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A estrutura do enredo em 'Vidas Secas' - Eutomia

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Amarelo” e “Cadeia”, onde de forma sucinta sublinhar<strong>em</strong>os os trechos que melhor se apresentar<strong>em</strong> ao nosso<br />

propósito.<br />

Para fundamentar nossa arguição sobre o enre<strong>do</strong> de Vidas secas, partir<strong>em</strong>os de um comentário feito<br />

por Mourão a respeito <strong>do</strong> estilo modernista que, segun<strong>do</strong> ele, Graciliano utiliza ao compor o referi<strong>do</strong> romance:<br />

[...] rompen<strong>do</strong> com o processo inventivo mais conserva<strong>do</strong>r, acabou pon<strong>do</strong> de pé uma <strong>estrutura</strong><br />

diante da qual falec<strong>em</strong> to<strong>do</strong>s os critérios esqu<strong>em</strong>atiza<strong>do</strong>res que pretendam distinguir entre<br />

princípio, meio e fim. O drama focaliza<strong>do</strong> não evolui <strong>em</strong> qualquer senti<strong>do</strong>. (MOURÃO, 1997,<br />

p. 119-120).<br />

Nessa fala, Mourão nos afirma, com certo exagero de ve<strong>em</strong>ência, que o romance Vidas secas v<strong>em</strong><br />

romper com o modelo tradicional até então vigente, no que se refere à forma narrativa; estamos diante de um<br />

rearranjo que apresenta como cerne de sua organização o redimensionamento <strong>do</strong>s el<strong>em</strong>entos que compunham a<br />

estética tradicional (de direcionamento aristotélico). Assim como outros autores modernistas, Graciliano<br />

promove uma quebra no princípio de linearidade, que era um <strong>do</strong>s critérios <strong>do</strong> enre<strong>do</strong> aristotélico no qual “a<br />

tragédia é imitação, não de pessoas, mas de uma ação [...]”. Analisan<strong>do</strong> a assertiva de que se imita ação e não<br />

pessoas e ten<strong>do</strong> como ponto de partida a pr<strong>em</strong>issa da equivalência entre ação e sequência de acontecimentos,<br />

pode-se dizer que esta apresenta uma <strong>estrutura</strong> com início, meio e fim, o que v<strong>em</strong> convergir para a causalidade e<br />

linearidade <strong>do</strong>s fatos, fazen<strong>do</strong> dessa conexão uma questão primordial ao enre<strong>do</strong> clássico, conforme nos elucida<br />

Aristóteles (1997, p. 26): “Assentamos que a tragédia é a imitação de uma ação acabada e inteira [...]. Inteiro é o<br />

que t<strong>em</strong> começo, meio e fim. [...]”.<br />

Diante dessa constatação aristotélica de que a ação deve apresentar-se de forma inteira e com as suas<br />

partes b<strong>em</strong> definidas, pod<strong>em</strong>os verificar a importância creditada à sequência <strong>do</strong>s acontecimentos; é esse<br />

encadeamento que promove a dependência entre as partes da narrativa, dependência no senti<strong>do</strong> de que, para ter<br />

significação, cada parte <strong>do</strong> plano da história precisa estar relacionada a outra, de mo<strong>do</strong> que a sua disposição no<br />

contexto e o seu entendimento estão atrela<strong>do</strong>s a esse princípio de linearidade. Assim nos reitera Ricoeur com a<br />

afirmativa de que<br />

[...] o muthos é a imitação de uma ação una e completa. Ora, uma ação é una e completa se t<strong>em</strong><br />

um começo, um meio e um fim, isto é, se o começo introduz o meio – peripécia e<br />

reconhecimento – conduz ao fim e se o fim conclui o meio. (RICOEUR, 1993, p. 34).<br />

Essa relação de dependência era uma constante no enre<strong>do</strong> clássico, to<strong>do</strong>s os fatos se interligavam numa<br />

<strong>estrutura</strong> fixa onde a narrativa tinha o seu traça<strong>do</strong> preestabeleci<strong>do</strong>; a ação era o ponto central e estava inserida<br />

<strong>em</strong> um t<strong>em</strong>po cronológico <strong>em</strong> que to<strong>do</strong>s os fatos se ligavam para culminar<strong>em</strong> na conclusão. Uma elaboração<br />

horizontal na qual os episódios apresentariam uma disposição alicerçada por relações de causa e efeito s<strong>em</strong> que<br />

nenhum el<strong>em</strong>ento viesse a divergir desse conjunto, ou seja, to<strong>do</strong>s os eventos estariam organiza<strong>do</strong>s <strong>em</strong> uma<br />

<strong>Eutomia</strong> – Ano 3 – Edição 1 – Julho 2010 – Artigos Página 2

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