Desafios da crítica imanente do lazer e do consumo a ... - ArtCultura
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43 ESTRAMIANA, José Luiz<br />
A e SEVERIANO, Mária de<br />
Fátima V. Consumo, narcisismo<br />
e identi<strong>da</strong>des contemporâneas:<br />
uma análise psicossocial. Rio<br />
de Janeiro: EDUERJ, 2006, p.<br />
42.<br />
114<br />
é he<strong>do</strong>nista e clama por auto-realização. A personali<strong>da</strong>de narcísica “possui<br />
um profun<strong>do</strong> sentimento de desprezo e apatia em relação às questões<br />
coletivas, não mais se identifican<strong>do</strong> com a luta pelo ‘bem comum’<br />
própria <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1960; seu principal interesse reside no <strong>consumo</strong><br />
irrefrea<strong>do</strong> de bens e serviços, despendi<strong>do</strong>s de forma ‘segmenta<strong>da</strong>’, de<br />
acor<strong>do</strong> com ‘seu estilo’ e ‘individuali<strong>da</strong>de’” 43 .<br />
Além de entronizar esse sujeito estranha<strong>do</strong> e narcísico, o que esta<br />
catedral <strong>da</strong>s merca<strong>do</strong>rias pretende é criar um espaço urbano ideal, concentran<strong>do</strong><br />
várias opções de <strong>consumo</strong> e consagran<strong>do</strong>-se como ponto de<br />
encontro para uma população seleta de seres semiforma<strong>do</strong>s. Para transformar-se<br />
neste novo espaço urbano, conta com a incorporação <strong>da</strong> imagem<br />
como elemento fun<strong>da</strong>mental, principalmente no que diz respeito à<br />
persuasão e indução de comportamentos. Assim, acaba por transformar-se<br />
numa uni<strong>da</strong>de simbólica de reprodução <strong>da</strong> ideologia <strong>do</strong>minante:<br />
a ideologia <strong>do</strong> capital.<br />
O feitiço (ou fetiche) tem sua funcionali<strong>da</strong>de no shopping center e o<br />
imaginário que se impõe parece ser o único possível: o <strong>da</strong> plenitude <strong>da</strong><br />
vi<strong>da</strong> pelo <strong>consumo</strong> e pelo enriquecimento material. Nestes espaços, podemos<br />
ocupar-nos apenas <strong>do</strong>s nossos desejos - aguça<strong>do</strong>s com as inúmeras<br />
possibili<strong>da</strong>des disponíveis de aquisição - com a tranqüili<strong>da</strong>de de termos<br />
muitos trabalha<strong>do</strong>res para nos servir quan<strong>do</strong> quisermos.<br />
Ausência de alteri<strong>da</strong>de<br />
Nos shopping centers, <strong>consumo</strong> e <strong>lazer</strong> formam um par que configura<br />
uma nova forma de apropriação <strong>do</strong> espaço urbana e estabelece<br />
novas referências para as relações entre sujeitos e objetos. Quem vai ao<br />
shopping center sabe que vai a um centro de comércio não só de bens<br />
materiais, mas que se complementa com alimentação (normalmente <strong>do</strong><br />
tipo fast food) e <strong>lazer</strong>. Ali, o consumi<strong>do</strong>r de objetos se mistura com o<br />
consumi<strong>do</strong>r de serviços e de diversão, sentin<strong>do</strong>-se protegi<strong>do</strong> e moderno.<br />
Buscan<strong>do</strong> fugir <strong>do</strong>s aspectos negativos <strong>do</strong>s centros <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des (chuvas,<br />
assaltos, calor, pedintes), os shopping centers aparecem como locais próprios<br />
para uma melhor “quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong>” por possuírem ruas cobertas,<br />
ilumina<strong>da</strong>s, limpas e seguras; praças, fontes, bulevares recria<strong>do</strong>s;<br />
cinemas e atrações prontas e relativamente fáceis de ser adquiri<strong>da</strong>s – ao<br />
menos aos que podem pagar.<br />
Este universo onírico que é o shopping center acaba reforçan<strong>do</strong> nas<br />
pessoas uma imagem de socie<strong>da</strong>de individualista, onde os valores propaga<strong>do</strong>s<br />
são to<strong>do</strong>s relaciona<strong>do</strong>s às necessi<strong>da</strong>des e desejos individuais.<br />
Assim, colabora para uma deterioração <strong>da</strong> constituição <strong>do</strong> ser social e<br />
para um retar<strong>da</strong>mento <strong>do</strong> projeto de emancipação, na medi<strong>da</strong> em que<br />
um ser social emancipa<strong>do</strong> identifica, dentre outros fatores, as necessi<strong>da</strong>des<br />
individuais com as <strong>da</strong> coletivi<strong>da</strong>de. Neste espaço de <strong>consumo</strong>, os<br />
homens acabam sentin<strong>do</strong> que podem facilmente romper com os limites<br />
<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> coletiva e com os compromissos <strong>do</strong> convívio em grupo. O que<br />
prevalece é a vontade <strong>da</strong> posse, <strong>da</strong> distinção ou <strong>da</strong> participação em um<br />
grupo social privilegia<strong>do</strong> e, com isso, <strong>do</strong> poder individual - ain<strong>da</strong> que<br />
ilusório.<br />
Vale reforçar a idéia de que a socie<strong>da</strong>de capitalista dividi<strong>da</strong> em<br />
classes sociais segrega as pessoas ou grupos e também segrega os espa-<br />
<strong>ArtCultura</strong>, Uberlândia, v. 10, n. 17, p. 103-119, jul.-dez. 2008