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Revista UnicaPhoto - 2.Ed/2014

Revista dos alunos, ex-alunos e professores do curso de Fotografia da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap)

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<strong>Revista</strong> do Curso Superior de Tecnologia em Fotografia da Unicap - #2, mar <strong>2014</strong><br />

www.unicap.br/unicaphoto<br />

1


Na web<br />

www.unicap.br/unicaphoto<br />

/fotografiaunicap<br />

Expediente:<br />

Coordenação: Renata Victor. Edição: Carolina Monteiro.<br />

Textos: Arline Lins, Carolina Monteiro, Dario Brito,<br />

Elyzangela Freitas, Fanuel Paes Barreto, Juliana Galvão,<br />

Julianna Nascimento Torezani , Lindomar Oliveira, Nieja<br />

Dias. Ensaios: Alunos do Curso de Fotografia da Unicap,<br />

Gilberto Vieira, Lila Rios, Marina Felduhes e Renata Victor.<br />

Diagramação: Arline Lins. A <strong>UnicaPhoto</strong> é uma publicação<br />

semestral do Curso Superior de Tecnologia em Fotografia da<br />

Universidade Católica de Pernambuco (ISSN 2357-8793).<br />

2<br />

Foto da capa: Gustavo Bettini e Lia Lubambo


EDITORIAL<br />

No Dia Mundial da Fotografia do ano passado, em 19 de agosto, no auditório da Livraria Cultura, em<br />

Recife, o curso de Fotografia da UNICAP teve o prazer de vivenciar a realização de três de seus projetos<br />

mais queridos: a entrega do prêmio Alcir Lacerda, a exposição dos nossos alunos e o lançamento<br />

da primeira edição da revista UNICAPHOTO.<br />

O prêmio foi instituído em 2012 para homenagear um dos maiores expoentes da arte da fotografia<br />

em Pernambuco, o nosso querido Alcir Lacerda. E, a cada ano, são escolhidos fotógrafos que contribuem<br />

com a fotografia em Pernambuco para serem agraciados. No ano passado, os homenageados<br />

foram Gilberto Marcelino e Pedro Luiz. Em paralelo ao reconhecimento aos profissionais que já são<br />

ícones na nossa cena, também nesse mesmo dia tivemos a oportunidade de lançar um olhar sobre o<br />

que os fotógrafos da nova geração - os alunos da UNICAP – têm produzido, através de uma exposição<br />

de seus trabalhos.<br />

Já a UNICAPHOTO foi a concretização de um sonho – uma revista que lance um olhar sobre a produção<br />

contemporânea, sem esquecer os aspectos históricos e trate das transformações da câmera,<br />

da estética e da linguagem pelas quais a fotografia vem passando ao longo desses 188 anos de<br />

existência.<br />

Para esta nova edição, trazemos algumas novidades, com o intuito de tornar a revista ainda mais<br />

dinâmica. Assim, teremos duas novas seções: uma de entrevista, que é inaugurada com a fotógrafa<br />

Rosângela Andrade, que fala sobre o processo analógico de cópias fotográficas, e outra que apresentará<br />

dicas de leitura, filmes e sites relacionados com a fotografia.<br />

A partir desta edição, a revista passa a ter o ISSN, que é um código universal que individualiza os<br />

títulos de uma publicação em série e, por isso, facilita a identificação rápida das publicações, garantindo<br />

em nosso caso, uma maior segurança na troca de informações no meio virtual.<br />

Já nossa matéria de capa trata do mercado da fotografia Fine Art no Recife, um mercado promissor<br />

que vem atraindo, sobretudo a atenção dos fotógrafos que produzem trabalhos autorais e almejam,<br />

por isso, uma impressão de qualidade diferenciada e com longa durabilidade.<br />

Por fim, agradeço aos professores do curso de Fotografia da UNICAP, aos alunos, ex-alunos e colaboradores<br />

pela elaboração dos textos e produção da revista.<br />

Agradeço, ainda, aos nossos apoiadores, ADI – Ateliê de Impressão, Escambo Fotográfico e Foto<br />

Varela, pela valorosa parceria para a execução de mais um projeto do nosso curso.<br />

Renata Victor<br />

Coordenadora do Curso Superior de<br />

Tecnologia em Fotografia da<br />

Universidade Católica de Pernambuco


SUMÁRIO<br />

ACONTECEU<br />

Pág. 6<br />

ENTREVISTA:<br />

O<br />

ANALÓGICO<br />

NA ERA<br />

DIGITAL<br />

Pág. 8<br />

ACERVO<br />

UNICAP<br />

Pág. 10<br />

CAMINHOS<br />

QUE SE<br />

CRUZAM:<br />

A FOTOGRAFIA<br />

DE MARC<br />

FERREZ<br />

E NELSON KON<br />

Pág. 12<br />

A IMAGEM EM<br />

PALAVRAS<br />

Pág. 18<br />

ENSAIOS<br />

Pág. 20


A MELHOR<br />

IMPRESSÃO É<br />

A QUE FICA<br />

Pág. 66<br />

DICAS<br />

Pág. 78<br />

LEWIS HINE:<br />

O OLHAR<br />

SOCIÓLOGO<br />

ATRAVÉS DAS<br />

LENTES<br />

Pág. 72<br />

ANÁLISE<br />

DE IMAGEM<br />

- STEVE<br />

MCCURRY<br />

Pág. 74<br />

INSTAGRAM:<br />

REGISTRO DO<br />

PRESENTE<br />

Pág. 80<br />

COLUNA<br />

direito autoral e<br />

direito de imagem<br />

Pág. 76<br />

COMO SER UM<br />

PROFISSIONAL<br />

TAMBÉM<br />

NO MUNDO<br />

DIGITAL<br />

Pág. 85


ACONTECEU<br />

Dia Mundial<br />

da Fotografia:<br />

exposição<br />

19.08.13<br />

Dia Mundial<br />

da Fotografia:<br />

homenageados<br />

19.08.13<br />

Renault<br />

Experience<br />

16.09.13<br />

NO CURSO<br />

DE FOTOGRAFIA<br />

DA UNICAP<br />

1ª edição da<br />

<strong>UnicaPhoto</strong><br />

19.08.13<br />

4º Concurso<br />

de Fotografia<br />

- Carnaval de<br />

PE<br />

6<br />

02.04.14<br />

Alunas<br />

ganham<br />

bolsa cultural<br />

da Fasa<br />

Unicap<br />

06.03.14<br />

Canon:<br />

atividades<br />

ligadas à<br />

fotografia<br />

17.02.14<br />

Palestra com<br />

maquiador<br />

Diógenes<br />

Coelho<br />

14.02.14<br />

Ciclo de<br />

palestras<br />

dando início<br />

às atividades<br />

pedagógicas<br />

04.02.14


2º Encontro<br />

de Fotovídeo<br />

(oficinas)<br />

09.10.13<br />

2º Encontro<br />

de Fotovídeo<br />

(palestras)<br />

09.10.13<br />

Workshop de<br />

Pinhole com<br />

alunos da<br />

IFPB<br />

30.10.13<br />

Palestra com<br />

o fotógrafo<br />

Bruno Terena<br />

da Red Bull<br />

02.11.13<br />

Exposição<br />

fotográfica<br />

Gênero e<br />

Raça<br />

11.11.13<br />

Colação de<br />

grau dos<br />

formandos do<br />

curso<br />

31.01.14<br />

Exposição<br />

Novos<br />

Olhares<br />

09.01.14<br />

Exposição<br />

do final do<br />

semestre<br />

06.12.13<br />

Festival<br />

Brasil Stop<br />

Motion<br />

27.11.13<br />

Palestra com<br />

o empresário<br />

Fernando<br />

Boulitreau<br />

26.11.13<br />

Repórter<br />

Kety Marinho<br />

conversa com<br />

alunos do<br />

curso<br />

7<br />

12.11.13


ENTREVISTA<br />

O analógico na era digital<br />

De olho em quem está trabalhando com<br />

a Fotografia Analógica nos dias de hoje, a<br />

<strong>UnicaPhoto</strong> traz nesta edição uma entrevista<br />

de Niedja Dias com a laboratorista Rosangela<br />

Andrade, de 53 anos, natural de Ribeirão<br />

Preto, atualmente residindo em São Paulo.<br />

Há 38 anos ela fotografa e atua no universo<br />

do processamento químico P&B desde 1989.<br />

Em 1992 decidiu abrir seu próprio espaço, o<br />

Imágicas Laboratório Fotográfico, de onde<br />

saíram diversas imagens para exposições e<br />

livros de renomados fotógrafos do país.<br />

8<br />

UNICAPHOTO – De onde surgiu a paixão pelo<br />

laboratório fotográfico PB?<br />

ROSANGELA – A paixão surgiu quando passei<br />

a integrar a equipe da Álbum , um dos grandes<br />

laboratórios da década de 1980, do fotografo Zé<br />

de Boni. Lá tive contato com grandes nomes da<br />

fotografia brasileira, entre eles Maureen Bisilliat,<br />

Boris Kossoy, Vânia Toledo, Araquém Alcântara<br />

LiLy Sverner, além do próprio Zé de Boni e de<br />

Cristiano Mascaro, que foi o responsável por<br />

esta paixão imediata. Digo imediata porque foi<br />

ampliando uma imagem dele que percebi o amor<br />

pelo laboratório.<br />

UNICAPHOTO – No início, qual era o seu maior<br />

desafio?<br />

ROSANGELA – Conseguir interpretar o trabalho<br />

do fotógrafo bem próximo da sua expectativa em<br />

forma de contrastes, luzes e sombras.<br />

UNICAPHOTO – Atualmente, qual é o grande<br />

desafio?<br />

ROSANGELA – Continua sendo o mesmo, alem<br />

de ter que conseguir me manter no mercado<br />

totalmente voltado para imagens digitais.<br />

UNICAPHOTO – Como é continuar, em plena<br />

fase digital, com o processamento analógico?<br />

ROSANGELA – É bastante complicado, mas<br />

faço o que gosto e não consigo me afastar<br />

daquilo que amo. Hoje ainda atendo grandes<br />

fotógrafos como German Lorca, Ed Viggiani<br />

(meu parceiro em grupos de estudo de fotografia<br />

analógica), Sylvia Diez, Paulo Velloso e os<br />

amantes e amadores da fotografia.<br />

UNICAPHOTO – Você se depara com muitas<br />

pessoas da nova geração querendo se aprimorar<br />

no universo analógico?<br />

ROSANGELA – Sim, dou orientação de<br />

interpretação de imagem preto e branco no Sesc<br />

Pompéia. As turmas lotam e a maioria dos alunos<br />

são jovens de 22 a 35 anos buscando este<br />

entendimento da fotografia analógica e querendo<br />

desenvolver projetos pessoais com câmeras<br />

analógicas, filmes e ampliações em papel fibra<br />

preto e branco.<br />

UNICAPHOTO – Você se considera um peixe


Foto: Sylvia Diez<br />

fora d´água no mercado atual?<br />

ROSANGELA – Não, mas<br />

quando estou em um grupo<br />

de fotógrafos que optaram<br />

pelo digital ouço sempre<br />

umas piadinhas que já não me<br />

incomodam. Acho que quando<br />

você faz o que ama, você não<br />

ouve os barulhos externos.<br />

UNICAPHOTO – Como você<br />

define a construção da imagem<br />

analógica?<br />

ROSANGELA – Defino como a<br />

essência da fotografia.<br />

UNICAPHOTO – É rentável<br />

trabalhar com laboratório nos<br />

dias de hoje?<br />

ROSANGELA – Não é rentável,<br />

mas trabalhando com isso eu<br />

vivo; talvez se mudasse para o<br />

digital eu apenas sobreviveria<br />

(é maluco pensar desta forma,<br />

mas é assim que sinto).<br />

UNICAPHOTO – Se você<br />

tivesse que pontuar um<br />

momento marcante, ao longo<br />

da sua trajetória, qual seria?<br />

ROSANGELA – A chegada<br />

do processo digital. Entrei<br />

em pânico, mas já passou e agora estou mais<br />

tranquila.<br />

UNICAPHOTO – Tem muita dificuldade<br />

em conseguir os insumos no comércio?<br />

ROSANGELA – Infelizmente sim. Temos apenas<br />

um representante da Ilford e geralmente não<br />

consigo ter à disposição<br />

todo tipo de papel e<br />

sempre preciso recorrer a<br />

mercados alternativos.<br />

UNICAPHOTO – Pensou<br />

em desistir em algum<br />

momento?<br />

ROSANGELA – Não.<br />

Desistir nunca, mas<br />

comprei um computador<br />

Mac e tentei estudar<br />

programas de tratamento<br />

de imagem.<br />

UNICAPHOTO – Você<br />

adota algum critério para<br />

Foto: Carlos Ximenes<br />

pegar um determinado trabalho?<br />

ROSANGELA – Não, estou disponível para todos<br />

os fotógrafos que ainda compartilham comigo<br />

esta paixão pelo analógico.<br />

UNICAPHOTO – Já optou em não fazer algum<br />

trabalho? Por que?<br />

ROSANGELA – Não, adoro desafios, adoro<br />

imagens e sempre quero fazer por elas o melhor.<br />

UNICAPHOTO – Qual a importância da relação<br />

entre o fotógrafo e o laboratorista?<br />

ROSANGELA – Esta relação tem que ser de<br />

cumplicidade, entrega e confiança. Se for assim o<br />

resultado final é sempre uma bela cópia.<br />

UNICAPHOTO – Qual o conselho que você dá<br />

para quer seguir na contramão da tecnologia?<br />

ROSANGELA – Ter paciência, dedicação e amar<br />

o que faz.<br />

Contato:<br />

Laboratorio: Imagicas Laboratorio Fotográfico<br />

Analógico P/B<br />

End. Rua Arruda Alvim, 195 Pinheiros São<br />

Paulo<br />

Tels.: (11) 30832461/ (11) 86693831<br />

Email: roimagicas@gmail.com<br />

Facebook: https://www.facebook.com/Imagicas?fref=ts<br />

9


ACERVO<br />

UNICAP<br />

Foto: Marcos Michael<br />

THINK DIFFERENT<br />

Fotógrafo: MARCOS MICHAEL<br />

Câmera: Cannon 5D MK2<br />

Lente: 45mm Tilt-Shift/2.8<br />

Velocidade: 1000<br />

Ano: 2011<br />

10


“Estava de férias com minha esposa em São<br />

Francisco quando saiu a notícia da morte de<br />

Steve Jobs. Era 5 de outubro de 2011 e achei<br />

bem emblemático estar ali naquela região,<br />

naquele momento, onde tudo começou. Daí<br />

veio o insight de ir até uma Apple Store para<br />

fotografar as pessoas prestando homenagens<br />

a ele. Liguei para a Abril a fim de saber se<br />

eles queriam algum material. Conversei com<br />

Erthal (João Marcello Erthal), o editor da Veja.<br />

com, sugeri um ensaio e ele topou na hora.<br />

Peguei o equipamento e fui para lá. Dentro<br />

da loja, todas as telas de computadores<br />

estavam com dizeres em homenagem a<br />

ele e ali não era permitido fotografar. Dei<br />

uma “cariocada” e fiz uns cliques rápidos e,<br />

depois que fui abordado sobre a proibição,<br />

expliquei que era turista. Mas o que achei mais<br />

simbólico desse momento estava justamente<br />

do lado de fora: foram os “papeizinhos” que<br />

as pessoas colavam na fachada, cada um<br />

mais interessante que o outro. Com vários<br />

dizeres, agradecimentos, desenhos. Cada um,<br />

a sua maneira, ia manifestando a percepção<br />

do quanto ele havia sido importante. Fiquei<br />

pensando que para boa parte da nossa<br />

geração ele foi um cara excepcional, pelos<br />

artefatos que criou. Eu mesmo estou cercado<br />

dessas criações: quando ouço música, ligo<br />

para alguém, quando jogo com meu filho ou<br />

um amigo. O ensaio foi publicado na Veja.com<br />

em 25 fotos, com imagens das mais variadas<br />

naturezas, sob o título de Peregrinação ao<br />

‘templo’ da Apple”.<br />

11


Caminhos que se<br />

cruzam: a fotografia<br />

de Marc Ferrez e<br />

Nelson Kon<br />

Elysangela Freitas*<br />

* Aluna do curso de fotografia da<br />

Unicap, Elysangela Freitas faz uma breve<br />

análise da trajetória da obra de Marc<br />

Ferrez e Nelson Kon, dois fotógrafos<br />

brasileiros que viveram em diferentes<br />

momentos históricos, seguida de uma<br />

análise comparativa de seus trabalhos,<br />

especialmente no que se refere aos seus<br />

olhares em relação às cidades onde<br />

viveram e trabalharam.<br />

MARC FERREZ<br />

Marc Ferrez é um dos fotógrafos brasileiros<br />

mais importantes de todos os tempos. Nascido<br />

em 1843 no Rio de Janeiro, filho de um<br />

casal de escultores e gravadores franceses<br />

que vieram para o Brasil com a Missão Artística<br />

Francesa, em 1867, Marc Ferrez abriu seu<br />

próprio negócio: a Casa Marc Ferrez & Cia,<br />

especializada em equipamentos e serviços<br />

fotográficos.<br />

Em 1875, a trajetória de Ferrez se transformou<br />

radicalmente, ao receber convite para integrar,<br />

como fotógrafo, a Comissão Geológica<br />

do Império. A expedição percorreria os estados<br />

de Bahia, Pernambuco e Alagoas e partes<br />

da Amazônia. Assim, entre os anos de 1875<br />

e 1877, viajou pelo norte e nordeste brasileiro<br />

documentando fotograficamente a região e os<br />

trabalhos da referida comissão.<br />

Destaca-se por desenvolver equipamentos<br />

próprios e introduzir experiências técnicas<br />

como as fotografias coloridas, aperfeiçoando<br />

a invenção dos irmãos Lumière, batizadas<br />

por ele de autocromo. Em 1890, Marc Ferrez<br />

começa a produzir fototipias, processo pelo<br />

qual publica álbuns e postais, entre outros<br />

produtos. Era um entusiasta das inovações<br />

tecnológicas, sendo pioneiro no uso do flash<br />

Fotos: Marc Ferrez<br />

12


de magnésio para documentar os trabalhos no<br />

interior das minas de ouro.<br />

Ferrez fotografou atividades econômicas,<br />

a construção das principais estradas de ferro,<br />

as construções seculares da arquitetura<br />

barroca, as minas de ouro e pedras preciosas<br />

em Minas Gerais, as belas paisagens das<br />

florestas e das fazendas, seus costumes e<br />

personagens.<br />

Primeiro fotógrafo brasileiro a visitar os<br />

rincões do território nacional e registrá-los em<br />

fotografias e documentos cartoriais, Marc Ferrez<br />

foi nomeado como primeiro (e único) Fotógrafo<br />

da Marinha Imperial e agraciado pelo<br />

imperador Pedro II com o título de Cavaleiro<br />

da Ordem da Rosa. O artista, mesmo após a<br />

queda do Império, continuaria a ter posição de<br />

destaque nos primeiros tempos da República.<br />

A partir de 1903, realizou uma de suas<br />

séries mais reproduzidas até hoje: a documentação<br />

completa das obras de instalação<br />

da Avenida Central, hoje Avenida Rio Branco,<br />

no estado do Rio de Janeiro. Fotografou dos<br />

antigos edifícios às construções que foram<br />

erguidas no começo do século XX.<br />

O fotógrafo também foi pioneiro no cinema<br />

e seu nome está relacionado ao nascimento<br />

desta arte no país. Em 1907, inaugurou a<br />

primeira sala de exibição<br />

permanente de espetáculos<br />

cinematográficos do Brasil<br />

— o Cinema Pathé – e<br />

ajudou a montar salas de<br />

cinema pelo país a fora.<br />

Patrocinou ainda a produção dos primeiros<br />

filmes nacionais, assim como a Casa Marc<br />

Ferrez & Filhos tomaria para si a distribuição<br />

da grande maioria dos filmes exibidos nas<br />

diversas salas de cinema que surgiram no Rio<br />

de Janeiro.<br />

Marc Ferrez foi reconhecido, no Brasil e<br />

no exterior, não apenas como fotógrafo de<br />

paisagens e de obras públicas, mas também<br />

de cartões postais e de retratos de políticos,<br />

como o próprio Imperador D. Pedro II e a<br />

família real, como também personalidades<br />

que se tornariam célebres, entre eles os escritores<br />

Machado de Assis e Rui Barbosa. Ferrez<br />

gostava igualmente de fotografar “tipos”,<br />

tais como vendedores de artigos variados e<br />

artesãos que habitavam as ruas do Rio de<br />

Janeiro, recriados com fundos neutros. Além<br />

disso, o artista fotografaria muitos negros e<br />

indígenas.<br />

Em sua obra destacam-se ainda as belas<br />

panorâmicas em negativos de grande formato<br />

(40cm X 110cm), onde evidencia-se o seu<br />

domínio da luz e a precisão na escolha do<br />

ponto de vista para ressaltar no enquadramento<br />

a qualidade estética das cenas registradas.<br />

Marc Ferrez fotografou profissionalmente<br />

até 1914, ano do falecimento de sua esposa.<br />

Durante sua carreira, publicou vários álbuns,<br />

o que muito contribuiu para a conservação de<br />

suas fotografias. Atualmente, sua produção<br />

fotográfica, preservada intacta por seus<br />

familiares no último século, encontra-se<br />

13


Fotos: Nelson Kon<br />

14<br />

espalhada pelo Museu Imperial, Biblioteca<br />

Nacional, Mapoteca do Palácio Itamaraty e<br />

em mãos de colecionadores particulares.<br />

Uma grande parte do acervo de Marc Ferrez<br />

- uma coleção que totaliza cerca de 5.500<br />

fotografias diferentes, produzidas no século<br />

19 e começo do século 20, incluindo mais de<br />

4 mil negativos originais em vidro - foi comprada<br />

pelo Instituto Moreira Salles (IMS), que<br />

lançou no Brasil e na França um catálogo fotográfico<br />

intitulado “O Brasil de Marc Ferrez”,<br />

reunindo detalhada biografia, cronologia de<br />

seus principais trabalhos, ensaios escritos por<br />

especialistas e uma coleção de 160 imagens.<br />

A extraordinária qualidade formal e documental<br />

da obra de Marc Ferrez, assim como a<br />

quantidade, a diversidade e a preservação de<br />

sua produção fotográfica o consolidam como<br />

um dos mais importantes fotógrafos documentaristas<br />

do Brasil.<br />

NELSON KON<br />

Nelson Kon nasceu em São Paulo, no ano<br />

de 1961, e formou-se em arquitetura na Faculdade<br />

de Arquitetura e Urbanismo da Universidade<br />

de São Paulo (FAUUSP), em 1983,<br />

mas nunca exerceu a profissão. Foi no Laboratório<br />

de Recursos Audiovisuais na FAUUSP,


criado em 1979, pelo então diretor professor<br />

Nestor Goulart Reis Filho, e coordenado pelo<br />

fotógrafo Cristiano Mascaro, que ele teve seu<br />

primeiro contato com a fotografia .<br />

Já no primeiro ano do curso de arquitetura<br />

se interessou pela fotografia, mas só começou<br />

a atuar na profissão de fotógrafo em 1985. Em<br />

entrevista concedida a Eduardo Augusto Costa<br />

e Sonia Maria Milani Gouveia, publicada na<br />

revista PÓS, Nelson Kon afirma que no período<br />

em que estudou na FAU não fotografava<br />

arquitetura e que seu interesse pelo estudo se<br />

deu apenas após cinco anos de formado.<br />

Considerando que na década de 1980 não<br />

era dada muita importância à fotografia de<br />

arquitetura, Nelson Kon inicialmente montou<br />

um estúdio para fotografia publicitária, linguagem<br />

que foi logo deixada de lado. Devido à<br />

insatisfação do trabalho com publicidade, Kon<br />

começa a realizar pesquisas no campo da<br />

fotografia de arquitetura e cidades, por causa<br />

do seu interesse pela relação do homem com<br />

o espaço que habita.<br />

Hoje Nelson Kon é um fotógrafo de arquitetura,<br />

trabalha apenas com isso e é bastante<br />

respeitado pelos arquitetos brasileiros. Com<br />

trabalhos publicados em livros e revistas<br />

especializados no Brasil e no exterior, Nelson<br />

Kon registrou a obra de importantes arquitetos<br />

como Rino Levi, Paulo Mendes da Rocha,<br />

Oscar Niemeyer, Lina Bo Bardi, Vilanova Artigas<br />

e Lucio Costa. Suas fotos são de grande<br />

importância e estão presentes nos principais<br />

livros da história da arquitetura nacional.<br />

Atualmente, trabalha no campo da editoria<br />

colaborando para várias editoras brasileiras<br />

como Abril, Brasiliense, Cosac & Naify, Martins<br />

Fontes e estrangeiras como Phaidon,<br />

Prestel, Rizzoli, Taschen e outras. Sua trajetória<br />

foi registrada no livro Nelson Kon, de<br />

Simonetta Persichetti e Thales Trigo, editado<br />

pela Editora Senac, em 2004. Em 2005 suas<br />

imagens passaram a integrar a coleção Pirelli-MASP<br />

de fotografia.<br />

Embora tenha usando durante muito tempo<br />

filmes para os trabalhos principais de arquitetura,<br />

com uma câmera de fole – Arca Swiss<br />

– com correção de perspectiva, na atualidade<br />

Nelson Kon trabalha apenas com equipamento<br />

100% digital. Ele usa uma Câmera Canon<br />

5D, equipada com objetivas de correção de<br />

perspectiva, e uma Câmera Arca-Swiss 6×9<br />

cm com Back Digital Phase One e para o tratamento<br />

de imagem utiliza os softwares Photoshop<br />

CS4 e Capture One.<br />

Kon não vê diferença entre fotografia<br />

de arquitetura e de cidade. Para ele, uma<br />

e outra se confundem, já que considera a<br />

arquitetura como o espaço construído pelo<br />

homem, mesmo que ela tenha a escala da<br />

cidade, como afirmou em entrevista: “Para<br />

mim essa distinção não faz sentido. Ao falar<br />

de fotografia de cidade eu estou falando<br />

de fotografia de arquitetura. Arquitetura de<br />

forma ampla é o espaço construído pelo<br />

homem, seja a apropriação da caverna ou<br />

a construção da cidade”. Um dos destaques<br />

da obra de Nelson Kon é o ensaio fotográfico<br />

realizado para o livro Rino Levi - Arquitetura<br />

e Cidade, de Renato Anelli, Abílio Guerra e<br />

Nelson Kon, publicado pela Romano Guerra<br />

Editora no ano 2001. São imagens de seis<br />

edifícios fundamentais para a compreensão<br />

de diversos aspectos da obra do grande<br />

arquiteto brasileiro.<br />

15


Foto: Marc Ferrez<br />

16<br />

INTERFACES ENTRE FERREZ E KON<br />

Sem dúvida os dois fotógrafos trouxeram<br />

grandes contribuições para a História da<br />

Fotografia no Brasil. Cada um a seu tempo.<br />

Cada um a seu modo. Marc Ferrez trilhou<br />

caminhos variados, abordando diversos<br />

temas. Quer viajando pelo país, quer<br />

retratando políticos, celebridades e anônimos.<br />

A trajetória de Nelson Kon, por sua vez, é<br />

relacionada à arquitetura e às cidades.<br />

E é nas visitas realizadas às imagens<br />

das cidades que os caminhos dos dois<br />

artistas se cruzam, pois ambos fotografaram<br />

com intensidade as diversas mudanças e<br />

transformações do espaço urbano brasileiro.<br />

Os dois fotografaram a imagem das<br />

cidades, mas cada um aborda o tema<br />

por aspectos completamente distantes<br />

um do outro, pois, além de a percepção<br />

das cidades ser subjetiva, os fotógrafos<br />

estudados pertencem a contextos históricos e,<br />

consequentemente, tecnológicos em relação<br />

ao processo fotográfico, completamente<br />

diversos.<br />

O fotógrafo do Império registrou muitas<br />

cidades com suas lentes, especialmente o<br />

Rio de Janeiro, que foi sistematicamente<br />

fotografando por mais de quarenta anos,<br />

produzindo documentos que hoje se<br />

configuram em instrumentos importantíssimos<br />

de pesquisa e estudos iconológicos.<br />

A paixão de Nelson Kon pela arquitetura<br />

e urbanismo pode ser apreciada através de<br />

suas imagens de obras, do patrimônio e de<br />

cenas urbanas do Brasil. São Paulo é tema<br />

recorrente de seus ensaios fotográficos, onde<br />

a registra de forma monumental, mostrando<br />

as diversas transformações urbanas pelas<br />

quais a cidade passou nos últimos anos.<br />

Marc Ferez e Nelson Kon fizeram/fazem o<br />

registro histórico da evolução da arquitetura<br />

brasileira, introduzindo uma nova dimensão<br />

nas relações entre o homem e a sociedade,<br />

ao tempo em que valorizam o planejamento<br />

urbanístico e a arquitetura como manifestação<br />

e cenário da vida cultural.


A imagem<br />

em<br />

palavras<br />

tal é a concepção que fundamenta o nosso<br />

trabalho no âmbito da disciplina Português<br />

Instrumental, no Curso de Fotografia da<br />

UNICAP. Para além das necessidades<br />

urgentes no que se refere às habilidades de<br />

produção de gêneros textuais acadêmicos<br />

e profissionais, o caráter “instrumental” da<br />

disciplina abrange, distintamente, o objetivo<br />

de contribuir para o desenvolvimento de um<br />

Fanuel Paes Barreto*<br />

18<br />

A principal diferença entre o usuário ocasional<br />

de uma máquina fotográfica e o verdadeiro<br />

fotógrafo talvez esteja em que este,<br />

ao captar uma imagem, mais do que registrar<br />

um momento, pretenda dizer alguma coisa.<br />

Para o fotógrafo, a imagem é um texto, uma<br />

mensagem, e o ato fotográfico, um evento<br />

comunicativo, envolvendo uma intenção a<br />

ser interpretada por quem contempla essa<br />

imagem. O conjunto de recursos empregados<br />

pelo fotógrafo constitui, assim, um sistema de<br />

significação, vale dizer, um sistema semiótico,<br />

uma linguagem.<br />

Um dos pais da linguística e da semiótica<br />

modernas, Ferdinand de Saussure, sustentava<br />

que a linguagem verbal é o mais característico<br />

dentre todos os sistemas semióticos,<br />

além de ser o mais complexo e o mais comum<br />

(SAUSSURE, 2005, p. 101). Já outro<br />

linguista e semioticista, Émile Benveniste,<br />

entendia que a linguagem verbal é o meio<br />

para a interpretação dos demais sistemas<br />

semióticos, pois é o único cuja natureza<br />

comporta uma função metalinguística (BEN-<br />

VENISTE, 1974, p. 43-66). Se aceitarmos tais<br />

proposições, será inescapável a conclusão de<br />

que conceber a fotografia como uma linguagem<br />

nos autoriza o trabalho de elucidar suas<br />

mensagens por meio das palavras.<br />

Obviamente, essa formulação abreviada<br />

de uma concepção possível das relações<br />

existentes entre a imagem fotográfica e<br />

as palavras contorna uma infinidade de<br />

problemas conceituais e teóricos. Contudo,<br />

olhar propriamente fotográfico, aguçando-o<br />

em suas percepções.<br />

E como isso é feito? Uma propriedade<br />

fundamental da linguagem verbal entra<br />

em foco: a iconicidade estrutural. Isso<br />

quer dizer que, embora a relação entre as<br />

palavras e as coisas que elas significam seja<br />

basicamente arbitrária e convencional, a<br />

construção dos enunciados que constituem<br />

a mensagem representa, em certa medida,<br />

como as situações e os fatos se organizam<br />

na realidade. Um exemplo bem simples: “O<br />

cantor apareceu e o público aplaudiu”. Nesse<br />

enunciado, vemos que a ordem das orações<br />

(1) “o cantor apareceu” e (2) “o público<br />

aplaudiu” representa a ordem temporal em<br />

que os fatos ocorreram, de modo que, se<br />

invertermos a ordem das orações (formando<br />

o enunciado “O público aplaudiu e o cantor


apareceu”), fica sugerida também uma<br />

inversão da ordem dos fatos. A iconicidade<br />

(do grego, eikōn, ‘imagem”), portanto, é a<br />

propriedade que a linguagem verbal tem de<br />

“decalcar” a estrutura dos fatos.<br />

A conclusão natural seria então: se as<br />

palavras organizadas em enunciados têm a<br />

capacidade de decalcar os fatos, então há<br />

uma evidente correlação entre a linguagem<br />

verbal e a linguagem fotográfica. Contudo,<br />

é necessário cautela: os modos de captar a<br />

estrutura dos fatos não são os mesmos nas<br />

duas linguagens, e certamente há muitos<br />

traços da realidade captados por uma que<br />

não podem ser diretamente traduzidos na<br />

outra. No entanto, residem exatamente aqui<br />

as vantagens e a importância de se fazer um<br />

trabalho de conversão do discurso imagético<br />

para o discurso verbal. Com esse trabalho,<br />

atendemos à necessidade de ampliar os<br />

limites da percepção e da expressividade,<br />

no esforço de aproximar os dois modos de<br />

representar o mundo.<br />

Por exemplo: entre as formas de<br />

representação dos fatos na linguagem<br />

verbal encontramos a narração e a<br />

descrição. Em sua definição mais simples,<br />

a narração envolve a sucessão temporal<br />

dos fatos, enquanto a descrição importa<br />

na apresentação das características de um<br />

objeto apreendido em um dado momento de<br />

tempo, ou sem qualquer referência temporal.<br />

Um mecanismo essencial na distinção<br />

entre essas duas formas está no emprego<br />

dos tempos verbais: “Pedro já se afastara<br />

alguns metros do bar, quando ocorreu uma<br />

inflamada discussão entre dois homens e um<br />

deles disparou o revólver várias vezes. Pedro<br />

não retornaria mais ao local naquela noite.”<br />

Percebe-se nessa passagem narrativa que<br />

as formas verbais destacadas distinguem<br />

fatos propriamente narrados, que se sucedem<br />

(ocorreu, disparou), de comentários que<br />

contextualizam esses fatos (afastara,<br />

retornaria). Já em uma passagem descritiva,<br />

os tempos verbais sugerem exatamente a<br />

ideia de um “congelamento” do objeto em um<br />

dado tempo: “A casa tinha (tem) uma ampla<br />

varanda que dava (dá) para um jardim com<br />

plantas variadas.” Intuitivamente, somos<br />

levados a estabelecer uma aproximação<br />

mais estreita entre a forma descritiva de<br />

representação verbal e a imagem fotográfica.<br />

Mas isso é tudo? Será que um instante<br />

fotográfico não pode contar uma história?<br />

Como, então, se poderia desdobrá-lo em uma<br />

passagem narrativa?<br />

A proposta do trabalho com a língua portuguesa<br />

no Curso de Fotografia envolve, entre<br />

outras tarefas mais óbvias, a de estimular o<br />

aluno a transitar entre dois modos de conceber<br />

e representar o mundo, o da imagem e<br />

o das palavras, e, ao fazer isso, ampliar sua<br />

capacidade de manejar os recursos disponibilizados<br />

por esses dois sistemas de significação.<br />

Referências<br />

BENVENISTE, Émile. Problèmes de linguistique<br />

générale, vol. 2. Paris: Gallimard, 1974.<br />

SAUSSURE, Ferdinand de. Cours de linguistique<br />

générale. Paris: Payot, 2005.<br />

* Fanuel Paes Barreto é professor da disciplina<br />

de Português Instrumental do Curso de<br />

Fotografia da Unicap<br />

19


20<br />

ENSAIOS


Antes<br />

Por Marina Feldhues<br />

21


Olhares sobre<br />

Gênero e Raça<br />

32<br />

Alunos dos cursos de Fotografia<br />

e de Serviço Social da Unicap<br />

realizaram no mês de novembro<br />

de 2013 uma exposição coletiva<br />

sobre Gênero e Raça. A ideia era<br />

lançar vários olhares sobre o tema<br />

como parte das atividades do Dia<br />

da Consciência Negra. Depois de<br />

uma troca de experiências entre<br />

alunos e professores do dois<br />

cursos, os futuros assistentes<br />

sociais aprenderam um pouco<br />

sobre fotografia e os futuros<br />

fotógrafos profissionais aprenderam<br />

sobre questões contemporâneas<br />

e perspectivas históricas sobre<br />

gênero e raça no Brasil. Um resumo<br />

do resultado deste trabalho está<br />

exposto aqui.


Welliton<br />

Por Gilberto Vieira<br />

Aluno do curso de fotografia da Unicap,<br />

Gilberto Vieira apresenta em imagens Welliton,<br />

mais conhecido como “Galeguinho”, morador<br />

da Região Metropolitana do Recife, que numa<br />

tarde de final de inverno sem energia elétrica<br />

percorre à luz de velas os cômodos da sua<br />

casa mobiliada apenas por uma mesa e duas<br />

cadeiras de plástico enquanto fala sobre a sua<br />

infância sofrida, sobre falta de afeto, sobre<br />

o tempo que morou nas ruas e sobre o orgulho<br />

de ter superado grandes dificuldades para<br />

construir com seu trabalho duro como vendedor<br />

ambulante o patrimônio que conquistou. “Sou<br />

feliz por ter hoje uma casa para morar. Ainda<br />

sou muito carente, falta tudo dentro da minha<br />

casa, mas com fé em Deus e muito trabalho vou<br />

conseguir me levantar e ter uma vida melhor”.<br />

44


Recortes de Manhattan<br />

Por Renata Victor<br />

50<br />

Ficha técnica:<br />

Canon EOS 6D,<br />

lente Canon EF, 24-105mm, f: 4<br />

e lente canon EF, 40mm, f 2.8.


Porto de Galinhas<br />

Por Lila Rios<br />

60


A melhor<br />

impressão é a<br />

que fica<br />

O processo Fine Art, ainda pouco<br />

compreendido pelos fotógrafos, é a<br />

melhor garantia de que o produto<br />

vai ser preservado de uma maneira<br />

perfeitamente fiel<br />

Arline Lins*<br />

66<br />

Uma Ferrari do modelo California F1, com<br />

460 cavalos de potência, zero KM, custa<br />

cerca de R$ 1,5 milhão. Comprar um carro<br />

desses para andar nas ruas do Recife seria<br />

insanamente ousado. Muitos chamariam<br />

de loucura. Essa é a comparação feita pelo<br />

fotógrafo Gustavo Bettini quando o assunto<br />

é impressão Fine Art. “De que adianta você<br />

produzir uma foto com uma preocupação<br />

artística, tratar com todo o cuidado e, na hora<br />

da impressão, não escolher a Fine Art?”,<br />

ele pergunta e responde segundos depois:<br />

não fez nada. Embora importantíssimo para<br />

a qualidade dos serviços fotográficos, este<br />

processo de impressão ainda não é bem<br />

compreendido pela maioria dos profissionais.<br />

Muitos precisam de uma certa catequese<br />

para decidir pagar um pouco a mais pela impressão<br />

e lembrar que certas economias não<br />

valem a pena. A principal característica deste<br />

serviço de impressão é garantir uma longevidade<br />

maior ao produto: 150 anos, em perfeitas<br />

condições, exatamente como foi impresso.<br />

Contudo, muitas outras preocupações estão<br />

envolvidas na evolução da imagem, desde a<br />

concepção até tê-la em mãos, para garantir a<br />

excelente e duradoura qualidade.<br />

De início, já se pode pensar em fazer<br />

uma captura em RAW, ter um espaço de cor<br />

grande (como o Adobe RGB) e trabalhar com<br />

arquivos em TIFF, para ter baixa compressão.<br />

Bettini lembra, porém, que quem não fotografar<br />

seguindo esses padrões também vai conseguir<br />

um bom resultado. Ele, por exemplo, já<br />

imprimiu uma exposição inteira com fotos tiradas<br />

em um celular. Isso porque outros fatores,<br />

na hora do tratamento da imagem, continuam<br />

o processo Fine Art. Para trazer a novidade ao<br />

Recife e atender à Região Nordeste do País,<br />

há seis anos, Gustavo e mais dois sócios criaram<br />

o ADI Atelier de Impressão, que fica na<br />

Rua da Moeda, dentro da Arte Plural Galeria,<br />

no bairro do Recife. Ele ficou sozinho aqui e<br />

os sócios cuidam da filial em São Paulo, que<br />

atende ao Sudeste.<br />

Dentro do atelier, Bettini tem um ambiente<br />

com a temperatura e a umidade controladas<br />

para garantir que o produto vai durar 150<br />

anos. A cor das paredes é de uma tonalidade<br />

específica do cinza para ajudá-lo a ter uma<br />

percepção perfeita na hora de tratar as<br />

imagens. Os monitores Eizo – considerados<br />

os melhores do mercado – garantem uma<br />

visão perfeita da imagem, se periodicamente<br />

calibrados, é claro. As lâmpadas do<br />

local também são específicas e têm uma<br />

temperatura de 5.000K, que imita a luz<br />

branca natural emitida pelo sol em céu aberto<br />

ao meio-dia. No atelier, Bettini e Michelly –<br />

parceira de trabalho – só tocam nas fotos<br />

com luvas de algodão, para garantir que a<br />

acidez da pele, do suor, não vai passar para a<br />

imagem.<br />

Para o fotógrafo Chico Barros, dono<br />

do Centro Capibaribe da Imagem (CCI),<br />

o segredo do processo Fine Art é o<br />

gerenciamento de cor. Para alcançar a tão<br />

desejada excelência na impressão é preciso<br />

ter os equipamentos adequados ao que se<br />

propõe fazer, como os monitores calibrados e<br />

uma impressora com vários cartuchos de tinta.<br />

Os papéis em algodão e alfa-celulose também<br />

são fundamentais na constituição da arte que<br />

sai das lentes e vai para o material palpável.


Foto: ADI Atelier de Impressão/Divulgação<br />

67


68<br />

E é nesse intervalo que entra a importância<br />

do equipamento. “Às vezes o profissional<br />

faz a foto já com uma concepção de Fine Art<br />

e faz o tratamento em casa. Ele acha que<br />

está bom, mas se engana porque o monitor<br />

utilizado não estava devidamente calibrado.<br />

Quando ele chega aqui no CCI, colocamos as<br />

imagens nos nossos computadores e fazemos<br />

os ajustes necessários antes de partir para<br />

a impressão”, pontua Barros, que fotografa<br />

há 20 anos e começou a trabalhar com a<br />

impressão Fine Art em 2013.<br />

No ADI, Gustavo Bettini usa duas impressoras<br />

que trabalham com tintas minerais,<br />

com 12 cartuchos cada. Elas têm uma saída<br />

de 1,10m e um espectrofotômetro incorporado,<br />

para ler as cores que imprimiu, checando<br />

se está atingindo cada uma da maneira<br />

correta; se o alvo está sendo alcançado. Os<br />

papéis são de alfa-celulose e de algodão,<br />

assim como os de Chico Barros, das marcas<br />

Hahnemühle e Canson (linha Infinity). “Eles<br />

são verdadeiramente brancos porque não<br />

sofrem o processo de branqueamento óptico.<br />

Essa característica garante que o papel não<br />

vai ficar amarelado, como os papéis normais,<br />

que passam pelo procedimento artificial para<br />

ficarem brancos”, conta Gustavo. Os papéis<br />

fineart também encapsulam a tinta para que<br />

ela não desbote ao longo dos 150 anos. Além<br />

disso, eles são ligeiramente alcalinos para<br />

neutralizar uma possível contaminação por<br />

acidez. “Existe um perfil de cor para cada papel<br />

e para cada impressora. A impressão sai<br />

muito fiel à imagem”, garante o fotógrafo.<br />

Há também alguns profissionais que ousam<br />

e fazem um tipo de impressão fineart com<br />

finalidades que não são grandes exposições,<br />

como trabalham Bettini e Barros. A fotógrafa<br />

e professora Cecília Maria utiliza papéis<br />

experimentais (como o de manteiga e o<br />

de desenho) para fazer livros e pequenas<br />

exposições de seus alunos. São fotografias<br />

destinadas à venda. Para ela, não existe um<br />

tipo de impressão melhor, mas a qualidade<br />

adequada ao que se propõe. “Nesse conceito<br />

de fineart, temos a vantagem da gama de<br />

texturas e da longevidade do produto. Mas<br />

a impressão fica melhor em alguns tons do<br />

que em outros”, explica. Cecília também usa<br />

Foto: Cecília Maria/Divulgação


Projeto que resultou na produção de um<br />

pequeno livro artesanal com tiragem<br />

limitada em 150 exemplares, essa série<br />

busca um diálogo entre a narrativa por<br />

meio de imagens e gêneros literários<br />

como o diário e a poesia.<br />

Autor: Roberto Vietri<br />

Publicação: Prólogo Selo Editorial<br />

Impressão: Cecília Maria<br />

papéis da Canson e da Hahnemühle, alfacelulose<br />

e algodão, mas também dá espaço<br />

ao bambu.<br />

Trabalhando com o processo Fine Art para<br />

obter um material que dure mais, Gustavo<br />

Bettini realizou uma exposição, em março<br />

deste ano, na Arte Plural Galeria, no Bairro<br />

do Recife. A Entre-Meios, trabalho feito em<br />

parceria com a amiga e fotógrafa Lia Lubambo,<br />

mostra imagens de vários municípios do<br />

Sertão de Pernambuco capturadas à noite.<br />

“Resolvemos fotografar o Sertão porque ele<br />

é encantador, mas é um pouco triste ver<br />

que essa região é retratada de uma maneira<br />

miserável, sofrida, árida. É sempre o sol<br />

quente, o chão rachado, as pessoas tristes.<br />

Mas o sertanejo é forte e lindo. Então a gente<br />

quis mostrar uma outra cara do Sertão”, conta.<br />

Todas as imagens foram pensadas, desde<br />

o primeiro momento, com a captura que<br />

garantiria a melhor qualidade de impressão. O<br />

ambiente, a profundidade de campo, o enquadramento,<br />

tudo foi debatido antes de tirar<br />

a foto.<br />

A dupla usou aplicativos para saber a hora<br />

que a lua ia nascer e onde as estrelas estariam.<br />

Eles trabalharam com o ISO baixo porque<br />

queriam um grande tempo de exposição –<br />

algumas imagens tiveram uma hora de captura<br />

depois do clique. Não foi um trabalho de<br />

muitas fotos porque cada uma exigiu uma<br />

grande produção. Ao todo, 57 foram tiradas<br />

69


nesta primeira edição. Dessas, 29 estão na<br />

exposição, que tem curadoria de Simonetta<br />

Persichetti. Gustavo e Lia também fizeram algumas<br />

gravações em vídeo para captar o som<br />

ambiente, com o intuito de deixar a exposição<br />

mais interativa.<br />

Todo esse trabalho teve uma finalização<br />

à altura com impressão Fine Art, claro.<br />

O problema de muitos profissionais não<br />

conhecerem o processo é que acabam sendo<br />

enganados por alguns estabelecimentos.<br />

O fotógrafo precisa estar atento às<br />

características de impressão quando for<br />

escolher o local para fazer o trabalho. Frutos<br />

da interpretação e da intenção do artista<br />

com o produto, as imagens devem ser<br />

integralmente respeitadas no transcurso de<br />

tratamento e finalização. Com a chegada ao<br />

mercado recifense de mais prestadores do<br />

serviço, o processo de impressão Fine Art<br />

caminha para deixar de ser uma novidade<br />

e se tornar a opção mais segura de ter a<br />

fotografia como parte das Belas Artes.<br />

Fineart no Recife<br />

Algumas opções:<br />

Capibaribe Centro da Imagem (CCI)<br />

Rua da Aurora, n 533, 1˚ andar - Boa<br />

Vista<br />

3032.2500<br />

contato@cci.art.br<br />

ADI Atelier de Impressão<br />

Rua da Moeda, n 140 - Recife<br />

3424.1310<br />

contato@atelierdeimpressao.com.br<br />

Cecília Maria<br />

Casa Amarela<br />

contato@ceciliamaria.com.br<br />

* Arline Lins é estudante do 8º período do<br />

Curso de Jornalismo da Unicap.<br />

Foto: Gustavo<br />

ASSINATURA COLETIVA<br />

O trabalho de Lia Lubambo e Gustavo Bettini é inteiramente feito<br />

em conjunto. Para eles, o importante é cercar-se de cuidados para<br />

garantir uma boa qualidade de impressão. Para fazer as imagens<br />

da Entre-Meios, os dois viajaram pelo Sertão durante dez dias.<br />

Passaram pelas cidades de Arcoverde, Vale do Catimbau, Serra<br />

Talhada, Moxotó, Floresta, Algodões e Santa Rita. Durante o dia, eles<br />

avaliavam o local e onde a foto seria tirada. À noite, voltavam para<br />

fazer o trabalho. Como o ISO era baixo e o tempo de exposição era<br />

longo, o processo depois do clique também era combinado antes.<br />

70<br />

HISTÓRIA - “Na imagem da igreja, eu começava obstruindo o céu<br />

e a cruz com a tampa da lente. Aí eu dava um primeiro assovio e ela<br />

acendia a luz de cima da construção. Eu deixava quatro ou cinco<br />

segundos, assoviava, e ela apagava. Ela já sabia que o terceiro era<br />

só para piscar a luz. Porque na primeira luz eu tinha a iluminação da<br />

cruz ia dar a luz no chão, na frente da igreja. A segunda vez era só<br />

para ter o brilho da cruz, sem dar um estouro. No quarto assovio, ela<br />

acendeu a lamparina dentro da igreja. No quinto, ela apagou e saiu<br />

com a lamparina e entrou na próxima capelinha,” lembra. Todo esse<br />

processo foi feito em cerca de quatro minutos. O intuito era captar a<br />

luz do céu, já que a Lua estava nascendo por trás da igreja. Os dois<br />

não trabalham como assistentes um do outro. São parceiros que<br />

fotografam juntos, da ideia ao clique.


Bettini e Lia Lubambo<br />

71


72<br />

Lewis Hine: o<br />

olhar sociológico<br />

através das lentes<br />

Juliana Galvão<br />

Lewis Wickes Hine nasceu nos Estados<br />

Unidos, em setembro de 1874, e estudou<br />

sociologia e pedagogia. Após a compra de<br />

sua primeira câmera, reconheceu na fotografia<br />

uma ferramenta pedagógica eficaz para<br />

a divulgação de assuntos do seu interesse,<br />

tais como a pobreza e o trabalho infantil. Por<br />

ter sido contratado pelo Comitê Nacional do<br />

Trabalho Infantil, viajou pelos Estados Unidos<br />

para registrar as crianças em atuação nas<br />

minas, fábricas, comércio e produção agrícola,<br />

com o intuito de denunciar as condições<br />

precárias em que viviam.<br />

Para fotografar o ambiente de trabalho<br />

das crianças, ele se valia de artifícios. Assim,<br />

não raras foram as vezes em que se passou<br />

por inspetor de incêndio, escondendo a sua<br />

câmera com objetiva grande angular, por ser<br />

mais discreta, em suas vestimentas. O esforço,<br />

entretanto, foi recompensado, pois esse<br />

registro fotográfico foi fundamental para a<br />

criação de leis contra o trabalho infantil.<br />

Nos dias atuais, toda criança é protegida<br />

contra a exploração no trabalho em<br />

declarações de direitos humanos, mas na<br />

época em que Hine viveu, a realidade era<br />

outra. Eram os anos de surgimento das fábricas,<br />

da produção em série e o trabalho assalariado<br />

provocou o êxodo rural e o crescimento<br />

desordenado das cidades. Os trabalhadores<br />

eram submetidos a jornadas excessivas e<br />

condições insalubres de trabalho. E os donos<br />

das fábricas passaram a contratar mulheres<br />

e crianças, a quem ofereciam salários ainda<br />

mais indignos.<br />

É o cotidiano dessas crianças que Lewis<br />

Hine se propõe a retratar, com o intuito de<br />

denunciar as condições sub-humanas a que<br />

são submetidas e de estimular o debate sobre<br />

a necessidade de criação de leis para a sua<br />

proteção.<br />

A imagem sobre a qual<br />

ora se debruça foi capturada<br />

em 1908 e, sobre<br />

ela, Hine fez a seguinte<br />

anotação “The Mill: a<br />

moment’s glimpse of the<br />

outer world. Said she was<br />

11 years old. Been working<br />

over a year. Rhodes Mfg.<br />

Co. Lincontlon, North Carolina”.<br />

Assim, sabe-se que a<br />

garota tinha 11 anos e que<br />

trabalhava há mais de um<br />

nesse moinho, na cidade<br />

de Linconlton, na Carolina<br />

do Norte.<br />

O núcleo de interesse<br />

da foto é a menina, que,<br />

por estar centralizada, confere<br />

um equilíbrio estático<br />

à imagem. Poder-se-ia<br />

até imaginar que Hine, ao<br />

compor a cena de maneira<br />

tão simétrica, queria tanto<br />

conferir imobilidade, quanto<br />

passar a ideia de que o<br />

tempo, dentro da fábrica,<br />

havia parado e de que o<br />

movimento, a dinâmica da<br />

vida, concentrava-se para<br />

além da janela.<br />

O plano que permeia a<br />

obra de Lewis Hine, para<br />

essa imagem também<br />

utilizado, é o geral. Os documentaristas o<br />

preferem, diante da necessidade de se contextualizar<br />

a situação representada, o que<br />

seria muito mais difícil com o registro apenas<br />

de detalhes. Some-se a isso a necessidade<br />

de se registrar as condições de trabalho para<br />

fomentar o debate sobre a criação de leis contra<br />

o trabalho infantil e está explicada a sua<br />

preferência pelos planos gerais.<br />

E essa é a realidade que se nos impõe.<br />

A imagem de uma menina de 11 anos, que<br />

trabalhou numa tecelagem dos Estados Unidos,<br />

no começo do século 20, surpreende-nos<br />

como uma súplica por redenção. Isolada por<br />

madeira e aço, o que lhe resta apenas é a<br />

ânsia pelo olhar de fora que lhe é negado; são<br />

sentimentos e sonhos facilmente desviados<br />

Foto: Lewis Hine


pela “voz de metal” que irritantemente lhe chega<br />

aos ouvidos. Mas às vezes, a menininha<br />

consegue driblar a vigilância das máquinas<br />

e corre para o seu refúgio predileto – aquele<br />

lugar em que não distingue mais o que é<br />

sonho e o que é realidade – realidade para os<br />

que estão além da janela, é verdade – mas<br />

uma realidade quase palpável e à distância de<br />

uma rua, naquela mesma em que se vê uma<br />

família, num sábado à tarde, a sorrir.<br />

E é porque já faz mais de oito horas que<br />

a menina escuta a voz metálica e sente o<br />

tremor dos botões, que ela não sabe mais<br />

qual cena é a realidade e qual é o sonho.<br />

Ela está tão cansada e o sonho do outro<br />

lado da rua se separa da sua realidade por<br />

uma pilha de tijolos tão fina, que as cenas<br />

se entrelaçam. E essa pode ser a solução<br />

ou a criação de um problema maior, não de<br />

discernimento, mas de loucura, de quando<br />

não se faz mais a separação do que se é, da<br />

realidade da qual não se pode fugir, daquilo<br />

que se deseja desesperadamente ser. E é<br />

aí que a criança se enverga, porque lhe falta<br />

identidade. Apesar da idade, já não pode<br />

mais ser criança. O peso do que poderia<br />

ter sido lhe enverga tão precocemente que<br />

nem a janela é capaz mais de lhe salvar.<br />

Agora, só lhe resta o consolo da lente de um<br />

fotógrafo, que dirá para sempre da beleza de<br />

se procurar no olhar de fora o sonho, e até a<br />

loucura, como salvação, como um encontro.<br />

73


ANALISE DE<br />

IMAGEM<br />

Experimentando a prática de leitura de<br />

imagens, os alunos da disciplina Linguagem<br />

Fotográfica I desenvolveram uma atividade de<br />

análise de fotografias. Os discentes são representados,<br />

nesta edição da <strong>UnicaPhoto</strong>, por<br />

Lindomar Oliveira. A prática foi desenvolvida<br />

pelo professor Leonardo Ariel. “A análise de<br />

Lindomar traz uma foto de Steve McCurry em<br />

um tributo a um grande mestre da foto colorida”,<br />

explica.<br />

Uma breve biografia do fotógrafo:<br />

Steve McCurry começou sua carreira de<br />

fotojornalismo cobrindo a invasão soviética<br />

ao Afeganistão. Explorando a fotografia documental<br />

humanista, a estética cujo foco é voltado<br />

para o homem, sua cultura e seu ambiente<br />

natural, tornou-se um celebrado fotografo da<br />

cor.<br />

Steve ganhou o direito de utilizar o último<br />

rolo de filme Kodachrome, filme produzido<br />

pela Kodak nos anos de 1935 a 2010. A<br />

maioria das fotos de Steve McCurry é produzida<br />

com este filme, cuja características importantes<br />

são a qualidade de reprodução de<br />

cores e arquivamento, o que também passou<br />

a ser uma característica do próprio fotógrafo,<br />

com suas fotos em cores fortes e brilhantes.<br />

janela. Steve McCurry afirma ser um menino<br />

indiano com o rosto coberto de gulal, um pó<br />

avermelhado, participando da tradicional festa<br />

hindu de Ganesh Chaturthi em Bombaim.<br />

Análise<br />

Nesta foto percebemos todas as<br />

características do trabalho do fotógrafo: cores<br />

fortes e vibrantes que valorizam e dão vida à<br />

imagem prendendo a atenção do observador.<br />

O olhar enigmático do menino que parece<br />

querer nos dizer algo, também é uma<br />

característica dos retratos de Mccurry.<br />

Em uma composição harmoniosa e<br />

equilibrada, devido à escolha certa do plano<br />

de tomada e enquadramento perfeito dos<br />

elementos dentro da imagem. Steve mostra<br />

Foto: Steve McCurry<br />

74<br />

Descrição<br />

Foto em formato horizontal, colorida<br />

(foi produzida com filme Kodachrome),<br />

tendo como elemento principal, no primeiro<br />

plano, um menino pintado na cor vermelha,<br />

encostado numa coluna de cor verde<br />

clara, no segundo plano desfocado, e<br />

com predominância da cor azul, se vê um<br />

segundo menino também em vermelho e uma


em primeiro plano o elemento humano,<br />

que é sua prioridade. Com foco especifico<br />

na expressão do olhar que é onde aflora<br />

a sensibilidade humana. Utilizando com<br />

mestria o contraste de cores quentes e<br />

frias, num jogo de luzes e sombras, ângulo<br />

normal, mas posicionando os elementos em<br />

ângulo oblíquo, desfoque do segundo plano,<br />

proporcionando assim uma imagem com<br />

perspectiva, textura, onde as formas dos<br />

elementos sobressaem do papel, prendendo<br />

a atenção do observador. Fazendo com isto<br />

que nosso olhar percorra toda imagem, mas<br />

volte sempre para o elemento humano que<br />

Steve quer mostrar, com seus sentimentos<br />

mais profundos. Como no caso desta<br />

imagem em que nos perdemos quanto à<br />

ambiguidade da expressão do menino. Isto<br />

nos faz lembrar a frase de Steve McCurry: “Se<br />

o fotógrafo fizer as pessoas esquecerem a<br />

máquina fotográfica, a alma delas aparece na<br />

fotografia”.<br />

Elementos citados<br />

Ângulo normal, primeiro plano, foco especifico,<br />

composição harmoniosa, equilíbrio,<br />

textura, alto contraste luminoso e tonal, perspectiva,<br />

enquadramento dos elementos de<br />

acordo com a regra dos terços, forma.<br />

Veja mais imgens do fotógrafo:<br />

http://stevemccurry.com/<br />

75


DIREITO AUTORAL E<br />

DIREITO DE IMAGEM<br />

Julianna Nascimento Torezani<br />

LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL DE<br />

DIREITO AUTORAL<br />

Toda produção humana é considerada<br />

uma obra intelectual que deve ser protegida<br />

visando ser utilizada de forma correta pelas<br />

pessoas. Estas obras são expressas de<br />

alguma forma, através de textos, objetos,<br />

filmes, roupas, fotografias. Com a proliferação<br />

das imagens fotográficas, principalmente<br />

pela Internet, é importante que as pessoas<br />

conheçam as regras de uso e proteção de<br />

tais obras. No cenário legal, há uma série de<br />

documentos jurídicos que tratam da legislação<br />

específica no âmbito internacional e nacional<br />

diante das questões que envolvem o direito<br />

autoral.<br />

Estes textos foram criados, inicialmente,<br />

na Idade Moderna, em função do momento<br />

em que muitos autores de livros não tinha a<br />

posse de seus textos e nem mesmo o nome<br />

nas capas das cópias, por conta da impressão<br />

em grande escala, graças aos tipos móveis<br />

de Gutemberg. Assim, em 1710 foi criado, na<br />

Inglaterra, o Estatuto da Rainha Ana, como<br />

o primeiro documento que reconhece oficialmente<br />

o direito de autor para publicação de<br />

suas obras. A partir deste uma série de eventos<br />

foram organizados com o intuito de discutir<br />

a questão de autoria e propriedade das obras<br />

e, a partir de tais eventos, outros documentos<br />

foram criados e assinados por vários países<br />

reconhecendo também estes direitos.<br />

Atualmente, temos os seguintes textos de<br />

legislação internacional sobre direito autoral<br />

que tratam das regras de autoria e que indica<br />

as diretrizes para a criação de leis nacionais:<br />

Declaração Universal dos Direitos Humanos,<br />

Convenção de Berna e Convenção Universal<br />

de Genebra. Estas convenções coexistem<br />

como documentos jurídicos internacionais que<br />

tratam do direito autoral e foram assinados<br />

por vários países, inclusive o Brasil.<br />

Declaração Universal dos Direitos Humanos*:<br />

1948, Artigo XXVII indica quanto a<br />

criação e proteção de obras intelectuais:<br />

1. Toda pessoa tem o direito de participar<br />

livremente da vida cultural da comunidade,<br />

de fruir as artes e de participar do progresso<br />

científico e de seus benefícios. 2. Toda<br />

pessoa tem direito à proteção dos interesses<br />

morais e materiais decorrentes de qualquer<br />

produção literária ou artística da qual seja<br />

autor.<br />

Convenção de Berna*: texto de 1971 e<br />

revisão em 1979. Documento da Organização<br />

Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI),<br />

organismo da ONU, trata da proteção autoral<br />

e utilização de obras intelectuais:<br />

ARTIGO 2: Os termos “obras literárias e<br />

artísticas” compreendem todas as produções<br />

do domínio literário, científico e artístico,<br />

qualquer que seja o seu modo ou forma de<br />

expressão, tais como: os livros, folhetos e<br />

outros escritos; [...] as composições musicais<br />

com ou sem palavras; as obras cinematográficas,<br />

às quais são assimiladas as obras<br />

expressas por um processo análogo à cinematografia;<br />

[...] as obras fotográficas, às quais<br />

são assimiladas as obras expressas por um<br />

processo análogo ao da fotografia; as obras<br />

de artes aplicadas [...].<br />

Convenção Universal de Genebra*: texto<br />

de 1952 , revisão em 1971, em Paris. Documento<br />

da Organização Mundial da Propriedade<br />

Intelectual (OMPI), organismo da ONU,<br />

trata da proteção autoral e utilização de obras<br />

intelectuais:<br />

Artigo I - Cada um dos Estados Contratantes<br />

compromete-se a tomar todas as<br />

medidas necessárias a assegurar uma concreta<br />

e eficaz proteção dos direitos dos autores<br />

e de quaisquer outros titulares destes<br />

direitos sobre obras literárias, científicas e<br />

artísticas, tais como os escritos, as obras musicais,<br />

dramáticas e cinematográficas e as de<br />

pintura, gravura e escultura.<br />

*Todos os documentos são encontrados na<br />

Internet.


DIC<br />

Dica: livro sobre curadoria<br />

para fotografia<br />

O curador de algumas das mais importantes<br />

exposições de fotografia do Brasil, Eder Chiodetto<br />

(foto), lançou em setembro de 2013 através do<br />

Prémio Funart Marc Ferraz de Fotografia 2012, o<br />

e-book “Curadoria em Fotografia: da Pesquisa à<br />

Exposição”.<br />

O livro aborda os desafios, as etapas e os<br />

diferenciais que um curador de fotografia deve ter,<br />

além de relatar as experiências adquiridas pelo<br />

autor nos seus 10 anos de carreira e mais de 60<br />

exposições realizadas.<br />

“Curadoria em Fotografia: da Pesquisa à Exposição”<br />

tem um destaque especial uma vez que<br />

não existia no Brasil e no mundo uma publicação<br />

que tratasse especificamente em curadoria para<br />

exposições de fotografia.<br />

O e-book foi desenvolvido inicialmente, voltado<br />

Foto: Alcir Silva<br />

para fotógrafos e pesquisadores, mas estudantes,<br />

amantes da arte e o público em geral também<br />

conseguem ter um contato mais amplo sobre o<br />

assunto devido a forma como o livro foi escrito e<br />

montado, no formado de PDF interativo.<br />

“Curadoria em Fotografia: da Pesquisa à<br />

Exposição” pode ser baixado vou visualizado<br />

gratuitamente no site oficial de Eder Chiodetto<br />

(http://ederchiodetto.com.br). Para saber mais<br />

sobre o autor, vale conferir visita a entrevista dada<br />

ao site Olhavê (http://olhave.com.br/blog/entrevistando-eder-chiodetto).<br />

A dica é de Germana Soares, fotógrafa e professora<br />

das disciplinas de Curadoria e Gerenciamento de Cor<br />

do curso de Fotografia da Unicap<br />

78


AS<br />

A<br />

Amnésia<br />

Diretor: Christopher<br />

Nolan, 2000<br />

Interpretação da<br />

Luz: o controle de<br />

tons na fotografia<br />

preto-e-branco,<br />

1994<br />

http://www.<br />

dicasdefotografia.<br />

com.br/<br />

B<br />

A vida secreta de<br />

Walter Mitt<br />

Diretor: Ben Stiller,<br />

2013<br />

A câmera de<br />

Pandora: a<br />

fotografi@ depois<br />

da fotografia<br />

Joan Fontcuberta,<br />

2013<br />

http://www.<br />

vivianmaier.com/<br />

C<br />

Blow up - Depois<br />

daquele beijo<br />

Diretor: Michelangelo<br />

Antonioni, 1966<br />

Curadoria em<br />

Fotografia<br />

Eder Chiodetto, 2013<br />

http://olhave.com.br/<br />

blog/<br />

D<br />

Evandro Teixeira<br />

– Instantâneos da<br />

Realidade<br />

Diretor: Paulo<br />

Fontenelle, 2003<br />

Tudo sobre<br />

Fotografia<br />

Editora Sextante,<br />

2012<br />

http://www.<br />

studium.iar.<br />

unicamp.br/<br />

E<br />

Nascidos em<br />

Bordéis<br />

Direção: Ross<br />

Kauffman, Zana<br />

Briski, 2004<br />

Ligeiramente Fora<br />

de Foco<br />

Robert Capa, 2010<br />

http://lens.blogs.<br />

nytimes.com/<br />

Dicas de:<br />

A - Niedja Dias<br />

B - Carolina Monteiro<br />

C - Germana Soares<br />

D - Julianna Nascimento Torezani<br />

E - Renata Victor<br />

79


80<br />

Instagram:<br />

registro do<br />

presente<br />

Julianna Nascimento<br />

Torezani<br />

Câmeras em telefones celulares, aplicativos<br />

para edição de imagens e redes sociais<br />

são as novas estruturas que redesenham o<br />

modo de produção e recepção da imagem.<br />

Agora o viver está intensivamente mostrado<br />

aos outros pela rede mundial de computadores,<br />

misturando o espaço público com a<br />

esfera privada do corpo, das ideias, da intimidade.<br />

Assim, a fotografia não é apenas a<br />

captura do momento passado, mas passa a<br />

ser o registro do presente, de forma altamente<br />

efêmera.<br />

Entre as várias formas de produção e<br />

publicação instantâneas de imagens que


existem chegamos ao Instagram, que integra<br />

esses elementos de elaboração de imagens<br />

atuais. Criado em outubro de 2010 pelo<br />

brasileiro Mike Krieger e pelo norte-americano<br />

Kevin Systrom, tendo como origem o Burbn.<br />

Em apenas três meses no mercado já era<br />

usado por 1 milhão de pessoas. Em abril de<br />

2012, foi comprado pela empresa Facebook<br />

em um negócio que foi divulgado pela<br />

imprensa americana por 1 bilhão de dólares.<br />

Em junho de 2013, foi lançado o suporte<br />

para vídeos de 15 segundos de duração,<br />

inserindo mais uma possibilidade de criação<br />

de imagens.<br />

Em função da tecnologia digital em outros<br />

equipamentos, não seria diferente com a<br />

fotografia, em que os dispositivos trouxeram<br />

agilidade aos trabalhos, avançando ainda<br />

mais a invenção da instantaneidade do<br />

Polaroid. O momento atual, através das<br />

imagens, principalmente em plataformas<br />

digitais, mostram os códigos da vida social<br />

captados não apenas através da luz que<br />

atravessa as lentes, mas com o toque e<br />

retoque de refazer o mundo nesta nova<br />

forma de duplicidade. Para o antropólogo<br />

Luiz Eduardo Robinson Achutti (1995, p.<br />

439), “fotografar é aprender um olhar sobre<br />

o outro, este olhar é reificado em uma<br />

imagem, imagem esta que tenha o poder de<br />

captar olhares de outros outros. Que seria<br />

do fotógrafo se não contemplassem suas<br />

imagens? Fotografando, somos um olhar<br />

que busca olhares”. Através desta frase<br />

depara-se com a utilização do Instagram,<br />

onde as imagens ali expostas requer olhares,<br />

comentários, indicações “positivas”, assim<br />

a contemplação é buscada uma vez que<br />

se amplia a visualização através de demais<br />

redes sociais, algo precisa ser dito. Assim o<br />

traço físico da imagem fornece os sentidos<br />

desta reelaborados pelos cortes, molduras<br />

e cores, o que fica na memória não é sua<br />

concepção física e sim os significados que<br />

esta imagem carrega.<br />

Guerras, cultura, natureza, pessoas,<br />

viagens são alguns dos temas que a fotografia<br />

registra, traduz e eterniza. Mas um em<br />

especial teve o apogeu desde o século 19<br />

que nunca foi perdido, o retrato, ter a sua<br />

própria imagem em suporte, mesmo para dar<br />

de presente ao outro, atravessa os anos. A<br />

escolha do melhor traje, dos melhores lugares<br />

e móveis com a pose para a posteridade,<br />

esse encanto pessoal tornou-se um mercado<br />

rentável, muitos retratistas vão equipar<br />

seus estúdios com roupas e acessórios<br />

que possam ser usados para aqueles que<br />

se afirma em vida através da fotografia. O<br />

filósofo alemão Walter Benjamin (1994, p. 98)<br />

relata os acontecimentos sobre a fotografia<br />

até o início do século 20, dando destaque aos<br />

retratos: “os acessórios desses retratos, com<br />

seus pedestais, balaustradas e mesas ovais<br />

evocam o tempo em que, devido à longa<br />

duração da pose, os modelos precisavam ter<br />

pontos de apoio para ficarem imóveis”.<br />

O que seriam os inúmeros retratos feitos<br />

na atualidade, também uma afirmação da<br />

vida? Poses, trajes e lugares são escolhidos<br />

a todo momento e reconfigurados pelas<br />

ferramentas de edição que possibilitam<br />

também eliminar ou mudar algo que não<br />

agrada. A representação humana quer<br />

sempre anular algo e afirmar outro elemento,<br />

a ideia do pós-humano, de mostrar além da<br />

realidade, sempre existiu. Neste momento,<br />

o retrato contemporâneo também quer ser<br />

colocado à disposição do olhar do outro, mas<br />

agora esse retrato pode mudar rapidamente<br />

e incessantemente, sendo reconstruído no<br />

cotidiano, o que faz surgir inclusive novas<br />

terminologias, como “selfies”. Há uma<br />

publicização da vida íntima, doméstica,<br />

privada, o futuro que o artista plástico norteamericano<br />

Andy Warhol vislumbrou em que<br />

todos teriam 15 minutos de ‘fama’ chegou.<br />

Com essas possibilidades tecnológicas de<br />

criação de imagens temos uma nova estética,<br />

que é da vida íntima, da cenografia, da cultura<br />

da construção do mundo com a teatralização<br />

dos momentos e dos gestos, criando assim o<br />

pós-humano, pode-se dizer até de um neopictorialismo,<br />

com corpos mutantes em cena<br />

que se vislumbra uma arte contemporânea<br />

que vai além da fotografia, mas em toda sua<br />

performance, na instalação, no vídeo. De<br />

acordo com a pesquisadora Lucia Santaella<br />

(2006, p. 181), “enxames de fotos dos mais<br />

variados tamanhos e espécies e nos mais<br />

81


82<br />

variados lugares, interiores e exteriores,<br />

povoam o mundo e, além de fazerem parte da<br />

realidade tanto quanto os objetos fotografados<br />

o fazem, as fotos têm um poder multiplicador<br />

que os objetos não têm”. Nesta reflexão, seria<br />

o Instagram o telegrama contemporâneo,<br />

numa releitura de fotografar e enviar, algo<br />

instantâneo e com respostas instantâneas.<br />

Encontra-se assim uma produção<br />

fotográfica que reelabora o real, construindo<br />

uma realidade. Filtros, molduras, foco,<br />

desfoque e as várias alterações feitas na<br />

imagem sugerem um outro referente, que<br />

parte do existente e transforma-se nas<br />

possibilidades de edição. Nessa construção<br />

da realidade o pesquisador Boris Kossoy<br />

(1999, p. 43) indica que “a representação<br />

fotográfica é uma recriação do mundo físico<br />

ou imaginado, tangível ou intangível; o<br />

assunto registrado é produto de um elaborado<br />

processo de criação por parte de seu<br />

autor”. Entre os elementos que possibilitam<br />

essa construção está o Instagram, usado<br />

por milhões de pessoas no mundo, numa<br />

reelaboração constante do que é visto,<br />

trazendo os traços do real, mas altamente<br />

produzido numa performance neo-pictorialista.<br />

E na reflexão da professora e jornalista<br />

Dulcilia Schroeder Buitoni (2011, p. 174), “na<br />

produção multimídia, a tecnologia digital é<br />

utilizada para produzir uma convergência da<br />

imagem fotográfica estática com o cinema,<br />

o vídeo, a fala e os sons gravados, material<br />

de texto e imagens gráficas. Tudo isso<br />

permite um tipo de edição transformadora,<br />

dentro de meios previamente diferenciados,<br />

para construir novos tipos de arquitetura<br />

audiovisual”. Não é mais a fotografia por si só,<br />

mas uma fotografia ligada a outros elementos,<br />

inclusive o som, que traduz esse novo modelo<br />

vida utilizando as tecnologias da imagem.<br />

A experiência imagética do Instagram mescla<br />

fotografia, vídeo, mobilidade e redes sociais<br />

em um regime de visualidade contemporâneo<br />

criando um novo conceito de fotografia de<br />

se fazer e ver a imagem. O famoso slogan da<br />

Kodak “você aperta o botão e nós fazemos o<br />

resto” para o modelo “vocês apertam o botão<br />

e fazem o resto”, colocando essa condição de<br />

fazer na possibilidade de cada um pode editar


Fotos: Julianna Torezani<br />

como quiser a imagem e publicá-la pelas redes sociais.<br />

Ainda no paralelo sobre a Kodak e o Instagram, o jornalista e<br />

professor José Afonso da Silva Junior (2012, p. 03-04) defende que<br />

“podemos entender nesse eixo de antípodas entre os modelos Kodak<br />

vs. Instagram a distribuição como um conceito que é substituído<br />

pelo de circulação. Um sistema de distribuição opera de forma centralizada,<br />

mantém uma hierarquia rígida entre os participantes e tem<br />

como objetivo principal à entrega de produtos acabados e uniformes<br />

ao consumidor. Um sistema de circulação flexibiliza e coloca em<br />

crise a concepção de hierarquia, assimila a lógica descentralizada da<br />

própria rede e gera a disseminação das informações como elemento<br />

necessário à experiência. A distribuição enfatiza o consumo. A circulação<br />

faz apologia da participação. Para a fotografia, circular é ter em<br />

conta a consideração a desmaterialização dos suportes, a flexibilizarão<br />

das ferramentas de tratamento da imagem e a amplificação dos<br />

canais de acesso da fotografia como produção simbólica”. A fotografia<br />

sempre encantou as pessoas, mesmo os retratos daguerreotípicos em<br />

83


albumina e prata do século XIX à imagem na<br />

tela do telefone celular, a busca pela imagem<br />

e a eternização dos momentos através de<br />

índices iconográficos faz-se mover o ser humano,<br />

em sua finitude ou espetacularização.<br />

A cultura visual contemporânea é a cultura<br />

do compartilhamento, deixou de se mostrar<br />

o álbum físico a alguém para mostrar uma<br />

imagem a todos através da Internet, assim<br />

os dispositivos que produzem as imagens<br />

permitem novas formas de interação humana<br />

na transmissão do que são, desta forma as<br />

pessoas se veem pelas imagens fotográficas.<br />

A convergência de mídias e tecnologias favorece<br />

um mundo imagético múltiplo e híbrido,<br />

para ampliar as potencialidades do olhar,<br />

surgindo assim também uma nova estética.<br />

Refletindo nesta direção, seria o Instagram o<br />

carte de visite contemporâneo?<br />

Referências:<br />

ACHUTTI, Luiz Eduardo Robinson. Imagem e Fotografia: aprendendo<br />

a olhar. In: Corpo e significado: ensaios de antropologia social.<br />

Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1995.<br />

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios<br />

sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sergio Paulo<br />

Rouanet. 7 ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Obras escolhidas; v. 1).<br />

Título original: Auswahl in Prei Bänden.<br />

BUITONI, Dulcilia Schroeder. Fotografia e jornalismo: a informação<br />

pela imagem. São Paulo: Saraiva, 2011. (Coleção Introdução<br />

ao Jornalismo; v. 6).<br />

KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. Cotia,<br />

SP: Ateliê Ed., 1999.<br />

SANTAELLA, Lucia. Por uma epistemologia das imagens<br />

tecnológicas: seus modos de apresentar, indicar e representar a<br />

realidade. In: ARAUJO, Denize Correa. Imagem (ir)realidade: comunicação<br />

e cibermídia. Porto Alegre: Sulina, 2006.<br />

SILVA JUNIOR, José Afonso. Da fotografia Expandida à Fotografia<br />

Desprendida: Como o Instagram Explica a Crise da Kodak e<br />

Vice-versa. In: Anais do XXXV Congresso Brasileiro de Ciências da<br />

Comunicação. Fortaleza: Intercom, 2012.<br />

Foto: Julianna Torezani<br />

84<br />

Foto: Registro.br/Reproducão


Como ser profissional<br />

também no mundo<br />

digital<br />

Um bom portfólio na internet e<br />

uma estratégia de redes sociais são<br />

fundamentais para divulgação do<br />

trabalho<br />

Carolina Monteiro*<br />

Desde que o Google se tornou uma espécie<br />

de oráculo do mundo digital, tente lembrar<br />

da última vez que procurou por um produto<br />

ou serviço e não recorreu à ferramenta de<br />

buscar para encontrar informações, endereço,<br />

telefone ou comentários? Com os serviços<br />

de fotografia não é diferente e quem procura<br />

um bom profissional, seja para eternizar os<br />

momentos mais importantes da vida ou para<br />

contratar com segurança, também recorre ao<br />

buscador e/ou, mais recentemente, às redes<br />

sociais. Por isso, os fotógrafos profissionais<br />

não devem descuidar da sua “presença online”<br />

com um excelente portfólio digital, uma<br />

boa posição no ranking de busca do Google e<br />

uma estratégia correta para as redes sociais.<br />

Como em vários aspectos da vida, a primeira<br />

impressão é a que fica. Então, uma<br />

presença na internet começa com um portfólio<br />

profissional, um endereço onde você<br />

possa mostrar as suas melhores fotos, falar<br />

um pouco sobre suas qualificações, áreas de<br />

especialidade e interesses, além de facilitar<br />

o contato com os clientes em potencial. Um<br />

primeiro cuidado deve ser registrar o domínio,<br />

ou seja, o endereço do seu site na internet.<br />

O ideal é que ele seja o mais fácil possível<br />

de decorar e não fuja muito do formato www.<br />

seunomeprofissional.com.br.<br />

Se o endereço já estiver sendo usado<br />

por outro profissional homônimo, a dica é<br />

escolher um domínio.com (usado geralmente<br />

por sites americanos, mas disponível para<br />

quem registrar e pagar por ele). O registro<br />

do domínio e a checagem da disponibilidade<br />

ou não do endereço .com.br pode ser feito<br />

no www.registro.br, ao custo de R$ 30,00<br />

por ano. No caso dos domínios .com, o<br />

registro é feito em sites americanos que<br />

fornecem ou serviço ou através de serviços<br />

que já oferecem toda a estrutura (design e<br />

ferramenta para atualizações do portfólio)<br />

como os que veremos a seguir.<br />

85


86<br />

Se como webdesigner você é um excelente<br />

fotógrafo, deixe o trabalho para<br />

outros profissionais. Procure um escritório<br />

ou designer especializado e participe ativamente<br />

do processo de criação sugerindo<br />

sites de outros fotógrafos que possam servir<br />

como referência do que você procura. O ideal<br />

é que o site seja o mais “clean” possível<br />

para que as fotos, as grandes “estrelas” do<br />

site, possam se sobressair. Se for contratar<br />

um profissional ou empresa para fazer<br />

o seu portfólio esteja atento à forma como<br />

vai mantê-lo atualizado depois de pronto<br />

e escolha uma proposta que lhe ofereça<br />

também a possibilidade de que você mesmo<br />

possa atualizar ao final de cada trabalho e<br />

fuja das propostas nas quais o designer fica<br />

responsável por isso. Este tipo de relação<br />

quase sempre termina com o fotógrafo<br />

insatisfeito porque as atualizações não são<br />

feitas com a rapidez ou frequência que ele<br />

precisa.<br />

Caso a grana esteja curta para contratar<br />

uma empresa, saiba que é possível você<br />

mesmo criar o seu site em serviços específicos<br />

para este fim. O resultado pode ser<br />

surpreendente. A maioria deles funciona<br />

com a oferta de vários “templates” (modelos<br />

de página), que podem ser personalizados<br />

com o endereço eletrônico do fotógrafo,<br />

logomarca, paleta de cores e formatos das<br />

galerias de fotos e tamanhos das imagens.<br />

Um dos mais conhecidos deles é o Wix<br />

(www.wix.com), que oferece várias opções<br />

de sites específicos para fotógrafos e outros<br />

profissionais liberais, com bom design e layouts<br />

para vários perfis de fotógrafos (casamento,<br />

esportes, natureza, fotojornalismo<br />

etc). O serviço oferece o pacote completo<br />

(endereço, design e plataforma para atualização)<br />

por R$ 25,00 por mês. Na verdade,<br />

é possível fazer até de graça, mas você não<br />

poderá usar o seu endereço próprio e também<br />

terá pequenos anúncios na sua página,<br />

tirando a cara de site profissional que você<br />

precisa ter.<br />

Um formato mais simples, mais fácil de<br />

criar porém mais limitado é o Carbonmade<br />

(www.carbonmade.com). O endereço é<br />

bastante usado por fotógrafos, designers e<br />

Foto: Wix.com/Reprodução<br />

ilustradores e custa US$ 12 por mês (o site é<br />

americano e, portanto, todo em inglês, o que<br />

pode dificultar a vida de quem não fala bem a<br />

língua). De qualquer forma, o Carbonmade é<br />

um dos mais simples e fáceis de usar. Outra<br />

opção é o 4Format (www.4format.com), também<br />

em inglês, com valor mensal de US$ 6<br />

por opções de design bem minimalistas, todas<br />

com as fotos fullscreem (tela inteira) e possibilidade<br />

de registrar e criar ou usar o seu<br />

endereço próprio.<br />

Seja qual for a sua opção para criar o<br />

portfólio, alguns detalhes não podem passar<br />

despercebidos, entre eles a qualidade e o<br />

tamanho das imagens. A qualidade deve<br />

ser inerente ao seu trabalho, claro, mas as<br />

fotos escolhidas devem ser significativas<br />

para o ramo da fotografia na qual você atua,<br />

além de ter qualidades técnica e estética<br />

suficientes para causar uma boa impressão<br />

e mostrar suas habilidades profissionais. A<br />

resolução também precisa ser levada em<br />

consideração para que as imagens tenham<br />

boa visualização, sem ficarem pesadas o<br />

suficiente para deixar o seu site lento. Por<br />

isso, esqueça qualquer foto em RAW e<br />

faça o upload dos arquivos em JPG, com


Foto: Carbonmade.com/Reprodução<br />

resolução máxima de 80 dpi, que é mais do<br />

que suficiente já que os arquivos são para<br />

visualização em tela e não para impressão.<br />

Quanto ao tamanho, no caso dos temas<br />

fullscreem, a largura deve ter em média<br />

1280px (que é a resolução de tela mais usada<br />

pelos internautas atualmente), garantindo a<br />

qualidade da exibição da foto.<br />

Lançar o portfólio na internet é o<br />

primeiro passo, mas depois de estar no ar<br />

o ideal é que o seu endereço apareça bem<br />

posicionado no Google quando o internauta<br />

fizer uma busca, principalmente no seu tipo<br />

de especialidade fotográfica. Se trabalha<br />

registrando casamentos no Recife, a busca<br />

que mais interessa para você é “fotografia<br />

+ casamento + recife” ou variações destas<br />

três “tags”, como são chamadas as palavraschave<br />

de uma busca na web. Neste caso,<br />

você precisa conhecer mais sobre as técnicas<br />

de SEO (Search Engine Optmization ou<br />

Otimização para Engenho de Busca). Tratase<br />

de um conjunto de procedimentos técnicos<br />

e semânticos para o um site seja bem<br />

posicionado nas pesquisas.<br />

Entre as estratégias mais conhecidas<br />

estão a atualização frequente do seu site, a<br />

divulgação do endereço em redes sociais,<br />

blogs e fóruns de fotografia, além do preenchimento<br />

dos campos de TAGs oferecidos<br />

pela maioria dos serviços de publicação (Wix<br />

e Carbonmade, entre eles) Por fim, deve-se<br />

também nomear os arquivos de fotos com<br />

palavras-chave relevantes<br />

(fotocasamentorecife1.jpg,<br />

fotocasamentorecife2.jpg<br />

etc), em vez dos tradicionais<br />

DSC000001.jpg, por exemplo.<br />

Com os cuidados<br />

devidamente tomados, a<br />

parte final de uma estratégia<br />

profissional de uso das mídias<br />

digitais é a presença nas<br />

redes sociais. Em todos os<br />

setores, redes como Twitter,<br />

Instagram e, principalmente,<br />

o Facebook vêm sendo<br />

usados como ferramentas de<br />

marketing extremamente eficazes e rentáveis.<br />

Neste caso, crie perfis profissionais em<br />

quantas puder manter sempre atualizadas<br />

(se for para não atualizar, é melhor nem<br />

criar!), divulgue seus trabalhos mais recentes,<br />

interaja com os internautas e com outros<br />

profissionais e construa uma reputação digital<br />

não apenas postando sobre você e suas<br />

fotos, mas conversando sobre assuntos de<br />

interesse da sua área de expertise.<br />

* Carolina Monteiro é jornalista, mestre<br />

em Design pela UFPE e professora da<br />

disciplina de Mídias Digitais da Unicap<br />

Foto: 4Format.com/Reprodução<br />

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