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Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder Florianópolis, de 25 a ...

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<strong>Fazendo</strong> <strong>Gênero</strong> 8 - <strong>Corpo</strong>, <strong>Violência</strong> e <strong>Po<strong>de</strong>r</strong><br />

<strong>Florianópolis</strong>, <strong>de</strong> <strong>25</strong> a 28 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2008<br />

Trabalho e masculinida<strong>de</strong>: mudanças lentas e graduais.<br />

Daniel Perticarrari (UFSCar) e Jacob Carlos Lima (UFSCar)<br />

ST 09 - Discuros, políticas e representações do masculino<br />

Esta comunicação busca discutir a construção da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> masculina a partir do trabalho e<br />

as mudanças <strong>de</strong>correntes das transformações econômicas, políticas sociais e culturais das últimas<br />

décadas. Para tanto analisa o trabalho a partir do paradigma da flexibilida<strong>de</strong> e a crescente<br />

feminização do mercado <strong>de</strong> trabalho. Essa feminização tem implicado em alterações nos papeis<br />

familiares tradicionais com a maior presença da mulher como provedora. Isto coloca em cheque as<br />

relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r homem e mulher, e <strong>de</strong>ste com os filhos e a vida doméstica. Altera-se também,<br />

embora <strong>de</strong> forma lenta, os padrões <strong>de</strong> virilida<strong>de</strong> assentados sobre o trabalho vinculado a<br />

<strong>de</strong>terminadas especializações. A referência empírica é um grupo <strong>de</strong> operários metalúrgicos na<br />

cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Carlos,SP a partir <strong>de</strong> um recorte geracional.<br />

As últimas décadas do século XX presenciaram significativas transformações no mundo do<br />

trabalho, geralmente associadas à crise do fordismo, junto à emergência, em escala global, <strong>de</strong> novos<br />

paradigmas <strong>de</strong> organização da produção e do trabalho, com conseqüências aos trabalhadores, como<br />

por exemplo, flexibilização, subcontratação, terceirização, instabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> emprego e <strong>de</strong> renda,<br />

novas formas <strong>de</strong> associação do trabalho, etc (ARAÚJO et al., 2004). Essas alterações incidiram, em<br />

maior ou menor grau, no mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> masculinida<strong>de</strong> hegemônica, vinculada ao papel <strong>de</strong> provimento<br />

econômico da família e por conseguinte nas relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r daí <strong>de</strong>correntes. Tal movimento foi<br />

possível graças à inserção crescente <strong>de</strong> mulheres no mercado <strong>de</strong> trabalho em espaços antes<br />

consi<strong>de</strong>rados masculinos, o que tem provocado mudanças sensíveis na estrutura familiar e na<br />

estruturação <strong>de</strong> papéis afetando as relações com os filhos e a vida doméstica.<br />

Estudos recentes <strong>de</strong>monstram um afluxo crescente <strong>de</strong> mulheres no mercado <strong>de</strong> trabalho no<br />

Brasil e no mundo. Dados do IBGE mostram que em 2000, mais <strong>de</strong> 40% das mulheres em ida<strong>de</strong><br />

economicamente ativa, já participavam do mercado <strong>de</strong> trabalho brasileiro contra 19% verificados<br />

em 1970. Alguns autores já vêm <strong>de</strong>monstrando como essas transformações tem impactado sobre a<br />

divisão sexual do trabalho doméstico, enfocando as principais mudanças ocorridas na atribuição <strong>de</strong><br />

tarefas no intuito <strong>de</strong> verificar como esse processo tem alterado os padrões <strong>de</strong> domesticida<strong>de</strong> e as<br />

práticas tradicionais na família (SORJ, 2005; ARAÚJO; SCALON, 2005; OLIVEIRA, 2005;<br />

LAUFER, 2003). Segundo estes, essas transformações têm propiciado uma maior inserção feminina<br />

na estrutura sócio-ocupacional da socieda<strong>de</strong> e uma negociação um pouco maior das <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong>ntro


do núcleo familiar, apesar da coexistência, ainda, <strong>de</strong> valores e práticas que ten<strong>de</strong>m para o mais<br />

mo<strong>de</strong>rno junto a outros ainda muito conservadores, não obstante a tendência das mudanças <strong>de</strong><br />

valores irem em direção à uma perspectiva mais igualitária, on<strong>de</strong> ambos, homem e mulher passam a<br />

compartilhar as obrigações, tanto econômicas como das tarefas domésticas e cuidado com os filhos.<br />

Perticarrari (2007) ao estudar a configuração do emprego no setor metalúrgico, aponta que, além do<br />

aumento do número <strong>de</strong> mulheres no mercado <strong>de</strong> trabalho, tem havido também um aumento <strong>de</strong><br />

mulheres trabalhando em ocupações <strong>de</strong>stinadas historicamente aos homens, caso <strong>de</strong> funções ou<br />

ocupações como operadores <strong>de</strong> máquinas, tornos, engenheiras, gerentes, chefes administrativos,<br />

supervisores <strong>de</strong> compra e venda, soldadoras, encanadoras, assim como uma diminuição em postos<br />

como “trabalhadores em serviços administrativos”, secretárias e outros.<br />

No entanto, a <strong>de</strong>speito dos principais impactos sobre o trabalho feminino ou masculino, as<br />

transformações no mercado <strong>de</strong> trabalho, em termos <strong>de</strong> inserção feminina, têm trazido a questão da<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do provedor no grupo familiar e da divisão das tarefas domésticas, o que tem contribuído<br />

no <strong>de</strong>bate acerca das reconfigurações das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s tradicionais <strong>de</strong> gênero.<br />

Todas essas mudanças vêm tendo gran<strong>de</strong> impacto sobre a legitimida<strong>de</strong> do mo<strong>de</strong>lo<br />

tradicional <strong>de</strong> divisão sexual do trabalho, que sempre reservou aos homens o espaço público da<br />

produção econômica, e às mulheres o ambiente reservado das tarefas domésticas. Simultaneamente<br />

ao aumento da participação das mulheres no mercado <strong>de</strong> trabalho e busca por satisfação<br />

profissional, coloca-se o problema da maior participação dos homens na vida familiar e no<br />

cotidiano doméstico, além <strong>de</strong> uma certa crise i<strong>de</strong>ntitária com a perda dos referências tradicionais<br />

que mantinham formas <strong>de</strong> dominação <strong>de</strong> gênero .<br />

Entretanto, as mutações em curso na estrutura do mercado <strong>de</strong> trabalho, em que pese o<br />

aumento do número <strong>de</strong> mulheres no mercado ocupacional, não têm sido acompanhadas, com a<br />

mesma rapi<strong>de</strong>z, por <strong>de</strong>cisões negociadas no ambiente do trabalho doméstico, dada a hegemonia da<br />

estrutura patriarcal que dificulta a aceitação masculina <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> função. Ao que parece, a maior<br />

ou menor aceitação dos homens a arranjos familiares que recaia sobre eles maiores<br />

responsabilida<strong>de</strong>s domésticas está vinculada, além da sua condição <strong>de</strong> classe, também à sua<br />

geração. Conforme observa Hirata (2004), se a história contribui para transformar as vivências<br />

intergeracionais dos agentes sociais diante <strong>de</strong> novos contextos <strong>de</strong> divisão sexual do trabalho e das<br />

tarefas domésticas tem servido também para, embora ainda lentamente, modificar certos horizontes<br />

<strong>de</strong> significação.<br />

Oliveira (2005) ressalta que, em termos <strong>de</strong> estrutura familiar, o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> família baseado<br />

nos papéis do homem/provedor e da mulher/dona-<strong>de</strong>-casa aparece como um processo em<br />

significativo <strong>de</strong>clínio ao longo da segunda meta<strong>de</strong> do século XX. Essa tendência seria encontrada<br />

tanto em países centrais, como os Estados Unidos, como em países periféricos, como o Brasil.<br />

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Se, por um lado essas transformações têm propiciado uma maior inserção feminina na<br />

estrutura sócio-ocupacional da socieda<strong>de</strong> e uma negociação um pouco maior das <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong>ntro do<br />

núcleo familiar, por outro é possível evi<strong>de</strong>nciar uma complexa e talvez implícita forma <strong>de</strong><br />

reprodução da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero, principalmente no que consiste ao trabalho doméstico. É<br />

possível afirmar que a divisão sexual do trabalho doméstico, até mesmo naquelas famílias em que a<br />

mulher está inserida na esfera produtiva e contribui para o orçamento doméstico, se apóia, ainda,<br />

num sofisma que legitima o lócus <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r do homem sobre a mulher.<br />

Na pesquisa realizada junto à trabalhadores metalúrgicos, pu<strong>de</strong>mos evi<strong>de</strong>nciar uma<br />

socieda<strong>de</strong> heterogênea, em transformação gradual, on<strong>de</strong> coexistem diversas modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

relações <strong>de</strong> gênero e trabalho bem como na forma <strong>de</strong> conceber e atuar dos atores envolvidos em tal<br />

mecanismo. Mesmo <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada classe, setor, ou ramo <strong>de</strong> trabalho, ficou evi<strong>de</strong>nte a<br />

diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> arranjos e subjetivida<strong>de</strong>s. Não obstante, tais subjetivida<strong>de</strong>s indicaram uma diferença<br />

geracional que <strong>de</strong>nota um processo <strong>de</strong> mudança – no que diz respeito às relações <strong>de</strong> gênero – <strong>de</strong>ntro<br />

do contexto das transformações do mundo do trabalho.<br />

Encontramos um grupo <strong>de</strong> trabalhadores, cujas trajetórias, no que diz respeito à divisão do<br />

trabalho doméstico e a percepção acerca da masculinida<strong>de</strong>, se inscrevem nos cânones prescritos<br />

pelos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> relação “normal”, ou seja, referentes a um contexto on<strong>de</strong> a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> homem<br />

provedor sempre foi valorizada socialmente.<br />

São trabalhadores (homens e mulheres) com mais <strong>de</strong> 40 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte<br />

dos homens iniciou sua trajetória <strong>de</strong> trabalho muito jovem, entre 10 e 12 anos em média, nas<br />

décadas <strong>de</strong> 1960 e 1970, geralmente ajudando o pai na lavoura ou em oficinas <strong>de</strong> retífica <strong>de</strong><br />

motores, assim como em pequenas empresas metalúrgicas da cida<strong>de</strong>. Os trabalhadores homens<br />

<strong>de</strong>ste grupo tiveram sua carteira <strong>de</strong> trabalho assinada pela primeira vez em alguma gran<strong>de</strong> empresa,<br />

com ida<strong>de</strong> média <strong>de</strong> 17 anos, em supermercados e lojas atacadistas, empresas <strong>de</strong> confecção,<br />

empresas do setor químico e finalmente, gran<strong>de</strong> empresas da indústria metalúrgica, quando estes<br />

tinham, em média <strong>25</strong> anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>.. Entre as mulheres, a inserção no mercado <strong>de</strong> trabalho se <strong>de</strong>u<br />

bem mais tar<strong>de</strong>, entre 16 e 17 anos, ficando pouco mais <strong>de</strong> dois anos no serviço, quando a maioria<br />

<strong>de</strong>ixou o emprego para casar-se. Entre as trabalhadoras, a volta ao mercado <strong>de</strong> trabalho,<br />

basicamente nas gran<strong>de</strong>s empresas do setor metalúrgico, aconteceu mais tardiamente se comparada<br />

aos homens, quando os filhos já se encontravam no ensino médio. O tempo <strong>de</strong> serviço na atual<br />

empresa não ultrapassa 11 anos, porém é ainda bastante expressivo se comparado com os<br />

trabalhadores entrevistados mais jovens.<br />

Para os homens <strong>de</strong>sse grupo, o trabalho sob a forma <strong>de</strong> emprego formal e institucionalizado<br />

assumiu a representação <strong>de</strong> via <strong>de</strong> acesso a um lugar no campo social e, nesse sentido, a perda do<br />

emprego e a necessida<strong>de</strong> em assumir tarefas domésticas, não significaram a perda, simplesmente,<br />

3


do dinheiro no fim do mês, “mas a <strong>de</strong> um lugar na re<strong>de</strong> social e <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> associada a esse<br />

lugar” (JIMENEZ E LEFÉVRE ,2004, p.239). Isso ficou claro numa das falas <strong>de</strong> um entrevistado:<br />

“Se eu ficar <strong>de</strong>sempregado e não arrumar alguma coisa para nos manter é porque<br />

não tive coragem <strong>de</strong> trabalhar. E se não tive coragem <strong>de</strong> trabalhar é porque não sou homem.<br />

É o trabalho que dá o sustento da minha família. Se eu não pu<strong>de</strong>r fazer isso [trabalhar], o<br />

que eu vou ser? Nada! (André, 44 anos, montador)” .<br />

Nesse caso, o trabalho ratificar a masculinida<strong>de</strong> surgindo como uma fonte <strong>de</strong> prestígio e<br />

po<strong>de</strong>r social , dada a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> inserção e permanência no mercado <strong>de</strong> trabalho. O contrário<br />

(essa perda <strong>de</strong> referência através do <strong>de</strong>semprego) torna-se um atestado não apenas <strong>de</strong><br />

incompetência, mas como a perda <strong>de</strong> prerrogativa própria do ser homem e daí a angústia e o<br />

sofrimento <strong>de</strong> não dar conta <strong>de</strong>ssas prerrogativas i<strong>de</strong>ntitárias.<br />

O trabalho significa a garantia <strong>de</strong> afirmação, <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r assumir responsabilida<strong>de</strong>s enquanto<br />

homem como sinônimo <strong>de</strong> masculinida<strong>de</strong>:<br />

“Eu me senti homem quando eu assumi uma dívida <strong>de</strong> um carro lá em São Paulo<br />

junto com meu pai, que eu paguei meio a meio... Foi na hora que eu comprei um carro que<br />

eu mostrei para mim que eu tive atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> homem, responsabilida<strong>de</strong>. E eu comprei um<br />

fogão para minha mãe. E quando eu comprei o carro eu falei “graças a Deus isso aqui é<br />

meu”, aí que eu vi que era digno, homem, porque eu começava a sustentar a minha família<br />

(Severino, 42 anos, testador <strong>de</strong> motor).<br />

Concebido <strong>de</strong>ssa maneira, o trabalho remunerado seria um território masculino, um espaço<br />

simbólicamente masculino, apesar da presença crescente <strong>de</strong> mulheres no mercado <strong>de</strong> trabalho.<br />

O discurso ten<strong>de</strong> a ir mudando na medida em que a ida<strong>de</strong> dos entrevistados diminui. Dessa<br />

maneira, foi possível encontrar trabalhadores que se inserem num tipo <strong>de</strong> “versão mo<strong>de</strong>rnizada do<br />

mo<strong>de</strong>lo” tradicional anteriormente <strong>de</strong>scrito. Casos em que a mulher é aceita no trabalho em<br />

<strong>de</strong>terminadas circunstâncias, como por exemplo, quando não há filhos para serem criados, ou<br />

<strong>de</strong>vam ajudar no orçamento doméstico quando em conjunturas <strong>de</strong> crises econômicas ou arrocho no<br />

salário do marido. Foi o caso <strong>de</strong> trabalhadores com ida<strong>de</strong> entre 30 e 39 anos. Nesse caso e,<br />

sobretudo quando a mulher trabalhava, <strong>de</strong>vido às condições econômicas, pô<strong>de</strong>-se observar a<br />

convivência <strong>de</strong> visões tradicionais – on<strong>de</strong> o marido pleiteia a condição <strong>de</strong> provedor apesar <strong>de</strong><br />

enten<strong>de</strong>r que as tarefas domésticas não o comprometerão enquanto homem – junto a práticas que<br />

cotidianamente os contradizem. Nestas ocasiões, em geral, as concepções acerca dos papéis<br />

masculinos e femininos e a percepção <strong>de</strong> masculinida<strong>de</strong> têm se transformado – ainda que <strong>de</strong> forma<br />

muito mo<strong>de</strong>sta – e sido justificado <strong>de</strong> diferentes formas pelos trabalhadores.<br />

Um <strong>de</strong> nossos entrevistados, apesar <strong>de</strong> ter sido criado numa estrutura familiar em que a mãe<br />

se responsabilizava pelos afazeres domésticos, expõe que nos dias atuais há a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se<br />

dividir um pouco mais as responsabilida<strong>de</strong>s familiares, principalmente porque sua esposa também<br />

trabalha. Entretanto acha que seu valor enquanto homem estaria prejudicado se estivesse<br />

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<strong>de</strong>sempregado, ou se seu salário fosse muito menor que o <strong>de</strong> sua esposa. Além disso, se refere ao<br />

trabalho remunerado <strong>de</strong> sua esposa como um sacrifício por parte <strong>de</strong>la <strong>de</strong>vido a uma incapacida<strong>de</strong><br />

sua <strong>de</strong> conseguir um trabalho melhor. “Eu seria muito mais feliz se ela [esposa] tivesse a opção <strong>de</strong><br />

trabalhar ou não. Ou então, trabalhar em alguma coisa que ela goste mais, mesmo ganhando pouco,<br />

mas infelizmente eu não posso dar esse direito a ela (Marcelo, 31 anos, inspetor <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>)”<br />

Esse discurso conservador, que na verda<strong>de</strong> preten<strong>de</strong> ser mo<strong>de</strong>rno tem suas nuances que<br />

refletem as incorporações relativas das mudanças sociais Ou seja, a mulher trabalha como<br />

imperativo econômico, das transformações sociais e econômicas do capitalismo contemporâneo.<br />

Mas o entrevistado <strong>de</strong>ixa claro que a sua esposa não <strong>de</strong>ve ganhar mais e sim complementar o salário<br />

do marido. O papel <strong>de</strong> provedor, apesar <strong>de</strong> estar sendo dificultado pelas transformações econômicas<br />

e sociais ainda é reivindicado pelo homem. Além disso, os termos “pai”, “carteira assinada”,<br />

“emprego em gran<strong>de</strong> empresa”, proferidos por outros entrevistados, <strong>de</strong>monstram como o recorte<br />

geracional (na faixa dos 30 aos 39 anos) ainda influencia os trabalhadores na perspectiva<br />

Taylorista/fordista <strong>de</strong> maneira <strong>de</strong>cisiva, ou seja, a busca <strong>de</strong> um emprego estável, com direitos<br />

sociais o qual tem n a família tradicional o suporte.<br />

A maior presença feminina no mercado <strong>de</strong> trabalho tem tornado a profissão, a carreira, a<br />

satisfação no trabalho, um atributo comum <strong>de</strong> gênero, embora com gradações distintas. Mudanças<br />

ao nível do discurso hegemônico <strong>de</strong>stacam o trabalho doméstico como uma obrigação<br />

compartilhada. Com isso e a masculinida<strong>de</strong> se edificaria não apenas pelo trabalho economicamente<br />

produtivo, mas, também, por características valorativas relacionadas à adaptação a um ambiente que<br />

se apresenta agressivo e um repensar dos papéis familiares.<br />

. Essa adaptação parece relacionar-se à própria natureza da trajetória dos trabalhadores do<br />

grupo estudado. Neste caso, os trabalhadores estão empregados a pouco tempo numa empresa<br />

metalúrgica; dois anos e meio em média. A natureza <strong>de</strong>ssa inserção apresentou trabalho em “bicos”,<br />

como venda <strong>de</strong> CD’s nas ruas, trabalho em loja, sem carteira assinada. Contudo, a maioria diz que<br />

preferiu estudar e se preparar, pois o mercado exige um profissional flexível e adaptável às<br />

condições adversas que apenas esse preparo po<strong>de</strong> lhes garantir certa entrada no mercado <strong>de</strong><br />

trabalho. Ou seja, os trabalhadores <strong>de</strong>ste grupo parecem mesmo se inserir <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma lógica <strong>de</strong><br />

trabalho mais flexível no sentido da responsabilização acerca <strong>de</strong> sua empregabilida<strong>de</strong>.<br />

A entrada num mercado <strong>de</strong> trabalho que se mostra cada vez mais incerto e flexível <strong>de</strong>u o<br />

tom das respostas dos nossos entrevistados. Pedro cursa a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> engenharia <strong>de</strong> produção,<br />

como forma (segundo ele) <strong>de</strong> se preparar para um mercado “muito competitivo, que exige um<br />

trabalhador mais versátil e que po<strong>de</strong> se adaptar em várias colocações [<strong>de</strong> trabalho]”. Para ele, as<br />

mulheres não só po<strong>de</strong>m como “<strong>de</strong>vem” se preparar também para essas situações “incertas”.<br />

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Além disso, os trabalhadores mais jovens concebem as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> gênero em relação à<br />

divisão das tarefas domésticas um campo on<strong>de</strong> homens e mulheres po<strong>de</strong>m atuar, com menor<br />

comprometimento do senso <strong>de</strong> masculinida<strong>de</strong>. Ambos po<strong>de</strong>m participar das esferas produtivas e<br />

reprodutivas do ambiente familiar. Sendo assim, o casamento, enquanto instituição familiar, apesar<br />

<strong>de</strong> ainda ser encarado como o comportamento “correto e normal”, tem dado espaço aos projetos<br />

individuais <strong>de</strong> cada um, o que tem aberto espaços <strong>de</strong> discussão e favorecido o estabelecimento <strong>de</strong><br />

relações mais centradas na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento individual <strong>de</strong> ambos os membros<br />

(esposo e esposa), o que se po<strong>de</strong> traduzir em oportunida<strong>de</strong>s recíprocas. Ao que parece, a<br />

instabilida<strong>de</strong> no trabalho e a busca por satisfação pessoal tem sido acompanhado por um novo<br />

i<strong>de</strong>ário <strong>de</strong> homem e família, que i<strong>de</strong>ntifica o homem, não apenas como provedor, pelo menos na<br />

esfera do i<strong>de</strong>al:<br />

A inserção feminina tem alterado, ainda, os padrões <strong>de</strong> virilida<strong>de</strong> quando estas passam a<br />

<strong>de</strong>sempenhar funções que antes eram tidas como masculinas. Entre os trabalhadores mais velhos, no<br />

entanto, atributos e atitu<strong>de</strong>s, tidos como essenciais a uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> viril, como trabalho pesado e<br />

perigoso, ainda são, quando é comum a aceitação <strong>de</strong> condições <strong>de</strong> trabalho insalubres, além da<br />

recusa da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhos <strong>de</strong> manuseios finos tidos como “frágeis”. A idéia <strong>de</strong> um<br />

trabalho viril, ligada à satisfação pelo cumprimento do papel <strong>de</strong> provedor (estreitamente relacionada<br />

às diferenças <strong>de</strong> remuneração), corrobora para a conformação da divisão sexual do trabalho entre os<br />

trabalhadores mais velhos. Por outro lado, os resultados empíricos <strong>de</strong>monstraram que, entre os<br />

trabalhadores mais jovens, a noção <strong>de</strong> risco e perigo apesar <strong>de</strong> ainda associadas ao universo<br />

masculino passam a ser relativizadas, sendo que a ostentação <strong>de</strong> força e coragem tem perdido<br />

importância para o discurso dos “novos tempos” do capitalismo como adaptação, iniciativa,<br />

trabalho em grupo, flexibilida<strong>de</strong>, empreen<strong>de</strong>dorismo, tanto no ambiente fabril quanto no doméstico.<br />

Assim po<strong>de</strong>mos inferir, que as alterações no mercado <strong>de</strong> trabalho com a maior presença <strong>de</strong><br />

mulheres em ocupações antes consi<strong>de</strong>radas masculinas, contribuem para mudanças na percepção<br />

acerca da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> masculina, seja como provedor, seja na concepção <strong>de</strong> virilida<strong>de</strong> vinculada ao<br />

risco e ao trabalho pesado. Entretanto essa mudança é lenta e mais perceptível nas novas gerações,<br />

inseridas já nos parâmetros instáveis e precários das relações <strong>de</strong> trabalho atuais.<br />

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