11.10.2013 Views

O corpo como instrumento de vingança em “Emma Zunz” de Borges ...

O corpo como instrumento de vingança em “Emma Zunz” de Borges ...

O corpo como instrumento de vingança em “Emma Zunz” de Borges ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

A narração é feita quase s<strong>em</strong>pre utilizando a terceira pessoa do singular, quando o narrador<br />

parece estar ausente do relato; no entanto, às vezes, ele se mostra, se exibe, se introduz no texto. A<br />

impressão que se t<strong>em</strong> é que <strong>em</strong> <strong>de</strong>terminados momentos da narrativa os fatos estão sendo relatados<br />

ou pensados por Emma, uma vez que, na história, ninguém, exceto ela, conhece os acontecimentos.<br />

Por outro lado, contraditoriamente, ela não po<strong>de</strong>ria estar narrando, pois na hora da enunciação<br />

(hoje), ela não recorda o que fez (“¿cómo recuperar ese breve caos que hoy la m<strong>em</strong>oria <strong>de</strong> Emma<br />

Zunz repudia y confun<strong>de</strong>?”). Os momentos <strong>de</strong> horror que se segu<strong>em</strong> à sua ação são marcados tão<br />

profundamente, diz o narrador, que, hoje, sua m<strong>em</strong>ória prefere apagá-los. O relato aparece, então,<br />

<strong>como</strong> uma verda<strong>de</strong> que Emma confessou ao narrador e este, s<strong>em</strong> estar seguro <strong>de</strong> que a versão que<br />

ela contou é verda<strong>de</strong>ira, a transmite ao leitor.<br />

Quando chama a polícia, e fala pela primeira vez no texto, Emma enfatiza o lado<br />

inacreditável da história, que é, ao mesmo t<strong>em</strong>po, a circunstância atenuante do seu crime: “Ha<br />

ocurrido una cosa que es increíble [...] El señor Loewenthal me hizo venir con el pretexto <strong>de</strong> la<br />

huelga... Abuso <strong>de</strong> mí, lo mate [...]” (BORGES 1996: 567 v.I). O inacreditável não seria tanto o<br />

fato <strong>de</strong> Emma ter matado Loewenthal, mas, sobretudo, o fato <strong>de</strong> ele ter usado o pretexto da greve<br />

para abusar <strong>de</strong>la, pois Aaron Loewenthal s<strong>em</strong>pre fora consi<strong>de</strong>rado um hom<strong>em</strong> sério, retraído e<br />

ninguém po<strong>de</strong>ria supô-lo tendo a atitu<strong>de</strong> da qual Emma o acusa. As provas, no entanto, são muito<br />

claras e, aceitas as evidências, o crime é compreensível, pois acontece <strong>em</strong> <strong>de</strong>fesa própria e <strong>como</strong><br />

resultado do ódio e da dor. Note-se que é comum que uma coisa seja mais facilmente consi<strong>de</strong>rada<br />

verda<strong>de</strong>ira quando o próprio agente a reconhece <strong>como</strong> inacreditável. Por outro lado, é importante<br />

registrar que Emma é uma jov<strong>em</strong> <strong>de</strong> 19 anos, aparent<strong>em</strong>ente ingênua, solitária, calma e totalmente<br />

inexperiente no relacionamento com o sexo oposto. Tais fatos, certamente, confer<strong>em</strong> credibilida<strong>de</strong> a<br />

sua história, que é parcialmente verda<strong>de</strong>ira. O ato <strong>de</strong> violência suportado pelo <strong>corpo</strong> <strong>de</strong> Emma é<br />

verda<strong>de</strong>iro; qu<strong>em</strong> o praticou, entretanto, não foi Loewenthal. Emma mistura fatos e pessoas, <strong>como</strong><br />

uma alucinação, mas a história que conta a todos se impõe <strong>como</strong> a “sua verda<strong>de</strong>” porque ultraje,<br />

ódio, pudor têm s<strong>em</strong>pre <strong>em</strong> comum a aparência <strong>de</strong> autenticida<strong>de</strong> com que se expressam. A<br />

falsida<strong>de</strong>, ao contrário, se fundamenta nas circunstâncias, na hora e <strong>em</strong> um ou dois nomes próprios.<br />

E o narrador aparent<strong>em</strong>ente assume a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> Emma, ao concluir a narrativa: “La historia era<br />

increíble, en efecto, pero se impuso a todos, porque sustancialmente era cierta. Verda<strong>de</strong>ro era el<br />

tono <strong>de</strong> Emma Zunz, verda<strong>de</strong>ro el pudor, verda<strong>de</strong>ro el odio. Verda<strong>de</strong>ro, también era el ultraje que<br />

había pa<strong>de</strong>cido; sólo eran falsas las circunstancias, la hora y uno o dos nombres propios” (BORGES<br />

1996: 568 v.I).<br />

Referências Bibliográficas<br />

BORGES, Jorge Luis. <strong>“Emma</strong> <strong>Zunz”</strong>. In: Obras completas I. El Aleph. Barcelona: Emecé, 1996.<br />

5

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!