LITERATURA E MODA – UMA ABORDAGEM ... - Artigo Científico

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Caso do Vestido, além de ser um drama do cotidiano, desvela a bruta- lidade masculina da sociedade patriarcal, em que o poeta nascera e passou a sua infância e o início da juventude. Desta maneira, o poema sobre o cotidiano é, igualmente, um poema sobre o passado. A própria linguagem apresenta vá- rios elementos do coloquial arcaico, sem contar o uso de formas pronominais de tratamento arcaicas. Porém, o esplendor lírico de Caso do vestido decorre de inúmeros outros fatores: a) da capacidade de resignação feminina e dessa misteriosa força vital que impede a mãe de sucumbir; b) da pungente e ilimita- da paixão da mulher que a arrasta da suprema mortificação ao soberaníssimo perdão; c) da pequena, mas genial vingança que consiste em colocar o vestido da “dona” na parede, onde permanecerá como registro perpétuo da perfídia do marido; d) da crispada expectação que envolve toda a narrativa da mãe, conti- nuamente ameaçada pela chegada do pai; e) da estrutura teatral que sedimen- ta o poema, já referida anteriormente; f) da formulação do poema em dísticos de versos regulares que emprestam ao mesmo um ritmo recitativo; g) da utili- zação da linguagem coloquial, enriquecida por um processo estilístico pleno de sugestões, eufemismos, metáforas, elipses, anáforas, aliterações, antíteses e rimas internas. Assim, a espontaneidade da fala da mãe e dos diálogos com as filhas em nenhum verso cai na banalidade, risco de todo o poema que elege o cotidiano como motivo. No universo de Drummond, a indumentária se presta, pois, para abor- dar questões sociais (e é essa mesma uma das funções da Moda); assim, o vestido não só representa simbolicamente a espoliação da mulher pelo vetusto machismo, mas também, pela cosmovisão semiótica, significa – ainda que do ponto de vista do inconsciente – um troféu, com o qual a mulher faz questão de relembrar ao esposo quem é ela e quem é a outra, por melhor esteticamente que seja esta sobre aquela. Simultaneamente a indumentária exposta no prego constitui-se símbolo de poder de um e de conquista (libertação, ainda que ape- nas no plano psicológico) do outro. Se no contexto da Literatura o texto se ergue juntando-se elementos os mais variados, da mesma forma a Moda se constrói de detalhes, que, juntos, compõem a trama social. Não há que se negar, portanto, que a indumentária, não só no contexto literário, mas no social constitui-se elemento de afirmação e
de imposição, ainda que, em alguns momentos históricos se preste a impor ideologias e comportamentos. Ronaldo Fraga: Da Literatura à Semiótica da Moda Penso ser extremamente natural que, por trás de uma Moda, exista Literatura, exista pesquisa e muito estudo do contexto em que se vive. Posso fazer uma roupa muda. Tenho know how para isso. Mas quero que a roupa fale, grite, opine. Proponho com a minha roupa a construção divertida de um personagem, e isso é muito literário. Ronaldo Fraga Para Ronaldo Fraga 18 , militante do hibridismo entre Moda e cultura, roupa é letra; e as roupas falam. Antes, como se fosse um ensaio, bebera da genialidade do poeta maior Carlos Drummond de Andrade na coleção Todo Mundo é Ninguém. Em 2006, na São Paulo Fashion Week, – valendo-se do cinquentenário de publicação do romance Grande Sertão: Veredas 19 – Ronaldo Fraga homenageou o escritor mineiro, ícone da Literatura Brasileira, Guima- rães Rosa, na coleção A Cobra Ri – Uma História para Guimarães Rosa. Na ocasião, com uma passarela apinhada de folhas secas, apresentou desfile pe- ças estampadas com bichos e com o céu do sertão, em uma coleção fartamen- te colorida, com tecidos de algodão, malha e crepe em formas soltas e descoladas do corpo. Moda original, replena de personalidade, porém, usável. As pe- ças abrolharam com volume, descoladas do corpo, soltas; batas e túnicas sur- giram coloridas, em tecidos estrelados, inspirados no céu do sertão roseano. E eis que – como literatura fantástica – vestidos curtos sem exageros e com de- cotes fáceis, mangas interessantes e volumes em boas proporções, em algo- dão, crepe e malha, apareceram com desenhos de bichos em cores que reme- tiam ao sertão. Cobras, tamanduás, buritis e de reses estamparam batas, ber- mudas, saias e camisas. Ao final do desfile, Ronaldo Fraga fez-se presente 18 Estilista mineiro, graduado em Estilismo pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), estudou em Nova York; cursou a Parson’s School com a bolsa que recebera por ter vencido um concurso da empresa Têxtil Santista. Em Londres, aprendeu chapelaria na Saint Martins e, junto com o irmão, abriu uma pequena produção de chapéus, vendidos nas famosas feiras de Camden Town e Portobello. 19 Romance de Guimarães Rosa escrito em 1956, um dos mais importantes livros da Literatura Brasileira, estudada nos maiores centros de pesquisa mundiais; sobretudo, na Alemanha. Em 2006, o Museu da Língua Portuguesa realizou exposição sobre a obra no Salão de Exposições Temporárias, em comemoração ao cinquentenário da obra.
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