Portugal pittoresco Vol. I (1879).preview.pdf - Universidade de ...
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PORTUGAL PITTORESCO 123<br />
«— Quizera— disse em tom grave— que me inspirasse Deus<br />
como ao saucto vigário, ou a hom^a como ao generoso cavalleiro,<br />
mas nem sou acceito ao Senhor, nem tenho a espora <strong>de</strong> ouro da<br />
cavallaria. . . Pedirei á memoria sempre viva, á sauda<strong>de</strong> da promettida<br />
esposa, clamando justiça, d'além do tumulo, que me dê<br />
animo e palavras !<br />
«Foi sancto o dizer do reverendo vigário, mas o fim a que visava<br />
não o approva Jesus Christo nosso salvador. Tem elle dó<br />
para o assassino, eu tenho-o para as victimas ; nào me parece<br />
que o malfeitor mereça mais attenção do que as victimas lhe mereceram<br />
a elle. Se o sangue inodôa sempre, <strong>de</strong>ixemos vaguear o<br />
urso e o tigre; e, se sacrificamos estas alimárias feras á nossa<br />
tranquillida<strong>de</strong>, não poupemos as humanas, mais criminosas porque<br />
tem a luz da razão para as guiar. Não receeis a perda da alma,<br />
porque para o arrependimento basta um instante, caso a attrição<br />
venha sincera ; a grei também não per<strong>de</strong> nada, nem o mundo com<br />
o supphcio do malfeitor: é uma ovelha gafa que fica <strong>de</strong> menos,<br />
e uma podridão que se corta para não contaminar o resto ; é a<br />
peste que <strong>de</strong>sapparece.<br />
«Quanto a ser a morte castigo leve, porque dura um instante,<br />
é coisa que se diz, mas que se sente ás avessas ; ha instantes que<br />
valem séculos e tal é o instante da morte; isto diz claramente<br />
quanto vive pelo esforço que faz para não morrer.<br />
«Deixar a vida a quem privou os outros d'ella é dar-lhe um<br />
premio, não castigo ; é abrir-lhe a porta ao futuro, é mostrar, pelo<br />
exemplo, que o crime, chegado ao ultimo requinte da cruelda<strong>de</strong>,<br />
tem sempre um recurso e uma esperança.<br />
«Venerando corregedor, o emblema da justiça é, não o cutello,<br />
mas a espada que se dobra... Eeparae, todavia, que ambos têm<br />
gume afiado e cortante, e nisso são o mesmo : quanto á flexibilida<strong>de</strong><br />
da espada concordo, e a justiça <strong>de</strong>ve tel-a, mas para a paixão,<br />
que tolhe o alvedi-io, para a verdura dos annos que é falta <strong>de</strong> siso,<br />
para a fraqueza que é débil, para a ignorância que não sabe o<br />
que faz.<br />
« Sim ! para tudo isto, mas não para esse malfeitor que apren<strong>de</strong>u<br />
nos livros, que teve mestres, que toma a seu talante a figura que<br />
lhe praz nas coisas da razão... Tenlio-o visto fallar avisadamente,<br />
ou seja como um doutor em <strong>de</strong>gredos ou em physica ou no que<br />
for... Em todos os seus feitos ha motu próprio, sciencia certa.<br />
Portanto peço justiça, inteira, completa, com respeito a elle ; dos<br />
outros, mais ignorantes que máos, condoei-vos. Emfim, on<strong>de</strong> a lei<br />
falia são nullas as palavras.. Cumpri-a, é o que basta »<br />
Guilhermino Augusto <strong>de</strong> Babeos.<br />
Obra protegida por direitos <strong>de</strong> autor