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LITERATURA E MODA – UMA ABORDAGEM ... - Artigo Científico

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Todas as marcas registradas,<br />

Todos os logotipos do mercado.<br />

Com que inocência demito-me de ser<br />

Eu que antes era e me sabia<br />

Tão diverso de outros, tão mim mesmo,<br />

Ser pensante sentinte e solitário<br />

Com outros seres diversos e conscientes<br />

De sua humana, invencível condição.<br />

Agora sou anúncio<br />

Ora vulgar ora bizarro.<br />

Em língua nacional ou em qualquer língua<br />

(Qualquer principalmente.)<br />

E nisto me comparo, tiro glória<br />

De minha anulação.<br />

Não sou - vê lá - anúncio contratado.<br />

Eu é que mimosamente pago<br />

Para anunciar, para vender<br />

Em bares festas praias pérgulas piscinas,<br />

E bem à vista exibo esta etiqueta<br />

Global no corpo que desiste<br />

De ser veste e sandália de uma essência<br />

Tão viva, independente,<br />

Que moda ou suborno algum a compromete.<br />

Onde terei jogado fora<br />

Meu gosto e capacidade de escolher,<br />

Minhas idiossincrasias tão pessoais,<br />

Tão minhas que no rosto se espelhavam<br />

E cada gesto, cada olhar<br />

Cada vinco da roupa<br />

Sou gravado de forma universal,<br />

Saio da estamparia, não de casa,<br />

Da vitrine me tiram, recolocam,<br />

Objeto pulsante mas objeto<br />

Que se oferece como signo dos outros<br />

Objetos estáticos, tarifados.<br />

Por me ostentar assim, tão orgulhoso<br />

De ser não eu, mas artigo industrial,<br />

Peço que meu nome retifiquem.<br />

Já não me convém o título de homem.<br />

Meu nome novo é Coisa.<br />

Eu sou a Coisa, coisamente.<br />

O maior poeta brasileiro 11 não se furtou a flertar com a Moda. E nem<br />

poderia ser diferente. Porém, o faz de modo diferente, farto em crítica explícita.<br />

Vale-se do signo como elemento para arguir a individualidade. Mas a etiqueta<br />

presa à indumentária <strong>–</strong> e da qual nada se conhece <strong>–</strong> é a etiqueta do produto ou<br />

um signo 12 ? As estampas contidas no blusão, na camiseta, nas meias, não se-<br />

11 Carlos Drummond de Andrade (Itabira / MG, 31 de outubro de 1902 - Rio de Janeiro, 17 de agosto<br />

de 1987) foi, entre outras atividades, poeta, contista e cronista brasileiro. Embora herde características<br />

do Modernismo, transcende a seus postulados <strong>–</strong> como fizeram Fernando Pessoa, Jorge de Lima e Murilo<br />

Mendes <strong>–</strong> inserindo um coeficiente de solidão, que conduz o leitor a uma atitude livre de referências, ou<br />

de marcas ideológicas, ou prospectivas, conforme afirmaria, mais tarde, o estudioso Alfredo Bosi (1994).<br />

O Escritor Affonso Romano de Sant’Anna, entretanto, estabelece a poesia de Drummond a partir da dialética<br />

"eu x mundo", desdobrando-a em três atitudes: a) Eu maior que o mundo <strong>–</strong> marcada pela poesia<br />

irônica; b) Eu menor que o mundo <strong>–</strong> marcada pela poesia social; e, c) Eu igual ao mundo <strong>–</strong> abrange a poesia<br />

metafísica. Quanto à sua poética política, deve-se ater ao contexto em que o poeta escreve: período<br />

da Guerra Fria ao qual se prende o neocapitalismo, às ditaduras, à tecnocracia. No final da década de<br />

1980, entretanto, o erotismo aufere espaço na sua poesia até seu derradeiro livro. Considerado, por estas<br />

e outras razões, o maior poeta brasileiro e um dos cem maiores escritores da Literatura Universal, ao<br />

lado de Camões, William Shakespeare e Fernando Pessoa, é estudado, exaustivamente, nos maiores<br />

centros acadêmicos do mundo.<br />

12 A clássica acepção de signo é a de coisa empregada, referida ou tomada no lugar de outra (aliquid<br />

pro aliquo); portanto, abarcar desde os "signos naturais", aos signos substitutivos (ícones), como os<br />

símbolos. O signo linguístico mostra-se artificial; porém, é o signo propriamente dito, em oposição aos<br />

de expressão derivativa, porquanto remonta uma relação arbitrária entre um significado e um significante,<br />

como descrito por Ferdinand de Saussure, em seu Curso de Linguística Geral, onde o signo se revela<br />

impressão psíquica. Assim, na estrutura gramatical, os signos linguísticos acepcionam representações<br />

das ideias. Da relação entre aqueles dois formantes do signo, insurge uma função indissociável e<br />

definidora de seus funtivos. Para a ilustre pesquisadora brasileira Ingedore Koch, “(...) signos são enti-

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