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Revista Letras ComVida, Número 2 - 2º Semestre de - LusoSofia

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Instantâneos<br />

dossiê escritor<br />

<strong>de</strong> João <strong>de</strong> Araújo Correia<br />

Uma saltada ao Douro para a inauguração, na Biblioteca Municipal da Régua, do espaço<br />

reservado a livros que pertenceram a João <strong>de</strong> Araújo Correia. Já ali estão alguns – cerca<br />

<strong>de</strong> 50 – que me lembro <strong>de</strong> ter visto ainda no gabinete <strong>de</strong> trabalho do escritor. Lá estão<br />

os seus autores portugueses predilectos – Camilo, Eça, Ramalho, Trinda<strong>de</strong> Coelho, Raul<br />

Brandão, Aquilino – e confra<strong>de</strong>s tão próximos como Gue<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Amorim. E a Gran<strong>de</strong> Enciclopédia<br />

Portuguesa e Brasileira.<br />

Também me levou ao Douro o ritual das vindimas, prejudicado pela chuva. Não a céu<br />

aberto, pu<strong>de</strong> gozar porém o espectáculo, o pagão espectáculo – tal o aroma, a cor, o<br />

ritmo – da lagarada.<br />

Pela primeira vez reli as muitas cartas que João <strong>de</strong> Araújo Correia me escreveu, <strong>de</strong> finais<br />

dos anos 60 a meados dos anos 80. Elas me fizeram recordar e reviver coisas <strong>de</strong>sse tempo.<br />

Hoje que a epistolografia está (quase) em vias <strong>de</strong> extinção, privado o futuro <strong>de</strong> insubstituíveis<br />

testemunhos do passado (já nem os escritores se dão ao trabalho <strong>de</strong> escrever<br />

cartas), João <strong>de</strong> Araújo Correia é um dos últimos abencerragens <strong>de</strong> um tempo em que se<br />

comunicava por escrito, e se agra<strong>de</strong>cia um livro, um recorte, uma informação.<br />

João <strong>de</strong> Araújo Correia gostava que reconhecessem, com os seus méritos <strong>de</strong> contista e<br />

<strong>de</strong> cronista, a sua vocação <strong>de</strong> epistológrafo, que, sendo privada, era menos conhecida<br />

ou até ignorada. Tive o privilégio <strong>de</strong> beneficiar <strong>de</strong>sse feitio <strong>de</strong> carteador, que, vivendo<br />

isolado dos meios literários, julgava encontrar em mim um <strong>de</strong>stinatário atento. Homem<br />

austero, guardava-se <strong>de</strong> confidências e inconfidências. Nessa reserva e concisão verbal<br />

se revelava também um escritor clássico. Só se alterava com <strong>de</strong>satenções, <strong>de</strong>slealda<strong>de</strong>s,<br />

vilanias. Mas tirava o chapéu a quem se comportava <strong>de</strong> outro modo. Era um humanista<br />

o velho mestre.<br />

De manhã, João <strong>de</strong> Araújo Correia entra em minha casa pela mão simpática <strong>de</strong> uma repórter<br />

e <strong>de</strong> técnicos <strong>de</strong> televisão que preparam um documentário sobre o escritor. Vêm<br />

registar o meu testemunho sobre ele. Para mim, o escritor e o homem são um só, pelo<br />

rigor da escrita e a <strong>de</strong>dicação aos doentes. Respeitava os leitores como os que batiam à<br />

porta do consultório. Escritor <strong>de</strong> raiz rural, como se diz um pouco <strong>de</strong>preciativamente, foi<br />

sempre um <strong>de</strong>fensor <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s causas – o idioma, o ambiente, o termalismo, o património.<br />

E ecologista, quando não era ainda corrente sê-lo. Também universal: os seus contos<br />

durienses retratam o homem que é o mesmo em qualquer latitu<strong>de</strong>.<br />

joão bigotte chorão<br />

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