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e parte para uma terra distante, gasta todo o dinheiro com prostitutas, cai em desventura,<br />
retorna, reconcilia-se com a família e sofre a reação da comunidade.<br />
Contudo, enquanto a parábola pretende evocar uma temática divina (o modo como<br />
Deus sempre está à espera de seus filhos pródigos), o conto retrata as relações dos humanos<br />
entre si com outros desdobramentos intertextuais. Assim, além das referências bíblicas há<br />
uma alusão ao fingimento e ao cumprimento dos papeis sociais marcados pela aparência e<br />
pelas convenções, por isso o episódio de apascentar os porcos, na parábola bíblica,<br />
corresponde à atuação política de Lalino, no conto, sujeito que fora rejeitado pela sua<br />
comunidade local ao abandonar a esposa.<br />
Daí entra em cena a questão da malandragem para superar essa marginalização,<br />
referência implícita ao malandro Leonardo de Manuel Antonio de Almeida e Macunaíma de<br />
Mario de Andrade, dentre outros, ao representar a personagem Lalino. No conto, são<br />
representadas as artimanhas de Lalino de Souza Salãthiel, conhecido como “Seu Laio”. Essa<br />
personagem confirma boa parte dos estereótipos produzidos sobre o mulato pela literatura<br />
naturalista.<br />
Eulálio Salãthiel é um mestiço, típico representante de uma esfera carente e<br />
marginalizada da sociedade brasileira; ele é descrito como um mulato preguiçoso, astuto, sem<br />
caráter, imaginativo, que conversa muito e faz pouco ou nada, levando muitas vezes os outros<br />
a trabalharem por ele; é mestre em tirar proveito das situações, reconhecendo as forças e as<br />
fraquezas alheias e lançando mão da cordialidade e amabilidade em sua fala, características<br />
importantes no traçado malandro.<br />
O protagonista, na condição de mulato, é avaliado por Ivone Minaes (1985) como um<br />
malandro nos moldes definido por Candido em A dialética da malandragem. Uma vez que<br />
simultaneamente ao encarnar a malandragem, Lalino apresenta amabilidade e cordialidade,<br />
“— Olá, Batista! Bastião, bom dia! Essa fôrça como vai?!/ — Ei, Túlio, cada vez mais, hein?/<br />
— Bom dia, seu Marrinha! Como passou de ontem?” (ROSA, 2001, p. 101); riso fácil,<br />
“Lalino Salãthiel vem bamboleando, sorridente [...] E logo comenta, risonho e burlão”<br />
(ROSA, 2001, p.101); possui, ainda, aderência aos fatos, que podem ser observados,<br />
sobretudo pela capacidade desse herói de se adequar aos momentos. Ele não reflete, age<br />
impulsivamente, guiado pelos desejos mais imediatos, sem ponderar as conseqüências,<br />
simplesmente ajustando-se aos resultados produzidos por suas atitudes, vivendo, desse modo,<br />
“ao sabor da sorte”, utilizando a astúcia para reverter uma situação adversa a seu favor.<br />
Percebe-se que ele não se curva à sociedade que o marginaliza e não assume uma posição de<br />
derrotado frente aos obstáculos que surgem.<br />
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