Desafios da crítica imanente do lazer e do consumo a ... - ArtCultura
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45 PADILHA, Valéria, op. cit.,<br />
p.190.<br />
46 PAULANI, op. cit., p. 80.<br />
116<br />
tras em prol de interesses <strong>da</strong> coletivi<strong>da</strong>de.<br />
Esses centros de compras são como a publici<strong>da</strong>de: ambos divulgam<br />
apenas o que há de bom, eliminan<strong>do</strong> to<strong>da</strong> a dimensão <strong>do</strong> real, <strong>da</strong><br />
vi<strong>da</strong> como ela é. Assim, propaga uma falsa harmonia em um mun<strong>do</strong><br />
artificial. Por isso as pessoas, de forma geral, gostam de “sair <strong>da</strong> rotina”.<br />
As festas, o carnaval, o entretenimento, as viagens, o shopping center<br />
possibilitam satisfações efêmeras e compensatórias. O centro comercial<br />
pode ser pensa<strong>do</strong> como uma espécie de sublimação para o homem, na<br />
medi<strong>da</strong> em que leva os sujeitos ao rompimento <strong>do</strong>s vínculos com a reali<strong>da</strong>de<br />
<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> externo.<br />
Em última instância, o shopping center leva a crer que a vi<strong>da</strong> desumana<br />
pode e deve ser tolera<strong>da</strong>. Isso porque faz um serviço de depuração<br />
e de assepsia, manten<strong>do</strong> apenas o la<strong>do</strong> positivo <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. É por isso<br />
que ele acaba transforman<strong>do</strong>-se em atração turística de uma ci<strong>da</strong>de ou<br />
passa a ser destaca<strong>do</strong> como uma parte <strong>da</strong> formação histórica desta ci<strong>da</strong>de,<br />
ou seja, é por isso que o shopping center ganha a dimensão que tem no<br />
“inconsciente coletivo”. Ele deixa de ser apenas um centro de compras e<br />
torna-se um paraíso urbano para os privilegia<strong>do</strong>s.<br />
O shopping center alimenta a ilusão de que nossas insatisfações psíquicas<br />
podem ser resolvi<strong>da</strong>s por aquisições materiais e por divertimentos<br />
reifica<strong>do</strong>s. No entanto, para além <strong>do</strong>s limites de um pseu<strong>do</strong>-moralismo,<br />
afirmo que a felici<strong>da</strong>de, a satisfação pessoal e a plenitude <strong>do</strong> ser social<br />
não são merca<strong>do</strong>rias que podem ser compra<strong>da</strong>s.<br />
O shopping center híbri<strong>do</strong> adquire uma importância crucial para o<br />
desenvolvimento e manutenção <strong>da</strong> lógica <strong>do</strong> capital. Ele representa hoje<br />
o principal lugar <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de de <strong>consumo</strong> contribuin<strong>do</strong> para a<br />
sacralização <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> de vi<strong>da</strong> consumista e estranha<strong>da</strong>, um mo<strong>do</strong> de<br />
vi<strong>da</strong> em que há, com a aju<strong>da</strong> <strong>da</strong> publici<strong>da</strong>de, uma evidente pre<strong>do</strong>minância<br />
<strong>do</strong>s símbolos sobre a utili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s merca<strong>do</strong>rias, <strong>do</strong> valor-de-troca<br />
sobre o valor-de-uso.<br />
Assim, conforme conclusão expressa em meu livro, “o sucesso <strong>da</strong><br />
fórmula atual <strong>do</strong> shopping center híbri<strong>do</strong> como lugar privilegia<strong>do</strong> para a<br />
realização <strong>do</strong> capital traz consigo o fracasso <strong>da</strong> plenitude <strong>do</strong> ser social”<br />
45 .<br />
Da angústia <strong>da</strong> distopia à esperança <strong>da</strong> eutopia: os desafios <strong>da</strong><br />
resistência<br />
É preciso reconhecer que “a essência espia pelas brechas <strong>da</strong> aparência,<br />
às vezes mais, às vezes menos, e complica o raciocínio de quem<br />
quer sobre ele discursar de forma clara, evitan<strong>do</strong> a contradição por tomála<br />
como um defeito <strong>do</strong> pensamento, quan<strong>do</strong>, de fato ela é constitutiva <strong>do</strong><br />
objeto de que o pensamento se alimenta.” 46 A essência é o que perdura,<br />
apesar <strong>da</strong>s modificações, <strong>do</strong>s movimentos. É, então, preciso conhecer a<br />
essência de algo para ver o que perdura para além <strong>do</strong>s acidentes. Esse<br />
artigo tem a pretensão de ser um <strong>do</strong>s instrumentos para facilitar o<br />
desvelamento <strong>da</strong> catedral <strong>da</strong>s merca<strong>do</strong>rias e <strong>do</strong> <strong>lazer</strong> reifica<strong>do</strong>.<br />
A<strong>do</strong>rno nos ensina que gostar <strong>do</strong> que é familiar, <strong>do</strong> que se conhece<br />
mais, é uma compromete<strong>do</strong>ra massificação <strong>da</strong> consciência. Vale lembrar<br />
que obvie<strong>da</strong>des não precisam ser discuti<strong>da</strong>s. Como afirmou o escritor<br />
português José Saramago, “[...] saberíamos muito mais <strong>da</strong>s complexi-<br />
<strong>ArtCultura</strong>, Uberlândia, v. 10, n. 17, p. 103-119, jul.-dez. 2008