EXPERIMENTALISMO E MULTIMÍDIA: O MEZ DA GRIPPE - Unimar
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Sua narrativa encontra o ápice no instante em que revela qual<br />
foi sua atitude diante do defunto:<br />
Foi uma ideia singular a que eu tive. Tomeia<br />
no colo. Preguei-lhe mil beijos nos lábios.<br />
Ela era bela assim: rasguei-lhe o sudário,<br />
despi-lhe o véu e a capela como o noivo as<br />
despe a noiva. Era uma forma puríssima...<br />
Meus sonhos nunca me tinham evocado uma<br />
estatua tão perfeita. Era mesmo uma estátua:<br />
tão branca era ela. A luz dos tocheiros davalhe<br />
aquela palidez de âmbar que lustra os<br />
mármores antigos. O gozo foi fervoroso<br />
– cevei em perdição aquela vigília. A madrugada<br />
passava já froixa nas janelas. Àquele<br />
calor de meu peito, a febre de meus lábios,<br />
a convulsão de meu amor, a donzela pálida<br />
parecia reanimar-se. Súbito abriu os olhos<br />
empanados. Luz sombria alumiou-os como<br />
a de uma estrela entre névoa –, apertou-me<br />
em seus braços, um suspiro ondeou-lhe nos<br />
beiços azulados. Não era já a um desmaio. No<br />
aperto daquele abraço havia contudo alguma<br />
coisa de horrível. O leito de lájea onde eu<br />
passara uma hora de embriaguez me resfriava.<br />
Pude a custo soltar-me daquele aperto<br />
do peito dela. Nesse instante ela acordou…<br />
(AZEVEDO, 9 , p. )<br />
Vem então a revelação: ela não estava morta, mas sofria de<br />
catalepsia. Mais um ponto de semelhança com o poema erótico de<br />
Xavier: a posse sexual de uma mulher enferma, com aspectos moribundos,<br />
branca e com feições puras. Após momentos de prazer,<br />
uma patrulha aparece e libera o rapaz para seguir seu caminho. Este<br />
ainda conta que mulher em questão morre depois de dois dias; ele<br />
a sepulta em seu quarto, dormindo sobre a lage do túmulo durante<br />
um ano. Seus amigos ouvem o relato na taverna e julgam a história<br />
fantasiosa, lhe questionam se tudo não passa de um conto. Como<br />
| Antonio Manoel dos Santos Silva (Org.)