A estrutura do enredo em 'Vidas Secas' - Eutomia

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No parágrafo que inicia o conto, temos a descrição da enfermidade da cachorra, onde nos é dada a
constatação do seu estado e a iminência da sua morte se evidencia; essa descrição vem como informação
introdutória da ação central e traz os motivos que servirão de respaldo aos atos posteriores:
A cachorra Baleia estava para morrer. Tinha emagrecido, o pêlo caíra-lhe em vários pontos, as
costelas avultavam num fundo róseo, onde manchas escuras supuravam e sangravam, cobertas
de moscas. As chagas da boca e a inchação dos beiços dificultavam-lhe a comida e a bebida.
(RAMOS, 2000, p. 85)
A partir da introdução, os acontecimentos se sucedem em uma crescente em que a tensão inicia com a
decisão tomada por Fabiano de sacrificar o animal: “Então Fabiano resolveu matá-la” (RAMOS, 2000, p. 85).
Na sequência sinha Vitória leva os meninos para dentro da casa; angustiada tenta esconder o fato e se convencer
de que essa é a única alternativa, “Ela também tinha o coração pesado, mas resignava-se: naturalmente a decisão
de Fabiano era necessária e justa. Pobre da Baleia” (RAMOS, 2000, p. 86.); enquanto isso Fabiano se prepara
para a execução. Todas essas ações, envoltas em muita emoção, evoluem para o clímax, momento em que
Fabiano consegue efetuar o disparo e atingir Baleia. “Ouvindo o tiro e os latidos, sinha Vitória pegou-se à
Virgem Maria e os meninos rolaram na cama, chorando alto. Fabiano recolheu-se. Baleia fugiu precipitada [...]”
(RAMOS, 2000, p. 87). Da tomada de decisão de Fabiano ao instante em que o tiro é desferido pode ser
considerado como o desenvolvimento da narrativa. No terceiro e último momento do conto, que chamaremos
aqui de desfecho, começa com o delírio de Baleia, logo depois que ela é ferida, e vai encerrar a narrativa com a
morte da personagem.
Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de
Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela num pátio
enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos, enormes.
(RAMOS, 2000, p. 91)
Dessa forma, o conto ii em questão segue a estrutura do enredo clássico, onde a narrativa tem ação
completa com início, meio e fim, e os acontecimentos são apresentados de forma linear, podendo ser
considerado como autônomo em relação aos demais contos que compõem a obra. No entanto, se formos
analisá-lo inserido no contexto geral do romance, encontraremos relação de continuidade e dependência com
outros momentos da unidade textual, em especial pelo fato de a personagem Baleia, transitar por toda a
narrativa, com a única exceção do capítulo “O soldado amarelo”, funcionando, assim, como um fio que une as
partes para acentuar a unidade do enredo. Vale ressaltar, no entanto, que uma forma de leitura (episódica) não
descarta a outra (causal/linear), na verdade, elas funcionam como complementares, uma vez que o romance se
presta a ambas.
É importante mencionar que Baleia participa de todos os capítulos que antecedem o da sua morte e
posteriormente é lembrada com certo saudosismo pelas outras personagens; logo, os capítulos posteriores a este,
por fazerem alusão ao fato, não poderiam ser deslocados sem que isso resultasse em modificações no enredo, o
Eutomia – Ano 3 – Edição 1 – Julho 2010 – Artigos Página 4