Genêro e Religião – ST 24 Maria Cristina Leite ... - Fazendo Gênero
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institucionalmente, em sua vertente hegemônica, que teve em João Paulo II um de seus maiores<br />
defensores. Sob seu pontificado, a proibição do uso de preservativos, mesmo em tempos de altos<br />
índices de contaminação por doenças sexualmente transmissíveis, a condenação do aborto, dos métodos<br />
contraceptivos e do sacerdócio feminino foram, entre outros, temas constantemente abordados, na<br />
contramão das discussões que valorizam a autonomia da pessoa em matéria de gênero e sexualidade,<br />
bem como a igualdade e liberdade dos sujeitos de hoje no exercício dos direitos sexuais e reprodutivos.<br />
Isabel <strong>Cristina</strong> representaria, assim, um modelo contracultural que vai ao encontro dos apelos de João<br />
Paulo II v , segundo os quais o martírio é um testemunho que não se pode esquecer e, como tal, as igrejas<br />
locais tudo devem fazer para manter a memória dos que o sofreram, atualizando o martirológio cristão.<br />
Entretanto, essa valorização do martírio e da castidade, leva-nos a pensar sobre a plausibilidade do<br />
modelo proposto para os fiéis contemporâneos e na sua eficácia como meio de prestigiar a santidade<br />
não tradicional, leiga e feminina.<br />
A responsabilidade da manutenção dessa moral sexual católica recai especialmente sobre as<br />
mulheres, na visão da Igreja, associadas pelo cristianismo ao pecado. Se, a partir do século XIII, elas<br />
passaram a ocupar algum espaço no campo da santidade, hoje ainda se mantém minoritárias.<br />
As experiências espirituais que marcaram a presença feminina na santidade católica, a partir<br />
dessa época, tiveram sua originalidade ligada à expressão corporal. O corpo feminino, situado<br />
tradicionalmente pelo cristianismo ao lado da matéria e da sensação, tornou-se “um verdadeiro ícone e<br />
uma ‘mídia’, no sentido forte desse termo atual”, nas palavras de Vauchez, para divulgação do controle<br />
em favor de uma devoção acentuada a Cristo.<br />
Como uma mulher do século XX pode constituir-se num modelo apto à santificação, como é o<br />
caso de Isabel <strong>Cristina</strong>, morta em 1982? Conforme o entender da Igreja, ainda situada ao lado da<br />
“matéria e sensação”, e servindo como “mídia” do perfeito uso corporal, aspecto ao qual é dada imensa<br />
ênfase, no processo.<br />
Na história da santidade católica, o grupo com menor representatividade na lista dos santos é o<br />
de leigos. Se no pontificado de João Paulo II foi dado maior espaço a causas desse tipo, dentre o grupo<br />
dos leigos os solteiros têm sido agraciados com absoluta vantagem diante dos casados, o que,<br />
certamente, está ligado a certa incompatibilidade entre prática sexual e virtudes heróicas, na visão ainda<br />
dominante na Igreja. A virgindade e o celibato têm sido ainda fortemente identificados com a santidade<br />
proposta pela oficialidade da Igreja, na sociedade contemporânea. Se esses valores fizeram todo sentido<br />
para os cristãos do século IV, eles fazem jus à demanda dos cristãos contemporâneos?<br />
Ao que tudo indica, parece pouco provável que esse discurso encontre a ressonância desejada,<br />
uma vez que, mesmo dentro da Igreja Católica, ocorre o surgimento de posicionamentos dissonantes