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A QUESTÃO DO DUPLO EM DUAS NARRATIVAS BRASILEIRAS

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um mesmo eu desdobra-se em pessoas distintas e opostas<br />

(RODRIGUES, 1988, p. 44).<br />

Qualquer uma das faces assumidas permitirá à oposta o questionamento,<br />

criando um jogo de situações que, quando bem trabalhados, podem fornecer ao texto um<br />

denso arremate psicológico. Compõe-se, assim, uma tessitura intrincada na qual valores<br />

inerentes ao humano podem ser discutidos.<br />

Nesse sentido, o tema do duplo, no século XIX, agrega um valor maior aos<br />

textos que se classificam nas categorias do terror/horror, suspense/mistério. Ao se olhar<br />

para trás, nos primórdios da ficção gótica, o que se encontra são as dualidades<br />

trabalhadas nas figuras do herói/heroína e do vilão, os quais, na maioria das vezes, não<br />

conseguiam fugir às convenções que o gênero impunha, o que os tornava triviais e<br />

dedutíveis. Nem é possível, falar, nesse sentido em duplo; o que se tinha era mais um<br />

jogo de ações que se antagonizavam no perfil prescrito do bem, encarnado no herói ou<br />

na heroína, e no do mal, mérito exclusivo do vilão.<br />

A partir do momento em que se deixa de trabalhar apenas com a ação, e<br />

também começam a se explorar a complexidade da alma e dos estados psicológicos do<br />

indivíduo, aprofunda-se mais a reflexão e permite-se um maior ângulo de visão sobre<br />

quaisquer temáticas que se constituam integrantes Humanidade. Têm-se, portanto, o<br />

cenário e as condições ideais para se aprofundar a dimensão que envolva a temática do<br />

duplo e de todos os motivos que dele possam se originar.<br />

Essa dimensão foi largamente discutida, no século XIX, em obras que<br />

ocuparam e ainda ocupam lugar de destaque na literatura universal, como são os casos<br />

dos já citados textos de Stevenson, Poe e Wilde. O tema, porém, não ficou circunscrito<br />

ao oitocentos, passando a figurar, também, na literatura moderna e contemporânea; além<br />

disso, não se conteve apenas na ficção de terror/horror, suspense/mistério, transpondo<br />

esses limites e vindo a ocupar outros gêneros ou categorias.<br />

A literatura brasileira transitou pelo tema, da mesma forma como o fez por<br />

outros tantos que integram textos ligados ou não ao fantástico. É possível, por exemplo,<br />

discutir a questão em textos canônicos da literatura nacional, como vem a ser o caso de<br />

Lucíola (1862) de José de Alencar, onde se tem a duplicidade da virgem prostituta.<br />

Lúcia, a prostituta, é a figura ou personagem que emerge, por força da necessidade, de<br />

Maria, a virgem sofredora. O antagonismo entre a persona que Maria encarna e o seu eu<br />

interior acabam por levá-la ao aniquilamento.<br />

Este trabalho, todavia, buscará analisar a questão duplo em duas narrativas<br />

brasileiras um pouco menos conhecidas do público leitor em geral: A mortalha de Alzira<br />

de Aluísio Azevedo e Esfinge de Coelho Neto. Embora os autores das respectivas obras<br />

ocupem lugar nas historiografias literárias, pouco crédito é dado a essas produções, o<br />

que as relega a ocupar um papel secundário ou marginal dentro do cânone imposto.<br />

Há de se buscar, portanto, por meio de uma análise do duplo, trazer à evidência<br />

tais textos que, muito embora possam não ocupar lugar de destaque entre a crítica ou a<br />

historiografia, integram de forma efetiva toda uma produção ligada aos temas sombrios<br />

e macabros sobre os quais se merece trazer mais luz.<br />

2. O <strong>DUPLO</strong> <strong>EM</strong> A MORTALHA DE ALZIRA<br />

Um dos exemplos de que se tem notícia na produção nacional cujo tema se<br />

desenvolve em torno de um jogo de duplicidade é o romance A mortalha de Alzira de<br />

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