípica dos indivíduos resultando em relevante<br />
importância para a evolução.<br />
A nicotina é o maior produto do cigarro e está associada<br />
com dano ao DNA. A exposição a fumaça do cigarro durante<br />
a vida uterina e no período pós-natal leva a sérias alterações<br />
estruturais do pulmão e resulta em mudanças epigenéticas<br />
que podem passar para as futuras gerações. 11<br />
c.Fatores Ambientais<br />
A exposição a poluentes do ambiente durante a vida<br />
intrauterina e no período pós-natal altera negativamente ao<br />
crescimento e a função pulmonar. 12,13,14 Associado a isso<br />
existem alterações como diminuição da alveolização,<br />
decréscimo da síntese e liberação de proteínas e de<br />
surfactante pelo epitélio alveolar que estão associados a<br />
prematuridade do recém nascido. 14 Assim parto prematuro e<br />
retardo do crescimento intrauterino, causas comuns de baixo<br />
peso ao nascimento irão influenciar o risco de doenças<br />
pulmonares em todos os estágios da vida pós-natal. 14,15<br />
Estudos prospectivos que investigaram a associação entre<br />
a exposição materna a poluentes ambientais e parto prematuro<br />
relataram significantes redução no tempo de gestação com<br />
aumento dos níveis de partículas totais em suspensão e<br />
dióxido de enxofre no ar. 16<br />
Além disso, as associações entre cigarro, tabagismo<br />
materno e mortalidade fetal, parto prematuro, retardo do<br />
crescimento intrauterino são amplamente documentados na<br />
literatura. 14, 17 18, 19,20 Acredita-se que esses efeitos são<br />
relacionados a toxidade do cigarro na época do<br />
desenvolvimento fetal por acarretar alterações morfológicas<br />
na placenta o que contribui para hipóxia crônica e nutrição<br />
deficiente do feto. 14 Outra alteração associada a exposição<br />
à fumaça do cigarro é a supressão imunológica que aumenta<br />
o risco de infecções respiratórias.<br />
Assim as agressões ambientais somadas às infecções<br />
crônicas e recorrentes durante a fase de crescimento pulmonar<br />
intenso e maturação do sistema imunológico podem interferir<br />
na formação adequada das estruturas respiratórias. 21<br />
d. Infecções durante o período pré-natal<br />
Durante a gravidez pode ocorrer infecção intrauterina<br />
como a corioamnionite. Alguns estudos mostraram que a<br />
infecção intrauterina está associada com trabalho de parto<br />
prematuro. 22 Entretanto a função placentária pode não ser<br />
afetada pela infecção havendo um crescimento fetal<br />
adequado e a gravidez chegar ao final. Mas a corioamnionite<br />
pode alterar o desenvolvimento de alguns órgãos na vida<br />
fetal entre eles o pulmão. Estudos em animais mostraram<br />
que a exposição fetal a agentes inflamatórios lipossacarídeos<br />
Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012 45
ou endotoxinas pode alterar profundamente o<br />
desenvolvimento pulmonar. As alterações irão depender da<br />
época da exposição e do grau da inflamação. São<br />
questionados duas alterações relacionadas a corioamnionite.<br />
A primeira, o estímulo da produção de surfactante e a<br />
segunda o efeito adverso sobre o desenvolvimento<br />
alveolar. 20 Dessa forma a corioamnionite contribui para um<br />
amadurecimento pulmonar precoce com a produção do<br />
surfactante o que melhora a complacência pulmonar após o<br />
parto prematuro e contribui com a sobrevivência do recémnascido<br />
pré-termo, mas também afeta negativamente o<br />
desenvolvimento alveolar o que pode elevar o risco de displasia<br />
broncopulmonar. 23 Não se sabe se a alteração na arquitetura<br />
pulmonar causada por infecção no período pré-natal é<br />
permanente, visto que alguns estudos mostraram a recuperação<br />
estrutural e funcional do pulmão após o nascimento. 20 Todavia<br />
a exposição à endotoxinas no período condiciona duas<br />
respostas do sistema imune inato, a maturação e a tolerância. O<br />
pulmão do feto contém uma quantidade muito pequena de<br />
macrófagos intersticiais ou alveolares e os monócitos presentes<br />
são imaturos. A corioamnionite ativa a inflamação inicial<br />
promovendo a maturação dos macrófagos alveolares, mas uma<br />
segunda exposição à endotoxinas não amplia a resposta<br />
inflamatória pelo mecanismo de tolerância o que deve ser vital<br />
para sobrevivência do feto em um ambiente pró-imflamatório. 24<br />
Os efeitos da exposição a infecções sobre o sistema imunológico<br />
na fase prenatal estão começando a ser desvendadas na<br />
literatura e algumas respostas não estão totalmente claras. 22<br />
Considerações finais<br />
Fatores que afetam o desenvolvimento pulmonar durante<br />
a gestação e no pós-natal imediato precisam ser melhores<br />
reconhecidos, para que sejam evitados os desfechos<br />
negativos. Os maiores eventos associados negativamente a<br />
formação do pulmão são a insuficiência placentária, a<br />
exposição a fumaça do cigarro, o parto prematuro, as<br />
infecções e a poluição ambiental.<br />
O padrão de crescimento e de desenvolvimento das vias<br />
aéreas e do parênquima pulmonar está relacionado com<br />
doenças futuras tanto na faixa etária pediátrica como na vida<br />
adulta. Portanto um melhor reconhecimento das alterações<br />
estruturais e funcionais do sistema respiratório que ocorrem<br />
durante a fase de pré-natal acarretará em estratégias para<br />
reduzir o quadro atual de doenças pulmonares relacionadas<br />
ao desenvolvimento pulmonar.<br />
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Med. 2009 Feb;14(1):2-7<br />
Adyléia A. Dalbo Contrera Toro<br />
dalbotoro@terra.com.br<br />
46 Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012
Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012 47
48 Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012
RELATO DE CASO<br />
Gestação em paciente com<br />
Fibrose Cística<br />
AUTORES: Silvia Maria Romão Pontes 1 , Lidia Alice Gomes M.M. Torres 2 , Ieda Regina Lopes Del Ciampo 3 ,<br />
Marcelo Amaral Ruiz 4 , Albin Eugenio Augustin 5 , Valéria Laguna Salomão Ambrósio 6 ,<br />
Maria Inez Machado Fernandes 7<br />
1 Médica Pneumologista Assistente do Ambulatório Multidisciplinar de Fibrose Cística do Hospital<br />
das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HC/<br />
FMRP/USP)<br />
2 Chefe do Serviço de Pneumologia Pediátrica e Assistente do Ambulatório Multidisciplinar de<br />
Fibrose Cística - HC/FMRP/USP<br />
3 Médica Pediatra Gastroenterologista e Assistente do Ambulatório Multidisciplinar de Fibrose<br />
Cística - HC/FMRP/USP<br />
4 Médico Pediatra Endocrinologista Assistente do Ambulatório Multidisciplinar de Fibrose Cística<br />
- HC/FMRP/USP<br />
5 Médico Pediatra Pneumologista Assistente do Ambulatório Multidisciplinar de Fibrose Cística -<br />
HC/FMRP/USP<br />
6 Nutricionista Chefe da Clínica Materno-Infantil - HC<br />
7 Docente do Departamento de Pediatria e Chefe do Ambulatório Multidisciplinar de Fibrose Cística<br />
HC/FMRP/USP<br />
Introdução<br />
A Fibrose Cística (FC) é uma doença autossômica<br />
recessiva causada por mutações em um gene que codifica<br />
uma proteína denominada CFTR, cuja função é o transporte<br />
transmembrana de cloro. Sendo várias as mutações já<br />
conhecidas, os fenótipos são bastantes variáveis. 1<br />
É uma doença complexa que acomete vários órgãos,<br />
sendo a insuficiência pancreática exócrina, com consequente<br />
má-absorção e desnutrição, e a doença pulmonar crônica,<br />
caracterizada por bronquiectasias, colonização por agentes<br />
microbiológicos patogênicos e piora progressiva da função<br />
pulmonar, suas principais manifestações. 3<br />
Embora, há algumas décadas a sobrevida fosse muito<br />
reduzida, a associação do diagnóstico precoce a melhores<br />
abordagens terapêuticas permitiu que atualmente esta se<br />
elevasse para, em média, os 40 anos de idade e<br />
consequentemente, houve uma elevação na incidência de<br />
gestantes portadoras da doença. 2,3,4<br />
Registros da Fundação Norte-Americana de Fibrose<br />
Cística apontam para cerca de 140 gestações por ano desde<br />
1991, com um percentual de gravidez igual a 3-4% nas<br />
fibrocísticas acima de 17 anos. 4<br />
A gestação nas portadoras de Fibrose Cística deve ser<br />
considerada de alto risco, pois as modificações fisiológicas<br />
próprias da gestação podem comprometer seriamente o<br />
estado nutricional e o aparelho cardiorrespiratório da<br />
gestante, principalmente naquelas com menor função<br />
pulmonar. 5<br />
A evolução e o desfecho da gravidez nestas mulheres<br />
são variáveis, habitualmente com manejo complexo.<br />
Consideramos interessante relatar o caso de uma gestante<br />
portadora de Fibrose Cística, com grave comprometimento<br />
pulmonar, paciente de nosso Ambulatório Multidisciplinar<br />
de Fibrose Cística (AMFC) no Hospital das Clínicas de<br />
Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.<br />
Caso Clínico<br />
Paciente de 32 anos, portadora de FC, com diagnóstico<br />
aos 04 anos de idade, apresentava:<br />
• insuficiência pancreática exócrina, em terapia de<br />
reposição das enzimas pancreáticas;<br />
• diabetes relacionada a FC (DRFC), em uso de insulina<br />
regular;<br />
• doença pulmonar crônica sendo VEF 1 antes da gestação<br />
correspondente a 27% do previsto (0,83L), em uso de alfadornase<br />
duas vezes ao dia;<br />
• colonização crônica da via aérea por Stafilococcus<br />
aureus MSSA, Pseudomonas aeruginosas e Achromobacter<br />
xylosoxydans ssp denitrificians, em uso de colistina<br />
inalatória no momento da descoberta da gestação<br />
Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012 49
Tabela 1 – Evolução laboratorial<br />
Basal Primeiro trimestre Terceiro trimestre Pós – parto<br />
Sódio (mmol/L) 138,6 137,3 131 142<br />
Potássio (mmol/L) 4,3 4,9 3,7 4,6<br />
Cálcio total (mg/dl) 9,4 - -<br />
Creatinina (mg/dl) 0,8 0,7 0,5 0,7<br />
Uréia 25 20 12 32<br />
Hb (g/dl) 12,2 10,9 10,0 10<br />
Ht (%) 38 34 33 33<br />
VCM (fl) 78 77 85 65<br />
HCM (pg) 24,9 31,7 26 26<br />
GB 12300 9500 9400 8400<br />
Plaquetas 366000 375000 326000 479000<br />
AST (U/l) 12 10 12 10<br />
ALT(U/l) 8 5,0 9 18<br />
FAL (U/l) 185 123 254 249<br />
GGT (U/l) 18 12 36 30<br />
BB TOTAL (mg/dl) - - 0,38 0,17<br />
TTPA (ratio) 1,24 1,27 1,14 -<br />
TP (INR) 1,0 1,0 0,9 -<br />
Glicemia (mg/dl) 122 92 124 169<br />
Ferro sérico (ug/dl) - 24 53 26<br />
UIBC (ug/dl) - 266 394 348<br />
Ferritina (ng/ml) - 19,8 47,6 57<br />
Colesterol total (mg/dl) 127 113 188 190<br />
LDL (mg/dl) 69 64 196 -<br />
HDL (mg/dl) 48 35 30 -<br />
Triglicérides (mg/dl) 51 71 118 162<br />
Albumina (g/dl) 4,1 3,15 3,2 3,3<br />
Proteína total (g/dl) 6,8 7,10 6,6 6,7<br />
Vitamina A (mg/l) - 0,38 0,16 0,52<br />
Hemoglobina glicosilada (%) - 8,3 6,0 -<br />
Devido à gravidade do comprometimento pulmonar e das<br />
frequentes exacerbações, apresentava necessidade de<br />
internações semestrais para realização de antibioticoterapia<br />
endovenosa (EV) e já era submetida a avaliações no serviço<br />
de transplante pulmonar do INCOR-SP.<br />
Não utilizava nenhum método contraceptivo. Compareceu<br />
à consulta de rotina com relato de atraso menstrual há 02<br />
meses e “teste de farmácia” positivo, sendo encaminhada<br />
para seguimento conjunto com o grupo de gestação de<br />
alto risco.<br />
A evolução dos exames laboratoriais encontram-se na<br />
tabela 1.<br />
Em consulta anterior à gestação, apresentava-se eutrófica<br />
do ponto de vista nutricional, com peso igual a 61,8<br />
quilogramas (Kg), altura igual a 1,64 m, correspondendo a<br />
um índice de massa corpórea (IMC) de 22,9 Kg/m 2 . Devido à<br />
hiperemese gravídica, chegou a pesar 60,6 Kg ao final do<br />
primeiro trimestre.<br />
Nesse mesmo período foi iniciada oxigenoterapia aos<br />
esforços, devido à presença de hipoxemia induzida por<br />
exercício detectada pelo teste de caminhada dos seis minutos.<br />
Houve, ainda, a necessidade de internação para uso de<br />
antibioticoterapia EV em razão de exacerbação infecciosa<br />
por volta da 12ª semana de gestação, quando apresentou<br />
piora da dispneia e do padrão do escarro, na vigência da<br />
colistina inalatória. Em razão do perfil de sensibilidade dos<br />
agentes colonizadores, optou-se pela utilização de<br />
meropenen e oxacilina, por 21 dias, nas doses habituais,<br />
após discussão em conjunto com a equipe de gestação de<br />
alto risco. Durante a internação, foi submetida a um<br />
ecocardiograma, que foi compatível com a normalidade.<br />
Recebeu alta com melhora clínica e ganho satisfatório de<br />
peso, sendo mantido o uso da oxigenoterapia aos esforços<br />
e à noite, além de tobramicina inalatória para manutenção do<br />
controle dos sintomas. Na alta, foi realizada prova de função<br />
pulmonar (PFP) com obtenção de VEF 1 correspondente a<br />
23% do previsto. A evolução da função pulmonar pode ser<br />
vista na tabela 2.<br />
Além das avaliações de rotina no AMFC e do pré-natal,<br />
fez-se correção das doses de sulfato ferroso, acido fólico,<br />
50 Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012
Tabela 2 - Evolução da função pulmonar durante o período gestacional<br />
Maio/2011 (pré-gestacional) Dez/2011 (17 sem) * Fev/2012 (23 sem e 5 d) *<br />
CV 1,84 L 51,4% ** 1,53 L 42,9% ** <br />
CRF 2,32 L 82,2% ** 1,73 L 61,3% ** <br />
VR 2,16 L 153,2% ** 1,57 L 109,8% ** <br />
CPT 4,0 L 80,1% ** 3,10 L 62% ** <br />
VEF1 0,83 L 27,1% ** 0,72 L 23,6% ** 0,76 L 25% **<br />
CVF 1,84 L 51,4% ** 1,53 L 42,9% ** 1,67 L 46,9% **<br />
VEF1/CVF % 45 47 45<br />
FEF25-75 0,21 L 5,9% ** 0,28 L 8% ** 0,22 L 6,3 **<br />
* idade gestacional ** porcentagem do previsto paciente não conseguiu realizar medição de volumes<br />
suplementos nutricionais e vitaminas, e controle rigoroso<br />
do DRFC. Houve acompanhamento nutricional, com<br />
orientações dietéticas que seguiram as recomendações para<br />
gestante fibrocística. A dieta foi fracionada em 6 vezes ao<br />
dia e foram utilizados suplementos com alta densidade<br />
calórica.<br />
Devido ao alto risco materno em uma possível posterior<br />
gestação, foi acordada com a equipe da Ginecologia e<br />
Obstetrícia (GO), com consentimento da paciente, a realização<br />
de laqueadura tubária.<br />
Nas consultas clínicas realizadas mensalmente e durante<br />
o pré-natal, as queixas de cansaço e dispneia limitante eram<br />
cada vez mais frequentes, com aumento progressivo de<br />
intensidade.<br />
Por volta da 29ª. semana de gestação, compareceu ao<br />
hospital com quadro clínico de dispneia, frequência<br />
respiratória de 40 incursões por minuto, hipoxemia em<br />
repouso, sinais de esforço respiratório, sibilos difusos,<br />
associado a relato de hemoptise de pequeno volume nos<br />
dias que antecederam a procura pelo serviço médico,<br />
hemoptoicos e piora da característica do escarro. Nova<br />
internação para controle, com utilização do mesmo esquema<br />
de antibiótico EV (meropenen e oxacilina). Houve<br />
necessidade de nebulização com broncodilatador por toda a<br />
internação. Pelo quadro clínico pouco favorável, a equipe<br />
Gráfico 1 – Evolução ponderal<br />
da gestação de alto risco optou por realizar o primeiro ciclo<br />
de betametasona para indução de maturação pulmonar do<br />
feto. Após alguns dias de internação, houve melhora clínica.<br />
No entanto, a corticoterapia prejudicou o controle do<br />
diabetes, com necessidade de aumento das doses de insulina<br />
e início do uso de insulina de ação intermediária. A paciente<br />
apresentou hiponatremia assintomática, sendo feita<br />
reposição com solução de reidratação oral, por volta do 14 o .<br />
dia de internação, além de edema dos membros inferiores,<br />
atribuído ao período gestacional.<br />
Apesar do controle clínico da exacerbação infecciosa, a<br />
dispneia piorava diária e gradativamente. No 20º. dia da<br />
antibioticoterapia, apresentou piora intensa, com dificuldade<br />
para tomar banho, pentear os cabelos, mover-se no leito.<br />
Após extensa discussão e descarte de outras hipóteses,<br />
consideramos o quadro como consequência da fase<br />
gestacional avançada numa paciente com função pulmonar<br />
reduzida. Desta forma, em reunião multidisciplinar com as<br />
equipes da Pneumologia/Fibrose Cística, Ginecologia e<br />
Obstetrícia além de Pediatria/Neonatologia, optou-se pela<br />
interrupção da gestação. Nesse momento, a paciente pesava<br />
69,2 Kg, com ganho médio de 230 g por semana (gráfico 1).<br />
Todas as avaliações obstétricas mostravam feto sem<br />
anormalidades, com excelente perfil biofísico fetal, com peso<br />
estimado de 1700 g ao redor da 29ª. semana de gestação. Foi<br />
Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012 51
ealizado o segundo ciclo de betametasona para maturação<br />
pulmonar fetal e posterior parto cesárea (PC) em 13/04/2012.<br />
A via de parto foi optada em razão da limitação da paciente<br />
para esforço físico e o procedimento transcorreu sem<br />
intercorrências para a mãe e para o RN. A modalidade<br />
anestésica escolhida foi a raquianestesia, e realizada<br />
laqueadura tubária.<br />
O concepto nasceu pré-termo, masculino, pesando 2555g<br />
e medindo 43 cm, com Apgar 8/9, adequado para idade<br />
gestacional. Em razão da prematuridade, foi encaminhado<br />
para a unidade de terapia intensiva. Apresentou desconforto<br />
respiratório transitório do recém-nascido, hipoglicemia e<br />
icterícia neonatal, que se resolveram gradativamente. Em<br />
razão da dificuldade de se estabelecer definitivamente a<br />
amamentação, e pelos cuidados exigidos na prematuridade,<br />
mãe e filho permaneceram internados por 15 dias. A paciente<br />
apresentou quadro gripal e evoluiu com sinusite aguda, sendo<br />
prescrito amoxacilina-clavulanato. Recebeu alta com<br />
medicações habituais.<br />
O teste de triagem neonatal foi normal, com IRT<br />
(imunotripsina reativa) igual a 13. Mãe e criança passam<br />
bem, com aleitamento materno complementado com fórmula<br />
apropriada e mãe utilizando medicações habituais.<br />
Discussão<br />
Apesar do desfecho favorável, a paciente apresentava<br />
uma função pulmonar basal muito limitante. De acordo com<br />
a experiência e o relato de outros centros, a função pulmonar<br />
basal é um dos determinantes do prognóstico da gestação,<br />
da evolução da mãe e do feto. 4,5,6 A função pulmonar reduzida<br />
está associada à prematuridade, retardo do crescimento fetal,<br />
além de complicações maternas graves no peri-parto. O VEF 1<br />
entre 60% e 70% seria o recomendado para uma evolução<br />
favorável da gestação. Há recomendações de interrupção<br />
da gestação caso a mãe apresente um CVF abaixo de 50%,<br />
entretanto, as únicas condições nas quais não restam<br />
dúvidas sobre a indicação de interrupção são hipertensão<br />
pulmonar e cor pulmonale pré-existentes. 6,7,8 Uma função<br />
pulmonar reduzida está associada à hipoxemia induzida por<br />
esforço e noturna, situações que podem surgir na evolução<br />
da gestação e devem ser ativamente pesquisadas neste<br />
contexto, pois a hipoxemia pode comprometer seriamente a<br />
evolução da mãe e da criança.<br />
Outra situação esperada nesta população é o<br />
aparecimento ou a descompensação do Diabetes relacionado<br />
à Fibrose Cística. A paciente portadora de FC gestante tem<br />
alto risco de desenvolver essa doença em razão da<br />
incapacidade de secretar quantidade suficiente de insulina,<br />
para equilibrar o aumento da resistência insulínica nas fases<br />
mais avançadas da gestação. A presença do DRFC está<br />
relacionada à prematuridade e geralmente associada à<br />
deterioração da função pulmonar. O mau controle glicêmico<br />
no primeiro trimestre está associado a malformações. 4,9 Nossa<br />
paciente já apresentava DRFC antes da gestação e tinha um<br />
bom controle glicêmico em uso de insulina. Como esperado,<br />
necessitou de ajustes frequentes da insulinoterapia durante<br />
a gestação. Não houve restrição dietética conforme previsto<br />
no tratamento desse tipo de diabetes, em razão da máabsorção.<br />
10<br />
O estado nutricional eutrófico de nossa paciente<br />
colaborou para a boa evolução. Baixo IMC está associado à<br />
piora da função pulmonar e baixo peso do RN ao nascer.<br />
Nossa paciente apresentou um ganho de peso satisfatório e<br />
recebeu constantemente orientações para suplementação do<br />
aporte calórico, tanto pela dieta como através de<br />
suplementos nutricionais. A reposição de vitaminas foi<br />
avaliada e readequada com base em dosagens séricas.<br />
Recomenda-se que a reposição de vitamina A não ultrapasse<br />
10.000 UI/dia. A suplementação de vitamina D ainda não<br />
está totalmente estabelecida. A deficiência de ferro já é<br />
descrita em pacientes com FC. A gestação aumenta os riscos<br />
de depleção e desenvolvimento de anemia. Desta forma, é<br />
comum a avaliação e reposição de ferro, durante o pré-natal,<br />
em mulheres grávidas mesmo saudáveis. A recomendação<br />
não difere para as portadoras de Fibrose Cística. Nossa<br />
paciente apresentava anemia hipocrômica e microcítica, com<br />
alteração na ferrocinética, a qual normalizou após reposição<br />
habitual. A ingesta de proteínas, carboidratos e gorduras,<br />
com acréscimos da quantidade de calorias de acordo com<br />
cada fase gestacional foi controlada e ajustada pela equipe<br />
de nutrição. O ganho adequado de peso é de suma<br />
importância para um prognostico favorável. Desta forma,<br />
recomenda-se a nutrição enteral em casos nos quais a<br />
ingestão calórica não é atingida. Embora, muito raramente<br />
necessária, há relato de caso de utilização de nutrição<br />
parenteral em gestante portadora de FC. 4<br />
Uma das principais dificuldades é o manejo terapêutico<br />
medicamentoso. Foram seguidas as recomendações das<br />
diretrizes européias sobre gestação em portadoras de FC,<br />
além de consultarmos a equipe da gestação de alto risco. O<br />
manejo dos antibióticos fica comprometido principalmente<br />
durante o primeiro trimestre. Tanto a tobramicina quanto a<br />
colistina inalatórias são classificadas como provavelmente<br />
seguras, em razão da baixa absorção sistêmica. Durante as<br />
internações, embora a escolha da oxacilina não oferecesse<br />
problemas em razão da segurança das penicilinas, o uso do<br />
carbapenêmico baseou-se no benefício superando os riscos<br />
para a mãe. Vários outros medicamentos de uso rotineiro<br />
pela paciente portadora de FC devem ser avaliados e<br />
readequados. As enzimas pancreáticas não trazem risco.<br />
Apesar da ausência de estudos sobre a segurança da alfadornase<br />
na gestação, provavelmente é segura, e não deve<br />
ser descontinuada. 4,9<br />
A fisioterapia é um dos pilares no tratamento do portador<br />
de FC. Dessa forma não deve ser desencorajada e sim<br />
adaptada a cada fase gestacional, inclusive com associação<br />
52 Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012
de reforço da musculatura do assoalho pélvico. 4<br />
A amamentação não é contraindicada. Deve-se estar<br />
atento para uso de drogas que possam ser prejudiciais ao<br />
RN para que adaptações possam ser feitas. Uma grande<br />
preocupação nesse grupo de mulheres é o consumo<br />
energético que exige a amamentação exclusiva, além do risco<br />
de desidratação. Dessa forma, estratégias para<br />
suplementação nutricional e hidratação vigorosa devem ser<br />
revistas regularmente no período pós-natal. 4<br />
Felizmente, tivemos um desfecho favorável. No entanto,<br />
a gestação nesse grupo de mulheres sempre deve ser visto com<br />
cautela e, de certa forma, pouco encorajada. Trata-se de gestação<br />
de alto risco para a mãe, com serias implicações clínicas, além de<br />
sociais e emocionais. A gravidade da doença, bem como sua<br />
complexidade, além de uma sobrevida ainda reduzida apontam<br />
fortemente para a necessidade real de investirmos em orientações<br />
sobre contracepção nos ambulatórios de transição. Há, ainda, a<br />
possibilidade do nascimento de um novo paciente portador de<br />
Fibrose Cística, na dependência do material genético do parceiro.<br />
Apesar de haver possibilidade de investigação e<br />
aconselhamento genético nessas gestações, infelizmente o<br />
acesso é restrito e muito caro. Neste caso específico, não<br />
houve possibilidade de avaliação genética.<br />
O preparo da família para suporte da gestante e da criança<br />
é de extrema importância e o serviço de apoio psicológico<br />
deve estar preparado para lidar com uma gestante com graves<br />
intercorrências clínicas, maior possibilidade de depressão<br />
pós-parto e grande insegurança e incerteza sobre o desfecho<br />
da gravidez . Há ainda que se dizer sobre a possibilidade do<br />
abortamento espontâneo ou a necessidade de intervenção<br />
com interrupção terapêutica da gestação, em geral por<br />
indicação materna. 11<br />
Conclusão<br />
A gravidez em pacientes portadoras de fibrose cística vem<br />
se tornando comum, em geral em pacientes jovens, com graus<br />
variáveis de comprometimento nutricional e função pulmonar<br />
reduzida. Embora não haja contraindicação para gravidez, tratase<br />
sempre de uma situação de alto risco para a mãe e para o<br />
feto, com implicações clínicas, emocionais e sociais sérias,<br />
principalmente quando presente de forma não planejada.<br />
O manejo terapêutico, principalmente medicamentoso,<br />
exige uma série de adequações para minimizar os efeitos<br />
deletérios sobre a evolução da mãe e do concepto.<br />
A função pulmonar basal, o estado nutricional prévio e a<br />
presença ou não de DRFC estão intimamente relacionados ao<br />
desfecho mais ou menos favorável, na dependência do status<br />
dessas condições. Desta forma, baixa função pulmonar, IMC<br />
reduzido e mau controle glicêmico estão associados à<br />
prematuridade, malformações, baixo peso ao nascer, além de<br />
maior morbimortalidade materna.<br />
Nosso objetivo foi relatar o caso de uma gestação de alto<br />
risco em uma paciente fibrocística, portadora de DRFC, com<br />
função pulmonar muito reduzida e que, pôde, apesar do manejo<br />
complexo, ter um final muito satisfatório. A abordagem<br />
multiprofissional contribuiu muito para esse desfecho.<br />
Vale ressaltar, que em razão dos riscos apresentados, é de<br />
suma importância que os profissionais que atuam nos<br />
ambulatórios de transição e no atendimento de fibrocísticos<br />
adultos estejam aptos para abordar claramente questões<br />
como sexualidade, gravidez e contracepção e que estratégias<br />
de abordagem e intervenção sejam feitas para minimizar riscos<br />
ou evitar uma gravidez indesejável.<br />
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Silvia Maria Romão Pontes<br />
smrpontes@yahoo.com<br />
Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012 53
Uso do sildenafil em gestação de<br />
paciente com Hipertensão Arterial<br />
Pulmonar secundária à cardiopatia<br />
congênita (Síndrome de Eisenmenger)<br />
AUTORAS: Paula Catarina Caruso¹; Maira Eliza Petrucci Zanovello¹; Ilma Aparecida Paschoal²;<br />
Mônica Corso Pereira 3<br />
1Residentes de Pneumologia da Disciplina de Pneumologia, Faculdade de Ciências Médicas,<br />
UNICAMP<br />
2Professora Associada da Disciplina de Pneumologia, Faculdade de Ciências Médicas, UNICAMP<br />
3Médica Assistente da Disciplina de Pneumologia, Faculdade de Ciências Médicas, UNICAMP<br />
Introdução<br />
Pacientes portadoras de cardiopatias congênitas tinham<br />
um prognóstico limitado até pouco tempo atrás. Com a<br />
melhora da sobrevida dos portadores destas graves<br />
afecções, devido ao diagnóstivo precoce e à melhora técnica<br />
e maior acesso às cirurgias corretivas, cada vez mais<br />
pacientes mulheres com cardiopatia congênita atingem a<br />
idade fértil e acabam por engravidar. 1<br />
A mortalidade materna de grávidas portadoras de<br />
hipertensão arterial pulmonar (HAP) de uma maneira geral é<br />
ainda muito elevada e varia conforme a etiologia. Em revisão<br />
de 2009, em 73 casos de parturientes com hipertensão<br />
pulmonar, a mortalidade variou de 17% na hipertensão<br />
pulmonar idiopática (HAPI), 28% na HAP com cardiopatia<br />
congênita e 33% na HAP de outras causas. 2<br />
A presença da anormalidade da estrutura e função<br />
cardiorrespiratória desde o nascimento das pacientes com<br />
cardiopatia congênita leva a um remodelamento vascular<br />
nos pequenos vasos devido ao hiperfluxo crônico. Esse<br />
remodelamento é responsável por elevar a resistência<br />
vascular pulmonar. Quando as pressões nas câmaras<br />
cardíacas direitas tornam-se maiores que nas esquerdas, o<br />
fluxo tende a se inverter.<br />
Assim se define a Síndrome de Eisenmenger (SE): shunt<br />
intra ou extracardíaco, que quando não reparado resulta em<br />
remodelamento da vasculatura pulmonar e HAP progressiva,<br />
com inversão do fluxo sanguíneo e cianose. 3<br />
A prevalência da SE não é conhecida. De acordo com<br />
dados históricos, cerca de 8% dos pacientes com<br />
cardiopatias congênitas e 11% dos pacientes com shunts<br />
direita para esquerda desenvolvem SE 4 . O prognóstico de<br />
pacientes com SE é melhor do que dos pacientes com formas<br />
idiopáticas de hipertensão pulmonar. 5<br />
Esse relato de caso tem como objetivo descrever o manejo<br />
difícil de uma gestante com a SE, desde o acompanhamento<br />
pré-natal até o parto. O manejo da gestação em portadoras<br />
de HAP é complexo, e devem ser considerados diversos<br />
aspectos como necessidade, indicações e limitações do<br />
tratamento clínico, potenciais complicações do parto, escolha<br />
do tipo de anestesia e da via do parto. Idealmente o<br />
acompanhamento de grávidas portadoras de HAP deve ser<br />
feito em centros com experiência no manejo desta situação.<br />
Relatamos um caso de gestação em paciente com HAP<br />
que evoluiu com desfecho favorável para a mãe e bebê, na<br />
qual foi utilizado um inibidor de fosfodiesterase.<br />
Relato de Caso<br />
Paciente gestante de 34 anos com cardiopatia congênita<br />
e SE, classe funcional II, sem acompanhamento regular e<br />
que iniciou o pré-natal com 25 semanas de gestação.<br />
Trazia exames anteriores: Ecocardiograma (2004) –<br />
ventrículo direito (VD) de 40 mm, átrio único morfologicamente<br />
esquerdo (isomerismo esquerdo), hipertensão arterial<br />
pulmonar importante (PSAP não estimada); quantificação de<br />
shunt direito-esquerdo (cintilografia) positivo para shunt<br />
pulmonar-sistêmico. Ecocardiograma realizado em 2010,<br />
durante a gestação apresentava isomerismo atrial esquerdo,<br />
defeito parcial do septo atrioventricular, agenesia de veia cava<br />
inferior e pressão sistólica de artéria pulmonar (PSAP) estimada<br />
em 41 mmHg.<br />
Na 25ª semana de gestação a paciente foi internada<br />
eletivamente, e assim permaneceu até o parto. Durante todo<br />
o período usou enoxaparina 40mg via subcutânea uma vez<br />
ao dia e sildenafil 20 mg três vezes ao dia. No período foram<br />
realizados três novos ecocardiogramas que apresentavam a<br />
mesma alteração anatômica, e os mesmos níveis pressóricos,<br />
54 Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012
ausência de derrame pericárdico e ventrículo direito não<br />
medido. A paciente foi submetida ao parto cesárea com 32<br />
semanas de gestação, sem intercorrências. Optou-se por<br />
mantê-la em observação em Unidade de Terapia Intensiva<br />
por uma semana. Permaneceu internada por mais 30 dias<br />
após o parto, sem instabilidade hemodinâmica ou piora da<br />
HAP. A saturação de oxigênio se manteve 85% em ar<br />
ambiente, e não obteve resposta ao oxigênio suplementar.<br />
A criança vive bem, sem relato de malformações<br />
congênitas ou alteração de seu desenvolvimento.<br />
Discussão<br />
A SE se define por shunt intra ou extracardíaco com<br />
remodelamento da vasculatura pulmonar e HAP progressiva,<br />
com inversão do fluxo e cianose. 3 Cursa com hipoxemia<br />
crônica, dispneia e fadiga, insuficiência ventricular direita e<br />
morte prematura.<br />
Algumas mudanças fisiológicas acontecem no organismo<br />
materno durante a gravidez. As que tem maior impacto no<br />
organismo da gestante com SE são: aumento do volume de<br />
sangue, do débito cardíaco e redução da resistência vascular<br />
pulmonar e sistêmica. A gestação também é uma situação<br />
trombogênica devido à ativação de fatores trombogênicos 1 .<br />
Com as alterações hemodinâmicas do organismo durante<br />
a gestação pode haver aumento da HAP pré-existente, do<br />
fluxo plasmático e da sobrecarga ventricular direita, com<br />
consequente piora dos sintomas.<br />
A vasodilatação periférica da gestação gera aumento do<br />
fluxo sanguíneo da direita para a esquerda, fato que piora a<br />
hipoxemia pré-existente. O nível crítico ocorre durante o parto<br />
ou trabalho de parto, pelo possível maior comprometimento<br />
hemodinâmico. Se houver acidose ou qualquer sangramento<br />
maior, pode haver aumento da resistência vascular pulmonar,<br />
e eventualmente evolução para um desfecho fatal, com morte<br />
súbita. Além disso, no terceiro trimestre de gravidez há maior<br />
risco de aspiração do conteúdo gástrico devido à diminuição<br />
do tônus do esfíncter inferior do esôfago e distorção da<br />
anatomia gástrica, o que também pode piorar a dispnéia. A<br />
diminuição da capacidade residual funcional e o aumento<br />
do consumo de oxigênio podem resultar num rápido<br />
desenvolvimento de hipoxemia durante períodos de<br />
hipoventilação dessas pacientes. A anestesia inadequada<br />
pode acarretar piora da hipertensão pulmonar. 6<br />
O momento de iniciar o tratamento em pacientes com SE é<br />
uma questão não definida, principalmente em doentes<br />
estáveis. Não existem estudos ou “guidelines” para essa<br />
situação. Geralmente indica-se tratamento nos pacientes com<br />
sintomas como intolerância ao exercício, aumento da cianose<br />
e descompensação cardíaca. 7<br />
As terapias avançadas para HAP como os análogos da<br />
prostaciclina, antagonistas do receptor de endotelina e<br />
inibidores da fosfodiesterase melhoraram a capacidade<br />
funcional nos pacientes com HAP idiopática. Ocorrem<br />
efeitos semelhantes com o uso destes vasodilatadores em<br />
gestantes com SE. Se possível, devem ser administrados<br />
desde o início da gestação antes que aconteçam<br />
descompensações cardiovasculares.<br />
A anticoagulação sistêmica em pacientes com SE também<br />
é controversa e ainda não existem dados suficientes de<br />
estudos controlados, randomizados. Pacientes com Síndrome<br />
de Eisenmenger sofrem de variadas anormalidades<br />
hemostáticas, sobretudo alterações bioquímicas<br />
procoagulantes. Eventos tromboembólicos podem ocorrer<br />
em cerca de 20% desses pacientes. Portanto a anticoagulação<br />
parece lógica para o tratamento e prevenção de trombose. 8<br />
Os riscos de complicações durante a gestação e o parto<br />
devem ser levadas em consideração antes de usar os<br />
anticoagulantes. Os antagonistas de vitamina K são contra<br />
indicados por serem teratogênicos. A anticoagulação em<br />
gestante com SE pode levar a um risco elevado de<br />
sangramentos com queda de hemoglobina e necessidade de<br />
transplante. O uso de heparina de baixo peso molecular tem<br />
sido indicado por especialistas. 1<br />
Em relação aos vasodilatadores pulmonares, as grávidas<br />
acabam sendo excluídas dos estudos, dificultando a análise<br />
nesse grupo.<br />
O óxido nítrico (NO) inalado tem sido a droga mais usada<br />
e relatada, e tem como vantagens a redução aguda da<br />
resistência vascular no território pulmonar sem<br />
comprometimento significativo no débito cardíaco. 9<br />
Quanto aos antagonistas de receptor de endotelina, como<br />
a bosentana, estudos em animais mostraram efeitos<br />
teratogênicos. 10 De regra, tanto a bosentana quanto a<br />
ambrisentana não devem ser utilizadas na gestação.<br />
Estudos em animais com inibidores de fosfodiesterase não<br />
evidenciaram efeitos teratogênicos. Existem relatos de uso com<br />
desfechos bons para as mães e os fetos. O sildenafil produz<br />
vasodilatação dos vasos do miométrio com efeito positivo no<br />
crescimento fetal e no tratamento da pré-eclampsia.<br />
Os bloqueadores de canal de cálcio são seguros e podem<br />
ser utilizados em gestantes com resposta positiva no teste<br />
de vasorreatividade. 11 De quebra, tem ação na prevenção de<br />
parto prematuro, porém é crucial observar a possibilidade<br />
de queda do débito cardíaco e a instabilidade hemodinâmica.<br />
A conduta de internar a paciente entre duas a quatro<br />
semanas antes da data do parto, para monitorizar a gestante,<br />
e eventualmente antecipar parece garantir benefício no<br />
desfecho clínico. Na maioria das vezes, nas fases de parto e<br />
puerpério ocorrem fenômenos de tromboembolismo,<br />
hemorragia e piora da insuficiência cardíaca direita. Devemos<br />
então manter a atenção supervisionada dessas pacientes na<br />
fase de puerpério. 12<br />
Conclusão<br />
A gravidez deve ser contra-indicada em pacientes com<br />
SE devido ao alto risco materno, pois a taxa de mortalidade<br />
ainda é bastante elevada. As pacientes devem ser<br />
aconselhadas a realizar anticoncepção eficaz. Caso ocorra a<br />
gravidez, deve ser abordado com a gestante e o pai a<br />
possibilidade da interrupção da mesma. Caso a opção seja<br />
Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012 55
por manter a gravidez, o acompanhamento da gestante deve<br />
ser cuidadoso e feito por equipe multidisciplinar e com<br />
experiência no manejo desta situação.<br />
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Paula Catarina Caruso<br />
paulaccaruso@bol.com.br<br />
56 Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012
Tuberculose e gestação<br />
AUTORES: Ada Maria Dourado 1 , Luciene Franza Degering 1 e Jorge Barros Afiune 2<br />
1 Pneumologistas do Instituto Clemente Ferreira, São Paulo<br />
2 Diretor do Instituto Clemente Ferreira, São Paulo<br />
Introdução<br />
A tuberculose é um problema de saúde pública mundial.<br />
Aproximadamente um terço da população mundial está<br />
infectada pelo bacilo da tuberculose.<br />
A exata incidência da tuberculose na gestação é<br />
desconhecida, mas supõe-se ser tão alta quanto na população<br />
geral. Acredita-se que tuberculose de uma maneira geral não<br />
interfira na evolução da gravidez exceto nos casos de<br />
tuberculose avançada e quando associada à coinfecção com o<br />
HIV. Nestes casos contribuindo para mortalidade materno fetal.<br />
Complicações obstétricas podem ocorrer como alta taxa<br />
de aborto espontâneo, menor ganho de peso na gestação,<br />
recém nascido pré-termo, de baixo peso, aumento da<br />
mortalidade neonatal.<br />
Os objetivos deste trabalho serão de relatar um caso<br />
clínico de uma gestante que apresentou tuberculose e discutir<br />
a abordagem terapêutica nesta situação.<br />
Descrição do caso clínico<br />
IDENTIFICAÇÃO: ACAS, 17 anos, feminina, branca,<br />
solteira, estudante (fundamental incompleto).<br />
QUEIXA E DURAÇÃO: Dores nas costas há 1 mês da<br />
data da consulta.<br />
HPMA: Paciente relatava que no inicio de novembro de<br />
2009, no 5º mês de gestação, passou a apresentar febre que<br />
ocorria no final da tarde, além de sudorese noturna. O quadro<br />
evoluiu com dor torácica e discreta dificuldade respiratória que<br />
a fizeram procurar o pronto socorro de seu município sendo<br />
internada. Último episódio febril há dois dias da consulta.<br />
ISDA: Sem queixas para os demais sistemas.<br />
AP e HÁBITOS: Gestante de 5 meses (pré natal irregular),<br />
negava tabagismo, etilismo ou uso de drogas ilícitas.<br />
EXAME FÍSICO: Regular estado geral, descorada +/4,<br />
hidratada, eupneica.<br />
Propedêutica pulmonar: frequência respiratória 16irpm,<br />
redução do frêmito tóraco-vocal e submacicez à percussão<br />
em 1/3 inferior de hemitórax esquerdo. Em acréscimo,<br />
apresentava redução do murmúrio vesicular na mesma região.<br />
Propedêutica cardiológica normal. Frequência cardíaca<br />
igual ao pulso, de 90 batimentos por minuto.<br />
Altura abdominal compatível com 5 meses de gestação,<br />
sem evidência de hepato ou esplenomegalia.<br />
Exames laboratoriais<br />
Radiografia de tórax – Opacidade pulmonar homogênea<br />
ocupando a metade inferior do hemitorax esquerdo (figura 1).<br />
Hemograma – Série Vermelha: Hb = 10,0; Ht = 30,0;<br />
Fig. 1: Radiograma de tórax em PA da gestante.<br />
Série Branca: Leucocitos = 6,96mil/mm³ (Neutrófilos 76,0%;<br />
Linfócitos 9,3%; Monócitos 14,2%; Eosinófilos 0,4%;<br />
Basófilos 0,1%).<br />
VHS - 132 mm/h.<br />
Glicemia de jejum – 78mg/dL.<br />
TGO – 17U/L; TGP – 13U/L.<br />
Feita hipótese diagnóstica de síndrome de derrame pleural<br />
e foi internada para investigação diagnóstica. Foi submetida<br />
a punção torácica para coleta de material para investigação.<br />
A punção transcorreu sem intercorrências, porém, sem<br />
referência ao aspecto do liquido ou seu volume. Não foi<br />
feita biópsia pleural.<br />
Bioquímica do líquido pleural:<br />
- Proteína = 4,4g/dL;<br />
- DHL = 259U/L;<br />
- Glicose = 38mg/dl.<br />
- ADA = 43,5U/L (valor de referência até 24,0UL de acordo<br />
com o KIT utilizado).<br />
- Citologia diferencial do liquido pleural:<br />
-Leucócitos = 417; polimorfonucleares = 2%;<br />
mononucleares = 98%;<br />
- Hemácias = 8480;<br />
Baciloscopia de escarro de 11/2009: duas amostras<br />
negativas.<br />
Sorologias para hepatites B e C – não reagentes.<br />
Sorologia para HIV – não reagente.<br />
Iniciado tratamento com antigo esquema 1 (Isoniazida 400<br />
mg/dia, Rifampicina 600mg/dia e Pirazinamida 2g/dia).<br />
Evoluiu bem no primeiro e segundo meses de tratamento.<br />
Apresentou prurido cutâneo discreto nesse período que ocorria<br />
somente próximo à tomada das medicações (não foi medicada).<br />
Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012 57
Apresentou ganho de peso progressivo, sem emese.<br />
Radiografia de tórax do 3º mês de tratamento com derrame<br />
pleural ainda presente, porém, em menor volume. Introduzido<br />
esquema de manutenção com Isoniazida e Rifampicina.<br />
A paciente evoluiu bem do ponto de vista pulmonar e<br />
entrou em trabalho de parto em 22/01/2010, tendo parto via<br />
baixa sem intercorrências.<br />
RN feminino com 2960g e 43,5cm. Apgar= 8 e 9<br />
Na consulta do 5º mês de tratamento apresentava-se sem<br />
queixas e exame físico pulmonar normal.<br />
Sua última consulta no ambulatório foi a do 6º mês de<br />
tratamento e estava assintomática, exame físico normal e<br />
amamentando normalmente. Não retornou para consulta de<br />
alta e realização de radiografia de controle.<br />
Discussão<br />
Trata-se de paciente jovem, no 5º mês de gestação, com<br />
febre vespertina e sudorese noturna, a que se seguiu dor<br />
torácica e desconforto respiratório. O derrame pleural,<br />
diagnosticado pela radiografia de tórax foi puncionado e,<br />
embora com o diagnóstico inicial de pneumonia, as<br />
características de exsudato e a citologia, com pequeno<br />
número de leucócitos e predomínio de mononucleares fez<br />
suspeitar de tuberculose pleural. Embora biópsia não tenha<br />
sido realizada, o quadro clínico, as características celulares<br />
do líquido e a atividade da Adenosina Deaminase elevada,<br />
sugeriram o diagnóstico de Tuberculose Pleural e o<br />
tratamento foi iniciado. Com duas baciloscopias de escarro<br />
normais, era pequena a possibilidade de doença<br />
parenquimatosa bacilífera concomitante, o que reduz<br />
sobremaneira a possibilidade de transmissão para o recém<br />
nascido. A paciente apresentou boa evolução, com<br />
propedêutica pulmonar normal no último mês de tratamento.<br />
O parto aconteceu no 4º mês de tratamento da doença, sem<br />
intercorrência para o concepto. Como o caso é de 2009, a<br />
paciente foi tratada com esquema tríplice e não como o<br />
esquema atual de quatro drogas.<br />
A seguir, uma revisão dos aspectos fundamentais da<br />
Tuberculose na gestação.<br />
Diagnóstico<br />
O diagnóstico da tuberculose na gestação segue os<br />
critérios clássicos, porém pode ser difícil devido a fatores<br />
confundidores. Os sintomas maternos são inespecíficos. A<br />
perda de peso associada com a doença pode ser mascarada<br />
temporariamente pelo ganho de peso normal da gestação.<br />
Há hesitação em realizar radiografias de tórax durante<br />
gestação levando a atraso no diagnóstico. Os Raios-X são<br />
potencialmente teratogênicos e só devem ser realizados se<br />
houver indicação precisa. Entretanto, uma radiografia<br />
torácica expõe o feto a radiação mínima, muitas vezes inferior<br />
ao estabelecido como nível de segurança (vide artigo<br />
específico neste fascículo). Existem evidências de que o uso<br />
de radiografias digitais reduziria a quantidade de radiação<br />
ionizante absorvida pelo paciente.<br />
Quanto ao teste tuberculínico, há controvérsias quanto a<br />
possível diminuição da sensibilidade na gestação, mas<br />
estudos recentes revelam não haver diferença entre grávidas<br />
e não grávidas. A baciloscopia e cultura de escarro não<br />
mostram diferença entre grávidas e não grávidas, bem como<br />
as características do líquido pleural, na Tuberculose da<br />
pleura, como no caso apresentado.<br />
Tuberculose congênita<br />
Tuberculose congênita é uma complicação extremamente<br />
rara, de difícil diagnóstico. A prevenção é realizada pelo<br />
tratamento precoce da mãe grávida para diminuir o risco de<br />
transmissão ao feto e recém-nato. A transmissão ocorre no<br />
período pré-natal, por via hematogênica, através do cordão<br />
umbelical, levando a infecção hepática ou pulmonar do recémnascido,<br />
ou durante o parto, por contato com o canal de parto<br />
infectado. Para que haja transmissão é preciso que a grávida<br />
apresente tuberculose disseminada, com micobacteremia. Em<br />
menos da metade dos casos de tuberculose congênita o<br />
diagnóstico materno era conhecido previamente. O<br />
diagnóstico pode ser realizado pela demonstração do complexo<br />
hepático primário/granuloma caseoso nas biópsias : hepática<br />
transcutânea ao nascimento, placenta ou trato genital<br />
maternal. São mais freqüentes as formas disseminadas. A<br />
mortalidade é de 50% sem tratamento. A possibilidade de<br />
transmissão pós-natal deve ser investigada.<br />
Tratamento da tuberculose durante a gestação<br />
O esquema com RHZE pode ser administrado nas doses<br />
habituais para gestantes e está recomendado o uso de<br />
piridoxina (50mg/dia) durante gestação pelo risco de<br />
toxicidade neurológica e convulsões (devido à isoniazida)<br />
no recém-nascido. Na gestação é comum a carência de<br />
piridoxina. O uso de fármacos antituberculose de primeira<br />
linha é considerado seguro para mãe e feto.<br />
A isoniazida é segura durante a gestação, até mesmo no<br />
primeiro trimestre.<br />
A rifampicina é segura na gravidez mas, no entanto, não deve<br />
ser administrada em doses aumentadas em esquemas intermitentes,<br />
devido ao risco de hipoprotrombinemia e sangramento. Há<br />
relatos de distúrbios hemorrágicos no recém nascido.<br />
O etambutol é droga segura na gestação.<br />
A estreptomicina é potencialmente teratogênica na<br />
gestação, causando malformações fetais, paralisia do oitavo<br />
par craniano e perda auditiva.<br />
O uso de etionamida, estreptomicina e quinolonas nas<br />
grávidas está contraindicado.<br />
Tuberculose multirresistente<br />
Mulheres grávidas com TBMR tem um prognóstico menos<br />
favorável. Requerem tratamento com drogas de segunda<br />
linha, incluindo cicloserina, ofloxacina, amicacina,<br />
kanamicina, capreomicina e etionamida. A segurança destas<br />
drogas não está estabelecida na gestação. Aborto terapêutico<br />
tem sido proposto ou adiamento do tratamento para o<br />
segundo trimestre da gestação, quando possível.<br />
Coinfecção Tuberculose/HIV<br />
A coinfecção tuberculose/HIV na gestação contribui<br />
58 Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012
Tabela 1: Segurança dos fármacos antituberculose de primeira e segunda linha nas gestantes<br />
Medicamentos seguros Medicamentos que devem ser evitados<br />
Rifampicina Estreptomicina e outros aminoglicosídeos (potencialmente teratogênica, déficit<br />
auditivo, paralisia VIII par craniano)<br />
Isoniazida Polipeptídeos<br />
Pirazimamida Etionamida e outras tionamidas (comprovadamente teratogênicas)<br />
Etambutol Quinolonas (alterações do crescimento)<br />
Tabela 2: Segurança dos fármacos antituberculose de primeira e segunda<br />
linha durante o aleitamento materno<br />
Medicamentos seguros Medicamentos com uso criterioso<br />
Rifampicina Etionamida<br />
Isoniazida Ácido paraminossalisílico(PAS)<br />
Pirazinamida Ofloxacina<br />
Etambutol Capreomicina<br />
Estreptomicina Claritromicina<br />
Cicloserina/terizidona Clofazimina<br />
significativamente para a morbidade e mortalidade. Devemos<br />
considerar a interação medicamentos entre as drogas antiretrovirais<br />
e fármacos antituberculose. O espectro de drogas<br />
anti-retrovirais seguros na gestação é limitado.<br />
Prevenção da tuberculose do recém nascido<br />
Na ausência de tuberculose congênita, deve ser<br />
administrada ao recém nascido isoniazida 10mg/kg por 3<br />
meses e após esse período faz-se a prova tuberculínica. Se a<br />
criança for reatora , a quimioprofilaxia deve ser mantida até o<br />
sexto mês. No caso de não reação à prova tuberculínica,<br />
considera-se que a criança não foi infectada e administra-se<br />
BCG intradérmico.<br />
Amamentação<br />
Não há contraindicações à amamentação, desde que a<br />
mãe não seja portadora de mastite tuberculosa. Mas é<br />
recomendável que se faça uso de máscara cirúrgica ao<br />
amamentar e cuidar da criança. Os fármacos antituberculose<br />
são excretados no leite materno, mas em concentração bem<br />
menor que a do plasma materno. Isto não ocasiona toxicidade<br />
para o recém-nascido.<br />
Gestantes e lactantes devem utilizar os esquemas<br />
preconizados, mas devem receber especial atenção no<br />
monitoramento de efeitos adversos, descritos nas tabelas 1 e 2.<br />
Referências bibliográficas<br />
1. Brasil, Ministério da Saúde [Página na internet]- Manual de<br />
recomendações para o controle da tuberculose no Brasil –<br />
Brasília/DF 2011<br />
2. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. III Diretrizes para<br />
tuberculose de SBPT- J.Bras Pneumol – 2009; 35(10): 1018-48.<br />
3. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes<br />
para tuberculose de SBPT – J. Pneumol –2004;30: supl 1.<br />
4. Escola Paulista de Medicina Unifesp. Guias de medicina<br />
ambulatorial e hospitalar. Pneumologia. Luiz Eduardo Nery,<br />
Ana Luiza Godoy Fernandes, João Aléssio Perfeito. Editores.<br />
São Paulo, 2006, Editora Manole<br />
5. Rosemberg J, Tarantino AB, Sobreiro MC. Tuberculose. In:<br />
Tarantino Doenças Pulmonares. 6ª ed. Rio de Janeiro: Ed.<br />
Guanabara-Koogan, 2008. p. 300-303<br />
6. Gomes M, Klautau GB. Tuberculose em situações especiais.<br />
In: Terra Filho M, Fernandes ALG, Stirbulov R, Editores.<br />
Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia. Atualização<br />
e Reciclagem. São Paulo: Editora Vivali, 2006, cap 53- p. 1-7.<br />
7. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. In:<br />
Pneumologia – Diagnóstico e tratamento- - capítulo 60- pág<br />
568-571- Mauro Zamboni, Carlos Alberto de Castro Pereira<br />
8. Baker MA, Harries AD. The impact of diabetes on<br />
tuberculosis. Treatment outcomes: a systematic review. BMC<br />
Medicine 2011, 9:81<br />
9. Jeon CY, Murray MB. Diabetes mellitus increases the risk<br />
of active tuberculosis : a systematic review of 13 observational<br />
studies.<br />
10. Plos Med 2008 July 5(7): e152<br />
11. Dooley KE, ChaissonRE. Tuberculosis and diabetes mellitus:<br />
convergence of two epidemics.<br />
12. Lancet Infect Dis 2009December; 9(12):737-746<br />
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impact of the diabetes epidemic on tuberculosis incidence.<br />
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15. Sia IG, Wieland ML. Current concepts in the management of<br />
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16. Mayo Clin Proc 2011 April;86(4):348-361<br />
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18. Am Rev Respir Dis 1980;122(1):65-79<br />
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20. J Pregnancy 2012 nov. J Pregnancy. 2012;2012:379271. Epub<br />
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reveals high diabetes prevalence among newly diagnosed<br />
tuberculosis cases.<br />
22. Bull World Health Organ. 2011 May 1 ; 89(5) : 352-359<br />
Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012 59
ESTATÍSTICA<br />
Testes de concordância estatística<br />
AUTORES: Melaine Priscila Fidélix 1 , Sergio Alberto Rupp de Paiva 2 , Suzana Erico Tanni 3<br />
1Pós-graduanda em Fisiopatologia em Clínica Médica( da Faculdade de Medicina de Botucatu<br />
(FMB)/UNESP<br />
2Prof. Adjunto do Departamento de Clínica Médica( da FMB/UNESP<br />
3Médica da Disciplina de Pneumologia da FMB/UNESP<br />
Uma das experiências mais rotineiras na prática médica é a<br />
solicitação de testes com objetivo de rastrear pacientes para<br />
possíveis diagnósticos, confirmar a presença de doenças,<br />
acompanhar e estimar o prognóstico do paciente. Muitas vezes<br />
o método padrão é realizado por equipamento sofisticado e<br />
existe outro método mais simples que realiza a mesma<br />
determinação. Para que este método possa ser substituído há<br />
necessidade de estudos clínicos com qualidade. 1 A análise<br />
estatística se tornou ferramenta importantíssima na<br />
comparação da metodologia aplicada nos estudos e para uso<br />
adequado dos resultados obtidos para a população. 2 Assim,<br />
este texto descreverá os testes de concordância para variáveis<br />
quantitativas e qualitativas para melhor interpretação dos<br />
resultados de estudos.<br />
Descrevendo primariamente sobre os testes de<br />
concordância de variáveis quantitativas, estes podem ser<br />
realizados de várias formas e com diferentes aplicações.<br />
Quando o objetivo do estudo é apenas quantificar a força da<br />
associação entre dois testes, como exemplo, entre duas<br />
técnicas de avaliação de composição corporal, podemos fazer<br />
o coeficiente de correlação 3 que vai avaliar a relação da<br />
variação entre as duas variáveis. Espera-se que as duas séries<br />
de medidas apresentem valores muito próximos um do outro,<br />
para que na plotagem destes valores corresponda a<br />
sobreposição perfeita com a criação de uma “linha” com<br />
angulação de 45°. Esta relação pode ser representada por um<br />
diagrama de dispersão que está exemplificado abaixo.<br />
Porém, interpretar a correlação usando somente o diagrama<br />
Conforme X aumenta,<br />
y tende a aumentar<br />
Fig. 1: <strong>Modelo</strong> do método de correlação linear positiva<br />
de dispersão pode ser subjetivo. Para avaliação mais precisa<br />
da correlação linear entre as variáveis, o que inclui a força e o<br />
tipo, calculamos o coeficiente de correlação, representado por<br />
r. A amplitude do coeficiente de correlação é -1 para 1. Se há<br />
correlação linear positiva forte, o valor de r deverá estar próximo<br />
de 1; no mesmo sentido, o inverso é semelhante, se a correlação<br />
linear for negativa forte, o valor de r está próximo de -1. Os<br />
valores próximos de zero representam correlação fraca ou<br />
ausência de relação linear. 4 A correlação entre duas variáveis<br />
com distribuição normal pode ser avaliada pela correlação de<br />
Pearson. Não é adequado usar a correlação de Pearson<br />
isoladamente para avaliar a concordância, pois o valor de r em<br />
si, não mostra o quanto as medidas se distanciam da angulação<br />
ao eixo de 45°. Um exemplo é o de um método fornecer o resultado<br />
que é o dobro do outro método. O valor de r seria alto, mas a<br />
angulação é menor de 45°. Pode-se concluir que os métodos<br />
não seriam concordantes. Além disso, é necessário ter a<br />
premissa que as medidas obtidas tenham distribuição normal.<br />
Pode-se usar o teste de regressão linear para verificar<br />
melhor a linearidade e a angulação. O teste de regressão linear<br />
pode avaliar o grau de relacionamento entre duas variáveis<br />
quantitativas, descreve a variação média da variável<br />
dependente em função da variação média da variável<br />
independente da população em estudo. Esta interpretação<br />
matemática pode ser explicada pela equação : E[Y/X=x]=β0 +<br />
β1x e também pela representação gráfica na Figura 2.<br />
Para verificar se existe boa concordância entre os métodos<br />
pela regressão linear temos que verificar ou testar se β0 é igual<br />
a zero e β1é igual a 45º.<br />
Outro teste utilizado é o de comparação de médias. O teste<br />
utilizado é o de medidas pareadas ou de medidas repetidas.<br />
Assim, o teste t pareado pode ser utilizado para avaliar<br />
concordância de variáveis quantitativas, pois por meio deste<br />
teste podemos comparar a variação entre os dados coletados<br />
na mesma população. Se houver mais do que duas medidas<br />
repetidas, a análise de variância (ANOVA) de medidas repetidas<br />
deve ser utilizada. A inadequação do uso destas técnicas<br />
ocorre quando houver grande dispersão dos valores (desvio<br />
padrão) que limita sua utilização e pode influenciar na<br />
conclusão de existência concordância entre os métodos<br />
quando na verdade não existem. 5<br />
Além dos procedimentos descritos acima, Bland e Altman<br />
em 1983 propuseram método gráfico para verificar a análise de<br />
60 Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012
Fig. 2: <strong>Modelo</strong> do método de regressão linear<br />
concordância entre dois métodos. 4 Neste gráfico é plotado o<br />
viés (diferença média entre os métodos) e intervalo de<br />
confiança de 95%. 4,6 Na Figura 3, está um exemplo do gráfico<br />
de Bland e Altman. É importante observarmos três aspectos:<br />
1) A linha tracejada do meio representa a média das diferenças<br />
entre as medidas pelos dois métodos, quando houver perfeita<br />
concordância, a diferença será zero. Na figura esta linha<br />
corresponde que o método T é quatro unidades maior do que<br />
o método A. A primeira verificação que deve ser realizada é se<br />
4 unidades tem importância clínica. 2) São plotados, também,<br />
as variações das diferenças par a par. Estas diferenças são<br />
representadas pelos pontos no gráfico. Ao se observar os<br />
pontos pode-se verificar a dispersão ampla dos valores, e ao<br />
avaliar os pontos em relação ao eixo do x, ter uma ideia do<br />
valor médio da variável estudada. 3) As linhas tracejadas<br />
superior e inferior representam os limites de concordância.<br />
Estas linhas são calculadas a partir do valor médio da diferença<br />
entre as duas técnicas e ± 2 desvio padrão. A grandeza do<br />
intervalo de concordância vai ser avaliada em relação ao valor<br />
das médias da variável estudada (eixo x). Neste caso, o valor<br />
entre os limites de concordância é de 50 unidades. A pergunta<br />
que cabe ao pesquisador é se a variação observada (50) é<br />
aceitável para uma média de 60 unidades. Aceita-se em biologia<br />
variações de até 10% da média. Assim, pela análise do gráfico<br />
Fig. 3: <strong>Modelo</strong> do método de Bland-Altman 4<br />
de Bland-Altman podemos concluir que na média o método T<br />
é semelhante ao A. Entretanto, a variação individual impede<br />
4, 6<br />
que façamos a substituição de um método pelo outro.<br />
Por outro lado, os testes de concordância podem ser<br />
usados para avaliar variáveis qualitativas. Exemplo deste uso<br />
é o de comparação de respostas de dois avaliadores sobre<br />
imagem ou de questionário. 7 Para descrever a intensidade da<br />
concordância pode ser utilizado a medida Kappa (k). A medida<br />
k é baseada no número de respostas concordantes, ou seja,<br />
no número de casos cujo resultado é o mesmo entre os<br />
avaliadores. O Teste de Kappa é uma medida de concordância<br />
intra e interobservador e mede o grau de concordância, além<br />
do que seria esperado tão somente pelo acaso. Esta medida<br />
de concordância tem como valor máximo igual a 1, que<br />
representa total concordância ou, ainda, pode assumir valores<br />
próximos e até abaixo de 0, o que indica nenhuma concordância.<br />
Um valor negativo sugere discordância, porém seu valor não<br />
tem interpretação como intensidade de discordância. 7,8<br />
O teste estatistico fornece o coeficiente Kappa e<br />
posteriormente para realizar a interpretação da intensidade de<br />
concordância deve-se usar a seguinte tabela8,9 :<br />
Adaptação de; Landis JR, Koch , 19779 Valores obtidos<br />
de Kappa<br />
Interpretação<br />
Centros de Referência em<br />
Fibrose Cística no Estado<br />
de São Paulo<br />
SÃO PAULO CAPITAL<br />
CR – Hospital das Clínicas<br />
Dra.Fabíola Villac Adde<br />
Av. Dr. Eneas de Carvalho Aguiar, 647 –1ºandar<br />
Fone :(0xx11) 2661-8538<br />
Hospital São Paulo – EPM<br />
Dra.Sônia Mayumi Chiba<br />
R: José de Magalhães 340<br />
( Ambulatório Fibrose Cística)<br />
Fone:(0xx11) 5576-4145<br />
Santa Casa de Misericórdia de São Paulo<br />
Dra. Neiva Damaceno<br />
Ambulatório de Fibrose Cística<br />
Prédio Conde de Lara<br />
Fone: (0xx11) 3224-0122 r:5534<br />
INTERIOR<br />
Campinas<br />
Hospital de Clínicas – UNICAMP<br />
Dr. José Dirceu Ribeiro<br />
Dr. Antônio Fernando Ribeiro<br />
Departamento de Pediatria<br />
Fone: (0xx19) 3521-7646<br />
Ribeirão Preto<br />
Hospital das Clínicas<br />
Dra. Maria Inês Machado Fernandes<br />
Dra. Lídia Alice G.M. Torres<br />
Av. Bandeirantes, s/n – Campus Universitário<br />
Fone: (0xx16) 3633-0136 - Botucatu<br />
Faculdade de Medicina de Botucatu/UNESP<br />
Dra. Giesela Fleischer Ferrari<br />
Distrito de Rubião Júnior s/n – Botucatu – SP<br />
Cep: 18618-970<br />
Fone: (0xx14) 3811-6000<br />
São José do Rio Preto<br />
Hospital de Base<br />
Dra. Katia Izabel Oliveira<br />
Av. Brigadeiro Faria Lima,5416<br />
PRÓXIMA EDIÇÃO<br />
Oncologia Torácica<br />
62 Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012
Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012 63
64 Pneumologia Paulista Vol. 26, N o. 1/2012