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As Traduções Brasileiras do Prefácio de Oscar Wilde - Eutomia

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<strong>As</strong> Traduções <strong>Brasileiras</strong> <strong>do</strong> Prefácio <strong>de</strong> <strong>Oscar</strong> Wil<strong>de</strong> 1Eliane Leal i (UnB)Germana Henriques Pereira <strong>de</strong> Sousa ii (UnB)Resumo:O foco <strong>do</strong> presente trabalho é analisar e comparar quatro traduçõesbrasileiras <strong>do</strong> prefácio <strong>do</strong> romance The Picture of Dorian Gray <strong>de</strong><strong>Oscar</strong> Wil<strong>de</strong>. <strong>As</strong> traduções analisadas são a <strong>de</strong> João <strong>do</strong> Rio, <strong>Oscar</strong>Men<strong>de</strong>s, José Eduar<strong>do</strong> Ribeiro Moretzsohn e Lígia Junqueira. Oprefácio <strong>de</strong> Wil<strong>de</strong> consiste em aforismos que surgiram como respostaà crítica <strong>do</strong> romance e à socieda<strong>de</strong> <strong>do</strong> século XIX. <strong>As</strong> traduçõesbrasileiras <strong>de</strong>ste prefácio, apesar <strong>de</strong> serem bastante próximas <strong>do</strong>original em inglês, apresentam peculiarida<strong>de</strong>s que merecem serdiscutidas. <strong>As</strong>sim, este trabalho irá analisar as traduções citadas ecompará-las sob o ponto <strong>de</strong> vista <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> tradução.Palavras-chave: <strong>Oscar</strong> Wil<strong>de</strong>, prefácio, tradução literária.Abstract:The focus of the present study is to analyze and compare fourBrazilian translations of the preface to the novel The Picture of DorianGray written by <strong>Oscar</strong> Wil<strong>de</strong>. The analyzed translations were writtenby João <strong>do</strong> Rio, <strong>Oscar</strong> Men<strong>de</strong>s, José Eduar<strong>do</strong> Ribeiro Moretzsohn andLígia Junqueira. Wil<strong>de</strong>’s preface consists in aphorisms written as ananswer to the novel criticism and to the nineteenth century society.The Brazilian translations of this preface, in spite of being very similarto the original, present characteristics worthy of discussion. Thus,this study will analyze the mentioned translations and compare themto each other from a translation studies point of view.Keywords: <strong>Oscar</strong> Wil<strong>de</strong>, preface, literary translation.1 Este artigo é fruto da pesquisa <strong>As</strong> faces <strong>de</strong> Dorian Gray: o estu<strong>do</strong> das traduções brasileiras <strong>de</strong> <strong>Oscar</strong>Wil<strong>de</strong>, inscrita no Programa <strong>de</strong> Iniciação Científica, edital 2011/2012, orienta<strong>do</strong> pela Prof. Dra. GermanaHenriques Pereira <strong>de</strong> Sousa, juntamente com os trabalhos <strong>As</strong> traduções <strong>de</strong> Charles Dickens por Macha<strong>do</strong><strong>de</strong> <strong>As</strong>sis e Cecília Meirelles <strong>de</strong> Alyne <strong>do</strong> Nascimento Silva e O Palácio das Ilusões da tradução austeniana:Orgulho e Preconceito no sistema literário nacional <strong>de</strong> Lorena Melo Rabelo.1


O objetivo <strong>de</strong>ste artigo é estudar o prefácio <strong>de</strong> <strong>Oscar</strong> Wil<strong>de</strong> ao romance ThePicture of Dorian Gray e comparar algumas traduções publicadas no Brasil entre 1923 e2011, seguin<strong>do</strong> o mo<strong>de</strong>lo apresenta<strong>do</strong> por Marie-Hélène Catherine Torres em sua obraTraduzir o Brasil literário: Paratexto e discurso <strong>de</strong> acompanhamento (2011) para análise<strong>do</strong>s aspectos morfológicos e <strong>do</strong>s textos <strong>de</strong> acompanhamento e consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> tambémo conceito <strong>de</strong> paratexto <strong>de</strong> Gérard Genette (2009). Para isso vamos anali sar astraduções <strong>de</strong> João <strong>do</strong> Rio (1923), <strong>Oscar</strong> Men<strong>de</strong>s (1980), José Eduar<strong>do</strong> RibeiroMoretzsohn (1985) e Lígia Junqueira (2011).1. A publicaçãoA figura <strong>de</strong> <strong>Oscar</strong> Wil<strong>de</strong> dispensa qualquer apresentação. Entretanto, o quemuitos <strong>de</strong>sconhecem é que o escritor irlandês, hoje consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>snomes da literatura oci<strong>de</strong>ntal, foi alvo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> polêmica na Europa <strong>do</strong> século XIX.The Picture of Dorian Gray, único romance <strong>de</strong> Wil<strong>de</strong>, apareceu pela primeira vezintegralmente na Lippincott’s Monthly Magazine em junho <strong>de</strong> 1890. Na época, oromance <strong>de</strong> apenas treze capítulos atraiu gran<strong>de</strong> atenção da socieda<strong>de</strong> europeia. Oscríticos acusaram Wil<strong>de</strong> <strong>de</strong> usar a publicação para sua autopromoção e para divulgarsuas chamadas “indiscrições”. Periódicos traziam críticas que caracterizavam oromance como sujo, imoral e enfa<strong>do</strong>nho.Em resposta, Wil<strong>de</strong> escreveu várias cartas 2 em favor <strong>de</strong> seu romance e <strong>de</strong> suaspersonagens, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> que a arte não <strong>de</strong>veria revelar o artista, ou mesmo arealida<strong>de</strong>, e que o <strong>de</strong>ver <strong>do</strong> artista é inventar, reafirman<strong>do</strong> que qualquer personagemcom base real seria artisticamente <strong>de</strong>sinteressante.No entanto, apesar das críticas <strong>de</strong>sfavoráveis, The Picture of Dorian Gray éfinalmente publica<strong>do</strong> em 1891, pela Ward, Lock & Co, a mesma editora responsável2 Algumas <strong>de</strong>ssas cartas po<strong>de</strong>m ser encontradas em uma compilação intitulada Art and Morality,editada por Stuart Mason. Disponível em http://www.gutenberg.org/files/33689/33689-h/33689-h.htm2


pela publicação da Lippincott’s na Inglaterra. O livro, com vinte capítulos, apresentavaligeiras mudanças em relação à história original e trazia também um prefácio escritopelo próprio autor. No entanto, este prefácio havia si<strong>do</strong> publica<strong>do</strong> primeiramente emmarço <strong>do</strong> mesmo ano pela Fortnightly Review com o título A preface to Dorian Gray. É<strong>de</strong>ste prefácio que tratamos aqui.2. O prefácio a Dorian GrayEm reação às primeiras críticas, o escritor irlandês escreveu uma série <strong>de</strong>aforismos que se propunham <strong>de</strong>screver o papel <strong>do</strong> artista, da arte e <strong>do</strong> crítico, etambém <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a exaltação da Beleza (Beauty), dizen<strong>do</strong> que a arte não é moral ouimoral, e sim contemplativa e, portanto, nas palavras <strong>do</strong> autor, inútil. Algunsaforismos consistiam claramente em respostas aos críticos que rejeitaram seuromance <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o momento da publicação, outros eram uma crítica à socieda<strong>de</strong> <strong>do</strong>século XIX.No entanto, o prefácio <strong>de</strong> Wil<strong>de</strong> não é meramente uma <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> seu romancee <strong>de</strong> suas personagens, também po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> uma <strong>de</strong>fesa da estética, emfavor da “arte pela arte”. Portanto, o prefácio <strong>de</strong> Wil<strong>de</strong> também po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>um prefácio-manifesto (GENETTE, 2009, p.202)Segun<strong>do</strong> Genette (2009, p.176), uma das funções <strong>do</strong> prefácio original éintroduzir o livro ao leitor e também direcionar sua leitura para o que o autorconsi<strong>de</strong>ra uma boa leitura. Então, no caso <strong>de</strong> Wil<strong>de</strong>, ao <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a arte em seuprefácio e retirar <strong>de</strong>la o peso da moralida<strong>de</strong>, ele conduz seu leitor a uma boa leitura,livre <strong>do</strong> julgamento moral da obra, restan<strong>do</strong> apenas a apreciação <strong>do</strong> romance comomanifestação artística.Contu<strong>do</strong>, o prefácio parece negar o conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> romance, já que o he<strong>do</strong>nismoexacerba<strong>do</strong> presente nas poucas palavras <strong>do</strong> prefácio é contesta<strong>do</strong> na história <strong>do</strong>livro. O personagem <strong>de</strong> Dorian <strong>de</strong>dica sua vida ao prazer e à arte, mas no final nãoconsegue conviver com as consequências disso. Nas palavras <strong>de</strong> Wil<strong>de</strong>, “em suatentativa <strong>de</strong> matar a consciência, Dorian Gray mata a si mesmo.” (apud ELLMAN,1988, p.283).3


3. A importância das traduções e retraduçõesToury (1995) afirma que a cultura-alvo <strong>de</strong>termina a necessida<strong>de</strong> da tradução,seja para que a tradução preencha certa lacuna na cultura <strong>de</strong> chegada seja paraafirmar a posição <strong>de</strong> uma cultura estrangeira na cultura <strong>de</strong> chegada. Portanto, épossível assumir que uma obra consi<strong>de</strong>rada universal como O Retrato <strong>de</strong> Dorian Gray,<strong>de</strong> <strong>Oscar</strong> Wil<strong>de</strong>, possui papel relevante na cultura <strong>de</strong> chegada, já que existem mais <strong>de</strong><strong>de</strong>z retraduções <strong>do</strong> título, surgidas após a pioneira tradução <strong>de</strong> João <strong>do</strong> Rio, <strong>de</strong> 1923.Gentzler analisa a contribuição <strong>de</strong> Toury e seu foco no sistema da cultura-alvo,comentan<strong>do</strong> a importância <strong>do</strong> tipo <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> comparativo que aqui realizamos:<strong>As</strong>sim, em termos <strong>de</strong> tradução, se quisermos distinguir tendênciasregulares, precisamos estudar não apenas textos individuais, massim traduções múltiplas <strong>do</strong> mesmo texto original, à medida queocorrem em uma cultura receptora em diferentes épocas da história.(GENTZLER, 2009, p.163)<strong>As</strong>sim, po<strong>de</strong>mos justificar o estu<strong>do</strong> e a existência das retraduções, pois cadaépoca da história <strong>de</strong>ixa refletir na sua tradução as normas tradutórias coletivas <strong>de</strong>cada tempo, o que cada época tem como a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> em termos <strong>de</strong> tradução. Por meiodas análises, po<strong>de</strong>mos igualmente i<strong>de</strong>ntificar características individuais <strong>de</strong> cadatradução, um estilo próprio <strong>de</strong> cada tradutor.3.1 A tradução <strong>de</strong> João <strong>do</strong> RioJoão Paulo Coelho Barreto, mais conheci<strong>do</strong> como João <strong>do</strong> Rio, nasceu emagosto <strong>de</strong> 1881 e foi notável jornalista, crítico, escritor e tradutor. Começou atrabalhar ainda a<strong>do</strong>lescente e logo ascen<strong>de</strong>u profissionalmente. Sua escritarevolucionou o campo jornalístico e por muitos foi consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> o primeiro gran<strong>de</strong>repórter brasileiro <strong>do</strong> início <strong>do</strong> século, principalmente após a publicação <strong>de</strong> <strong>As</strong>Religiões <strong>do</strong> Rio, uma compilação <strong>de</strong> reportagens investigativas que mostravam umRio <strong>de</strong> Janeiro oculta<strong>do</strong> pelo governo.A influência <strong>de</strong> <strong>Oscar</strong> Wil<strong>de</strong> em sua obra também é notável. O escritor foigran<strong>de</strong> inspiração para João <strong>do</strong> Rio, que incorporou a figura <strong>do</strong> dândi wil<strong>de</strong>ano em suavida e obra. A presença <strong>de</strong> Wil<strong>de</strong> na produção literária <strong>de</strong> João <strong>do</strong> Rio é mais evi<strong>de</strong>nte,como, por exemplo, a semelhança entre seus personagens, a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> cenários e a4


importância <strong>do</strong> perfume para seus personagens e ambientes. No entanto, segun<strong>do</strong>Faria (1988), o escritor irlandês também está presente no trabalho jornalístico <strong>do</strong>carioca, que utilizava a estética wil<strong>de</strong>ana para <strong>de</strong>screver ambientes reais.A sua admiração por Wil<strong>de</strong> o levou a traduzir duas outras obras <strong>do</strong> autor(Intenções, <strong>de</strong> 1891, e Salomé, <strong>de</strong> 1893), além <strong>de</strong> O Retrato <strong>de</strong> Dorian Gray. No caso <strong>de</strong>Dorian Gray e Salomé, o título sugeri<strong>do</strong> pela tradução <strong>de</strong> João <strong>do</strong> Rio foi manti<strong>do</strong> nasretraduções, já os ensaios compila<strong>do</strong>s em Intenções só foram publica<strong>do</strong>s comoconjunto na tradução <strong>do</strong> escritor carioca.Na primeira edição <strong>do</strong> romance, publicada pela Livraria Garnier em 1923, João<strong>do</strong> Rio <strong>de</strong>ixa clara sua admiração pela obra <strong>do</strong> escritor irlandês em uma notaapresentada após o prefácio <strong>do</strong> autor:O Retrato <strong>de</strong> Dorian Gray é há trinta anos o livro <strong>de</strong> ficção maissensacional da terra. A sua sedução persiste, é cada vez maior. Hojepassou a ser o cre<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma estética nova, na terra inteira.O prefácio <strong>de</strong> Wil<strong>de</strong>, por consistir em frases curtas e expressas em linguagemsimples e direta, como um aforismo <strong>de</strong>ve ser, resulta em traduções muito próximas <strong>do</strong>original em inglês. No entanto, a tradução <strong>de</strong> João <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong>ixa algumaspeculiarida<strong>de</strong>s no texto em português, como se po<strong>de</strong> ver nos exemplos abaixo.Exemplo 1OriginalThe critic is he who can translateinto another manner or a newmaterial his impression ofbeautiful things.João <strong>do</strong> RioCrítico é aquele que po<strong>de</strong> traduzird’outra forma ou com processosnovos a impressão <strong>de</strong>ixada pelasbelas coisas.A tradução <strong>de</strong> “new material” por “processos novos” <strong>de</strong>ixa a frase redundante,pois “traduzir d’outra forma” já implica o uso <strong>de</strong> “processos novos”, e assim a i<strong>de</strong>i a <strong>do</strong>uso <strong>de</strong> “new material” é perdida no texto em português. A tradução <strong>de</strong> “new material”por “em novo material” seria mais a<strong>de</strong>quada, como veremos posteriormente.5


A edição da Garnier <strong>do</strong> texto <strong>de</strong> João <strong>do</strong> Rio também traz outra singularida<strong>de</strong>.Um <strong>do</strong>s aforismos originais não é traduzi<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> omiti<strong>do</strong> <strong>do</strong> texto em português:Exemplo 2OriginalNo artist has ethical sympathies.An ethical sympathy in an artist isan unpar<strong>do</strong>nable mannerism ofstyle.No artist is ever morbid. Theartist can express everything.João <strong>do</strong> RioO Artista não tem simpatias éticas.A simpatia moral num artista traz omaneirismo imper<strong>do</strong>ável <strong>de</strong> estilo.O Artista vê e po<strong>de</strong> exprimir tu<strong>do</strong>.Note que a sentença “No artist is ever morbid” é omitida <strong>do</strong> texto traduzi<strong>do</strong>, e,ao mesmo tempo, João <strong>do</strong> Rio acrescenta informação na frase seguinte, então ooriginal “The artist can express everything” torna-se “ O Artista vê e po<strong>de</strong> exprimirtu<strong>do</strong>”.Além disso, po<strong>de</strong>mos ver que João <strong>do</strong> Rio opta por traduzir “No artist” por “OArtista”, modulan<strong>do</strong> o texto traduzi<strong>do</strong>. Ambas as construções são generalizações, noentanto, o escritor carioca opta por uma generalização positiva, enquanto Wil<strong>de</strong>utiliza uma generalização negativa, como se dissesse “nenhum artista digno <strong>de</strong>ssenome”.Note-se também o uso <strong>de</strong> maiúsculas no texto traduzi<strong>do</strong>. João <strong>do</strong> Rio utilizamaiúsculas ao falar <strong>de</strong> Arte, Beleza e <strong>do</strong> Artista, enquanto Wil<strong>de</strong> apenas utiliza esserecurso ao tratar <strong>de</strong> Beauty. Isso implica uma valorização <strong>de</strong>ssas palavras que não háno texto original, sen<strong>do</strong>, portanto, uma interpretação <strong>do</strong> próprio tradutor.Outra escolha interessante é a tradução <strong>de</strong> “actor” por “comediante”, ilustradano exemplo 3. Aqui o tradutor opta por uma palavra mais específica <strong>do</strong> que a escolhidapelo escritor irlandês em seu original.6


Exemplo 3OriginalFrom the point of view of form,the type of all the arts is the art ofthe musician. From the point ofview of feeling, the actor’s craft isthe type.João <strong>do</strong> RioNo ponto <strong>de</strong> vista da forma, amúsica é o tipo das artes. No ponto<strong>de</strong> vista da sensação é a profissão<strong>do</strong> comediante.Em inglês, “actor” é uma pessoa que atua em peças e filmes, enquanto“comedian” é um ator especializa<strong>do</strong> em comédia. Em português o caso é semelhante,“ator” é uma artista que representa em teatros, enquanto “comediante” po<strong>de</strong> sersinônimo <strong>de</strong> “ator”, embora seja mais comumente utiliza<strong>do</strong> para <strong>de</strong>signar um ator <strong>de</strong>comédia.<strong>As</strong>sim, João <strong>do</strong> Rio, por estar mais próximo <strong>do</strong> contexto histórico <strong>de</strong> publicaçãoda obra em inglês e por sustentar uma relação <strong>de</strong> profunda admiração por Wil<strong>de</strong>,revela mais liberda<strong>de</strong> ao traduzir o texto, não se preocupan<strong>do</strong> tanto em manter suatradução extremamente próxima <strong>do</strong> original. Revela, por aí, igualmente suacriativida<strong>de</strong>, legitiman<strong>do</strong> seu papel <strong>de</strong> escritor na cena cultural brasileira daquelaépoca e <strong>de</strong> hoje.3.2 A tradução <strong>de</strong> <strong>Oscar</strong> Men<strong>de</strong>s<strong>Oscar</strong> Men<strong>de</strong>s nasceu em Recife em 1902 e viveu em Minas Gerais durante amaior parte <strong>de</strong> sua vida. Exerceu, entre muitos outros, o ofício <strong>de</strong> professor, jornalistae tradutor. Como tradutor, recebeu o crédito <strong>de</strong> várias traduções famosas, como a d’OCorvo, <strong>de</strong> Edgar Allan Poe.A tradução <strong>de</strong> Men<strong>de</strong>s <strong>do</strong> prefácio <strong>de</strong> <strong>Oscar</strong> Wil<strong>de</strong> data <strong>do</strong> início da década <strong>de</strong>1970. Trabalharemos aqui com a edição <strong>de</strong> 1980, publicada pela Abril Cultural. Essatradução possui gran<strong>de</strong>s semelhanças com a tradução <strong>de</strong> João <strong>do</strong> Rio com relação àsescolhas lexicais:7


Exemplo 4Original <strong>Oscar</strong> Men<strong>de</strong>s João <strong>do</strong> RioA The critic is he whocan translate intoanother manner ora new material hisimpression ofbeautiful things.B An ethicalsympathy in anartist is anunpar<strong>do</strong>nablemannerism ofstyle.O crítico é aquele quepo<strong>de</strong> traduzir, <strong>de</strong> ummo<strong>do</strong> diferente oupor um novoprocesso, a suaimpressão das coisasbelas.A simpatia ética numartista constitui ummaneirismo <strong>de</strong> estiloimper<strong>do</strong>ável.Crítico é aquele quepo<strong>de</strong> traduzir d’outraforma ou comprocessos novos aimpressão <strong>de</strong>ixadapelas belas coisas.A simpatia moral numartista traz omaneirismoimper<strong>do</strong>ável <strong>de</strong>estilo.Observe-se que, assim como João <strong>do</strong> Rio, <strong>Oscar</strong> Men<strong>de</strong>s opta por traduzir“material” por “processo”, causan<strong>do</strong> a mesma redundância presente no daquele. Notetambém que ambos traduzem o aforismo B quase que literalmente, porém Men<strong>de</strong>sinverte a or<strong>de</strong>m das palavras, colocan<strong>do</strong> o adjetivo “imper<strong>do</strong>ável” após a palavra“estilo”, o que <strong>de</strong>ixa a frase ambígua, pois o adjetivo po<strong>de</strong> qualificar tanto“maneirismo” quanto “estilo”. <strong>As</strong>sim cabe a pergunta: será a tradução <strong>de</strong> João <strong>do</strong> Rioo texto fonte para a tradução <strong>de</strong> Men<strong>de</strong>s?Outra característica da tradução <strong>de</strong> <strong>Oscar</strong> Men<strong>de</strong>s é a tradução <strong>do</strong> nome <strong>do</strong>personagem shakesperiano cita<strong>do</strong> no prefácio <strong>de</strong> Wil<strong>de</strong>:8


Exemplo 5OriginalThe nineteenth-century dislike ofRealism is the rage of Calibanseeing his own face in a glass.The nineteenth-century dislike ofRomanticism is the rage ofCaliban not seeing his own face ina glass.<strong>Oscar</strong> Men<strong>de</strong>sA aversão <strong>do</strong> século XIX aoRealismo é a cólera <strong>de</strong> Calibã porver o seu rosto num espelho.A aversão <strong>do</strong> século XIX aoRomantismo é a cólera <strong>de</strong> Calibãao não ver o seu próprio rosto numespelho.Entre as quatro traduções estudadas neste artigo, a <strong>de</strong> <strong>Oscar</strong> Men<strong>de</strong>s é a únicaque naturaliza o nome <strong>de</strong> Caliban, personagem <strong>de</strong> A Tempesta<strong>de</strong> <strong>de</strong> WilliamShakespeare.3.3 A tradução <strong>de</strong> José Eduar<strong>do</strong> Ribeiro MoretzsohnApesar <strong>de</strong> não haver muitas informações sobre o tradutor, sabe-se que atradução <strong>de</strong> Moretzsohn foi publicada primeiramente no início da década <strong>de</strong> 1980.Trabalharemos aqui com a edição <strong>de</strong> 1985, publicada pela Francisco Alves.A tradução <strong>de</strong> Moretzsohn é, em geral, bastante literal em relação ao textooriginal. Entretanto, o tradutor também faz algumas escolhas curiosas:Exemplo 6OriginalA Those who find beautifulmeanings in beautiful things arethe cultivated.B There is no such thing as amoral or an immoral book.José Eduar<strong>do</strong> MoretzsohnOs que <strong>de</strong>scobrem significa<strong>do</strong>smaravilhosos em coisasmaravilhosas são os ilustra<strong>do</strong>s.Não existe isto <strong>de</strong> livros moraisou imorais.O adjetivo “ilustra<strong>do</strong>” é sinônimo <strong>de</strong> “instruí<strong>do</strong>”, “culto”, no entanto, seu usonessa tradução resulta num efeito preciosista que não existe no texto original, e que,9


consequentemente, confere à tradução certo ar pedante. Além disso, “ilustra<strong>do</strong>” émais <strong>do</strong> que “culto”. Refere-se à Ilustração ou Iluminismo, enquanto Wil<strong>de</strong> estava sereferin<strong>do</strong> à erudição.Em contraste com o preciosismo, na frase B o tradutor opta por umaconstrução mais informal, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> no texto inconstante no que se refere ao grau <strong>de</strong>formalida<strong>de</strong>.A tradução <strong>de</strong> Moretzsohn também apresenta algumas peculiarida<strong>de</strong>s quepo<strong>de</strong>m ser relacionadas a erros <strong>de</strong> revisão ou digitação:Exemplo 7CDOriginalThe nineteenth-century dislikeof Realism is the rage of Calibanseeing his own face in theglass.The only excuse for making auseless thing is that oneadmires it intensely.José Eduar<strong>do</strong> MoretzsohnA antipatia <strong>do</strong> século <strong>de</strong>zenovepelo realismo é a fúria <strong>de</strong> Calibanolhan<strong>do</strong> – seu rosto no espelhoA única <strong>de</strong>sculpa, para se fazeruma coisa útil, é que aadmiramos com intensida<strong>de</strong>.No aforismo C, o uso <strong>de</strong> travessão é <strong>de</strong>snecessário. Não é possível constatar sea presença <strong>de</strong>ste recurso é proposital ou se se trata <strong>de</strong> um erro <strong>de</strong> revisão. Já noaforismo D, existe um contrassenso na tradução. O texto <strong>de</strong> Moretzsohn traz “útil”como equivalente <strong>de</strong> “useless”, quan<strong>do</strong> o correto seria exatamente o contrário,“inútil”, pois o sufixo “-less” significa a falta, ausência <strong>de</strong> alguma coisa, tornan<strong>do</strong>negativo o radical que o prece<strong>de</strong>.Comparan<strong>do</strong>-se o ritmo <strong>do</strong> texto <strong>de</strong> Wil<strong>de</strong> com aquele produzi<strong>do</strong> porMoretzsohn, este não trabalha da mesma forma as repetições, como se vê noexemplo abaixo:10


Exemplo 8OriginalNo artist <strong>de</strong>sires to proveanything. Even things that are truecan be proved.No artist has ethical sympathies.An ethical sympathy in an artist isan unpar<strong>do</strong>nable mannerism ofstyle.No artist is ever morbid. The artistcan express everything.MoretzsohnNenhum artista <strong>de</strong>seja provarcoisa alguma. Até mesmo as coisasverda<strong>de</strong>iras po<strong>de</strong>m ser provadas.Nenhum artista possui simpatiaséticas. Num artista, a simpatiaética é um maneirismo <strong>de</strong> estilo,imper<strong>do</strong>ável.Não há artista mórbi<strong>do</strong>. O artistapo<strong>de</strong> expressar qualquer coisa.<strong>As</strong>sim, a tradução <strong>de</strong> Moretzsohn per<strong>de</strong> o paralelismo da construção, e por aí,a poeticida<strong>de</strong> e a força <strong>de</strong> manifesto.3.4 A tradução <strong>de</strong> Lígia JunqueiraA escritora e tradutora mineira, Lígia Junqueira, traduziu inúmeras obras <strong>de</strong>gran<strong>de</strong>s autores para o português <strong>do</strong> Brasil, como Sir Arthur Conan Doyle, WilliamFaulkner, F. Scott Fitzgerald, entre outros.A tradução <strong>do</strong> prefácio <strong>de</strong> <strong>Oscar</strong> Wil<strong>de</strong> é <strong>de</strong> 1965, publicada na coleção daBiblioteca Universal Popular. Trabalharemos aqui com a 10ª edição, publicada em2011 pela Civilização Brasileira.A tradução <strong>de</strong> Junqueira, entre as quatro analisadas neste artigo, é a maispróxima <strong>do</strong> original. Suas escolhas não causam alteração <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> texto emantêm todas as repetições presentes no original em inglês:11


Exemplo 9Original João <strong>do</strong> Rio <strong>Oscar</strong> Men<strong>de</strong>s Moretzsohn Lígia JunqueiraThe critic is heCrítico é aqueleO crítico éO crítico éO crítco éwhocanquepo<strong>de</strong>aquelequeaquelecapazaquelequetranslateintotraduzirpo<strong>de</strong> traduzir,<strong>de</strong>traduzirsabetraduziranotherd’outraforma<strong>de</strong> um mo<strong>do</strong>para uma outraemoutramanner or aoucomdiferenteoumaneira,ouforma ou emnewmaterialprocessospor um novopara um novonovo materialhis impressionnovosaprocesso, a suamaterial,suasua impressãoofbeautifulimpressãoimpressão dasimpressão dasdasbelasthings.<strong>de</strong>ixadapelascoisas belas.coisascoisas.belas coisas.maravilhosas.Tanto Junqueira quanto Moretzsohn conseguiram traduzir esse trecho <strong>de</strong>forma mais próxima ao original, sem redundância ou alteração <strong>de</strong> sentin<strong>do</strong>. Contu<strong>do</strong>,somente Junqueira consegue manter esse tom no restante <strong>de</strong> sua tradução. Etambém apenas a sua tradução consegue <strong>de</strong>ixar clara a intenção <strong>do</strong> texto wil<strong>de</strong>ano,com relação ao trabalho <strong>do</strong> crítico, ressaltan<strong>do</strong> a importância da forma e <strong>do</strong> materialnovo. Ambos os léxicos, forma e material; remetem à questão da forma literária e aonovo material estético.Apesar disso, em sua tradução também há uma omissão que também não seexplica, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> caracterizar um erro <strong>de</strong> tradução ou edição:Exemplo 10OriginalThought and language are to the artistinstruments of an art.Vice and virtue are to the artistmaterials for an art.From the point of view of form, the typeof all the arts is the art of the musician.Lígia JunqueiraPensamento e linguagem são, parao artista, instrumentos <strong>de</strong> uma arte.Do ponto <strong>de</strong> vista da forma, oprotótipo <strong>de</strong> todas as artes é a arte<strong>do</strong> músico.12


4. Consi<strong>de</strong>rações finaisEstre trabalho teve por objetivo analisar as traduções brasileiras <strong>do</strong> prefácio <strong>de</strong><strong>Oscar</strong> Wil<strong>de</strong> publica<strong>do</strong> em seu livro O Retrato <strong>de</strong> Dorian Gray, publica<strong>do</strong> em 1891.Comparan<strong>do</strong> as traduções <strong>de</strong> João <strong>do</strong> Rio, <strong>Oscar</strong> Men<strong>de</strong>s, José Eduar<strong>do</strong> RibeiroMoretzsohn e Lígia Junqueira po<strong>de</strong>mos observar que todas elas, a <strong>de</strong>speito daspeculiarida<strong>de</strong>s que <strong>de</strong>stacamos, são extremamente semelhantes. Isso po<strong>de</strong> seratribuí<strong>do</strong> ao fato <strong>de</strong> que o texto original é composto <strong>de</strong> frases curtas e objetivas,causan<strong>do</strong> pouca divergência nas traduções, mas também po<strong>de</strong> revelar uma tendênciabrasileira <strong>de</strong> manter uma proximida<strong>de</strong> quase literal entre o texto traduzi<strong>do</strong> e ooriginal.Por meio das análises po<strong>de</strong>mos concluir que: A tradução <strong>de</strong> João <strong>do</strong> Rio, pela proximida<strong>de</strong> cronológica com o texto eminglês e pela profunda admiração ao escritor irlandês por parte <strong>do</strong> tradutor,não se pren<strong>de</strong> totalmente ao texto original; A tradução <strong>de</strong> <strong>Oscar</strong> Men<strong>de</strong>s tem muito em comum com a tradução <strong>de</strong> João <strong>do</strong>Rio, esta po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ter servi<strong>do</strong> como texto fonte para a tradução <strong>de</strong> Men<strong>de</strong>s; <strong>Oscar</strong> Men<strong>de</strong>s é o único <strong>do</strong>s quatro tradutores analisa<strong>do</strong>s que traduz o nome<strong>de</strong> Caliban; A tradução <strong>de</strong> José Eduar<strong>do</strong> Ribeiro Moretzsohn apresenta preciosismo etambém informalida<strong>de</strong> que não há no original, tornan<strong>do</strong> sua traduçãoinconstante no que diz respeito à formalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> texto. Essa tradução tambémapresenta erros <strong>de</strong> tradução ou revisão; A tradução <strong>de</strong> Lígia Junqueira, das quatro apresentadas, é a mais próxima <strong>do</strong>texto original.13


5. Referências BibliográficasELLMANN, Richard. <strong>Oscar</strong> Wil<strong>de</strong>. Tradução <strong>de</strong> José Antonio Arantes. São Paulo:Companhia das Letras, 1988.FARIA, Gentil Luiz <strong>de</strong>. A presença <strong>de</strong> <strong>Oscar</strong> Wil<strong>de</strong> na Belle Époque literária brasileira.São Paulo: Pannartz, 1988.GENETTE, Gérard. Paratextos Editoriais. Tradução <strong>de</strong> Álvaro Faleiros. São Paulo:Ateliê Editorial, 2009.GENTZLER, Edwin. Teorias Contemporâneas da Tradução. Tradução <strong>de</strong> MarcosMalvezzi. São Paulo: Madras, 2009.TORRES, Marie-Hélène Catherine. Traduzir o Brasil literário: Paratexto e discurso <strong>de</strong>acompanhamento. Tradução <strong>de</strong> Marlova <strong>As</strong>eff; Eleonora Castelli. Santa Catarina:Copiart, 2011.TOURY, Gi<strong>de</strong>on. "A Handful of Paragraphs on 'Translation' and 'Norms'"In: Christina Schäffner, ed. Translation and Norms. Cleve<strong>do</strong>n etc.:Multilingual Matters, 1998. 10-32. [also available as Vol 5, Nos 1&2 ofCurrent Issues in Language & Society. Disponível em:http://www.tau.ac.il/~toury/works/GT-Handful_Norms.htm. Acessa<strong>do</strong> em:10/05/2012.________________ "The Nature and Role of Norms in Translation". In i<strong>de</strong>m,Descriptive Translation Studies and Beyond. Amsterdam-Phila<strong>de</strong>lphia:John Benjamins, 1995, 53-69. Disponível em: http://www.tau.ac.il/~toury/works/GT-Role-Norms.htm. Acessa<strong>do</strong> em: 10/05/2012.WILDE, <strong>Oscar</strong>. O Retrato <strong>de</strong> Dorian Gray. Tradução <strong>de</strong> João <strong>do</strong> Rio. Rio <strong>de</strong> Janeiro:Livraria Garnier, 1923._____________ O Retrato <strong>de</strong> Dorian Gray. Tradução <strong>de</strong> <strong>Oscar</strong> Men<strong>de</strong>s. São Paulo: AbrilCultural, 1980.14


_____________ O Retrato <strong>de</strong> Dorian Gray. Tradução <strong>de</strong> José Eduar<strong>do</strong> RibeiroMoretzsohn. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Francisco Alves, 1985._____________ O Retrato <strong>de</strong> Dorian Gray. Tradução <strong>de</strong> Lígia Junqueira. Rio <strong>de</strong> Janeiro:Civilização Brasileira, 2011._____________ “The Picture of Dorian Gray”. In: Plays, prose, writings and poems.Everyman’s Libraryi Eliane PEREIRA DE SOUSA LEAL, estudante-pesquisa<strong>do</strong>raUniversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília (UnB)Departamento <strong>de</strong> Letras – Traduçãoelianepsleal@gmail.comii Germana HENRIQUES PEREIRA DE SOUSA, Profa. Dra.Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília (UnB)Departamento <strong>de</strong> Línguas Estrangeiras e Traduçãogermanahp@gmail.com15

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